Colagem de Bracket Ortodôntico com Resina Composta e com Ionômero de Vidro*

Transcrição

1 REVISÃO DA LITERATURA Colagem de Bracket Ortodôntico com Resina Composta e com Ionômero de Vidro* Orthodontics Bonding of Brackets with Composite Resin and Glass Ionomer Cement Paulo Roberto GRANDO** Maria Beatriz Borges de Araújo MAGNANI*** Antônio Carlos PEREIRA**** Marcelo de Castro MENEGHIM**** Mayury KURAMAE***** Stenyo Wanderley TAVARES***** GRANDO, P.R.; MAGNANI, M.B.B. de A.; PEREIRA, A.C.; MENEGHIM, M. de C.; KURA- MAE, M.; TAVARES, S.W. Colagem de bracket ortodôntico com resina composta e com ionômero de vidro. J Bras Ortodon Ortop Facial, Curitiba, v.7, n.38, p , mar./abr O objetivo do presente estudo é de apresentar uma revisão de literatura sobre a colagem de acessórios ortodônticos ao esmalte dentário, utilizando resina composta e cimento de ionômero de vidro. UNITERMOS: Colagem ortodôntica; Cimento de ionômero de vidro; Resina composta. INTRODUÇÃO Nas últimas décadas, a Ortodontia alcançou um estágio de destaque como ciência, visando proporcionar à oclusão as características de normalidade e equilíbrio para com todo o sistema estomatognático, bem como uma estabilidade pós-tratamento. Paralelamente a este desenvolvimento, os profissionais têm sido conscientizados cada vez mais da necessidade de condutas educacionais e de métodos preventivos voltados para eliminar as iatrogenias ligadas indiretamente à presença de dispositivos e acessórios que acionam a mecanoterapia ortodôntica. O primeiro sistema de ativação da polimerização da resina composta foi o químico. Este material compõe-se de duas pastas, uma contendo os componentes básicos e o iniciador (peróxido de benzoíla), e a outra, os componentes básicos e o ativador (dimetil-p-toluidina). Uma vez iniciada a reação química, este sistema limita o tempo de trabalho, provocando dificuldades para o clínico posicionar corretamente os brackets, fato este que pode interferir na qualidade técnica da colagem. A resina composta quimicamente ativada é ainda amplamente utilizada, mas atualmente a resina composta fotopolimerizável tornou-se bastante popular entre os ortodontistas. Este material é apresentado como uma pasta única contendo os componentes básicos, iniciador (canfaroquinona) e ativador (amina terciária). Quando expostas à luz, as moléculas do fotoiniciador interagem com a amina *Monografi a apresentada ao curso de Especialização em Ortodontia da FOP-UNICAMP para obtenção de título de especialista em Ortodontia **Especialista em Ortodontia pela FOP-UNICAMP ***Professora Doutora em Ortodontia da FOP - UNICAMP ****Professores Associados da Disciplina de Odontologia Preventiva e Saúde Pública da FOP - UNICAMP *****Mestrandos em Ortodontia pela FOP - UNICAMP

2 para formar radicais livres, responsáveis pela conversão e polimerização da resina. Dentro do contexto preventivo, surgiu no mercado, na década de 1970, uma mistura de silicato e cimentos de policarboxilato (WILSON & KENT, 1972; KENT et al., 1973; CRISP & WIL- SON, 1974; CRISP et al., 1976) denominada de cimento de ionômero de vidro (poliacrilato aluminosilicato), com promissoras propriedades preventivas anticariogênicas, graças à liberação de fluoretos ao esmalte. Os cimentos ionoméricos disponíveis no mercado são constituídos de um pó e um líquido que reagem entre si com ácido-base, formando a matriz de um poli-sal hidratado e partículas de carga que consistem de um núcleo de vidro inerte, cuja periferia reage com o líquido, formando um hidrogel sílico, exaurido de cátions (WILSON & KENT, 1972; KENT et al., 1973). A reação de presa do cimento ionomérico tem sido amplamente estudada (CRISP & WIL- SON, 1974; CRISP, 1974; CRISP & WILSON, 1974; PROSSER et al., 1982), e observou-se que está caracterizada por duas fases distintas: a dissolução e a geleificação (WALLS, 1986). A primeira fase inicia-se com a aglutinação nos primeiros cinco minutos após a mistura do material. Ocorre a formação de um gel de policarboxilato de cálcio e, nesta fase, o cimento ionomérico é altamente suscetível à sorção de líquidos (fenômenos de embebição e sinérese), apresenta baixa resistência e rigidez, além de alto fluxo plástico (MOUNT, 1990). Se eventualmente ocorrer contaminação de líquidos neste período, a matriz se torna semelhante a um giz e pode erodir rapidamente (CRISP et al., 1976). A adesão inicial às estruturas dentárias também sucede nesta fase e é uma adesão frágil. Passados os cinco minutos iniciais após a mistura do material, continua a dissolução dos cátions Ca ++ e Al +++ e, quando completados 30 minutos após a mistura do material, começa a formação de um gel de policarboxilato de alumínio, que se completa após 24 horas da mistura, permitindo que o material atinja sua dureza e suas propriedades físicas ideais, concluindo a fase de geleificação (WILSON & KENT, 1972; CRISP et al., 1976; WALLS, 1986). O flúor presente no cimento ionomérico está disponível para ser liberado no meio através de trocas iônicas e é dessa forma que o flúor passa para as estruturas dentárias, aumentando o conteúdo de flúor no esmalte, na forma de apatita fluoretada. No início, esses cimentos foram empregados para restaurações de Classe V, para as quais a estética não constituía prioridade. Mas desde a sua concepção, esses cimentos vêm evoluindo, fazendo com que o seu poder preventivo possa ser aproveitado nos dentes anteriores. O mecanismo de ação do flúor é sabido: possui muito mais importância sua freqüência do que sua potência. Portanto, acessórios e peças protéticas fixadas com tal material tornariam o meio em questão rico em flúor, transformando o meio supersaturado. Com relação ao produto de solubilidade hidroxiapatita, ocorre a incorporação de PO 4 e Ca, o que estaria diretamente associado à remineralização (CURY, 1990). COLAGEM COM RESINA COMPOSTA Considera-se como um dos maiores progressos na Odontologia o uso de agentes condicionadores do esmalte dentário. BUONOCORE, em 1955, autor da técnica do condicionamento ácido, utilizou o ácido fosfórico aplicado sobre o esmalte dentário, possibilitando o embricamento mecânico da resina acrílica. O primeiro artigo de que se tem referência sobre a colagem de brackets diretamente sobre a superfície dentária foi descrito em 1958 por SADLER, que estudou nove adesivos (quatro cimentos dentários, um cimento à base de borracha, dois adesivos para metais e dois adesivos gerais). Após testar a colagem de brackets em dentes humanos, concluiu que nenhum dos nove adesivos testados foi capaz de aderir o metal diretamente ao dente com a estabilidade requerida para a clínica ortodôntica. No entanto, com a chegada ao mercado das resinas compostas, a associação do condicionamento ácido do esmalte com esses adesivos tornou viável o procedimento da colagem direta dos acessórios ao esmalte. Na década de 70, viu-se a substituição gradual da bandagem pela colagem, exceto para os molares. O uso de resinas ativadas por luz para colagem de brackets foi testado in vitro e descrito inicialmente por WATTS & TAVAS (1979). Na técnica de colagem direta utilizando o sistema fotoativado, o material se polimeriza abaixo do bracket metálico, devido à translucidez do esmalte dentário, o qual permite a passagem da luz visível emitida pelo fotopolimerizador. Estes autores mostraram que o sistema de luz visível podia proporcionar níveis de resistência adesiva comparáveis com os promovidos pela 119

