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1 Caminhando Revista da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista Universidade Metodista de São Paulo v. 17, n. 2 p.1-203, jul./dez ISSN Impresso: ISSN Eletrônico: pgrosto.indd 1 19/2/ :05:06

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3 Caminhando v. 17, n. 2 p.1-203, jul./dez ISSN Impresso: ISSN Eletrônico: Revista da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista Universidade Metodista de São Paulo EDITEO São Bernardo do Campo, pgrosto.indd 3 19/2/ :05:06

4 Caminhando Revista da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista Universidade Metodista de São Paulo v. 17, n. 2 p.1-203, jul./dez Catalogação preparada pela bibliotecária Aparecida Cornelli Tavares (CRB ) Biblioteca Dr. Jalmar Bowden Caminhando: Revista da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, v. 17, n. 2, 2º semestre de São Bernardo do Campo, SP: Editeo / Umesp, Semestral Publicação da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista Universidade Metodista de São Paulo ISSN Teologia Miscelânea 2. Teologia Periódicos CDD Faculdade de Teologia da Igreja Metodista FaTeo Diretor: Paulo Roberto Garcia Conselho Diretor Paulo Dias Nogueira (Presidente) Lia Euniace Hack da Rosa (Vice-Presidente) Claudia Maria da Silva Nascimento Wesley Gonçalves dos Santos José Maurício de Souza Queiroz Rev. Almir Lemos Nogueira Paulo Tarso de Oliveira Lockmann (Bispo Assistente) Comissão Editorial Conselho Consultivo Internacional Editor Revisão Tradução Assistente editorial Editoração eletrônica Capa Blanches de Paula Helmut Renders (Presidente) José Carlos de Souza Magali do Nascimento Cunha Tércio Machado Siqueira Dr. Joerg Rieger (Perkings School of Theology, Southern Methodist University, Dallas, TX, EUA) Dr. Luís Wesley de Souza (Chandler School of Theology Emory University, Atlanta, EUA) Dr. Michael Nausner (Seminário Teológico da Igreja Metodista Unida na Alemanha, Reutlingen, RFA) Dr. Nestor Miguez (ISEDET, Buenos Aires, ARG) Dr. Ted Jennings (Chicago School of Theology, EUA) Dr. Tércio Bretanha Junker (Christian Theological Seminary, Indianapolis, EUA) Helmut Renders Hideíde Britto Torres Glenn Ivan Ynguil Fernandez Fagner Pereira dos Santos Maria Zélia Firmino de Sá Cristiano Freitas Editeo Editora da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista Rua do Sacramento, 230 Rudge Ramos São Bernardo do Campo, SP Telefone: (11) Editor da revista: helmut.renders@metodista.br Assistente editorial: fagner.santos@metodista.br Revista on-line: 0pgrosto.indd 4 27/2/ :53:30

5 Sumário Editorial Helmut Renders 1 Dossiê / DOSSIER / DOSIER Apresentação do Dossiê 7 Presentation of the Dossier 9 Presentación del Dosier 11 Rui Josgrilberg Tércio Machado Siqueira Origem dos textos 13 The origin of texts El origen de los textos Milton Schwantes A Torá: uma leitura inovadora 21 The Torah: an innovative reading La Torá: una lectura innovadora Tércio Machado Siqueira A estela de Dã 33 The stele of Dan La estela de Dan José Ademar Kaefer Milton Schwantes: a messianidade vai tomando forma de cruz! 47 Milton Schwantes: messiahship is taking the shape of a cross! Milton Schwantes: la mesianidad vai toma forma de una cruz! Suely Xavier dos Santos A Bíblia e a vida: O método exegético de Milton Schwantes Bible and Life: The exegetical method of Milton Schwantes La Biblia y la vida: el método exegético de Milton Schwantes Lucas Merlo Nascimento 55 A Tribo de Levi: considerações preliminares 65 The tribe of Levi: preliminary considerations La tribu de Levi: consideraciones preliminares Moisés Abdon Coppe Milton Schwantes: um horizonte teológico, um projeto, uma tarefa 79 Milton Schwantes: a theological horizon, a project, a task Milton Schwantes: un horizonte teológico, un proyecto, una tarea Rui Josgrilberg 0pgrosto.indd 5 19/2/ :05:06

6 O olhar de quem sabe amar : aspectos da teologia ecumênica e sociopolítica de Milton Schwantes 95 La mirada de quien sabe amar : aspectos de la teología ecuménica y sociopolítica de Milton Schwantes The vision of one who knows to love : aspects of the ecumenical and sociopolitical theology of Milton Schwantes Claudio de Oliveria Ribeiro Artigos / Articles / Artículos A formação do teólogo com mais de 30 anos por meio da Educação a Distância segundo a percepção de ministros eclesiásticos da Igreja 109 Presbiteriana Independente do Brasil The formation of the theologian with over 30 years through Distance Education in the perception of pastors of the Independent Presbyterian Church of Brazil La formación del teólogo con más de 30 años a través de la educación a distancia como se perciben los ministros eclesiásticos de la Iglesia Presbiteriana Independiente de Brasil Ludhiana Ethel Kendrick Silva Bertoncello Mathias Quintela de Souza Do cuidado da alma ao cuidado da vida: evoluções históricas do exercício do cuidado pastoral Parte II 127 From care of soul towards care for life: historical evolutions of the exercise of pastoral care Part II Del cuidado del alma al cuidado de la vida: evoluciónes histórica del ejercicio del cuidado pastoral Parte II Ronaldo Sathler-Rosa Resenhas / Books Reviews / Reseñas Bíblia sagrada com reflexões de Lutero [Resenha] 143 Holy Bible with reflections by Luther [Portuguese edition] [Book Review] Santa Biblia con reflexiones de Lutero [Reseña] Helmut Renders Os tempos da Igreja de todos os tempos [Resenha] 147 The times of the Church of all times [Book Review] Los tiempos de la Iglesia de todos los tiempos [Reseña de libro] José Carlos de Souza Ética da Esperança de Jürgen Moltmann [Resenha] 157 Ethics of Hope by Jürgen Moltmann [Book Review] Ética de la esperanza de Jürgen Moltmann [Reseña] Helmut Renders Há esperança para a família [Resenha] 163 There is hope for the family [book review] Hay esperanza para la familia [reseña de libro] Marcos Antônio Garcia 0pgrosto.indd 6 19/2/ :05:06

7 Palavras que já têm gosto [Resenha] 167 Words which already have its flavor [Book review] Palabras que ya tienen sabor [Reseña de libro] Luis Carlos Ramos Documentos e Declarações / Document and Declarations Documentos y Declaraciones Teologia Pública há 50 anos: A criação do Departamento da Ação Cívica pela Igreja Metodista do Brasil em Brasília 171 Public Theology 50 years ago: The creation of the Department of Civic Action by the Methodist Church of Brazil in Brasilia Teología Pública hace 50 años: la creación de la Secretaría de Acción Ciudadana por la Iglesia Metodista de Brasil en Brasilia Helmut Renders Registros / records / registros Relação de autores e autoras 183 Notes on the contributors Relación de autores y autoras Pareceristas em Reviewers in 2012 Revisores y revisoras en 2012 Normas para colaboração 187 Guides for contributors 189 Normas para colaboradores y colaboradoras 191 Diretórios e indexações 193 Directories and indexation Directorios y indización Relação de permutas 194 Journals exchange Intercambio de revistas Bibliotecas parceiras 200 Partner libraries Bibliotecas afiliadas 0pgrosto.indd 7 19/2/ :05:06

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9 Editorial Estimadas leitoras! Estimados leitores! A revista científica Caminhando fecha o ano 2012 com um Dossiê sobre a obra e teologia do prof. Dr. Milton Schwantes, amigo da nossa Faculdade e também desta revista. Ganhamos para esta tarefa dois companheiros próximos de Milton, prof. Dr. Tércio Machado Siqueira e prof. Dr. Rui de Souza Josgrilberg. Na Apresentação do Dossiê eles explicam suas razões e expectativas em relação ao legado do trabalho desenvolvido por Milton. Além disso, a revista contém mais dois artigos com temas livres. O texto da professora e doutoranda Ludhiana Ethel Kendrick Silva Bertoncello reflete, em A formação do teólogo com mais de 30 anos por meio da Educação a Distância, sobre os aspectos didáticos da formação à distância em cursos de teologia, com foco em pessoas com mais do que 30 anos. Prof. Dr. Ronaldo Sathler-Rosa apresenta a segunda parte do seu texto Do cuidado da alma ao cuidado da vida: evoluções históricas do exercício do cuidado pastoral. Seguem quatro resenhas: a primeira sobre uma nova edição da Bíblia Almeida com comentários de Lutero; a segunda a respeito de uma apresentação panorâmica da eclesiologia organizada e comentada por Bryan P. Stone; a terceira dedicada ao livro novo de ética escrita por Jürgen Moltmann, e, finalmente, um livro sobre a instituição e dinâmica da família. Na seção Documentos e declarações lembramos a criação do Departamento da ação cívica em 1962 pela Igreja Metodista, duas semanas antes da Conferência do Nordeste. O experimento durou pouco, mas, mesmo assim não deixou ser nada menos do que uma expressão de um projeto de uma Igreja que, mediante da sua presença pública, queria contribuir para a construção do País. Helmut Renders Em nome da equipe editorial Revista Caminhando v. 17, n. 2, p. 1, jul./dez indd 1 19/2/ :59:08

10 Editorial Dear readers! Our scientific journal closes the year 2012 with a dossier about the work and theology of prof. Dr. Milton Schwantes, friend of our seminary and of this publication. We count for this task on two near companions of Dr. Schwantes, prof. Dr. Tércio Machado Siqueira and prof. Dr. Rui de Souza Josgrilberg. In its presentation of the dossier they explain their reasons and expectations regarding the legacy of the work of Milton. In addition, the magazine contains two other articles. The text of professor Ludhiana Ethel Kendrick Silva Bertoncello reflects on the educational aspects of distance education for courses in theology with focus on theologian with over 30 years. Prof. Dr. Ronaldo Sathler Rosa, presents the second part of his text The care of the soul to the care of life: historical developments of the exercise of pastoral care. This edition counts, too, on four book reviews: the first about a new edition of the Bible with commentaries by Luther, the second about a panoramic view of ecclesiology organized and commented by Bryan P. Stone, the third dedicated to the ethics, written by Jürgen Moltmann. Finally, is discussed a book about family as institution and its dynamics. In the section Documents and declarations we remember the creation of the Department of civic action by the Methodist Church in Brazil in 1962, mice precisely, two weeks before the so called Northeast Conference, which united Protestants to discuss the social, political and economic situation of the country. The experiment was short-lived, but even though represented nothing less than one of the most advanced expressions of public presence of a Protestant Church in Brazil eager to contribute to the development of the country. Helmut Renders General editor, on behalf of the editorial team 2 Helmut RENDERS: Editorial indd 2 19/2/ :59:56

11 Editorial Estimadas lectoras! Estimados lectores! La revista científica Caminhando culmina el año 2012 con un dossier sobre la obra y la teología de Prof. Dr. Milton Schwantes, amigo de nuestra facultad y también de esta revista. Hemos ganado para esta tarea a dos compañeros próximos de Milton, el Prof. Dr. Tércio Machado Siqueira y el Prof. Dr. Rui de Souza Josgrilberg. En su presentación del dossier ellos explican sus razones y expectativas sobre el legado de la obra de Milton. Además, la revista contiene dos artículos relacionados a temas libres. El texto de la profesora y doctoranda Ludhiana Ethel Kendrick Silva Bertoncello refleja la formación del teólogo con más de 30 años a través de la educación a distancia sobre los aspectos didácticos de la formación a distância en cursos de teología, dirigidos a personas con más de 30 años. El Prof. Dr. Ronaldo Sathler Rosa, presenta la segunda parte de su texto Del cuidado del alma al cuidado de la vida: evolución histórica del ejercicio del cuidado pastoral. Siguen cuatro reseñas de libros: la primera es sobre una nueva edición de la Biblia con comentarios de Lutero; la segunda se refiere a una presentación panorámica de la eclesiología organizada y anotada por Bryan P. Stone, la tercera está dedicada al nuevo libro de ética escrito por Jürgen Moltmann, y finalmente un libro acerca de la institución de la familia y dinámica familiar. En la sección Documentos y declaraciones se recuerda la creación, en 1962, del departamento de acción cívica por parte de la Iglesia Metodista, que se dio dos semanas antes de la Conferencia del Noreste. El experimento duró poco, pero aun así significó nada menos que una expresión de un proyecto de presencia pública de una iglesia y su contribución para la construcción del país. Helmut Renders Editor General en nombre del equipo editorial Revista Caminhando v. 17, n. 2, p. 3, jul./dez indd 3 19/2/ :59:40

