A IMAGEM DA MULHER NAS CANTIGAS DE AMIGO DE PERO MEOGO
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- Paulo Amorim Lacerda
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1 A IMAGEM DA MULHER NAS CANTIGAS DE AMIGO DE PERO MEOGO Ana Lídia da Silva Gonçalves 1 Márcia M. Melo Araújo 2 INTRODUÇÃO Este trabalho tem como objetivo relatar as atividades do Plano de Trabalho intitulado A imagem da mulher nas cantigas de amigo de Pero Meogo, desenvolvidas no Projeto de Pesquisa A imagem da mulher nas pastorelas de Airas Nunes e D. Dinis: mito e simbolismo no imaginário medieval, sob coordenação da Profa. Dra. Márcia Maria de Melo Araújo. Assim, trouxemos para esta investigação sobre a mulher na lírica trovadoresca galegoportuguesa, um estudo das cantigas de amigo, espécies de composições poéticas de estrutura paralelística simples e ritmo nas estrofes. De acordo com Moisés (2001), as cantigas de amigo são compostas pelo trovador, que mostra o sofrimento ou o júbilo do encontro amoroso da mulher, quase sempre pertencente às camadas populares (pastoras, camponesas). Em regra, o trovador era o autor das composições que trazem a voz feminina, com seus sentimentos e vontades. As cantigas descrevem o primeiro encontro, o protesto do amor, as brigas e reconciliamento, os aborrecimentos costumeiros, os afetos e a dor da saudade. Nesse sentido, a mulher é apresentada nas cantigas de amigo através da visão que os trovadores têm dos seus sonhos e desejos. Nessa época, geralmente elas eram vistas como inferiores, que não tinham vida social, política, eram simplesmente donas de casa mesmo, não podiam governar as suas casas, pois sempre estavam sob o poder, ou seja, a submissão ao pai, marido ou sogro. As famílias apresentavam um domínio até nas escolhas dos seus maridos. Muitas interessadas pelo poder financeiro que o Senado apresentava, exigiam que suas filhas 1 Graduanda em Letras Português/Inglês e suas respectivas literaturas, bolsista PBIC/UEG, câmpus Pires do Rio, analidia257@hotmail.com 2 Professora de Literaturas de Língua Portuguesa, Universidade Estadual de Goiás, Pires do Rio, Goiás. Doutora em Estudos Literários pela Universidade Federal de Goiás. Líder do Grupo de Estudo e Pesquisa em Literaturas de Língua Portuguesa/GEPELLP/CNPq.
2 se casassem apenas com homens que tinham cargos altos nesse lugar. Algumas famílias ricas só aceitavam que as mulheres se casassem com homens da mesma classe social. A mulher era considerada um objeto de domínio e de procriação. Como podemos observar a imagem da mulher na Idade Média, estava condicionada aos costumes e às tradições vigentes no Ocidente medieval. Esse trovador, ou seja, Pero Meogo com atividade poética entre 1260 e 1300, deixounos nove cantigas de amigo, cujo segmento narrativo pode ser retomado a partir da cantiga inicial, indo até a última cantiga, estabelecendo-se, assim, uma sequência de ações que apresentam uma forma narrativa porque integram e relacionam personagens, tempo, ação e espaço, elementos próprios do gênero narrativo. A leitura desse conjunto, considerada fundamental por Azevedo Filho (1981), revela a complexidade de ação das cantigas de Pero Meogo, colocando-as em um patamar superior a formas narrativas românticas ou realistas, ao mesmo tempo em que traz versos centrados na figura da moça que vai à fonte onde os cervos vão beber água. Como fundamentação teórica, servimo-nos de estudos de Araújo (2013), Azevedo Filho (1981), Macedo (1999), Nunes (1974), Moisés (2001), Saraiva; Lopes (2008), Abdala Júnior; Paschoalin (1994), Duby (2001 e 2011), Mongelli (2009) e Zumthor (1993). Assim tentamos esclarecer algumas indagações a respeito da figura feminina e seus