3 resina quimicamente ativada. Entretanto, a união bracket-resina-esmalte dependia do valor da intensidade da luz emitida pelo aparelho fotopolimerizador, uma vez que a maioria dos aparelhos fotopolimerizadores examinados emitiram intensidade de luz deficiente. ALEXANDRE et al. (1981) colaram brackets metálicos em 106 pré-molares com finalidade de tratamento ortodôntico, utilizando as resinas compostas Concise (3M), Dyna Bond (Unitek) e Endur (Ormco). Os corpos de prova desse estudo in vitro foram divididos em dois grupos iguais para cada adesivo, os quais foram submetidos ao teste de cisalhamento no período de 1 a 27 dias após as colagens efetuadas. Os resultados mostraram diferenças entre as três resinas após 1 dia, sendo a Concise a mais resistente, a Dyna Bond a intermediária e a Endur a menos resistente. Após 27 dias, a Dyna Bond e a Concise não demonstraram diferenças estatísticas entre si, mas tiveram um significante acréscimo na sua resistência e a Endur manteve o mesmo resultado do teste. Estudos in vitro de WATTS & TAVAS (1984) mostraram que os materiais fotopolimerizáveis apresentam resultados de adesão comparáveis aos quimicamente ativados quando submetidos ao teste de resistência ao cisalhamento. Uma das vantagens do uso das resinas compostas fotopolimerizáveis é o tempo ilimitado que o profissional dispõe para posicionar o bracket na superfície do esmalte, visto que a polimerização do adesivo só se inicia quando o operador expõe o material à luz visível emitida pelo fotopolimerizador. BRYANT et al. (1987) publicaram um estudo in vitro em que foi determinada a resistência da colagem à tração de seis resinas compostas de uso ortodôntico, utilizando-se diferentes substâncias para o condicionamento ácido do esmalte. A resistência à tração dos brackets foi avaliada 15 minutos e 24 horas após a preparação da amostra e o resultado não mostrou diferença estatística entre os sistemas de colagem ortodôntica e também diferença na resistência da resina testada após 15 minutos e 24 horas. SARGISON et al. (1995) afirmaram que a resina fotoativada apresenta o problema da difícil polimerização sobre o bracket, sendo que esta ativação depende do tempo de polimerização e posição da luz do foto polimerizador, além da opacidade da resina utilizada. Isso implica numa menor resistência à colagem do compósito. SILVA FILHO et al. (2000) relataram sua experiência clínica com a colagem direta com os incisivos permanentes em pacientes na fase de dentição mista usando cimento de ionômero de vidro fotopolimerizável (Vitrebond) e resina composta convencional (Concise Orto dôntico). Foi observado que o índice médio de falhas para o Vitrebond foi de 1 bracket desprendido a cada 2 ou 3 consultas, já para o Concise ortodôntico este índice foi zero, o que significou nenhum bracket desprendido durante o período de acompanhamento. Concluíram que a comparação entre os dois grupos comprova a supremacia da resina composta como material colante, mas não inviabiliza o uso do cimento de ionômero de vidro fotopolimerizável. COLAGEM COM IONÔMERO DE VIDRO Em 1972, WILSON & KENT divulgaram o desenvolvimento de um novo material restaurador, formado basicamente pela associação de pó de cimento de silicato e o líquido do cimento de policarboxilato, numa tentativa de associar as vantagens inerentes aos dois materiais cuja reação de presa é ácido-base, e resulta num sal hidratado. Esses cimentos são considerados híbridos por possuírem propriedades comuns aos policarboxilatos (adesão à estrutura dentária) e ao silicato (liberação de flúor). A adesão entre o cimento ionomérico e o dente ocorre como resultado de interações iônicas e polares, resultando numa união físico-química. KENT et al. (1973) consideraram este material como um tipo especial de resina composta. Observações in vitro desenvolvidas por estes autores demonstraram que esses cimentos apresentam maior resistência ao ataque por ácido e à impregnação com pigmentos que provocam alterações de cor, além de apreciável adesão a alguns metais. A partir de meados da década de 80, começaram a surgir na literatura trabalhos clínicos com colagem direta usando os cimentos de ionômero de vidro (WHITE, 1986; COOK & YOUNGSON, 1988; COOK & YOUNGSON, 1989; COOK et al., 1990). A colagem direta convencional, sem sombra de dúvidas, representou um dos maiores avanços da prática ortodôntica, devido principalmente à sua praticidade em relação ao procedimento de bandagem. Apesar de os materiais de colagem à base de resina composta oferecerem excelentes propriedades 120

4 mecânicas, eles favorecem o acúmulo de placa bacteriana, favorecendo o surgimento de defeitos estruturais iatrogênicos no esmalte. Portanto, o depósito contínuo de flúor contido no cimento de ionômero de vidro, usado para a colagem direta dos acessórios ortodônticos ao esmalte, preservaria a comodidade técnica de instalação do aparelho, ao mesmo tempo em que reforçaria a estrutura mineral do esmalte (VALK & DAVIDSON, 1987) e, conseqüentemente, eliminaria os efeitos iatrogênicos sobre a estrutura do esmalte. No entanto, a grande vantagem dos cimentos de ionômero de vidro, ou seja, sua propriedade anticariogênica, não seria suficiente para justificar o seu uso rotineiro, devido à sua deficiência nas propriedades de aderência ao esmalte. Em 1986, WHITE relatou a grande popularidade do cimento de ionômero de vidro na Dentística Restauradora, ao contrário do que ocorreu dentro da Ortodontia, apesar de suas propriedades dentro desta, tais como: não requer condicionamento ácido, elevada elasticidade e resistência à força de compressão maiores que a do cimento de fosfato de zinco, liberação de flúor, grande margem de tempo de trabalho, fácil remoção dos acessórios colados ao esmalte. Em 1990, COOK realizou um estudo sobre a colagem direta com cimento de ionômero de vidro, no qual menciona a técnica de colagem e apresenta um estudo clínico. A técnica foi utilizada em 40 casos clínicos, colados com Ketac-Cem. Durante todo o tratamento ortodôntico, a cada 8 brackets apenas um, em média, desprendeu-se. Entretanto, não houve necessidade da utilização de um novo bracket, e sim apenas a remoção do excesso do cimento, e conseqüente remoção do mesmo bracket. Salienta que esses resultados são válidos para a cimentação de ionômero de vidro Ketac-Cem. Para os ortodontistas que utilizam brackets cerâmicos, é aconselhável a utilização do Ketac-Fill, material indicado para restaurações dentárias que, sendo encontrado em várias tonalidades, proporciona uma boa estética. Em 1991, MARTINS et al., avaliaram a liberação de flúor do cimento de ionômero de vidro em ciclagens de desmineralização e remineralização, simulando alto desafio cariogênico (paciente ortodôntico) e observaram liberação significativa dos materiais. Com o desenvolvimento dos materiais, surgiu um cimento híbrido, o cimento ionômero de vidro, reforçado com resina, sem necessidade de condicionamento de esmalte, preservando a integridade dos prismas e tolerando umidade. A retirada dos bracktes apresenta menor risco de danos à estrutura dentária e a liberação de flúor reduz a incidência de desmineralização em torno das bases (FRICKER, 1996; VORHIES et al., 