12 DOSSIÊ DOSSIER DOSIER indd 5 19/2/ :00:29

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14 Apresentação do Dossiê Temos a grata satisfação de entregar aos leitores e leitoras de Caminhando um dossiê que mostra e interpreta os últimos escritos de Milton Schwantes. Os artigos desta revista estão baseados, especialmente, em aulas escritas para o Programa de Pós-graduação da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), dos anos 2009 a 2011, textos ainda não publicados. Este dossiê visa não somente prestar uma homenagem ao querido professor e amigo Milton Schwantes, mas também resgatar seus projetos de interpretação bíblica, nos últimos anos de docência na UMESP. Em seus derradeiros escritos, ele manifestou, com insistência, uma nova perspectiva hermenêutica na abordagem do Primeiro Testamento, incluindo avançadas pesquisas sobre o tema messianismo. Na base dessa mudança hermenêutica estão as desconstruções da teoria clássica das fontes literárias do Pentateuco, bem como uma interessante revisão da história de Israel, em consonância com as descobertas arqueológicas do Antigo Oriente Médio. Milton propõe que a teologia bíblica se oriente, como ponto de partida, pelo próprio cânon bíblico. Assim, a teologia da Torá constitui-se na pedra-de-esquina do conjunto literário que se completa nas duas outras partes da Bíblia Hebraica: Profetas e Escritos. Para Milton, a grande questão é como estas três partes se organizam teologicamente. Assim, ele buscou fundamentar a possibilidade de uma renovação dos estudos da Bíblia em vista da teologia do Primeiro Testamento em um novo enfoque do cânon hebraico. Este novo enfoque toma a Torá como a base para a compreensão do desenvolvimento posterior das duas outras partes da Bíblia Hebraica, Profetas e Escritos. O horizonte que as narrativas da Criação, colocadas como portal da Torá, abre para a teologia do Primeiro Testamento uma visão que implica a revelação em Israel com toda a humanidade e com todo mundo criado. A ênfase, encontrada a partir de Gênesis 1-11, é de um horizonte hermenêutico que possibilita ver a criação como a encarnação da esperança. Embora Milton não tivesse uma visão sistemática, ele mostrou uma percepção hermenêutica que lhe permitiu desenvolver as linhas fundamentais do Primeiro Testamento. É importante dizer que ele se Revista Caminhando v. 17, n. 2, p. 7-8, jul./dez indd 7 19/2/ :00:29

15 preocupou em deixar por escrito seus últimos cursos como o primeiro esboço de uma teologia. Falamos do Milton exegeta e teólogo por excelência, mas pouco mencionamos as suas qualidades pastorais. José Ademar Kaefer destaca, em seu artigo, uma faceta da personalidade desse pastor. Ele não se empolgava com as conquistas dos poderosos reis, mas se preocupava com o povo oprimido: E as vítimas, onde estão? Onde estão os jovens que morreram nas guerras para garantir os sonhos megalomaníacos dos reis? Onde está povo que teve que pagar tributos abusivos para manter as guerras? Onde estão as mulheres violentadas pela guerra? As mães, viúvas, que choram a morte de seus filhos e de seus maridos? Onde estão os órfãos das guerras? Onde está Deus deles? Para Milton, não basta ler e decorar a Bíblia. O pastor e a pastora precisam ler o texto sagrado com atenção redobrada e muita sensibilidade para os pequenos e esquecidos da história. Sentindo dificuldade com saúde, Milton esmerou-se no preparo de suas aulas na forma escrita. Nesses escritos, Milton postula que a teologia bíblica esteja verdadeiramente incluída no concreto da vida. Para ele, só assim a teologia alcançará o seu sentido ou a sua materialidade. Rui Josgrilberg Tércio Machado Siqueira 8 Rui Josgrilberg; Tércio Machado Siqueira: Apresentação do Dossiê indd 8 19/2/ :00:29

16 Presentation of the Dossier With great pleasure we do deliver to the readers of the Journal Caminhando a dossier which mentions and interprets the recent writings of Milton Schwantes. The items shown in this review are based especially in studies produced by Milton Schwantes for the Graduate Program of Religious Studies of the Methodist University in Sao Paulo (UMESP) between 2009 and 2011 and not yet published. This dossier aims not only to pay tribute to the beloved teacher and friend Milton Schwantes, but also to guarantee that his projects of biblical interpretation developed in recent years during his teaching at the Umesp in the future will be considered. In his last writings, he expressed, with insistence, a new hermeneutic perspective in addressing the First Testament, including advanced research on the topic messianism. It is fundamentally based on a hermeneutic deconstruction of the classical theory of the literary sources of the Pentateuch, as well as an interesting review of the history of Israel, in line with the archaeological discoveries of the Ancient Near East. Milton proposes that biblical theology is guided, as a starting point, by the biblical canon. Thus, the theology of the Torah constitutes the corner-stone of the literary set that is completed by the two other parts of the Hebrew Bible: Prophets and Writings. For Milton, the key question is how these three parts are organized theologically. So he sought to justify the possibility of a renewal of Bible studies focusing on the theology of the First Testament by a new approach to the Hebrew canon. This new approach takes the Torah as the basis for understanding the later development of the two other parts of the Hebrew Bible, Prophets and Writings. Understanding the narratives of Creation, as a kind of portal for the whole Torah provides for the theology of the First Testament a vision that entails the revelation in Israel with the revelation to all mankind and to all the created world. The emphasis, found from Genesis 1-11, is a hermeneutic horizon that enables to see creation as the embodiment of hope. Although Milton did not develop a systematic perspective in the classical sense, he showed a hermeneutics sense that allowed him to develop the fundamental lines of the First Testament. It is important to say that he was concerned to leave his last courses given in a written form which he understood as a first draft of this new theology of the First Testament. Revista Caminhando v. 17, n. 2, p. 9-10, jul./dez indd 9 19/2/ :00:45

17 We speak of Milton as an exegete and theologian par excellence, but little is mentioned about his pastoral qualities. Ademar José Kaefer describes in his article a facet of Milton s personality as pastor. He was not thrilled with the achievements of mighty kings, but was concerned with the oppressed people: And the victims, where are they? Where are the young people who died in wars to ensure the megalomaniac dreams of kings? Where is that people had to pay taxes to keep abusive wars? Where are the women raped by war? The mothers, widows who mourn the death of their children and their husbands? Where are the orphans of the wars? Where is their God? For Milton, just reading and memorizing the Bible meant only to do the half job. The pastor need to read the sacred text with a lot of extra attention and sensitivity to find in it the little and forgotten ones of history. Facing health trouble, Milton was very eager to prepare his lessons in a written form. In these writings, Milton focused on biblical theology as really included in the daily life. For him, this was the only way how theology may achieve its sense and its materiality. Rui Josgrilberg Tertius Machado Siqueira 10 Rui Josgrilberg; Tertius Machado Siqueira: Presentation of the Dossier indd 10 19/2/ :00:45

18 Presentación del Dosier Con mucho gusto entregamos a los lectores y lectoras de la revista Caminhando un dossier que menciona e interpreta los últimos escritos de Milton Schwantes. Los artículos de esta edición se basan, especialmente, en las clases que él preparó para el Programa Universitario de Estudios Religiosos de la Universidad Metodista de Sao Paulo (UMESP) entre 2009 y 2011, textos que no se han publicado todavía. Este dossier tiene como objetivo no sólo rendir homenaje al querido maestro y amigo Milton Schwantes, sino también preservar los proyectos de interpretación bíblica desarrollados por él durante sus últimos años de docencia en la Umesp. En sus últimos escritos, expresó, con insistencia, una nueva perspectiva hermenéutica para abordar el Primer Testamento, incluyendo avanzadas investigaciones sobre el tema del mesianismo. Como base de esa mudanza hermenéutica están las desconstrucciones de la teoría clásica de las fuentes literarias del Pentateuco, así como una interesante revisión de la historia de Israel, de acuerdo con los descubrimientos arqueológicos del Antiguo Oriente Medio. Milton propone que la teología bíblica se oriente, tomando como punto de partida, el propio canon bíblico. Así, la teología de la Torá se constituye en la piedra de ángulo del conjunto literario que se complementa con las otras dos partes de la Biblia hebrea: los Profetas y los Escritos. Para Milton, la pregunta clave es cómo estas tres partes se organizan teológicamente. De esta manera, él trató de cimentar la posibilidad de una renovación de los estudios bíblicos centrados en la teología del Primer Testamento con un nuevo enfoque en el canon hebreo. Este nuevo enfoque tiene la Torá como base para entender el desarrollo posterior de las otras dos partes de la Biblia hebrea, los Profetas y los Escritos. El horizonte de los relatos de la Creación, puestos como una especie de portal para toda la Torá abre un panorama, para la teología del Primer Testamento, que comprende la revelación en Israel con la revelación a toda la humanidad y a toda la creación. El énfasis, que se encuentra en Génesis 1-11, es un horizonte hermenéutico que permite ver la creación como la encarnación de la esperanza. Aunque Milton no haya tenido una visión plenamente sistematizada, demostró tener una percepción hermenéutica que le permitió desdoblar las líneas fundamentales del Primer Testamento. Es importante decir que Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 11 19/2/ :03:02

19 él quiso dejar sus últimos cursos en la forma escrita de manera que sea un primer bosquejo de una nueva teología. Hablamos de Milton, exegeta y teólogo por excelencia, aunque poco se dice de sus cualidades pastorales. José Ademar Kaefer destaca en su artículo una faceta de la personalidad del pastor Milton. No le entusiasmaba mucho los logros de reyes poderosos, sino que se preocupaba con los pueblos oprimidos: Y las víctimas?, dónde están? Dónde están los jóvenes que murieron en las guerras para asegurar los sueños megalómanos de los reyes? Dónde está la gente que tuvo que pagar impuestos para costear las guerras abusivas? Dónde están las mujeres violadas por la guerra? Dónde están las madres, las viudas que lloran la muerte de sus hijos y maridos? Dónde están los huérfanos de las guerras? Dónde está su Dios? Para Milton, no basta leer y memorizar la Biblia. El pastor y la pastora necesitan leer el texto sagrado con mucha atención y sensibilidad para vislumbrar a los más pequeños y olvidados de la historia. Frente a los problemas de salud, Milton se esmeró en preparar sus clases en forma escrita. En esos escritos, Milton postula que la teología bíblica debe estar incluida en lo concreto de la vida. Para él, esta es la única manera que la teología puede alcanzar su sentido y su materialidad. Rui Josgrilberg Tertius Machado Siqueira 12 Rui Josgrilberg; Tertius Machado Siqueira: Presentación del Dosier indd 12 19/2/ :03:02

20 Origem dos textos The origin of texts El origen de los textos Milton Schwantes RESUMO Este ensaio pretende discorrer sobre a origem do texto de Êxodo 1-15, deslocando-o do contexto da teoria das fontes e inserindo a discussão a partir das vertentes sociais e econômicas que proporcionaram a geração do texto. Discorre, assim, pelo conceito da guerra santa nos ambientes tribais, pela realidade dos trabalhadores oprimidos pela escravidão e trabalhos forçados e pela presença das mulheres em momentos decisivos da história do povo, além das questões proféticas e de memória. Essas chaves de leitura pretendem, assim, situar o estudo das origens dos textos de Êxodo 1-15, sem focar na busca pela autoria do mesmo. Palavras-chave: Hermenêutica bíblica; êxodo 1 a 15; Autoria(s) de Êxodo; trabalhadores forçados em Êxodo; mulher em Êxodo. ABSTRACT This essay aims to discuss the origin of the text of Exodus 1-15, displacing it from the context of the theory of sources and inserting it in the discussion from the social and economic aspects that provided the creation of the text. The author introduce, thus, the concept of holy war in tribal environments, the reality of workers oppressed by slavery and forced labor and the presence of women at decisive moments in the history of the people, besides the issues of memory and prophetic. These keys readings thus intend do situate the study of the origins of Exodus 1-15, without focusing on the search for its author. Keywords: Biblical Hermeneutics; Exodus 1-15; author (s) of Exodus; forced laborers in Exodus; women in Exodus. RESUMEN Este ensayo tiene como objetivo discutir el origen del texto del Éxodo 1-15, despla- zándolo del contexto de la teoría de las fuentes e incluyéndolo en la discusión teniendo como punto de partida los aspectos sociales y económicos que facilitaron la concepción del texto. Discurre, por lo tanto, sobre el concepto de guerra santa en ambientes tribales, sobre la realidad de los trabajadores oprimidos por la esclavitud y el trabajo forzoso y sobre la presencia de las mujeres en los momentos decisivos de la historia del pueblo, además de las cuestiones proféticas y de memoria. Esas llaves de lectura intentan situar el estudio de los orígenes del texto de Éxodo 1-15, sin la preocupación por la búsqueda de la autoría del mismo. Palabras clave: hermenéutica bíblica; Éxodo 1-15; autoría(s) Éxodo; trabajadores forzados en Éxodo; mujeres en Éxodo. Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 13 19/2/ :05:16

21 A pergunta pela origem de Êxodo 1 a 15 é importante. Por certo, é difícil responder, pois encontramo-nos diante de literatura anônima. Colocando em debate esta questão, não pretendo 1 descobrir a intenção do autor do texto. A pergunta pela origem de um texto, de modo algum, coincide com a busca pela intencionalidade de quem o anotou. Ao procurar identificar o nascedouro de Êxodo 1 a 15, trato de localizar as narrações sobre a libertação. Contextualizo-as. A pergunta pela origem é, pois, a pergunta pelos setores sociais e as lutas populares que geraram e criaram os textos. Esta questão é deveras difícil. Por certo, não lhe estarei fazendo justiça nas anotações que seguem. Permaneço fragmentário. Restrinjo-me a apontar algumas possibilidades. Indicarei pistas e probabilidades. Camadas literárias? Não deveremos atribuir os textos ao javista, ao eloísta e ao escrito sacerdotal? É sabido que a teoria das fontes atribui Êxodo 1 a 15 a estes três autores. Há também variantes. Alguns adicionam aos três documentos mencionados uma quarta fonte, cuja origem atribuem a setores do seminomadismo. Esta teoria fornece uma valiosa contribuição para explicar a redação de nossos capítulos. Contudo, os conteúdos destes são bem anteriores a sua fase redacional, na qual teriam atuado o javista, o eloísta, o escritor sacerdotal e outros escritores. Por isso, ao tratar de detectar a origem dos capítulos 1 a 15, não é suficiente identificar seus autores literais. Bem mais relevante é, neste caso, a fase precedente às anotações escritas. Portanto, passamos a perguntar: Quem transmitiu e preservou os conteúdos de nossos capítulos antes de virem a ser textos escritos? Interessam-nos, pois, os autores da memória da libertação. Creio que este tipo de perspectiva inclusiva ajuda a redimensionar a teoria das fontes, que, inclusive, está em crise. Há quem, em geral, ponha em dúvida a existência do javista, do eloísta, e do escrito sacerdotal. Além disso, entre os pesquisadores não existe consenso quanto à pertença dos textos. Para uns, seria do javista o que para outros é do eloísta. E, por fim, apresenta fortes marcas de uma unidade bastante coesa. As rupturas entre uma unidade menor e outra diferença entre perícopes não são nítidas como no livro do Gênesis. Hoje, tais observações que põem em crise a teorias das fontes tendem a aumentar. Para isso, inclusive convém que não só se busque identificar os autores dos textos, mas que também e em especial se trate de localizar os portadores da memória do Êxodo. 1 Mantivemos a primeira pessoa singular da versão original (o editor). 14 Milton Schwantes: Origem dos textos indd 14 19/2/ :05:16