anseios alegres ou tristes em meio a um contexto em que preserva a sua função de perpetuadora da espécie. OBJETIVOS Este relatório tem como objetivo demonstrar o desenvolvimento da investigação sobre a narrativa de símbolos e a representação da mulher na lírica trovadoresca, tendo como corpus as cantigas de amigo de Pero Meogo. METODOLOGIA A metodologia aplicada neste estudo tem como prioridade a pesquisa em busca de um aprimoramento das informações em diversos livros e sites que comentem sobre a imagem da mulher na Idade Média nas cantigas de amigo, como os costumes e as tradições e buscar mais informações sobre a vida de Pero Meogo que ainda é uma incógnita a ser descoberta.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO Os resultados têm sido bastante satisfatórios, pois conseguimos aprofundar os estudos nas cantigas, possibilitando o cumprimento dos objetivos e do cronograma como, por exemplo, as apresentações no II Colóquio Nacional de Letras e XV Colóquio de Pesquisa e Extensão realizado na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás no dia 04 de Abril de 2014, e também no I Simpósio Nacional Interdisciplinar de Geografia e Letras - Singel, realizado na Universidade Estadual de Goiás no câmpus de Pires do Rio no dia 30 de Maio de Além da participação nesses eventos, conseguimos aprofundar os estudos sobre as origens das cantigas de amigo, suas características e classificações, conhecer a imagem que a sociedade impunha à mulher na Idade Média e o seu importante trabalho para o que hoje conhecemos sobre as questões do gênero. Foi por meio desses aprofundamentos que chegamos a algumas considerações sobre a mulher na visão do trovador Pero Meogo, utilizando-as no nosso Trabalho de Conclusão de Curso. Sabemos que na época do feudalismo surgiram os primeiros trovares como expressão de uma cultura de tradição oral. Mais tarde quando a escrita foi se consolidando é que houve a necessidade de se resguardar essa tradição, com a criação dos cancioneiros que reuniram as cantigas. Como naquela época feudal havia o vassalo que obedecia ao seu senhor, os trovadores se expressaram como vassalos só que em vez de servir e viver para os senhores, eles viviam para as damas amadas. De acordo com Moisés (2001), as cantigas de amigo são compostas pelo trovador, que mostra o sofrimento ou o júbilo do encontro amoroso da mulher, quase sempre pertencente às camadas populares. Em regra, o trovador era o autor das composições que trazem a voz feminina, com seus sentimentos e vontades. As cantigas descrevem o primeiro encontro, o protesto do amor, as brigas e reconciliamento, os aborrecimentos costumeiros, os afetos e a dor da saudade. Reforçando esse pensamento, José Joaquim Nunes (1973) endossa que as cantigas de amigo referem-se a mulheres novas, solteiras e do povo, o que termina por associar essas cantigas pela repetição e simplicidade temática com o cunho popular. As cantigas de amigo eram cantadas tanto pelos homens, quanto pelas mulheres. Entretanto sua autoria reduz-se ao trovador, que por sua participação em vários ambientes daquela época conseguiam aproximar figuras desniveladas pela estrutura estamental da Idade Média. Segundo José Joaquim Nunes