1998). Este cimento possui baixa solubilidade, dureza excelente, liberação de flúor, boas propriedades adesivas e habilidade de absorver flúor de aplicações tópicas, liberando-o lentamente (KOMORI & ISHIKAWA, 1997). De acordo com LIPPITZ et al. (1998), o desenvolvimento do cimento híbrido resinoso-ionomérico está apenas no início. A expectativa é aparecimento de novos materiais para colagem ortodôntica. COMPARAÇÃO DA FORÇA DE UNIÃO ENTRE CIMENTO DE IONÔMERO DE VIDRO E RESINA COMPOSTA Em 1984, MURRAY & YATES, compararam a força de colagem decimento do ionômero de vidro com a resina composta convencional aplicada após o condicionamento ácido, ambos colados diretamente ao esmalte. Usou 60 incisivos bovinos divididos em dois grupos de trinta cada. O primeiro grupo, no qual usou a resina composta, foi subdividido em três subgrupos, nos quais se usou Silas, Profile e Adaptic, respectivamente. No segundo grupo usou-se três tipos de ionômero de vidro: Fuji, Aspa, Ketac-Fill. As amostras foram levadas à máquina de teste Universal, verificando-se que todos os três tipos de resina mostraramse estatisticamente superiores aos três tipos de cimento de ionômero de vidro. Não houve diferenças estatisticamente significantes entre as resinas. Entre os cimentos de ionômero de vidro, o Fuji apresentou maior resistência à força de tração dentro do seu grupo. Em 1987, VALK & DAVIDSON estudaram in vitro a liberação do flúor na colagem direta em aparelhos ortodônticos. Utilizaram incisivos bovinos para a comparação da colagem direta com a resina composta Bis-GMA e um cimento de ionômero de vidro. Todas as amostras foram submetidas à desmineralização artificial e sucessiva avaliação através de microscopia. Os autores concluíram que a liberação de flúor do cimento de ionômero de vidro protegeu a área 121

5 do esmalte adjacente e ao redor do bracket. Na amostra em que foi utilizada a resina ocorreu um efeito oposto, com desenvolvimento de cáries artificiais, não somente ao redor do bracket, mas também em pontos extremos do material. Em 1988, COOK & YOUNGSON fizeram um estudo in vitro, comparando a resistência do ionômero de vidro na colagem direta de brackets ortodônticos. Utilizou 100 pré-molares, divididos em 5 grupos, sendo que no primeiro grupo foi utilizada resina composta (Right-On) e nos demais grupos cimento de ionômero de vidro (Ketac-Cem), sendo este preparado de diferentes maneiras: cimento levemente mais espesso, cimentação com os dentes ainda molhados, com prévio condicionamento com ácido fosfórico por 60 segundos e com prévio condicionamento com ácido poliacrílico a 40%.Os resultados do teste de cisalhamento mostraram que a resina composta apresentou uma resistência à colagem de bracket signifi cantemente maior do que o cimento de ionômero de vidro. Na avaliação do efeito pré-tratamento do esmalte para uso de cimento de ionômero de vidro, a melhor aderência do esmalte foi obtida após um simples polimento e secagem com algodão. Deixando o esmalte molhado após o polimento, leva-se não somente a uma ligação mais fraca com os brackets como também estes tendem a flutuar, dificultando o posicionamento preciso. O condicionamento ácido ao esmalte produziu uma resistência inferior na colagem de brackets com cimento de ionômero de vidro. Para a resina composta, verificou-se a tendência de rompimento na interface bracket-cimento, enquanto para o cimento de ionômero de vidro houve maior aderência à base do bracket do que à superfície do dente. Analisando-se apenas a propriedade de aderência ao esmalte dentário, o uso da resina composta estaria plenamente justificado e satisfatório. Entretanto, o cimento de ionômero