22 A guerra santa como âmbito da memória do êxodo Conteúdos muito significativos do êxodo libertador foram preservados e transmitidos no âmbito da assim chamada guerra santa. A guerra santa é parte da mística de camponeses e lavradores. E um costume clânico-tribal. Quando uma aldeia ou tribo fosse atacada por algum invasor, seus vizinhos acorriam para a defesa. No-lo contam textos como Juízes 4 a 5 e 6 a 8. A tais guerras de autodefesa camponesa de interajuda tribal podemos denominar guerra santa. Dois conteúdos especialmente relevantes em Êxodo 1 a 15, em todo caso, têm seu lugar vivencial no contexto das guerras santas. Refiro-me ao cântico de Miriã, em e o episódio da passagem pelo mar, em Êxodo até O cântico de Miriã tido como um dos textos mais antigos a respeito do êxodo originalmente era usado nas festividades de recepção dos camponeses, em seu regresso dos combates. Nesta ocasião, as mulheres lavradoras entoavam hinos de júbilo. Comprovam-no passagens como 1 Samuel 18.7; 21.11; A narração sobre a passagem pelo mar (Êx até 14.31) tem as marcas típicas de uma guerra santa. Os dois grupos os egípcios de um e os hebreus de outro lado estão armados. Posicionam-se frente a frente. Moisés pronuncia o discurso do comandante, preparando os seus para o combate que «Javé pelejará por nós» (Êx 14.14). Sob a influência da guerra santa, também está o cântico de Moisés ( ). É o que evidencia o v.3: Javé é homem de guerra! Também o episódio da desobediência das parteiras ( ), de certo modo, situa-se no âmbito da guerra santa. Por fim, aos olhos de faraó, os hebreus representam uma ameaça militar (1.10). É o que desencadeia a repressão, dando origem ao processo de libertação. Portanto, o cenário do êxodo é de combate. Vários de seus textos foram memorizados neste contexto de lutas e pelejas. Experiência de trabalhadores forçados Realidades da vida camponesa também espelham o capítulo 5. Mas, desta vez, o texto não nos situa no contexto da guerra santa. Seu assunto é, antes, o trabalho forçado ou a corveia. Em tempos bíblicos, os monarcas do Antigo Oriente costumavam requisitar seus súbitos para a construção das grandes obras públicas (palácios, templos, cidades) Faziam-no com uso de força. Via regra, o recrutamento era feito sob coerção militar. Afinal, os lavradores teimavam em não se submeter aos caprichos e luxos dos soberanos. Tal resistência camponesa ao trabalho forçado não é desconhecida de diversos episódios da própria história de Israel. Refiro-me, por exemplo, à rebelião de Jeroboão contra Salomão (1Rs ), à separação entre Israel e Judá (1Rs 21), à crítica profética contra Jerusalém (Mq 3.10; Jr ). Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 15 19/2/ :05:16

23 Êxodo 5 situa-se neste contexto. Corresponde à experiência do povo da terra (Êx 5.5). É a parte da memória de lavradores em sua resistência contra o recrutamento para o trabalho forçado. Alguns versículos do capítulo 1 também cabem neste ambiente. Refiro-me aos v Contudo, há significativa diferença entre estes versículos do capítulo 1 e o capítulo 5. Este apresenta toda uma narração a respeito das negociações por ocasião do trabalho forçado. Aqueles reúnem breves informações. Êxodo tende mais para a listagem, enquanto que Êxodo 5 conta o episódio. Em todo caso, ambos têm por base a experiência de trabalhadores forçados. A derrocada de faraó: memória de mulheres! Acima, já destaquei que Êxodo provém de mulheres. Lembro também que esta é, muito provavelmente, a informação mais antiga sobre a libertação dos hebreus. Há quem a situe no século 12! Portanto, desde seu início, as mulheres são portadoras e divulgadoras da memória da libertação. Mas, a participação das mulheres não se restringe ao cântico de Miriã, no capítulo 15. Nos capítulos 1-2, a presença e a eficiência de mulheres são decisivas! Tanto a história das parteiras ( ) quanto a das mães (2.1-10) não só têm mulheres como personagens centrais. São elas que tudo decidem! Estas histórias também são voz de mulher. Não foram criadas por homens, porque seus pormenores não correspondem à experiência masculina. Na memória do povo, as mulheres deram início à resistência e à oposição ao faraó. Deram sustentação à luta pela libertação. Neste contexto, cabe mencionar também Êxodo Trata-se de uma cena de difícil interpretação. Está situada no regresso de Moisés para o Egito após sua vocação. Acompanham-no Zípora e Gérson. Os versículos em questão tematizam a circuncisão do menino Gérson. Zípora circuncida seu filho. Isso chama a atenção, pois costumeiramente a circuncisão é feita por homem, de preferência por um sacerdote. Portanto, a memória do êxodo inclusive atribui funções sacerdotais à mulher! Convém que aqui também se aponte para Gênesis , outra história, na qual o êxodo libertador tem a mulher (no caso: Sara) como sujeito. Pelo visto, na memória do êxodo as mulheres não só desempenham papéis centrais. Elas mesmas são formuladoras e sujeitas desta memória. A mística profética anima o projeto do êxodo A tradição profética marca nos capítulos 3 a 4. Em suas imediações, também se encontra o capítulo , se bem que este trecho tenha suas peculiaridades, sendo inclusive de outra época. Nos capítulos 3-4, Moisés é vocacionado qual profeta. É-lhe proposta a tarefa, como em Amós ou O vocacionado reage com dúvidas e evasivas, como em Jeremias Javé esboça todo seu projeto, como em Isaías Até mesmo 16 Milton Schwantes: Origem dos textos indd 16 19/2/ :05:16

24 a fórmula do envio de mensageiro está presente em Êxodo De fato, Êxodo 3, 4 e 6 apresentam Moisés como profeta libertador. Contudo, há uma particularidade nos capítulos 3 e 4. Neles, predominam perguntas e respostas. Seu estilo é dialogal. Estes capítulos parecem dever sua origem a todo um grupo que, nesse diálogo teológico, apresenta sua compreensão de profecia. De fato, os capítulos 3 e 4 têm as características de um mutirão teológico. Na base dos capítulos 3, 4 e 6 está a experiência do ministério profético. Os idealizadores destes textos foram círculos de profetas. A terra que mana leite e mel é o conteúdo de sua mística. Um memorial para pastores e lavradores Festas religiosas nem sempre se desenrolam junto ao santuário. Há também festas marcadamente populares. Aliás, as mais celebradas costumam ser de origem popular. A páscoa é festa do povo, em especial das famílias. Para comemorá-la, reúne-se a família. Também se tentou incorporá-la aos ritos dos santuários. A primeira notícia a respeito encontra-se em Êxodo Portanto, em parte, a Páscoa era festa de família; em parte, rito de templo. Esse duplo uso da festa entende-se melhor quando a gente percebe em Êxodo que a páscoa, na verdade, contém dois momentos diferentes. Por um lado, celebra um cordeiro. Por outro, comemora pães asmos. O cordeiro pertence ao âmbito da família; os pães asmos são da esfera da assembleia, do santuário. O cordeiro pascal representa um costume pastoril. Os pães asmos são um rito camponês. Portanto, na festa da páscoa encontram-se pastores e lavradores. A páscoa é o memorial desta gente! Em Êxodo a celebração pascal tanto no que diz respeito ao cordeiro, quanto aos pães é rito de família. Ainda não está amarrada ao santuário. Em Êxodo 1 a 15, a páscoa está conectada aos sinais e milagres, às assim chamadas pragas. Antes de concluir nossas breves anotações sobre a festa, convém integrar algumas observações sobre os milagres. Uma liturgia profética? Os milagres constituem o maior conjunto literário em Êxodo Seu início está no capítulo 6, sua conclusão, no mínimo, no capítulo 13, uma vez que a páscoa ainda é parte dos sinais. Infelizmente, é difícil identificar a origem deste grande conjunto dos sinais. Há três pistas que nos podem ajudar na localização. Primeiro, páscoa e sinais estão bastante ligados. Em meio à festa, acontece o sinal da morte dos primogênitos. Isso não significa que páscoa e milagres desde sempre estivessem interligados. Num passado Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 17 19/2/ :05:16

25 mais remoto, podem ter sido tradições independentes. Isso até me parece bastante provável. Porém, no estágio em que se encontram nossos capítulos 6 a 13, páscoa e sinais já estão conjugados. Por seguinte, o lugar vivencional da páscoa também é o dos sinais e milagres. Segundo, as pragas têm uma tonalidade litúrgica. Repetem sequências similares. Retomam refrões. A frase o coração de faraó se endureceu funciona como estribilho. Quem teriam sido os liturgos da festa? Quem teriam contado os causos que convenceram o faraó a que permitisse a saída? Possivelmente foram os próprios pais da casa e, em sua continuidade, grupos levíticos. Terceiro, os sinais refletem teologia profética. Afinal, foram profetas os que mais claramente se opuseram aos governantes. Foram eles os que mais conheciam os corações de reis e faraós. Sabiam do endurecimento desta gente (Is ). Portanto, os sinais e milagres são parte da liturgia da páscoa. Enquanto esta é o rito memorial, comemorado preferencialmente por pastores (cordeiro) e por lavradores (pães), aqueles são os incidentes memoriais recitados por ocasião das festividades. O cântico de Moisés (Êx ) também poderia ter sido sua origem em grupos similares aos da liturgia das pragas. Em resumo Quis dirigir a atenção às tradições contidas nos textos. Minha preocupação não eram os redatores finais, mas os idealizadores criadores, formuladores originais e primeiros dos conteúdos, das tradições, das experiências. Procurei regredir para a fase anterior à anotação escrita. Tal empreendimento é difícil. Tende a permanecer hipotético. Isso não o invalida. Porém, indica seus limites. Tratei de abreviar. Assinalei para algumas pistas e probabilidades. Agora, no final, trato de agrupar. O nascedouro das tradições e dos conteúdos, contidos em Êxodo 1-15, em todo caso, não está nem em palácios e nem em templos. Estes textos nasceram na manjedoura. Provêm da vida do povo. O campesinato é o âmbito dos textos. Ora, os lavradores e as lavradoras são diretamente responsáveis pela formulação dos conteúdos. Ora setores sociais vinculados aos camponeses, como levitas e profetas, o são. As experiências da guerra santa foram locais bastante privilegiados para a rememorização dos episódios ocorridos aos hebreus no Egito. A autodefesa contra invasores prepotentes trazia à memória a estupenda derrota de faraó. Por ocasião da recepção na aldeia, as mulheres cantavam a memória do êxodo, quando Javé precipitara no mar o cavalo e seu cavaleiro. Aliás, as mulheres camponesas desempenham um papel deveras importante na fixação da memória da libertação. Contavam de 18 Milton Schwantes: Origem dos textos indd 18 19/2/ :05:16

26 sua resistência contra as ordens de faraó. Alegravam-se porque suas companheiras hebreias haviam cooptado a própria filha do opressor. E cantavam os estribilhos sobre a saída libertadora. Profecia e liturgia se associaram, com suas contribuições específicas, às memórias libertadoras de camponesas, lavradores e pastores. Os círculos proféticos criaram, por meio das cenas de vocação de Moisés, uma das peças mais claras e bem formuladas de toda nossa Bíblia. E os liturgos levíticos celebraram, na liturgia dos sinais, uma das contestações mais radicais aos poderosos. Tanto esta profecia quanto a liturgia não deveriam ser lidas sem enraizamento nas lutas camponesas, em meio às quais foram fermentadas. Êxodo 1-15 tem sua origem na memória. E esta memória está empregada das experiências dos setores populares e camponeses. Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 19 19/2/ :05:16

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28 A Torá: uma leitura inovadora The Torah: an innovative reading La Torá: una lectura innovadora Tércio Machado Siqueira Resumo Milton Schwantes propõe um novo jeito de ler e interpretar a Bíblia, particularmente o Antigo Testamento. Deixando de lado os métodos tradicionais, ele vê a Torá constituída a partir de quatro conjuntos literários, como livros formados e pertencentes a diferentes grupos da sociedade israelita. Cada um desses conjuntos guarda lições que revelam a teologia daquela comunidade. Essa comunidade a utiliza como instrumento de culto e libertação. O tema principal deste conjunto maior, a Torá, é a formação de uma sociedade justa e ecumênica que tem a humanidade como referência. A Torá foi editada e canonizada para instruir os povos. Como exemplo, o conjunto Êxodo 1-15 transmite lições de ânimo para as comunidades de agricultores e pastores oprimidas. Palavras-chave: Torá; conjunto literário; interpretação; exegese; teologia. Abstract Milton Schwantes proposes a new way of reading and interpreting the Bible, particularly the Old Testament. Leaving aside the traditional methods, he sees the Torah composed by four sets of literary books as belonging to different groups in Israeli society. Each of these sets hold lessons that reveal the theology of that community. This community uses it as an instrument of worship and deliverance. The main theme of this larger set, the Torah, is the formation of a just society and humanity that has ecumenical reference. The Torah was edited and canonized to educate people. As an example, the whole Exodus 1-15 convey lessons of encouragement for communities of farmers and herdsmen oppressed. Keywords: Torah; literary unites; exegesis; theology. Resumen Milton Schwantes propone una nueva forma de leer e interpretar la Biblia, especialmente el Antiguo Testamento. Dejando de lado los métodos tradicionales, ve la Torá como la reunión de cuatro conjuntos literarios, como libros formados y pertenecientes a diferentes grupos de la sociedad israelí. Cada uno de esos conjuntos conserva lecciones que revelan la teología de una determinada comunidad que lo utiliza como un instrumento de culto y liberación. El tema principal de este conjunto más amplio, la Torá, es la formación de una sociedad justa, ecuménica y que tiene la humanidad como referencia. La Torá fue editada y canoniada para instruir a la gente. A modo de ejemplo, el conjunto Éxodo 1-15 transmite lecciones de estímulo para comunidades oprimidas como las de agricultores y pastores. Palabras clave: Torá; conjunto literario; interpretación; exégesis, teología. Introdução Milton Schwantes foi uma pessoa especial. Como teólogo, ele abriu caminhos novos que dificilmente se tornarão envelhecidos, dado ao vigor, o arrojo e coerência de seus projetos. Ele viveu intensamente seus Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 21 19/2/ :09:04