4 (1973), na maioria das vezes era a mulher que sozinha em casa cantava-as para acabar um pouco com a solidão. Para o homem da Idade Média, a mulher além de submissa e totalmente dependente dele, era condicionada a bordar, algumas até possuíam o dom e tinham prazer, mas outras bordavam porque era uma obrigação daquela época e enquanto faziam os bordados as moças juntamente com suas mães cantarolavam. Nos bailes de roda sempre é a mulher que canta o solo e as outras respondem com o estribilho, que quase sempre acompanha a cantiga e geralmente o tema é o amor. Não só nas cantigas de amigo francesas chamadas Chansons de Femmes como nas cantigas de amigo galego-portuguesas, retratam as mesmas coisas, como por exemplo, que as mulheres jovens se alegram por ter um amigo (namorado), as que são mal casadas reclamam de seus maridos, dos encontros, das ausências, dos abandonos, dos perigos, das surpresas, dos receios. As cantigas de amigos sempre terão um aspecto que será visto em todas: as formosuras da mulher, levando-a ser amada e desejada; algumas falam sobre a saudade que a jovem sente do amigo, desabafa com a amiga, que a conforta afirmando que é leal, em outras fala dele que ocupa todo o seu pensamento. Geralmente as cantigas retratam a vida dos namorados, como o primeiro encontro, os protestos de amor, os aborrecimentos costumeiros, seguidos de reconciliação e o aumento do afeto que é expresso nas palavras cheias de paixão, a saída forçada dele, provocando a dor e a saudade dela. Algumas jovens demonstram nas cantigas um modo singelo, puro, virgem, sentimentos ternos, meigos. Nessas cantigas é muito raro faltar os estribilhos, provavelmente destinavam as cantigas aos bailes de roda. As cantigas de amigo dividem-se em alvas, bailadas e pastorelas. Alvas são as cantigas de amigo que a jovem lembra-se das noites de amor com o amigo e até mesmo, se ainda estiver com ele o convida para levantar-se, pois, o sol já nasceu, ou seja, é dia. Nunes (1973) diz que [...] bailadas - nome que era comum à dança e à cantiga de que ela se acompanhava. As moças quando se encontravam podiam ser meia dúzia e mesmo que não houvesse rapazes, organizavam um baile, fazendo uma roda e cantando as cantigas, acompanhavam-nas com movimentos, com gestos mais lentos, pulando ou saltando. Muitas utilizavam a coreografia para impressionar o amigo. Nunes (1973) comenta a respeito das Pastorelas que [...] é o cavaleiro que, ao encontrar-se no caminho com uma pastora, se lhe dirige, fazendo-lhe uma declaração de amor
5 [...]. A mulher da Idade Média com a sua formosura, com os seus dons, a maneira como falavam, era a inspiração para os trovadores compor suas cantigas. Para fins deste trabalho, em meio a um contexto em que preserva a sua função de perpetuadora da espécie, trouxemos como discussão o exame de duas cantigas de amigo em que o trovador utiliza uma linguagem simbólica e ambígua, e que a crítica medievalista caracteriza-as como de caráter narrativo, pois possuem personagens, ação, tempo e espaço. Pero Meogo foi considerado, por Leodegário A. de Azevedo Filho (1981), um antecipador da própria narrativa moderna, ao apresentar, em suas composições uma linguagem simbólica, que aproveita do recurso da ambiguidade para conseguir criar o narrador fictício da narrativa, provocando assim a relação entre ação e personagem. A imagem histórica da mulher dessa época era a de uma pessoa limitada perante a sociedade, pois não podia ter voz ativa, embora alguns documentos históricos indiquem que algumas trabalhavam fora, principalmente no campo, mas não obtinham remuneração. Além disso, não tinham acesso aos estudos, eram vistas somente como procriadoras e não tinham o direito de conquistar seu espaço sócio-cultural. Conforme alguns historiadores como Rivair Macedo (1999), as mulheres não podiam expressar seus sentimentos, pela falta de autoridade que a sociedade impunha a elas, ao mesmo tempo em que eram obrigadas a substituir os maridos, quando estes se ausentavam da casa. De acordo com Leodegário A. de Azevedo Filho (1981, p. 113), do ponto de vista de construção do código familiar, a mãe tem papel fundamental pois representa a