de vidro tem outras propriedades vantajosas, que, juntas, podem ser mais importantes do que sua resistência de colagem inferior. O estudo desenvolvido por esses autores teve suas limitações, pelo fato de ser in vitro, enquanto que a maior necessidade clínica é avaliar as vantagens e desvantagens do cimento de ionômero de vidro para uso da colagem na clínica ortodôntica. DISCUSSÃO Quando os autores (OKAZAKI, L.K. et al., 1980; BELTRAMI, L.E.R. et al., 1984) compararam entre si os materiais, respeitando os tempos mínimos após a colagem, e atingiram o grau máximo de resistência, verificaram que a resistência do ionômero ao cisalhamento foi muito inferior à da resina composta ortodôntica. A resina mostrou uma resistência de 5,44kgf/ mm 2, isto é, quase o dobro do valor registrado para o ionômero, o qual foi de 3,00kgf/mm 2. Esta diferença acentuada deve, certamente, comprometer em muito a eficiência clínica da colagem com o ionômero, muito embora faltem ainda, na literatura, dados clínicos mais substanciais sobre o comportamento do ionômero usado para a colagem dos acessórios ortodônticos. Estes valores in vitro, inferiores ao ionômero, podem estar associados a falhas coesivas. Alguns trabalhos clínicos, avaliando a efetividade da adesividade do ionômero de vidro e resina composta em estudos longitudinais até doze meses, demonstraram perdas zero do ionômero e de, no mínimo, 50% da resina. Este fato pode ser explicado pela aderência e efetividade do ionômero e pela desintegração que os adesivos resinosos sofrem no meio bucal (MOUNT, 1982; PAULILO et al., 1990; MOUNT & MAKINSON, 1990). Na comparação entre tempos diferentes para o cimento de ionômero de vidro, podemos perceber que o tempo influi na resistência ao cisalhamento. Os valores de 2,59kgf/mm 2, 10 minutos após a colagem, e de 3,00kgf/mm 2, 24 horas após a colagem, denotam uma maior resistência do ionômero depois de 24 horas. Este resultado tem uma aplicação clínica direta. Os arcos, ou quaisquer dispositivos mecanicamente ativos, só devem ser instalados ou amarrados nos acessórios colados com ionômero depois de, no mínimo, 24 horas, muito embora WHITE (1986) afirmou que não há necessidade de se aguardar esse prazo, desde que se utilize força leve. MOUNT (1982) e MOUNT & MAKINSON (1990) afirmaram que as ligações iniciais se dão entre íons Ca ++ e grupos carboxílicos e, a posteriori, com o desencadear da reação, ocorre entre os grupos carboxílicos e Al +++, resultando numa ligação química mais forte. Esta situação, diferente do comportamento da resina composta ortodôntica, pode ser explicada pela diferença essencial entre o processo químico de geleificação do ionômero de vidro e a polimerização da resina composta. Outra variável refere-se ao condicionamento ácido da superfície do esmalte. Embora 122

6 este procedimento constitua uma conduta universal de praxe clínica para colagem com resinas compostas, na literatura, este procedimento não se mostrou tão necessário para o uso do cimento de ionômero de vidro para as colagens ortodônticas. COOK (1990) mostra um relativo sucesso clínico de colagem com um material à base de ionômero de vidro, em que foi excluído o condicionamento ácido da superfície do esmalte. Em artigo prévio, este mesmo autor (COOK & YOUNGSON, 1988) comparou in vitro a colagem de acessórios ortodônticos com ionômero de vidro, testando o efeito do condicionamento ácido sobre a resistência à tração do acessório. Curiosamente, essa resistência à tração foi mais elevada no grupo sem condicionamento da superfície do esmalte. Os resultados confirmaram a tendência observada por COOK & YOUNGSON (1988), de que o condicionamento do