29 67 anos de vida. Os seus dons e realizações não podem ser resumidos nos seus livros e artigos publicados. Por onde ele passou, como pastor e professor, deixou um rastro de amor e gratidão de amigos e amigas. Evidentemente, a marca mais nítida de sua criatividade está nos seus livros e artigos. Na leitura deles, cada leitor e leitora, prazerosamente, transforma-se em instrumentos de libertação e paz. Sua teologia fascinou alunos e alunas e continua atraindo novos e novas estudantes, dentro e fora do Brasil. Não somente isto! Apesar de seu exagerado amor e confiança na atuação de Igreja de Jesus Cristo, Milton nunca escondeu duras críticas contra as formas de atuação das igrejas. Questionador e inquietante são marcas de sua atividade profética. Um grande teólogo tem um projeto e o executa com coragem e competência. Milton foi além! Como pastor e professor, ele converteu a busca da teologia ideal, acadêmica, em ações práticas em favor dos necessitados, e do bem-estar do povo latino-americano. O seu dom foi colocado a serviço do amor ao ser humano, particularmente, ao povo pobre e destituído de bens necessários à vida boa e feliz. A esse povo, Milton se colocou, plenamente, disponível para executar o seu dom de intérprete da Bíblia. Por onde Milton passou, ele deixou sua marca de coragem e inovação. Nos últimos trinta anos de atuação, ele ajudou a criar duas revistas voltadas para os/as estudantes da Bíblia: Estudos Bíblicos e Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana (RIBLA), esta publicada, também, em espanhol. Junto a um grupo de biblistas brasileiros, ele participou da criação do projeto Comentário Bíblico. Se não bastasse todo esse esforço, ele criou e levou avante o projeto Bibliografia Latino-Americana com o objetivo de difundir o material bíblico produzido na América Latina e facilitar a pesquisa dos/as estudantes. Nunca se afastando de suas convicções cristãs e ecumênicas, Milton desenvolveu um jeito especial de ler e interpretar a Bíblia. Seu grande sonho sempre foi ler e interpretar a Bíblia para o povo pobre. É certo que ele, felizmente, não estava sozinho nesse empreendimento. Nos últimos anos de vida, Milton decidiu publicar, com recursos próprios, seus livros, na intenção de facilitar o acesso, especialmente, dos/as estudantes de teologia. Com isso, ele se tornou um autêntico colportor, distribuindo seus próprios livros em comunidades de fé ligadas ao ensino da Bíblia. José Ademar Kaefer, um aluno e, hoje, ocupando o cargo de professor da Área de Bíblia, Antigo Testamento, no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da UMESP, fez algumas declarações sobre a vida e obra de Milton Schwantes: Primeiro, ele ensinou e viveu uma teologia bíblica; segundo, ele proclamou uma teologia da esperança. Milton inspirava muita dinamicidade (força). 22 Tércio Machado Siqueira: A Torá: uma leitura inovadora indd 22 19/2/ :09:04

30 Era um homem de muito ânimo, de força de vontade, que trabalhava muito, que acreditava e que investia nas pessoas, nos seus alunos. Tinha uma fé contagiante que tirava dos seus alunos coisas que nem eles se sabiam serem capazes. Terceiro, Milton tinha uma preocupação pastoral. Por isso, ele produzia uma teologia que nascia da pastoral e para a pastoral. Ao abordar um texto bíblico, ele sempre perguntava: o que esse texto nos ajuda/diz para a pastoral, para o povo? Quarto, ele tinha uma permanente preocupação com os pobres, e, por isso, fazia teologia a partir dos pequenos, da periferia para o centro. Quinto, Milton tinha a capacidade e a facilidade de ler o texto bíblico em favor do oprimido, ainda que aparentemente parecesse ser um texto que legitimasse a opressão. Ele remexia no texto até encontrar nele os pequenos de Javé (São Bernardo do Campo, 2009). Certamente, todos os seus alunos e as suas alunas aplaudiriam estas palavras. O zelo exegético Por seu amor e sua dedicação incondicional aos estudos da Bíblia, Milton Schwantes foi enviado à Universidade de Heidelberg, Alemanha, para seus estudos doutorais. Lá, ele conheceu e estudou com alguns dos considerados monstros sagrados da pesquisa bíblica que influenciaram muitas gerações de biblistas do nosso tempo. Tendo Hans Walter Wolff como orientador de suas pesquisas, Milton conheceu as mais influentes correntes teológicas e os principais métodos exegéticos da Bíblia. Apesar dessa proximidade com os grandes exegetas, Milton nunca foi submisso a esses métodos exegéticos tradicionais produzidos no Primeiro Mundo: respeitou-os, porém se colocou como um crítico leal dessa metodologia. Para avaliar a importância da obra e teologia de Milton Schwantes, é preciso ter uma noção, ainda que sucinta, dos projetos de Teologia do Antigo Testamento que fizeram parte da sua formação como pastor e professor. Em 28 de fevereiro de 2011, Milton escreveu um texto para sua classe na Universidade Metodista de São Paulo, com o título Uma teologia no Primeiro Testamento. Nesta aula, ele, inicialmente, caracterizou alguns projetos de teologia do Antigo Testamento. Sua intenção foi dar ciência aos seus alunos e alunas de sua proposta teológica. Como preâmbulo à sua proposta, Milton cita algumas obras teológicas que se destacaram entre os estudiosos do Antigo Testamento. Inicialmente, ele menciona a teologia de Ludwig Köhler, Die Theologie des Alten Testaments, publicada originalmente na Alemanha, em Para Milton, a teologia de Ludwig Köhler se tornou quase um dicionário de conceitos teológicos, sem relacionar as palavras à história de Israel. Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 23 19/2/ :09:04

31 Entre 1935 e 1939, Walther Eichrodt escreveu e publicou Theologie des Alten Testaments, em 3 volumes. Eichrodt esboça sua teologia em torno do conceito de berit, aliança ou pacto do Sinai, tomando o conceito de aliança como central no Antigo Testamento. Para Eichrodt, o conceito de aliança resume a convicção básica de Israel. Anos mais tarde, a proposta de Eichrodt perdeu relevância, em função das conclusões dos estudiosos que localizam o uso do tema berit nos períodos exílico e pós-exílico. Esta constatação levou os estudiosos a buscarem novos caminhos para propor uma teologia do Antigo Testamento. Entre 1957 e 1960, Gerhard von Rad publicou Theologie des Alten Testaments, em 2 volumes, com os títulos A teologia das tradições históricas de Israel e A teologia das tradições proféticas de Israel. Com esta publicação, von Rad quebrou a sequência de tentativas para reproduzir a teologia do Antigo Testamento. Essas tentativas guardam semelhanças com os esboços da Teologia Sistemática. Não se pode negar que a formulação da teologia de von Rad, formulada na década de 1950, tem muita a ver com o estudo El problema morfogenetico del Hexateuco, publicado em Para ele, a origem do Pentateuco, ou Hexateuco, encontra-se no pequeno credo histórico, de Deuteronômio e Para Milton, apesar do avanço, é preciso fazer uma leitura crítica da teologia de von Rad. Conhecedor da história política da Alemanha, ele observa que a redação dessas duas obras provém dos anos posteriores a 1945, período pós-guerra. Segundo ele, se essas obras fossem escritas nos anos de pobreza e repressão da Alemanha, pré-guerra, a relevância para todos os povos do mundo seria maior. A confrontação com as obras de Köhler e Eichrodt ajuda-nos a perceber o princípio gerador da exegese e teologia de Milton Schwantes. Enquanto eles partem do sentido de palavras e de temas para construir a teologia do Antigo Testamento, Milton se volta para o movimento dos pobres em busca da libertação. É interessante perceber que esta semente já se faz presente em von Rad que trouxe algo novo para os estudos da Bíblia, ao dar destaque às tradições. Milton entende que von Rad possibilitou um avanço considerável na compreensão da teologia do Antigo Testamento, pois ele ajudou a observar unidades literárias como conjuntos de textos que compõem a Torá. Ao mesmo tempo, von Rad chamou a atenção para outro aspecto do estudo do Antigo Testamento: a teologia bíblica só tem sentido quando ela se relaciona com o concreto da vida. A proposta teológica de Milton Schwantes Como estudante, na Alemanha, Milton conheceu pessoalmente grandes estudiosos da Bíblia. Nesse período, a teoria das quatro fontes comandava os estudos da Torá, ou Pentateuco (cf. WELLHAUSEN, 1963). 24 Tércio Machado Siqueira: A Torá: uma leitura inovadora indd 24 19/2/ :09:04

32 Segundo esta teoria, os cinco livros do Pentateuco seriam a soma de quatro escritos, cada um propondo narrar a história do povo israelita, todavia sob diferentes perspectivas teológicas. Ao escrever o seu comentário exegético de Gênesis (SCHWANTES, 2009), Milton confessa que desistiu do uso do método das fontes literárias do Pentateuco. Para ele, a Torá não é um livro formado a partir de quatro documentos (Fontes J, E, D e P), mas ela é constituída por conjuntos literários, agrupando muitos livros, muitas unidades literárias maiores, com títulos e temas próprios. Trata-se de uma nova forma de ler e interpretar o Pentateuco. Estes conjuntos literários pertencem a diferentes grupos da sociedade israelita, e são usados como instrumentos de edificação, instrução e libertação. Esta contestação a teoria das fontes literárias do Pentateuco, Milton Schwantes segue Rolf Rendtorff. Entre tantos princípios de interpretação do Antigo Testamento, Milton propõe que, inicialmente, devemos orientar-nos pelo cânon da Bíblia Hebraica. Para ele, não há como evitar este caminho, sob pena de perdermos o sentido da intenção da formação do Antigo Testamento e da Bíblia. Tomando o conjunto literário designado de Torá, Profetas e Escritos, ele procura saber como o cânon se organizou teologicamente. Assim, há, certamente, uma intenção na formação e editoração de cada uma dessas três partes, a saber, Torá, Profetas e Escritos. Para ele, a teologia do Antigo Testamento deve, necessariamente, partir da formação da Bíblia Hebraica. Evidentemente, seu projeto leva a sério o estudo das peculiaridades literárias desse conjunto e as diferentes categorias históricas que estão presentes nos textos. Milton toma com seriedade detalhes supostamente pequenos, mas que valorizam a origem da formação dos diferentes textos. Para avaliar e compreender o propósito do cânon hebraico, bem como sua intenção instrutiva e libertadora, é preciso perceber que o modo de editar os livros de menor porte teve seu lugar no fim da monarquia. O crescente aumento de escribas, dos alfabetizados e a urgência das sinagogas fomentaram a edição de pequenos livros, como a coleção dos Doze Profetas Menores (Oséias a Malaquias). Substanciando este argumento, Milton entende que os textos bíblicos são reflexos de uma teologia confessada pela comunidade de crentes javistas: estes pequenos textos mediam a Teologia do Antigo Testamento. Uma nova maneira de ler o Antigo Testamento A. Leitura dos conjuntos literários temáticos Na prática, Milton Schwantes abandonou a leitura das fontes literárias para ler e interpretar a Torá através de conjuntos literários temáticos. Para Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 25 19/2/ :09:04

33 ele, a teologia do Antigo Testamento deve ser formulada, primeiramente, ao esboço desse conjunto literário, designado de Torá, Profetas e Escritos. A tarefa desafiadora do intérprete é descobrir o modo como estes conjuntos literários se organizam teologicamente. Os argumentos para esta inovação da teologia do Antigo Testamento são fortes, na compreensão de Milton Schwantes; primeiro, ele considera suficientes as argumentações de Rolf Rendtorff contra a teoria das fontes literárias como responsáveis pela constituição da Torá. Segundo, na constituição da Torá, Milton entende que a Torá contém muitos livros compostos de unidades maiores com títulos e temas próprios. Ele usa o termo unidades literárias, isto é, conjuntos de textos que compõem a Torá. Para ser mais preciso, na Torá estas pequenas unidades literárias, ou perícopes, deixaram de existir para agruparem-se em coleções, ou conjuntos literários temáticos. B. O horizonte da Bíblia: Gênesis 1-11 Milton Schwantes propõe ler a Torá, inicialmente, a partir de seu primeiro conjunto literário: Gênesis Ele observa que a leitura deste conjunto, a partir da teoria das fontes literárias não descobriria o real sentido e a intenção do ensino inserido neste bloco literário. É bem verdade que o conjunto Gênesis 1-11 carrega uma dificuldade de linguagem. Afinal, este bloco, segundo Schwantes, contém uma linguagem pessimista, porém este lado desfavorável não bloqueia a sua importância teológica para a Torá. Os onze primeiros capítulos de Gênesis passam a ser referência para toda a humanidade, e consequentemente para a Torá. Sendo assim, eles se constituem uma contínua referência para os conteúdos da instrução divina para Israel e toda a humanidade. Para Milton Schwantes, estes onze capítulos não devem ser tomados como a origem ou a pré-história do mundo e da humanidade, mas a finalização da história de Israel. Nas palavras de Milton, Gênesis 1-11 é visto como entorno da Torá: uma teologia no ensino de Javé para toda a humanidade. Este é o horizonte da Torá e de toda a Bíblia. Não se trata de uma lei particular de um povo, como quis uma facção dos judeus pós-exílicos. A Torá, tendo como fundamento os ensinos de Gênesis 1-11, foi editada e canonizada para viver em meio aos povos. A importância de Gênesis 1-11 para a teologia bíblica é basilar. Na liturgia do culto, os celebrantes confessavam que Javé criou o mundo em justiça: Teu é o céu, e a terra te pertence, fundaste o mundo e o que nele existe... justiça e direito são a base do teu trono, amor e verdade precedem a tua face... (Sl e 14). Consciente dessa confissão de fé, outro salmista descreve que Javé se levantou no conselho dos deuses cananeus e critica a forma com que eles estão governando o mundo: jul- 26 Tércio Machado Siqueira: A Torá: uma leitura inovadora indd 26 19/2/ :09:04