voz da experiência e do bom senso em relação à educação que dará à sua filha. Com relação ao tempo, nas cantigas de Pero Meogo temos avanços e recuos que significam uma flexibilidade na ordem cronológica da narrativa, que não segue uma forma rígida. O tempo é refratário à visão cronológica da narrativa realista. A [...] cantiga de amigo é produto de uma intersecção de gêneros, numa fase ainda primitiva de gestação de formas. Assim, através do diálogo entre filha e mãe, caminha o fio narrativo, pois o diálogo narra o já acontecido, sem qualquer ordem cronológica rígida, exatamente como na ficção moderna. (AZEVEDO FILHO, 1981, p.114) Pero Meogo utiliza o tempo de maneira diferente daquele que era utilizado naquele período. Acreditamos que ele foi considerado um antecipador da ficção moderna por empregar certas características que só foram realmente entendidas muitos séculos depois. Um
6 exemplo que podemos citar a respeito da aplicação desse tempo é o de que, de modo simultâneo, as personagens falam no presente, invocam o passado e já indagam sobre o futuro, método bastante comum na ficção moderna. Quanto à ação empregada nas nove cantigas de amigo, há ações negativas quando a garota mente para a mãe e ao mesmo tempo para o namorado, desobedecendo aos conselhos, se entristece pelo namorado não ter ido ao encontro, quando fica sabendo sobre a viagem que ele teve que ir deixando-a sem dar satisfações. As ações positivas obtidas mostram que quando o amigo chega de viagem e vai à fonte, encontra-a, e lhe dá satisfações sobre essa determinada viagem e faz com que ela saiba que, mesmo viajando, os pensamentos dele estavam voltados para ela. Outro aspecto positivo apresentado é que o amor não foi só idealizado, mas se tornou realidade. Nessas ações entram a simbologia que é o caso da fonte, cenário condutor da narrativa, onde a moça vai lavar os seus cabelos, vai encontrar o namorado, quando se sente só recorre a esse lugar, representado como calmo, mas que costuma ser bastante movimentado, ao redor dessa fonte existe um grande contato com a natureza. Outra simbologia mostrada é a do cervo que se refere ao namorado, ora sugerindo a presença, ora substituindo. Outra simbologia bastante encontrada é o símbolo do brial rasgado que corresponde à perda da virgindade. E mais duas essenciais para a constituição da narrativa, são o baile, símbolo da mentira, pois ela não foi ao baile, e as garcetas, madeixas de cabelos ou tranças que sugerem a virgindade. Nessa primeira cantiga constatamos que a filha mostra certa obediência à mãe ao lhe relatar que marcou um encontro com o namorado na fonte, mas se não houver o consentimento materno, ela dirá ao amigo que não irá, para não desobedecer a sua mãe, mesmo que não se sinta bem fazendo isso. Entretanto, no refrão, ela demonstra bastante entusiasmo com esse encontro e que não obedecerá a mãe. Nessa cantiga, a mãe não expõe sua opinião a respeito do encontro. I O meu amig, a que preyto talhey, con vosso medo, madre, mentir-lh ey. E, se non for, assanhar-s á. Talhey-lh eu preyto de o ir veer
7 ena fonte, u os cervos van bever. E, se non for, assanhar-s á. E non ey eu de lhi mentir sabor, mays mentir-lh ey,com vosso pavor. E, se non for, assanhar-s á. De lhi mentir nenhum sabor non ey, con vosso med a mentir-lh averey. E, se non for, assanhar-s á. (NUNES, 1974) Na segunda cantiga a namorada se arruma durante horas para ir ao encontro, que se realizará na fonte. Contudo, chegando lá percebe que seu namorado não compareceu, deixando-a esperando. Isso a deixa muito triste e frustrada, se perguntando o motivo pelo qual ele não aparecera no encontro, então começa a imaginar que ele a abandonara, antes