esmalte desfavorece a resistência da colagem com ionômero, independentemente da variável tempo. Se a colagem ortodôntica com ionômero de vidro for clinicamente efetiva, fica ressaltada a vantagem da propriedade anticariogênica desse cimento, acrescida da ausência da desvantagem do condicionamento ácido do esmalte que, indubitavelmente, traz perdas de minerais deste tecido dentário (GIACHETTI & PAGANI, 1977; DIEDRICH, 1981; SILVA FILHO et al., 2000). CONCLUSÃO Baseado na literatura, pode-se concluir que: As resinas compostas fotopolimerizáveis oferecem ao profissional uma grande margem de tempo de trabalho durante a colagem dos brackets na superfície do esmalte, uma vez que são ativadas por luz. A grande vantagem dos cimentos de anticariogênica, devido à liberação de fluoretos ao esmalte. A colagem de bracket com cimento de ionômero de vidro exibiu menor resistência ao cisalhamento em relação à resina composta. O tempo decorrido após o procedimento de colagem mostra correlação direta com a resistência do cimento de ionômero de vidro. A resina composta mostrou comportamento semelhante ao cimento de ionômero de vidro no teste de resistência ao cisalhamento, decorrido após o procedimento de colagem. GRANDO, P.R.; MAGNANI, M.B.B. de A.; PEREI- RA, A.C.; MENEGHIM, M. de C.; KURAMAE, M.; TAVARES, S.W. Orthodontics bonding of brackets with composite resin and glass ionomer cement. J Bras Ortodon Ortop Facial, Curitiba, v.7, n.38, p mar./apr The objective of this paper is to present a literature s review about the bonding of orthodontic brackets to enamel surfaces by means of composite resin and glass ionomer. UNITERMS: Orthodontic bonding; Glass ionomer cement; Composite resin. ALEXANDRE, P. et al. Bond strength of three orthodontic adhesives. Am J Orthod Dentofacial Orthop, Saint Louis, v.79, n.6, p , June BELTRAMI, L.E.R. et al. Desenvolvimento de um braquete para colagem direta com sulcos retentivos na base e sua comparação com os similares com tela. Ortodontia, São Paulo, v.17, n.1, p.5-14, jan/dez REFERÊNCIAS BRYANT, S. et al. The effect of topical fl uoride treatment on enamel fl uoride uptake and the tensile bond strength of an orthodontic bonding resin. Am J Orthod Dentofacial Orthop, Saint Louis, v.87, n.4, p , Apr BUONOCORE, M.G. A simple method of increasing the adhesion of acrylic fi lling materials to enamel surfaces. J Dent Res, Chicago, v.34, n.6, p , Dec COOK, P.A. et al. Direct bonding with glass ionomer cement. J Clin Orthod, New York, v.24, n.8, p , Aug COOK, P.A.; YOUNGSON, C.C. A fl uoride-containing composite resin: an in vitro study of a few material for orthodontic bonding. Br J Orthod, Oxford, v.16, n.3, p , Aug COOK, P.A.; YOUNGSON, C.C. An in vitro study of the bond strength of a glass ionomer cement in the direct bonding of orthodontic brackets. Br J Orthod, Oxford, v.15, n.4, p , Nov CRISP, S.; WILSON, A.D. Reactions in glass ionomer cements. Decomposition of the powder. J Dent Res, Chigaco, v.53, n.6, p , Nov./Dec CRISP, S. et al. Characterization of glass ionomer cements. I. Long term hardness and compressive strength. J Dent Bristol, Chigaco, v.4, n.4, p , July CRISP, S. Reactions in glass ionomer cements. II. An infrared spectroscopic study. J Dent Res, Chigaco, v.53, n.6, p , Nov./Dec CURY, J.A. Uso de fl úor. In: BARATIERI, L.N. et al. Dentística: procedimentos preventivos e restauradores. Rio de Janeiro: Quintessence, Cap.2, p DIEDRICH, P. Enamel alterations from brackets bonding and debonding: a study with the scanning electron microscope. Am J Orthod Dentofacial Orthop, Saint Louis, v.79, n.5, p , May FRICKER, J.P. Bonding and debonding with a light-activate