34 gam com falsidade... apoiam a causa dos malfeitores... não protegem o fraco e o órfão... não fazem justiça ao pobre e necessitado... não libertam o fraco e o indigente e não os livra das mãos dos malfeitores (Sl ). A consequência dessa negligência é declarada pelo salmista:... todos os fundamentos da terra se abalam (v. 5). A tensão entre a criação boa e perfeita de Javé e a ação destruidora do ser humano está presente em Gênesis Para restaurar a criação original e boa (Gn 1.4,10,12,18,21,25,31), Javé convoca Noé, um homem justo e íntegro (Gn 6.9). Portanto, os onze primeiros capítulos do Antigo Testamento devem ser lidos na perspectiva do resgate do mundo e da humanidade. Lendo assim este conjunto literário, fica fácil concordar com a afirmação de Milton Schwantes: Os primeiros onze capítulos do livro de Gênesis deixam de ser pré-história, mas são contínua referência para todos os conteúdos da lei. Para ele, os onze primeiros capítulos do livro de Gênesis mostram que a Bíblia tem a humanidade como referência. Assim, Gênesis 1-11 não foi editado na abertura da Torá por acaso. C. Dois conjuntos de livros paralelos (Gn e 25-36) Milton Schwantes vê na sequência do conjunto literário de Gênesis 1-11 dois livros, paralelos um ao outro: Gênesis (Estas são as gerações de Tera ) e Gênesis (são estas gerações de Isaque ). Ambos os livros descrevem a vida dos antepassados de Israel, também chamados patriarcas. Milton aponta com destaque que esses antepassados têm nítidas relações familiares com os povos da Mesopotâmia, Egito e Arábia. Isto mostra que o conjunto literário de Gênesis 1-11 tem estreita identidade teológica com os dois livros que o seguem. A história dos antepassados, presente nestes dois livros, contém experiências fundantes, interpretando muitas gerações da cultura judaíta, para o período pós-exílico. Portanto, os três conjuntos literários Gênesis 1-11, e trazem um ensino que o cristianismo, posteriormente, assumiu: Javé criou o mundo para que os habitantes da terra, sejam eles da Mesopotâmia, Egito ou Arábia, vivessem bem, em harmonia com os seus semelhantes e a natureza criada. Estas três primeiras partes da Torá foram significativas para toda a humanidade, pois elas propõem uma forma ecumênica de viver. Para a Torá, Israel não vive e não tem lugar fora da convivência dos povos. Assim ensina a Torá. D. Dois conjuntos afins: Gênesis e Êxodo 1-24 Para Milton, foi uma grande surpresa a junção destes dois conjuntos literários. A teologia da Torá é feita por meio da diversidade e similaridade. Assim, as histórias de José e de Moisés carregam estas duas características, aparentemente díspares. Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 27 19/2/ :09:04

35 A razão pela qual Milton lê estas duas unidades, como um conjunto literário e teológico, está na intenção de suas editorações, no período pós-exílico. Ao enfrentar o domínio persa, o povo israelita se instruía e se orientava pela memória histórica de seus antepassados. Assim, a história de José ensinava a enfrentar os opressores não com atitudes bélicas, mas de modo pacífico. É a prudência que deve prevalecer, apesar da violência dos opressores, conforme as caracterizações usadas por Zacarias e Joel (Zc ; Jl 2.3-9). Contra os cavalos do exército inimigo e os gafanhotos vorazes não há como enfrentá-los. O povo judeu tinha apenas a lei e o Templo. Só lhe restava ajudar, especialmente, com a sabedoria. Quanto a Moisés, sua história coloca o povo em estado de prontidão: Moisés orienta o povo para estar sempre pronto a caminhar para a terra da promessa. Para tanto, a história de Moisés estimula o povo oprimido a se organizar por meio de novas práticas comunitárias, formulações jurídicas inovadoras e memórias festivas de vitórias no passado. A identidade das histórias de José e Moisés encontra-se na situação de opressão vivida pelo povo e o desejo de liberdade. Os dois líderes vão à luta pela liberdade. Para Milton, José, mesmo ao se submeter ao sistema egípcio, constitui-se como testemunho para o povo, pois busca novos espaços de vida segura e abundante. Como Moisés, José aponta, também, para o caminho da libertação. São caminhos diversos, mas ainda assim semelhantes. E. Leis a caminho: Êxodo 25 - Números 10; Números 10 - Deuteronômio Milton Schwantes toma estes grandes conjuntos literários com uma atenção especial, pois vê neles muita relevância para a leitura da Torá. Ele observa estes conjuntos como uma redação e editoração do período pós-exílico. Na mente do editor, ou editores, destes conjuntos estava a permanência do povo no Sinai (Êx 25 - Nm 10), incluindo as instruções contidas no livro de Levítico), e a caminhada do Sinai a Moab (Nm 10 - Dt 34). Nesse material literário, o livro de Deuteronômio parece ser o mais antigo, e merece ser lido com atenção, por sua especificidade social. Respirando ares da organização tribal de um período da história antiga de Israel, o livro mostra a sistematização mais completa das leis para a comunidade, vocacionada para uma vida de bênção e justiça. Deuteronômio concentra sua atenção, especialmente, no povo eleito, como comunidade de irmãos e irmãs, e na terra como dádiva de Deus para construir uma organização social especial, diferente da dos povos vizinhos. Todavia, não se pode negar que Deuteronômio guarda estreita relação com o Templo, devido à sua origem pré-exílica. Apesar de carregar diferentes perspectivas teológicas, este amplo conjunto literário guarda alguns temas centrais. Por sua relação com a 28 Tércio Machado Siqueira: A Torá: uma leitura inovadora indd 28 19/2/ :09:04

36 história do deserto, este conjunto literário mostra uma apreciação pela organização tribal que Israel experimentou, em séculos anteriores (Êx e Nm 10-36). Paralelo a este tema, Êxodo 25 a Números 36 mostra outros temas afins. Em primeiro lugar, a memória do santuário migrante (Êx 25-40) que deu sentido à nova compreensão do templo de Jerusalém, efetiva e necessária nos períodos exílico e pós-exílico, particularmente do profeta Ezequiel (Ez 1-3). Da mesma forma, este conjunto trouxe sentido à pregação do profeta ao afirmar que a presença de Javé não se fixava a Jerusalém, deslocava-se em função da localização do povo. Por fim, o conjunto que Milton denomina leis a caminho (Êx 25 - Nm 10; Nm 10 - Dt) revela outra preocupação que marca a sua identidade com o todo deste amplo bloco. O livro de Levítico tem duas unidades (Lv 1-16 e 17-27) cujos conteúdos teológicos não se afastam das ênfases já mencionadas. Ao tratar das enfermidades e das impurezas dentro da comunidade, a intenção é desfazer e destruir todo mal que possa acometer sobre o povo. Da mesma forma, Levítico tem a finalidade de proteger o povo prevenindo-o com instruções sobre a forma de agir como povo. Esta unidade, denominada Código da Santidade, visa orientar e guardar a comunidade, bem como os seus bens. A santidade é entendida como ações sociais solidárias na comunidade. Em resumo: As ênfases teológicas da Torá Como exposto anteriormente, Milton Schwantes não lê e interpreta a Torá a partir dos cinco livros, individuais, que compõem o Pentateuco. Para ele, a Torá é constituída de um conjunto literário composto por quatro partes maiores. O tema principal deste conjunto maior, a Torá, é a formação de uma sociedade justa que tem a humanidade como referência, pois ela foi editada e canonizada para instruir os povos. Assim, a primeira parte (Gn 1-11) conduz a instrução desse projeto divino para toda a humanidade. Reforçando esta construção teológica, Milton destaca que as origens dos patriarcas são internacionais: Mesopotâmia, Egito e Arábia (Gn e 25-36). Isto quer dizer que os ensinos da Torá visam a humanidade. Israel é parte dela, e, para tanto, o povo israelita não vive e não tem lugar fora da convivência dos povos do mundo. O terceiro conjunto de textos da Torá surpreende Milton, por sua aparente disparidade (Gn e Êx 1-24). Para ele, a Torá traz nova instrução diante de situações de opressão. Ela ensina que a procura de liberdade deve ser o alvo a ser buscado pela humanidade, porém há momentos que a prudência deve prevalecer, como diz o testemunho de José. Todavia, a Torá ensina que a história de Moisés estimula os oprimidos a organizarem- -se para enfrentar a adversidade. Para Milton, José e Moisés enfrentaram situações adversas, mas ainda assim, guardando muitas semelhanças. Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 29 19/2/ :09:04

37 O quarto conjunto - Êxodo 25 - Números 10; Números 10 - Deuteronômio - é denominado, por Milton, leis a caminho. Aqui a palavra hebraica torah, assume concretamente o seu significado: torah é ensino e instrução. Como ensino, a Torá mostra que a humanidade enfrenta adversidades, como o deserto; como instrução, a Torá organiza, direciona e disciplina os passos da humanidade para alcançar a vida plena e boa. A teologia da Torá, instrução basilar de judeus, cristãos e outros povos, é uma agradável novidade que Milton Schwantes deixa para os/as estudantes da Bíblia. Também, é novidade a visão teológica que Gênesis 1-11 é pedra de esquina dos ensinos da Torá. Os onze primeiros capítulos de Gênesis deixam de ser vistos como a pré-história do mundo para ser o fundamento do ensino e instrução da Torá para toda a humanidade. Como foi mencionado anteriormente, Milton Schwantes faz uma nova proposta para elaborar a teologia do Antigo Testamento. Em meio a tantos esboços de teologias, provenientes do Hemisfério Norte, ele propõe, inicialmente, que a teologia seja orientada pelo cânon bíblico. Assim, ao elaborar a teologia da Torá, ele a formula em consideração ao esboço desse conjunto literário, denominado lei. Evidentemente, cada conjunto que compõe a Torá possui peculiaridades literárias e incorpora categorias históricas. Diante disso, Milton pergunta: Como esses conjuntos se organizam teologicamente? Esta questão indica que ele não está interessado em saber quem escreveu os textos, mas a pergunta que faz sentido é: Quem transmitiu e preservou os conteúdos de nossas perícopes antes de virem a ser textos escritos? Milton se interessa, apenas, pelos autores da memória da libertação, por que não dizer, os portadores da memória desses textos. De modo concreto Milton toma como exemplo Êxodo 1-15 para mostrar como um simples fato assume o caráter teológico. Quando os trabalhadores hebreus enfrentavam a opressão dos povos de Canaã, no período anterior a monarquia, a Guerra Santa era parte da reação dos camponeses. As memórias do êxodo libertador foram tomadas e aplicadas na ação de defesa do povo agredido. Este conjunto de defesa era denominado de Guerra Santa. O povo oprimido não tinha carros de guerra, nem armas, mas possuía a memória da história da salvação (conforme Jz 5.11). Assim, o cenário do êxodo é o instrumento de combate dos agricultores e pastores hebreus. Para Milton, a Guerra Santa é o âmbito da memória do êxodo. Esta é a forma do povo bíblico fazer teologia. Referências bibliográficas EICHRODT, W. Theologie des Alten Testaments, vol. 1: Gott und Volk; vol. 2: Gott und Welt; vol. 3: Gott und Mensch, Leipzig: Verlag der J. C. Hinrichs schen Buschhandlung, p; 122p; 191p. [Teologia do Antigo Testamento: vol. 1: Deus e o povo; vol. 2: Deus e o mundo; vol. 3: Deus e o ser humano] 30 Tércio Machado Siqueira: A Torá: uma leitura inovadora indd 30 19/2/ :09:04

38 Edição em português: Teologia do Antigo Testamento. Tradução de Claudio J.A. Rodrigues. São Paulo: Hagnos, p. KÖHLER, L. Die Theologie des Alten Testaments. Tübingen:Verlag Gerhard Mohr, [A teologia do Antigo Testamento] Edição em inglês: Old Testament theology. Philadelphia: The Westminster Press, RAD, G. von. Theologie des Alten Testaments: Die Theologie der geschichtlichen Überlieferungen Israels, vol. 1, Munique: Kaiser, [Tradução: Teologia do Antigo Testamento: A teologia das tradições históricas de Israel] Edição em português: Teologia do Antigo Testamento, vol ed. São Paulo: Aste / Targumim, p.. Theologie des Alten Testaments: Die Theologie der prophetischen Überlieferungen Israels, vol. 2, Munique: Kaiser, [Teologia do Antigo Testamento: A teologia das tradições proféticas de Israel] Edição em português: Teologia do Antigo Testamento, vol ed. São Paulo: Aste / Targumim, p.. Das formgeschichtliche Problem des Hexateuch. In: Beiträge zur Wissenschaft vom Alten und Neuen Testament, ano 4, n. 26, Stuttgart: Walter Kohlhammer Verlag, 1938, p [O problema morfogenético do Hexateuco] Edição em espanhol: El problema morfogenético del hexateuco. In: Estudios sobre el Antiguo Testamento, Sígueme, Salamanca, 1976, p (Biblioteca de Estúdios Bíblicos, 3). RENDTORFF, R. Das Alte Testament: eine Einführung. Neukirchen-Vluyn: Neukirchener Verlag, [Tradução: o Antigo Testamento: uma introdução] Edição em português: Antigo Testamento: uma introdução. Tradução de Monika Ottermann. Santo André: Academia Crista, p.. Theologie des Alten Testaments: Ein kanonischer Entwurf, vol 1: Kanonische Grundlegung; vol. 2: Thematische Entfaltung. Neukirchen-Vluyn: Neukirchener Verlag, 1999 / [Teologia do Antigo Testamento: uma proposta canônica; vol. 1: fundamentação canônica; vol. 2: Desdobramento temático]. Das überlieferungsgeschichtiche Problem des Pentateuch. Berlin: Walter de Gruyter, SCHWANTES, M. Deus vê, Deus ouve! São Leopoldo: Oikos Editora, Uma teologia no Primeiro Testamento. Texto não publicado. WELLHAUSEN, J. Die Composition des Hexateuchs und der historischen Bücher des Alten Testaments. Berlim: Walter de Gruyter, 4. ed [Tradução: A composição do Hexateuco e dos livros históricos do Antigo Testamento] Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 31 19/2/ :09:05