mesmo de se encontrarem. De acordo com Araújo (2013, p. 16), a ideia de choro, de verbalização com tudo que a cerca, a paciência na espera do namorado, a obrigação de conservar-se virgem até o casamento, seriam alguns desses elementos que tentam delimitar a natureza da mulher. Contrário a isso, temos na figura da madre, elementos que se aproximam do masculino como o fato de ela ter que ser severa ou rigorosa para preservar a virgindade da filha. Assim, vemos que certos qualificativos, nas cantigas de amigo, são atribuídos para doutrinar a mulher ao seu lugar que seria o casamento, a guarda da filha e a submissão ao homem, seja ele pai, marido ou irmão. Na terceira cantiga de amigo, a filha revela para a mãe a verdadeira razão do desencontro, foi porque o namorado teve que fazer uma viagem marítima, mas que mesmo assim ele a amava tanto que viajou pensando nela e estava triste por não ter comparecido ao encontro. Então, a mãe assumindo o papel de conselheira pede que sua filha tome cuidado, pois o rapaz pode estar querendo tirar aproveito da moça e em seguida sua mãe conta sua própria experiência, que conheceu alguém que quis apenas aproveitar do seu amor. Nessa cantiga, o ambiente retratado é rural ou se passa no campo, nela a amiga está arrependida de ter pensado que ele não gostava dela e ter sido injusta, revela que está feliz por saber que ele provavelmente viajara pensando nela. Na quarta cantiga o namorado se encontra ausente, pois está viajando e ela recorre à lembrança dele, quando se refere aos cervos do monte e recorre também às amigas sobre o que estava acontecendo com ele e o que ela iria fazer durante sua ausência, então dúvidas começam a surgir em sua mente. Na quinta cantiga de amigo não é a moça que narra, e sim outro narrador na terceira
8 pessoa, descrevendo o que a moça fazia habitualmente pela manhã, que era lavar os cabelos na fonte que é simbólica, pois se refere ao símbolo de virgindade. Nesse momento, o namorado retorna e passa pela fonte, onde a encontra lavando os cabelos e ela fica muito feliz pelo retorno de seu amado. A sexta cantiga volta para a primeira pessoa, mas não é a fala da amiga e sim de alguém que descreve a namorada em um lugar muito bonito em contato com a natureza, lavando os cabelos na fonte e os atando com fios de ouro, à espera do seu namorado. Nesse ambiente existem elementos da paisagem que propiciam o encontro, como as ervas e os prados e sabemos que nesse momento o namorado passa pela fonte e vê sua amada, então eles ficam juntos. Na sétima cantiga de amigo, a namorada recebe um recado do namorado para que vá a fonte. Ela fala para sua mãe que irá, no seu interior ela tem certo receio quanto as intenções dele, mas para a mãe ela diz que o namorado tem boas intenções, para que a mãe não proíba o encontro. No seu íntimo ela deseja ir ao encontro, embora apresente diversas dúvidas quanto às intenções do namorado. Na oitava cantiga a moça mente para a mãe que foi ao baile onde demorou por perder à hora. A mãe imagina que a filha tenha perdido a virgindade com o namorado, ao comentar sobre o brial (vestes) rasgado. A garota desobedece aos conselhos da mãe, tentando fazê-la acreditar nesta história. Certamente o sentimento da mãe era de tristeza e preocupação, ao passo que o da filha era de alegria. A próxima cantiga, a nona na sequência do cancioneiro de Pero Meogo traz o diálogo da mãe e da filha. IX _Digades, filha, mya filha velida, porque tardastes na fontana fria. Digades, filha, mya filha louçana, porque tardastes na fria Fontana. _ Tardey, mya madre, na fontana fria, cervos do monte a aúgua volvian. Tardey, mya madre, na fria fontana, cervos do monte volvian a áugua.
