A FÉ RACIOCINADA. Como introdução ao estudo da fé raciocinada, é imperioso citar um trecho do evangelho muito comentado acerca de tão árido tema:
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- João Henrique Martins Franco
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1 A FÉ RACIOCINADA Como introdução ao estudo da fé raciocinada, é imperioso citar um trecho do evangelho muito comentado acerca de tão árido tema: Quando ele veio ao encontro do povo, um homem se lhe aproximou e, lançando-se de joelhos a seus pés, disse: Senhor, tem piedade do meu filho, que é lunático e sofre muito, pois cai muitas vezes no fogo e muitas vezes na água. Apresentei-o aos teus discípulos, mas eles não o puderam curar. Jesus respondeu. dizendo: Ó raça incrédula e depravada, até quando estarei convosco? Até quando vos sofrerei? Trazei-me aqui esse menino. - E tendo Jesus ameaçado o demônio, este saiu do menino, que no mesmo instante ficou são. Os discípulos vieram então ter com Jesus em particular e lhe perguntaram: Por que não pudemos nós outros expulsar esse demônio? - Respondeu-lhes Jesus: Por causa da vossa incredulidade. Pois em verdade vos digo, se tivésseis a fé do tamanho de um grão de mostarda, diríeis a esta montanha: Transporta-te daí para ali e ela se transportaria, e nada vos seria impossível. (S. MATEUS, cap. XVII, vv. 14 a 20.) Segundo Kardec (1996), as palavras de Jesus não podem ser entendidas no sentido físico, embora o homem tenha condições físicas para executar diversas tarefas. Ele fala no sentido moral. Assim, as montanhas são todas as dificuldades encontradas no caminho daquele que busca o próprio progresso, como o egoísmo, o orgulho, o interesse material, as vaidades, as paixões, etc. E a fé? Como podemos conceituá-la? A fé, nesse aspecto, é a confiança do homem nos seus destinos, o sentimento que o leva na direção da Potência Infinita é a certeza de estar seguro no caminho que conduz à verdade. (DENIS, 2011, p. 333) Conforme Emmanuel (2008, questão 354), conseguir a fé é alcançar a possibilidade de não mais dizer eu creio, mas afirmar eu sei, com todos os valores da razão tocados pela luz do sentimento. Assim como as demais virtudes, a fé é uma aquisição do espírito.
2 Ninguém a adquire sem ter experimentado o medo, a dúvida, o desespero. São as provas da vida que nos impulsionam à sua aquisição. Não pode ser imposta e não há quem não possa adquiri-la. Geralmente, associamos a fé às crenças em dogmas religiosos. Mas a fé é uma certeza que o homem tem e que pode ser manifestada em relação a vários objetivos (DENIS, 2011). Temos fé em nós mesmos, temos fé que vamos acordar, tomar café, que teremos pão em nossa mesa, etc. De acordo com Kardec (1996), a fé necessita de uma base, base que é a inteligência perfeita daquilo em que se deve crer. E, para crer, não basta ver; é preciso, sobretudo, compreender. Nesse sentido, é preciso diferenciar a fé raciocinada da fé cega, que exige do homem a abdicação de suas prerrogativas mais essenciais: o raciocínio e o libre-arbítrio (KARDEC, 1996). Fé cega porque impede o homem de submeter as suas teorias ao próprio julgamento, ao controle do discernimento. Está, geralmente, associada aos excessos, ao constrangimento, à dominação e ao fanatismo. Não se pensa, não se analisa, não se prova (DENIS, 2011). A fé cega ensinou aos homens a humilharem-se e a sofrer. Pervertida pelo espírito de dominação, foi a causa de muitos crimes. (DENIS, 2011, p. 334) A fé raciocinada, por se apoiar nos fatos e na lógica, nenhuma obscuridade deixa. A criatura então crê, porque tem certeza, e ninguém tem certeza senão porque compreendeu. Eis por que não se dobra. Fé inabalável só o é a que pode encarar de frente a razão, em todas as épocas da Humanidade. (KARDEC, 1996) A fé raciocinada exige os livres discernimento e julgamento, ou seja, a liberdade de pensar. Não se deixa levar por mistérios, dogmas, preceitos ou teorias que fogem à razão e à ciência.