39 indd 32 19/2/ :09:05

40 A estela de Dã The stele of Dan La estela de Dan José Ademar Kaefer Resumo Em 1993/94, foram encontrados, no sítio arqueológico de Dã, extremo norte de Israel, três fragmentos de pedra de basalto, contendo inscrições em aramaico antigo. As peças, que pertenciam a uma estela maior, foram juntadas e formaram um texto compreensível. O conteúdo das inscrições trouxe revelações interessantes para o estudo da história de Israel em meados do século 9 a.c. Por exemplo: é a primeira vez que a Casa de Davi é mencionada em um escrito fora da Bíblia; a estela revela que a dinastia de Omri dominou por um período os territórios de Damasco; que o autor da estela, provavelmente o rei Hazael de Damasco, matou os reis Jorão de Israel e Ocozias de Judá, episódio que na Bíblia é conhecido como a revolta de Jeú (2Rs 9-10) e que impôs seu domínio sobre os dois reinos. Estas informações ampliam e dão nova direção ao estudo de um período da história de Israel, até recentemente pouco conhecido. Palavras-chave: Tel Dã; arqueologia; escavações; estela; Israel; Bíblia; história; Hazael; Jeú. AbstrAct In 1993/94 were found in the archaeological site of Dan, extreme northern Israel, three fragments of basalt stone with inscriptions in ancient Aramaic. The pieces, which belonged to a larger stele, were put together and formed a comprehensible text. The content of the inscriptions brought interesting revelations for the study of the history of Israel from the mid 9th century BC. For example: it was the first time that the House of David is mentioned in a document out of the Bible. The stele shows that the dynasty Omri dominated by a period the territories of Damascus. The author of the stele, probably king Hazael of Damascus, slew the kings Joram of Israel and Ahaziah of Judah, in an episode known in the Bible as the revolt of Jehu (2 Kings 9-10 ), and imposed his rule over both kingdoms. This information amplify and give new direction to the study of a period in Israel s history, until recently little known. Keywords: Tel Dan; archeology; excavation; stele; Israel; Bible; history; Hazael; Jehu. Resumen En 1993/94 se encontraron en el sitio arqueológico de Dan, extremo norte de Israel, tres fragmentos de piedra de basalto con inscripciones en arameo antiguo. Al unirse las piezas, que pertenecían a una estela más grande, formaron un texto comprensi- ble. El contenido de las inscripciones ha traído revelaciones interesantes para el estudio de la historia de Israel a mediados del siglo 9 a.c. Por ejemplo: es la primera vez que la Casa de David se menciona en un escrito que no sea la Biblia. La estela evidencia que la dinastía Omri dominó por un período los territorios de Damasco, que el autor de la estela, probablemente el rey Hazael de Damasco, mató a los reyes Joram de Israel y Ocozías de Judá, episodio que en la Biblia se conoce como la revuelta de Jehú (2 Reyes 9-10) y que impuso su dominio sobre ambos reinos. Estas informaciones amplían y dan un nuevo rumbo al estudio de un período de la historia de Israel, hasta ahora poco conocido. Palabras clave: Tel Dan; arqueología; excavaciones; estela; Israel; Biblia; historia; Hazael; Jehú. Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 33 19/2/ :23:07

41 Palavras a e de Milton Schwantes 1 O interesse pela arqueologia do Antigo Oriente Próximo no Brasil é muito recente, mas vem crescendo a passos largos. Um dos grandes incentivadores desse despertar foi, sem dúvida, o professor Milton Schwantes. Nas décadas de , ele começou a trazer para a sala de aula o estudo dos sítios arqueológicos e a levar seus alunos a conhecer as escavações nas terras da Bíblia. Como movimento, a arqueologia começou no final do século 19 e se intensificou nas primeiras décadas do século 20. E hoje, nas palavras do próprio Milton Schwantes: a arqueologia se tornou indispensável para a leitura bíblica. Pois, quando a Bíblia fala, por exemplo, de uma cidade ou de uma aldeia, nem sempre traz informações suficientes para sabermos como era a vida ali: sua economia, as relações sociais, festas, crenças, geografia etc. Temos que nos reportar, então, a uma enciclopédia que, graças às escavações arqueológicas, nos permite saber de coisas que o texto bíblico não revela, coisas que por muito tempo estavam ocultas sob as pedras. Obviamente, não obtemos todas as informações, pois muitas ainda permanecem enterradas, à espera de serem encontradas. Um segundo aspecto que Milton Schwantes costumava repetir era: Uma coisa é estudar um sítio arqueológico em sala de aula, outra bem diferente é tocar o chão do sítio, sentir com os pés, conhecer com os olhos, compreender com a contemplação. Mas, alertava ele, apesar da relevância da arqueologia, ela não substitui o texto. O texto é o texto. E, assim é. Particularmente porque a arqueologia tem dificuldades para encontrar artigos, objetos que falam do cotidiano da vida do povo pobre, das aldeias, das vilas, das casas, das tendas, da vida do povo nômade. Isso não se preserva, pois é logo destruído pelo tempo. É mais fácil para a arqueologia encontrar grandes construções: palácios, templos, muralhas, portões, monumentos etc., que falam da vida dos reis, do exército, da elite, dos ricos..., dos grandes da cidade. Mas, dos pobres que viviam fora dos muros, nas aldeias, na montanha, no deserto, é mais difícil encontrar sinais. Eles existem, mas encontrá-los exige maior atenção e, obviamente, interesse. Por exemplo, um material de uso diário do povo e que o tempo não deteriora é a cerâmica. Pequenos potes para guardar leite, azeite, água, além de lâmpadas, eram objetos de uso comuns nas aldeias. Eles podem ser achados importantes para contar a vida do povo. Também a semente de oliva, por sua consistência, se preserva por longo tempo, principalmente em regiões áridas. O óleo de oliva, além de alimento básico nas aldeias, era muito usado em lamparinas. A presença de sementes em grande número em um local determinado pode revelar que, no passado, havia ali uma aldeia. 1 Algumas das falas de Milton Schwantes aqui registradas se encontram no DVD que a Verbo Filmes está organizando para homenageá-lo. 34 José Ademar Kaefer: A estela de Dã indd 34 19/2/ :23:08

42 Portanto, a arqueologia não substitui o texto, mas o auxilia. E, assim, deve ser. É comum, nos últimos anos, estudiosos do mundo bíblico afirmarem que as recentes descobertas arqueológicas contradizem o texto bíblico, porque apresentam outras verdades. Isso não é correto. A Bíblia vê e narra a realidade com a preocupação de mostrar a ação de Deus na história, coisa que a arqueologia não tem como escavar. Sua função é de fazer a leitura preliminar da sociedade, da maneira mais neutra possível. A partir daí, os exegetas devem adentrar ao texto bíblico. O que não se pode fazer, para uma boa exegese, é cometer o disparate de ignorar as descobertas arqueológicas. Por que a Estela de Dã? Pensamos que, para fazer memória a Milton Schwantes, uma boa maneira é fazê-lo com um artigo no campo que foi uma das suas grandes paixões, a arqueologia. Escolhemos a Estela de Dã porque o seu achado criou um grande impacto na arqueologia do mundo da Bíblia e que, provavelmente, ajudará a mudar o rumo da compreensão da história de Israel. Outro motivo é por ser um tema ainda bastante desconhecido nos círculos bíblicos da América Latina. 1. Tel Dã O Tel Dã, também conhecido como Tell el-qadi, está localizado no extremo norte de Israel, próximo ao Monte Hermon. Na Bíblia, a antiga cidade de Dã serve comumente de referência para falar do limite norte de Israel. É conhecida a expressão de Dã até Bersabeia (cf. Jz 20.1; 1Sm 3.20; 2Sm 3.10, 1Rs 5.5). Dã também é conhecida pelo bezerro de ouro que, segundo 1Rs , Jeroboão I instalou ali para que o povo não fosse ao templo de Jerusalém. No mapa bíblico costuma aparecer duas Dã. Conforme Josué e Juízes , Dã está localizada na região noroeste da Palestina, tendo Efraim ao norte, Benjamin a leste e os filisteus ao sul. Porém, em Josué e Juízes 18 encontramos a tribo Dã migrando para o norte, onde se apodera de Lais. Depois de conquistar a cidade, os danitas lhe mudam o nome para Dã (Cf. KAEFER, 2006, p ). Dã, um dos maiores Telim escavados em Israel, é conhecido pela exuberante paisagem verde. Diferentemente dos demais sítios arqueológicos, situados em sua maioria em regiões áridas, com pouca ou nenhuma arborização e sob um sol escaldante no verão, o Tel Dã encanta pela abundância da água e pelo verde. Boa parte do sítio é cortado por uma das nascentes do rio Jordão que alimenta o bosque em seu entorno. As escavações começaram no ano de 1966 e uma das descobertas mais relevantes foi o sistema de três portões do período do Bronze Médio, unido à muralha da cidade. Um quarto portão foi datado no período do ferro, comumente chamado de portão israelita. Temos aqui um dos me- Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 35 19/2/ :23:08

43 lhores exemplos para entender o papel do portão na vida social do povo da cidade daquela época. Com um grande espaço público, ali funcionava o tribunal, onde os anciãos se reuniam para julgar ou para testemunhar acordos (Rt ); as pessoas se encontravam para falar da vida (Sl 69.13); o rei, vez por outra, fazia audiência (2Sm 19.9); os profetas denunciavam as injustiças feitas aos pobres e os julgamentos iníquos dos juízes (Am ; Zc ; Jó 5.4). Por volta da primeira metade do século 9, Dã foi administrada provavelmente pelos reis de Israel, Omri e Acab. Nesse período, a cidade atingiu um grande desenvolvimento. Um solitário testemunho disso é o enorme altar, com três metros de altura e com quatro chifres, encontrado no extremo oeste da cidade. Hoje representado por uma estrutura metálica, foi construído em continuidade a uma antiga e ainda bem preservada Bamah (lugar alto). Depois desses achados, as escavações em Dã ficaram interrompidas por um longo tempo, sendo retomadas com intensidade no final do século A Estela de Dã: fragmentos A, B1 e B2 Em , uma equipe coordenada pelo arqueólogo Avraham Biran, do Hebrew Union College, encontrou um pedaço de pedra de basalto contendo inscrições em aramaico, ainda bem conservadas. Logo se percebeu a importância do achado e que este era parte de uma estela maior que havia sido quebrada. Apesar de partida, foi possível formar um texto compreensível com as inscrições. Seguiram-se, então, um sem número de artigos que tratavam essencialmente da tradução e do conteúdo das inscrições. 4 As escavações, entretanto, continuavam, em busca de outros possíveis fragmentos da estela. Avraham e sua equipe concentraram o trabalho na base da muralha da cidade. Encontraram, então, ali, perto do grande portão de entrada, uma fantástica bamah 5 de 4,50 metros de comprimento por 2,50 metros de largura. Na parte dos fundos, que encostava à muralha, havia três massebot 6, na forma de pedras de basalto. A maior media 1,17 metros de altura, a do meio, 0,73 e a menor, 0,50. Em frente à massebah maior, sobre uma base decorada, havia uma tigela de basalto que servia para queimar incenso. Sobre a bamah e ao seu redor foram encontrados sinais de fogo e grande quantidade de cinzas. É 2 Na nossa recente visita ao Tel Dã com um grupo de professores, foi possível verificar a intensidade das escavações nesse sítio arqueológico. 3 Mais especificamente em 21 de julho de Veja o comentário referente a essa descoberta no artigo de Avraham Biran e Joseph Naveh (1993, p ). 5 Que as Bíblias comumente traduzem por lugar alto, em referência a um lugar de culto popular, normalmente fora do controle do Estado, mas nem sempre. 6 Representações de divindades. 36 José Ademar Kaefer: A estela de Dã indd 36 19/2/ :23:08

44 difícil definir o período histórico em que essa bamah foi construída. Uma hipótese é que seja do século 8 a.c., por volta do ano 730, o que sugere que seria um marco construído pelos assírios, que tomaram a cidade de Israel, Norte, nesse período. Bamah com réplicas das três massebot ao fundo. Foto: María Luján Manzotti. As escavações seguiram com intensidade e os trabalhos foram recompensados. Em 20 de junho de 1994, praticamente um ano depois, foi encontrado perto da Bamah, cerca de dois metros de distância, mais um pedaço de pedra de basalto contendo uma inscrição de seis linhas, também em aramaico. Este, menor que o anterior, supunha-se ser também parte da estela maior, e foi denominado pelos arqueólogos de fragmento B1, enquanto que o primeiro, encontrado em 1993, foi chamado de fragmento A (cf. BIRAN; NAVEH, 1995, p. 1-18). As escavações continuaram ao longo da muralha e foi descoberto um pavimento de pedra seguindo a base dela, em torno de 5 metros de largura por 25 de comprimento. A uma distância de 40 metros do portão de entrada, foram encontradas cinco massebot. A cerâmica escavada no local situa o pavimento de pedra no final do século nono e início do século oitavo a.c. No dia 30 de Junho de 1994, foi achado, junto ao pavimento escavado, o terceiro pedaço. Estava cerca de oito metros ao norte, onde foi encontrado o Fragmento B1. Era o menor dos três: media 10 x 9 cm e continha quatro linhas de inscrições. Esse terceiro pedaço, denominado de Fragmento B2, havia sido utilizado como outra pedra qualquer para a Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 37 19/2/ :23:08