9 _ Mentir, mya filha, mentir por amigo, nunca vi cervo que volvess o rio. Mentir, mya filha, mentir por amado, nunca vi cervo que volvess o rio. Mentir, mya filha, mentir por amado, nunca vi cervo que volvess o alto. (NUNES, 1974) Nessa nona cantiga de amigo a mãe começa a desconfiar que a filha esteja mentindo e logo percebe que não foi ao baile e sim na fonte, pergunta por que a filha demorou tanto na fonte, a moça diz que os cervos estavam turvando a água por isso ela demorou, perguntando pela segunda vez a filha respondeu a mesma coisa, então a mãe percebeu que ela estava mentindo e descobriu a verdadeira razão da filha ter ficado tanto tempo na fonte foi o rompimento da virgindade. A mãe percebeu que a filha estava completamente apaixonada pelo namorado que até mentiu para ela. Por fim, temos nessa narrativa, que a filha mantém uma relação dicotômica com a mãe, ou seja, diz à mãe que mentirá ao namorado quando na verdade mente à mãe. Dentro desse código familiar temos a mãe como àquela que defende o código comunitário da sociedade medieval; o namorado como oponente da mãe, simbolizado pelo cervo; o cervo como idealização simbólica do namorado representa a sexualidade masculina, o agente de transgressão do código. CONSIDERAÇÕES FINAIS Tecemos algumas considerações a respeito do cancioneiro de Pero Meogo, por meio da análise de suas cantigas. Inicialmente, procedemos a uma investigação no cancioneiro selecionado por Nunes (1974), no qual intentamos perceber como eram os padrões de vida amorosa na vida rural, nos ambientes domésticos e na vida da corte, em que são reportadas mulheres de outras classes sociais, e não apenas a dama da nobreza. Mesmo nas cantigas em que a dama é valorizada pelo amor sem fim do amante que a assedia, observamos que a representação imagética dessa realidade parece não harmonizar-se com a tradicional figura histórica da mulher, juridicamente sem voz e entregue à guarda de um homem, seja pai,
10 marido, irmão ou filho. No que diz respeito às cantigas de Pero Meogo observamos a presença de um corpo erotizado com inspiração na mulher, sobre a natureza com elementos como fontes, cervos e bailias. Observamos também, por sua vez, aspectos relacionados ao papel da madre, em diálogos e monólogos entre mãe, filha, amiga e namorado e a influência simbólica nesse ambiente. Embora este seja um relatório final, não encerramos nossas atividades aqui. Muito precisa ser estudado em relação ao trovador pesquisado e vamos continuar nossa pesquisa. REFERÊNCIAS ARAÚJO, Márcia Maria de Melo. Imagens femininas e de feminização da mulher nas cantigas de amigo galego-portuguesas. Tese [Doutorado]. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, ABDALA JÚNIOR, Benjamin; PASCHOALIN, Maria Aparecida. História Social da Literatura Portuguesa. 4. ed. São Paulo: Ática, p AZEVEDO FILHO, Leodegário A.de. As cantigas de Pero Meogo: estabelecimento crítico dos textos, análise literária, glossário e reprodução fac-similar dos manuscritos. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, DUBY, Georges. Eva e os padres: damas do século XII. Trad. Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das letras, DUBY, Georges. Idade Média, Idade dos homens: do amor e outros ensaios. Trad. Jônatas Batista Neto. São Paulo: Companhia das Letras, MACEDO, José Rivair. A mulher na Idade Média. 4. ed. São Paulo: Contexto, (Repensando a História Geral). MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa. São Paulo: Pensamento-Cultrix, MONGELLI, Lênia Márcia. Fremosos Cantares: antologia da lírica medieval galego-portuguesa. São Paulo: WMF Martins Fontes, NUNES, José Joaquim. Cantigas de amigo dos trovadores galego portugueses. Lisboa: Centro do Livro Brasileiro, v. SARAIVA, António José; LOPES, Óscar. História da literatura portuguesa. 17. ed. Porto: Porto Editora, p ZUMTHOR, Paul. A letra e a voz: A literatura medieval. Trad. Amálio Pinheiro, Jerusa Pires Ferreira. São Paulo: Companhia das letras, 1993.
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