3 A razão é uma faculdade superior, destinada a nos esclarecer sobre todas as coisas; desenvolve-se e aumenta com o exercício, como todas as nossas faculdades. A razão humana é um reflexo da Razão Eterna: É Deus em nós, disse São Paulo. Desconhecer seu valor, sua utilidade, é desconhecer a natureza humana e ultrajar a própria Divindade. Querer substituir a razão pela fé é ignorar que todas duas são solidárias. Elas se fortalecem e vivificam-se uma a outra. Sua união descortina ao pensamento um campo mais vasto; ela harmoniza nossas faculdades e nos proporciona a paz interior. (DENIS, 2011) A fé raciocinada é a base do Espiritismo e a ela conduz, pois reconhece que a todos é acessível o conhecimento/o estudo das leis naturais a partir de uma observação direta e racional. Reflitamos sobre uma questão feita a Emmanuel: 360 Qual deve ser a ação do espiritista em face dos dogmas religiosos? -Os novos discípulos do Evangelho devem compreender que os dogmas passaram. E as religiões literalistas, que os construíram, sempre o fizeram simplesmente em obediência a disposições políticas, no governo das massas. Dentro das novas expressões evolutivas, porém, os espiritistas devem evitar as expressões dogmáticas, compreendendo que a Doutrina é progressiva, esquivando-se a qualquer pretensão de infalibilidade, em face da grandeza inultrapassável do Evangelho. (EMMANUEL, 2008) Apesar de a resposta acima ter sido dada há mais de setenta anos, mostra-se muito atual. Isso porque somos seres históricos e carregamos, no nosso mundo íntimo, crenças, hábitos, tradições e valores cultivados por muitos séculos. Tais certezas acabam por gerar em todos, inclusive em nós, espíritas, a paralisia do raciocínio e o dogmatismo. Urgente se mostra a reciclagem de nossas posturas diante de novos conceitos, de novas ideias, exercitando o desapego. Como nos ensina Dufaux,
4 a edificação do homem novo reclama, sobretudo, lucidez intelectual sobre as causas de nossas atitudes. Por isso, somente abandonando visões fixas e ampliando perspectivas de compreensão. Muitos corações bafejados pelas claridades do Espiritismo chegam por aqui como alunos que fizeram cola, ou seja, viveram às expensas do que pensavam outros coidealistas ou seguiram os ditados mediúnicos com rigor na letra. Em face disso, deixaram de experimentar a mais notável vivência da alma enquanto na carne: A solidificação da fé raciocinante. (DUFAUX, 2005, p. 112) E, como podemos perceber, a fé é uma construção da nossa individualidade. Não a adquirimos coletivamente. Mas, até hoje, muitos de nós sentem a necessidade de um mediador para o estabelecimento da conexão com o divino. Seja um mentor ou um amigo espiritual. Com isso, acabamos por terceirizarmos as nossas escolhas existenciais, abdicando do senso crítico, na contramão do processo moderno de busca pela autonomia do indivíduo, apto à construção da fé raciocinante. Isso não quer dizer que as literaturas e os demais recursos, inclusive mediúnicos, não sejam úteis na construção da fé raciocinante. Todavia, como nos diz Dufaux (2005, p. 112), o desenvolvimento da fé pensante não ocorre por osmose, e sim por etapas pertinentes à singularidade de cada criatura. O Espiritismo, atento ao contexto, resgatou, no campo religioso, a ideia de individualidade, trazendo à tona noções como as conquistas evolutivas do Espírito enquanto individualização do princípio inteligente, seu livre-arbítrio; suas escolhas, que são instrumentos de aperfeiçoamento; sua consciência, onde estão inscritos os fragmentos das vidas passadas; e instaurando o Deus deísta, que respeita a estabilidade do universo, garantida por leis inderrogáveis com as quais não se confunde; um Deus que não proíbe, e sim fornece princípios de bem viver, sem fazer dos erros pecados, porque sabe que é da lei natural que cada ser esteja no seu grau apropriado. (NEVES, 2015) Nesse sentido, o Espiritismo é contrário à terceirização das escolhas existenciais, e nos recomenda o exercício da razão e do livre-
5 arbítrio, do bom senso e da compreensão, a fim de possibilitar o autoencontro, o autoconhecimento. Desvendando o nosso eu real, seremos capazes de construirmos a fé pensante, adequando o conhecimento espírita à nossa individualidade, respeitando o nosso livre-arbítrio e a nossa racionalidade. REFERÊNCIAS DENIS, Léon. Depois da morte: explicação da doutrina dos espíritos. Tradução de Maria Lúcia Alcântara de Carvalho. Rio de Janeiro: CELD, ed. DUFAUX, Ermance (Espírito). Reforma íntima sem martírio. Psicografia de Wanderley Soares de Oliveira. Belo Horizonte: Dufaux, ed. EMMANUEL (Espírito). O consolador. Psicografia de Francisco Cândido Xavier. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira (FEB), ed. KARDEC, Allan. O evangelho segundo o Espiritismo. Tradução de J. Herculano Pires. Brás: Lake, ed. NEVES, Zuenir de Oliveira. O ESPÍRITA E A TERCEIRIZAÇÃO DAS ESCOLHAS EXISTENCIAIS. Disponível em: < %C3%ADrita-e-a-Terceiriza%C3%A7%C3%A3o-das-Escolhas- Existenciais.pdf> Acesso em: 14 jul
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