45 construção do pavimento. Fora colocado exatamente onde o pavimento se unia à muralha. Os arqueólogos escavaram todo o pavimento de pedra. A cerâmica encontrada no mesmo nível em que os fragmentos foram encontrados demonstra que a estela deve ter sido ereta por volta de meados do século nono a.c. Uma coisa parecia certa: o fragmento B2, juntamente com todo o pavimento, havia sido encoberto pelos destroços da conquista assíria, com Teglat-Falasar III, em 733/732 a.c. Assim, ele não poderia ter sido posto ali depois desta conquista (Cf. BIRAN; NAVEH, 1993, p. 86.). No entanto, as escavações não revelaram quando a estela foi quebrada e por quem. Biran sugere que tenha sido Joás ( ), neto de Jeú, que, segundo 2 Reis 13.25, retomou as cidades de Ben-Adad, filho de Hazael. Ou então, que, foi Jeroboão II ( ) o qual, conforme 2 Reis 14.25, restabeleceu as antigas fronteiras de Israel (cf. BIRAN; NAVEH, 1995, p. 8). Entendemos, porém, que a essa altura, ou seja, depois da derrocada de Jorão (841 a.c.), Israel não teve mais forças para reconquistar os territórios perdidos para Damasco, a não ser como vassalo da Assíria. Por isso, é bem provável que a estela tenha sido destruída pelo poderoso rei assírio Adad-Nirari III ( ), que pôs fim à hegemonia arameia, quando derrotou o filho de Hazael, Bar-Adad III. As duas peças, B1 e B2, foram juntadas, formando a peça B, cujo tamanho ficou em torno de 20 x 12 cm. Elas foram juntadas ao fragmento A, que media 32 x Estima-se que a estela inteira media em torno de 1 metro de altura por meio de largura (cf. BIRAN; NAVEH, 1993, p. 84). scienceblogs.com.br 7 A estela, com os três fragmentos, se encontra no Hebrew Union College Museum, NY. 38 José Ademar Kaefer: A estela de Dã indd 38 19/2/ :23:08

46 Uma vez juntadas as três partes, começou o quebra-cabeças para fazer a tradução. Felizmente, os caracteres nos fragmentos eram bastante nítidos, além de as palavras serem separadas por pontos, o que facilitava sua leitura. Porém, uma vez que grande parte da estela ainda não foi encontrada, organizar um texto coeso tornou-se uma tarefa bastante difícil. Primeiro, foi montado um texto a partir só do Fragmento A, encontrado em julho de Obviamente, esse texto foi revisto com os dois achados posteriores, assim como as discussões acerca da interpretação do conteúdo. Vejamos a tradução. Tradução: 8 1 [...] e cortou [...] 2 [...] meu pai foi [contra ele quando) ele lutou em [...] 3 E meu pai deitou-se, ele foi para seus [ancestrais]. E o rei de I[s-] 4 rael entrou previamente na terra de meu pai. [E] Hadad me fez rei. 5 E Hadad foi à minha frente, [e] eu parti de [os] sete [...-] 6 s do meu reino, e eu matei [sete]nta rei[s], que utilizavam milha[res de bi-] 7 gas e milhares de cavaleiros [ou cavalos]. [Eu matei Jeho]rão filho de [Acab] 8 rei de Israel, e matei [Ocoz]ias filho de [Jehorão re]i 9 da Casa de Davi. E transformei [suas vilas em ruinas e tornei] 10 sua terra em [desolação... ] 11 outro [... e Jehú rei-] 12 nou sobre Is[rael...e pus] 13 cerco sobre [...] Na montagem da estela acima, pode-se ver distintamente as três partes: a maior (A), a do meio (B1) e a menor (B1). Embora pequenos, os fragmentos B1 e B2 trazem informações importantes para compreender melhor o Fragmento A. Por exemplo, nas linhas 7 e 8 os nomes dos dois reis se encontram nos fragmentos B1 e B2: Jorão (Yehoram), que reinou em Israel de , e de Ocozias (Ahazieah), que reinou em Judá de Isso possibilitou definir, com grande probabilidade, que o autor da Estela foi o rei Hazael, que reinou em Damasco de 845 a 800, apesar do seu nome não aparecer na Estela. Na linha três, a expressão E meu pai deitou-se, ele foi para seus [ancestrais], também parece apontar para Hazael como autor. A expressão deitou-se provavelmente se refere à doença do rei Ben Hadad que o deixou acamado antes de morrer. Essa descrição condiz com 2Rs , que narra que Ben Adad estava doente quando foi morto por Hazael. A mesma expressão encontramos em 2 Reis 9.16 para falar do rei Jorão de Israel, que estava acamado 8 A tradução ao português foi feita a partir da organização e tradução ao inglês de Biran e Naveh (1995, p. 9-13). Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 39 19/2/ :23:08

47 por motivo dos ferimentos que sofrera na guerra contra o rei Hazael, em Ramot de Galaad. A finalidade da composição provavelmente era para homenagear os feitos do rei Hazael, que se orgulha de ter derrotado setenta reis (linhas 6 e 7) com grandes exércitos que usavam milhares de bigas (carros de guerra). É possível, portanto, que este motivo estivesse escrito no alto da estela. Porém, é de se questionar se o intrépido rei já tivesse todo esse potencial de derrotar uma coalisão de setenta reis logo no início do seu reinado. Por isso, A. Lemaire (1998, p. 3-14), por exemplo, traduz na linha 6, os setenta reis por dois reis e milhares de bigas por duas mil bigas. Na linha 7, milhares de cavaleiros por dois mil cavaleiros. Seu argumento é de que setenta reis seria um número muito grande. Além disso, em todo Transeufrates, só havia 32 reis. Um dos primeiros a optar por essa tradução foi T. Muraoka (1995, p ), assim que a Estela foi encontrada, quando ainda Avraham Biran e Joseph Naveh defendiam ser essa a tradução mais lógica. Portanto, ao escrever dois reis, e não setenta, o rei Hazael estaria se referindo só aos reis Jorão, de Israel, e Ocozias, de Judá. Ou seja, o autor (Hazael) estaria orgulhoso por ter derrotado dois reis poderosos, o que seria uma testemunha da força de Israel e Judá nesse período. No nosso entender, é possível, ainda, que setenta seja uma expressão que queira representar a totalidade do número dos reis, como em Juízes 9.2s.; 2 Reis Portanto, setenta estaria se referindo a todos os reis que formaram a coalisão anti-damasco. Logo que a estela foi encontrada, em 1993, a atenção se voltou especialmente para a expressão na linha nove Casa de Davi, em hebraico: dwdtyb (bytdwd ou bitdvd), que se encontra em destaque acima. Isso porque esta é a primeira vez que o nome Davi, mais precisamente, Casa de Davi, aparece em um escrito extrabíblico. Por esta razão, a descoberta provaria a existência de Davi, que começava a ser posta em dúvida. Permanece, no entanto, ainda um pequeno grupo de estudiosos que sugere que as letras que compõem o nome Davi, em hebraico dwd (dwd) signifiquem amado, palavra que se escreve com as mesmas letras, mas que se lê dôd, e que seria um epíteto para Javé. Portanto, a expressão bytdwd não seria Casa de Davi, mas Casa do amado. Um caso semelhante encontramos na Estela de Mesa. Ali, o rei Mesa se vangloria de ter tomado a cidade de Atarot de Israel e de ter trazido de lá o altar de seu dôd (amado) e de tê-lo arrastado diante de seu Deus Kamos (cf. KAEFER, 2006, p ). Na Bíblia, este uso é muito comum no livro Cântico dos Cânticos, onde a amada fala do seu amado usando a expressão dôd (dad), mais comumente meu amado (ydiad). Na Estela de Mesa, certamente a expressão dwd significa amado, em referência 40 José Ademar Kaefer: A estela de Dã indd 40 19/2/ :23:08

48 à divindade de Israel, no caso, Javé, embora haja quem insista na possibilidade de se tratar de Davi. Esta mesma certeza podemos aplicar à Estela de Dã, na qual a expressão dwd certamente significa Davi, ou seja, Casa de Davi (bytdwd). 9 Portanto, na nossa compreensão, parece não haver dúvidas de que, por meados do século IX, a Casa de Davi ou a dinastia davídica era conhecida na região da Síria, o que evidentemente lhe confere relativa importância. 3. A Estela de Dã e a Estela de Mesa Na nossa compreensão, no entanto, tão ou mais importantes quanto a menção à casa de Davi são as demais informações contidas na Estela. Elas acrescentam novos e relevantes dados para a compreensão da história de Israel. Segundo os relatos bíblicos, Israel sempre teve relações muito conturbadas com os seus vizinhos do norte, os arameus, cuja capital era Damasco. Conforme relatam os livros de 1 e 2 Reis, desde o início da dinastia omrida, 885 a.c. (cf. 1Rs 16.23s.), até a morte de Jorão, 841a.C. (cf. 2Rs 9.22s.), último da casa de Omri, houve conflito contínuo com os arameus. Portanto, durante o auge do poder de Israel. Em contrapartida, nesse mesmo período Israel teve uma relação de relativa amizade com os fenícios. Prova disso é a aliança que existia entre os dois poderes selado com o casamento entre o rei Acab de Israel e a filha do rei Etbaal de Sidônia, a princesa Jezabel (cf. 1Rs 16.31s.). Pacto esse que resultou na adoção de Baal como divindade nacional de Israel, ao lado de Javé. É nesse período que Israel expande seu domínio: em direção ao norte, conquista Dã; em direção ao sul, conquista Judá; em direção ao leste, conquista várias cidades da Transjordânia, muitas delas pertencentes a Damasco. Mas a expansão israelita não durou muito tempo. Com a morte de Acab, por volta de 853 a.c., o poder de Israel começa a declinar. Nesse período, também a aliança com a Fenícia caminha para o seu fim. A morte de Jezabel é o sinal mais evidente dessa crise (cf. 2Rs 9.30s.). Os primeiros territórios a iniciar a luta de libertação do domínio israelita são os da Transjordânia, que provavelmente eram, antes, colônias arameias. A Estela de Dã (cf. acima) relata que Israel dominou por um período o território arameu. Assim diz nas linhas 3 e 4: E o rei de I[s-]rael entrou previamente na terra de meu pai. A Estela de Mesa 10, encontrada em 1868 por um missionário alemão, em Dibón, ao sul do território amonita, perto de Aroer, é uma excelente fonte para compreender como se deu a perda dos territórios transjordanianos. 11 Vejamos parte da inscrição: 12 9 Para aprofundar essa discussão veja Rebdsburg (1995, p ). 10 A estela tem 1,10 m. de altura por 0,60 de largura e se encontra no museu do Louvre, Paris. 11 Cf. Kaefer, 2006, p ) e Galleasso (2008). 12 A tradução ao português foi feita a partir da tradução de Gressmann (1926/1965, p ) e Pritchard (1969, p. 320). Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 41 19/2/ :23:08

49 1 Eu sou Mesa, filho de Camos [ ], rei de Moab, ²o dibonita. Meu pai era rei sobre Moab trinta anos, e eu era rei ³depois de meu pai. Eu construí este lugar alto para Kamos em Qeriho [...], 4 porque ele me salvou de todos os assaltos e me fez triunfar sobre meus inimigos. 5 Omri era rei sobre Israel e humilhou Moab por muitos dias, pois Camos estava encolerizado com sua terra. 6 Seu filho o sucedeu, e também ele disse: Eu humilharei Moab. Em meus dias ele falou [...], 7 mas eu triunfei sobre sua casa. Israel pereceu para sempre. Omri se havia apoderado da terra 8 de Medeba, e a habitou em seus dias e metade dos dias de seus filhos, quarenta anos. Mas em meus dias, 9 Kamos a habitou. E eu construí Baal-Meon e fiz depósitos de água nela, e construí 10 Qiriaton. Os habitantes [o homem] de Gad habitaram a terra de Atarot desde sempre, e o rei de 11 Israel tinha construído Atarot para si. Eu combati a cidade, eu a tomei e eu matei todo o povo 12 da cidade como oferenda a Kamos e Moab. Eu trouxe de lá o altar de seu Dôd e 13 o arrastei diante de Kamos em Qeriot. E eu fiz habitar ali homens de Saron e homens 14 de Maharot. E Kamos me disse: Vai, e toma Nebo de Israel! 15 Eu fui de noite e lutei contra ela desde o amanhecer até à tarde. 16 Tomei-a e matei tudo, sete mil homens, meninos, mulheres, meninas 17 e concubinas, porque eu os havia condenado ao anátema para Astar-Kamos. E eu tomei de lá os [...] 13 de JHVH e os arrastei diante de Kamos. A inscrição, composta de 24 linhas, segue relatando as conquistas de Baal-Meon (Js 13.17) de Medeba (Nm 21.30), Atarot (Nm ), Dibon (Nm 21.29), Aroer (Js 13,16), Bet-Bamot (Js 13.17) etc., cidades situadas na região sul da Transjordânia, entre Moab e Amon. Conforme a estela, Mesa, o rei moabita, as tomou das mãos da dinastia omrida de Israel. Ou seja, sem querer, o rei Mesa nos informa até onde chegou o território dominado por Israel, e quão poderoso era Omri, citado duas vezes, e seus descendentes. O filho de Omri, mencionado na linha 6 da Estela de Mesa, certamente é Jorão ( ), o mesmo que aparece na Estela de Dã, na linha 7. Portanto, as Estelas de Dã e de Mesa são contemporâneas, possivelmente até do mesmo ano. H. Gressmann (1926/1965, p ) situa a Estela de Mesa por volta do ano 840, enquanto que J. B. Pritchart (1950, p. 320) opta por uma data um pouco mais tardia, por volta do ano 830. Um texto paralelo e que serve de grande referência para a localização da Estela de Mesa é 2 Reis 3, particularmente os v. 4 e 5: Mesa, rei de Moab, era criador de gado e pagava ao rei de Israel cem mil cordeiros e lã de cem mil cordeiros. Mas quando Acab morreu, o rei de Moab se rebelou contra o rei de Israel. É impressionante a similaridade da narrativa histórica entre o escrito da estela e o texto bíblico, no nosso modo de entender, um caso único. 13 Utensílios. 42 José Ademar Kaefer: A estela de Dã indd 42 19/2/ :23:08