resin-modifi ed glass-ionomer cement. Aust Orthod J, London, v.14, n.2, p.78-80, Mar GIACHETTI, N.J.; PAGANI, C. Ataque ácido e adesivos em Odontologia. Ars Curandi Odont, São Paulo, v.4, n.9, p.41-48, dez KENT, B.E. et al. The properties of a glass ionomer cement. Br Dent J, Edinburg, v.135, n.7, p , Oct KOMORI, A.; ISHIKAWA, H. Evaluation of a resin-reinforced glass ionomer cement for use as an orthodontic bonding agent. Angle Orthod, Saint Louis, v.67, n.3, p , LIPPITZ, S.J.; STALEY, R.N.; JAKOBSEN, J.R. et al. In vitro study of 24-hour and 30-day shear bond strengths of three resin-glass ionomer cements used to bond orthodontic brackets. Am J Orthod Dentofacial Orthop, Saint Louis, v.113, n.6, p , June MARTINS, L.R.M. et al. Fluoride release from glass ionomer cements, subject to demineralization cycles. J Dent Res, Chicago, v.70, n.4, p. 638, Apr MOUNT, G.J. An atlas of glass ionomer cements: a clinician s guide. London: Martin Dumitz, p. 123

7 MOUNT, G.J.; MAKINSON, O.F. Glass ionomer restorative cements: clinical implications of the setting reaction. Oper Dent, Washington, v.7, p , MURRAY, G.A.; YATES, J.L. A comparison of the bond strengths of composite resins and glass ionomer cements. J Pedod, Boston, v.8, n.2, p , OKAZAKI, L.K.; ALMEIDA, R.R.; MARTINS, D.R. Estudo comparativo de sete cimentos para colagem direta ortodôntica. Ortodontia, São Paulo, v.13, n.1, p.16-25, jan. /abr PAULILO, A. et al. Estudo da infl uência do pré-tratamento superfi cial à tração entre dentina e cimento de ionômero de vidro. In: SEMANA ODON- TOLÓGICA DE PIRACICABA, Anais. Piracicaba: FOP, PROSSER, H.J. et al. The effect on the setting properties of a glass-ionomer cement. J Dent Res, Chicago, v.61, n.10, p , Oct SADLER, J.F. A survey of some commercial adhesives: their possible application in clinical orthodontics. Am J Orthod Dentofacial Orthop, Saint Louis, v.44, n.1, p.65, SARGISON, A.E.; McCABE, J.F.; GORDON, P.H. An ex vivo study of self-, light-, and dual-cured composites for orthodontic bonding. Br J Orthod, Oxford, v.22, n.4, p , Nov SILVA FILHO, O.G.; CASTRO, M.D.; CASTRO, R.M.; LAURIS, R.C. Experiência clínica com o Vitrebond para colagem direta dos incisivos permanentes no estágio de dentadura mista. Ortodontia, São Paulo, v.33, n.3, p.26-34, set./dez VALK, J.W.P.; DAVIDSON, C.L. The revelance of controlled fl uoride release with bonded orthodontic appliances. J Dent Bristol, v.15, n.4, p , Feb VORHIES, A.B.; DONLY, K.J.; STALEY, R.N. et al. Enamel demineralization adjacent to orthodontic brackets bonded with hybrid glass ionomer cements: an in vitro study. Am J Orthod Dentofacial Orthop, Saint Louis, v.114, n.6, p , Dec WALLS, A.W.G. Glass polyakenoate (glass ionomer) cements: a review. J Dent Bristol, v.14, n.15, p , Dec WATTS, D.C.; TAVAS, M.A. Bonding both orthodontic brackets by transillumination of a light activated composite: an in vitro study. Br J Orthod, Oxford, v.6, n.4, p , Oct WATTS, D.C.; TAVAS, M.A. A visible light-activated direct bonding material: an in vitro comparative study. Br J Orthod, Oxford, v.11, n.1, p.33-34, Jan WHITE, L.W. Glass-ionomer cement. J Clin Orthod, New York, v.20, n.6, p , June WILSON, A.D.; KENT, B.E. A new translucent cement for dentistry. The glass-ionomer cement. Br Dent J, London, v.132, n.4, p , Feb WILSON, A.D. et al. Adhesion to enamel of light-cured poly-acid dental materials. Aust Dent J, London, v.41, n.6, p , Aug Recebido para publicação em: 29/08/01 Enviado para análise em: 25/09/01 Aceito para publicação em: 04/02/02 Departamento de Clínica Infantil Disciplina de Ortodontia Av. Limeira, 901 Areião Piracicaba, SP Brasil mayury@bol.com.br 124