50 Particularmente surpreendente é o papel das duas divindades, JHVH e Kamos, na conquista dos territórios. Javé, conhecido na Bíblia por sua característica libertadora (cf. Ex ), na Estela de Mesa aparece como um Deus conquistador. A estela revela também que, apesar da forte presença do culto a Baal em Israel nesse período, o Deus nacional era Javé. Enfim, pelo conteúdo das duas estelas, é preciso reconhecer que, durante a dinastia omrida, Israel, Norte, atingiu um período de esplendor não alcançado até então. Esse período foi pouco investigado pelos pesquisadores do mundo da Bíblia, possivelmente porque os olhos sempre estiveram demasiadamente voltados para Judá e sua capital, Jerusalém. 4. A Estela de Dã e a revolta de Jeú O livro de 2 Reis, capítulos 9 e 10, narra o que nos comentários bíblicos é denominado de a revolta de Jeú. Como vimos acima, com a morte de Acab, Israel começa a perder seus territórios na Transjordânia. É bastante provável que, detrás das rebeliões dos vassalos israelitas, está o interesse do poderio arameu. É nesse contexto que Jorão, filho de Acab, convoca o seu fiel vassalo, o rei Ocozias de Judá, para auxiliá-lo na guerra contra o rei Hazael de Damasco, em Ramot de Galaad (cf. 2Rs ). O texto é econômico nas palavras. O que se informa é que Jorão, rei de Israel, é atingido durante a batalha, sendo, por isso, obrigado a retornar a Jezrael para tratar dos ferimentos. Jorão, rei de Judá, também deixa a batalha e vai fazer companhia ao seu colega ferido. No lugar do rei ferido, à frente do exército israelita, fica o comandante Jeú. Este se aproveita da ausência dos dois reis e se autoproclama rei de Israel. Reúne os que lhe são fiéis, entra em Jezrael, onde se encontram os dois reis que, sem desconfiar do repentino regresso do seu comandante, são mortos à traição (cf. 2Rs 9). Depois de matar os reis Jorão e Ocozias, Jeú se apressa em eliminar a representante da aliança fenícia, a princesa Jezabel, bem como todos os descendentes da família real (2Rs 10). Vitorioso em Israel, o massacre se estende para o sul, Judá, com grande genocídio. Papel estratégico é dado pela narrativa bíblica ao profeta Eliseu. Primeiro, ele vai, em nome de Javé, a Damasco para ungir a Hazael como rei, no lugar de Ben-Adad (2Rs ). Depois, envia um discípulo seu ao campo de batalha, em Ramot de Galaad, para ungir a Jeú, no lugar de Jorão (2Rs ). Portanto, para a narrativa bíblica, a ação de Jeú, mais que um golpe de interesse político para pôr fim à dinastia omrida e à aliança Israel-Fenícia, é uma rebelião religiosa para restaurar o javismo e pôr fim ao baalismo em Israel e Judá. Essa é, de maneira resumida, como 2 Reis 9-10 relata a mudança de poder que ocorreu em Israel e Judá em meados do século IX. A Estela de Dã, no entanto, apresenta uma versão diferente desses fatos. Ela relata Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 43 19/2/ :23:09

51 que foi o autor do escrito da Estela, com grande probabilidade, Hazael, que matou os reis Jorão de Israel e Ocozias de Judá, e não Jeú. Além disso, a estela deixa transparecer que foi Hazael quem, depois de matar os dois reis, instalou Jeú no poder. Ou seja, que a subida de Jeú ao poder foi orquestrada pelo rei Hazael de Damasco. De fato, a arqueologia vem encontrando cada vez mais indícios que comprovam a força do reino de Damasco na segunda metade do século IX, mais especificamente, no período do reinado de Hazael ( ). Poder esse que se estendeu sobre os territórios de Israel e Judá, tornando-os vassalos seus. Por exemplo, na inscrição de Salmanassar III (PRITCHARD, 1969, p ), o rei da Assíria ( ) relata a grande vitória que obteve contra a coalisão arameia, encabeçada por Hazael. Na inscrição, Salmanassar III intenta difamar o rei Hazael, chamando- -o de filho de ninguém, numa provável referência ao fato de este não pertencer à linhagem real. Curiosamente, em 2 Reis 8.7s, Hazael aparece como um oficial do rei Ben-Adad. Ali, ele também se apresenta como um ninguém, quando Eliseu lhe anuncia que será rei: quem é esse teu servo? Como um cão poderá realizar tão grande feito? (2Rs 8.13). No dia seguinte, aproveitando-se da enfermidade que acometia Ben-Adad, Hazael assassina o rei em seu leito e se torna rei em seu lugar (2Rs 8.15). A usurpação do poder por um filho de ninguém também parece transparecer na Estela de Dã. A insistência de Hazael em se referir a meu pai, pelo menos três vezes, parece querer esconder o seu papel de usurpador, não pertencente à linhagem real. Temos um caso semelhante em 1 Samuel 24.12, onde Davi, que não pertencia à linhagem real, chama Saul de meu pai. Enfim, usurpador ou não, não há como negar a importância do rei Hazael à frente do reino arameu e seu domínio sobre Israel e Judá. Não por acaso a Bíblia cita seu nome 23 vezes, das quais, 18 vezes só em 2 Reis. Portanto, a Estela de Dã ajuda a compreender melhor o episódio narrado por 2 Reis 9-10, normalmente conhecido como a revolta de Jeú. Entendemos que a Estela de Dã não contradiz o texto bíblico, mas o amplia. Ela esclarece partes que se encontram implícitas na narrativa bíblica. Por exemplo, na batalha de Israel e Judá contra Damasco, vista acima, o fato de os dois reis terem sido forçados a se retirar do campo de batalha é uma evidência de que a guerra estava pendendo para o lado arameu e que a usurpação do poder por parte de Jeú não se dava sem os interesses arameus. Os atos seguintes, morte de Jezabel e o extermínio da descendência omrida (2Rs ,17), também é evidente que têm como maior favorecido o rei de Damasco. Da mesma forma, o relato da expansão da revolta de Jeú para sul, Judá, com a morte de Atalia e a entronização de Joás (2Rs 11). A narrativa não se preocupa em esconder 44 José Ademar Kaefer: A estela de Dã indd 44 19/2/ :23:09

52 o fato de que Judá se tornara vassalo do rei Hazael (cf. 2Rs ). Enfim, melhor que dizer que a Estela de Dã contradiz a narrativa bíblica, é mais coerente afirmar que ela auxilia na sua compreensão. Pois, há que se ter em conta, que o texto bíblico se preocupa em narrar o ocorrido a partir da perspectiva javista, fazendo entender que as ações referentes a Israel e Judá são sempre da iniciativa de Javé, seu Deus, assim como Hazael o faz em perspectiva do seu Deus, Hadad, e de si próprio. À maneira de conclusão Não temos dúvidas em afirmar que a Estela de Dã é um excelente achado para a compreensão de um período histórico que sempre foi relegado a um segundo plano: a História de Israel, Norte, a partir da dinastia omrida. Dois fatos ficam evidentes: um, é o poderio e a expansão de Israel no período omrida, inclusive sobre Judá. Outro, é que, após a queda da Casa de Omri, se instalou em Israel, e consequentemente em Judá, o domínio do poder arameu, que durou em torno de 50 a 60 anos, tendo o rei Hazael como um dos seus principais protagonistas. Essas conclusões não são resultado apenas das descobertas arqueológicas, mas também do estudo literário crítico dos textos sagrados. Muito antes de a arqueologia desenterrar tais provas, a análise literária já apontava nessa direção. Portanto, se, de um lado, o fabuloso império de Judá, com Davi e Salomão, está desmoronando, de outro, se está descobrindo uma nova grandeza: Israel, Norte. Isso, sem dúvida, é fascinante. Contudo, tão importante quanto o desafio de resgatar a História de Israel, Norte, é a tarefa de reconstruir sua produção literária. Com grande probabilidade, boa parte da literatura bíblica antes do exílio é oriunda das tradições e narrativas de Israel, Norte, que, depois da queda em 722 a.c., migrou para o sul e lá foi reinterpretada a partir da ótica de Judá. Entre elas está a tradição do Êxodo. Epílogo: voltando para Milton Schwantes No início do nosso ensaio, falávamos das dificuldades que a arqueologia encontra para desenterrar a história do povo pobre das aldeias, do cotidiano da vida simples. Muito mais fácil é encontrar monumentos que falam das conquistas dos reis e dos impérios. E o presente caso não é exceção. A Estela de Dã fala essencialmente das conquistas de um rei (Hazael), suas proezas e guerras. Com certeza, Milton Schwantes perguntaria: e as vítimas, onde estão? Onde estão os jovens que morreram nas guerras para garantir os sonhos megalomaníacos dos reis? Onde está povo que teve que pagar tributos abusivos para manter as guerras? Onde estão as mulheres violentadas pela guerra? As mães, viúvas, que choram a morte de seus filhos e de seus maridos? Onde estão os órfãos das guerras? Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 45 19/2/ :23:09

53 Onde está Deus deles? Para isso, é preciso escavar a terra mais a fundo e ler o texto sagrado com atenção redobrada. Tarefa daqueles e daquelas que têm sensibilidade com os pequenos e esquecidos da história. Referências bibliográficas BIRAN, Avraham, NAVEH, Joseph. An Aramaic Stele Fragment from Tel Dan. IJE 43, 1993, p The Tel Dan inscription: a new fragment. Israelploration Journal, vol. 45, 1995, p DEARMAN, J. A. (ed.). Studies in the Mesha Inscription and Moab. Atlanta, GALLEASSO, Vinícius. A estela de Mesa: uma introdução à arqueologia e à literatura de Moab. Dissertação de mestrado (UMESP). São Paulo: Umesp, GRESSMANN, H. Altorientalische Texte. Berlin: 1926 / HALPERN, B. The stela from Dan: epigraphic and historical considerations. Bulletin of the American Schools of Oriental Research, vol. 296, 1994, p KAEFER, José Ademar. Arqueologia das terras da Bíblia. São Paulo: Paulus, Un Pueblo libre y sin reyes: la función de Gn 49 y Dt 33 en la composición del Pentateuco. ABE/44, Estella, Editora Verbo Divino, Tribalismo na história de Israel: perspectiva ainda válida? In: Revista Espaços, São Paulo: Editora Santuário, vol. 18, n. 2, 2010, p IRE, A. The Tel Dan stela as a piece of royal historiography. Journal for the Study of the Old Testament, vol. 81, 1998, p MURAOKA, Takamitsu. Linguistic Notes on the Aramaic Inscription from Tel Dan. In: Israel Exploration Journal, vol. 45, n. 1, 1995, p NAAMAN, N. King Mesha and the foundation of the Moabite Monarchy. In: Israel Exploration Journal, vol. 47, 1997, p PRITCHARD, J.B. (ed.). The Ancient Near Eastern Texts Relating to the Old Testament. New Jersey: Princeton University Press, REBDSBURG, Gary A., On the Writing dwdtyb in the Aramaic Inscription from Tel Dan. In: Israel Exploration Journal, vol. 45, n. 1, 1995, p SCHNIEDEWIND, W. M. Tel Dan stela: new light on Aramaic and Jehu s revolt. In: Bulletin of the American Schools of Oriental Research, vol. 302, 1996, p SMELIK, K. A. D. Converting the past studies in ancient Israelite and Moabite historiography. Leiden, 1992, p YAMADA, S. Aram-Israel relations as reflected in the Aramaic inscription from Tel Dan. In: Ugarit-Forschungen, vol. 27, 1995, p José Ademar Kaefer: A estela de Dã indd 46 19/2/ :23:09

54 Milton Schwantes: a messianidade vai tomando forma de cruz! Milton Schwantes: messiahship is taking the shape of a cross! Milton Schwantes: la mesianidad va tomando la forma de cruz! Suely Xavier dos Santos Resumo Este artigo aborda o tema do messianismo sob a ótica de Milton Schwantes. Será apresentado o caminho por ele percorrido para tratar do tema messianismo e como este caminho influenciou as respectivas releituras na América Latina, especialmente no Brasil. Não há como pensar ou falar de messianismo na academia sem mencionar a proposta de Schwantes e suas releituras sobre o assunto. Ao mesmo tempo, esta proposta alimenta as comunidades de fé, no sentido de fazer proposição assertiva sobre o messianismo e seu agir em favor do pobre. Palavras-chave: Messias; messianismo; Davi; profeta; Isaías; pobre; criança. AbstRAct This article addresses the issue of messianism in the perspective of Milton Schwantes. The path taken by the author to address the issue of messianism and how this influenced the way the subject readings in Latin America, especially in Brazil. There is no way to think or speak of messianism in today s academy without mentioning Schwantes proposal and his new understanding on the subject. At the same time, this proposal nourishes faith communities, to make assertive proposition on messianism and his action in favor of the poor. Keywords: Messiah, Messianism, David; prophet Isaiah; poor; children. Resumen En este artículo trata la cuestión del mesianismo bajo la óptica de Milton Schwantes. Se presentará el camino que él recorrió para tratar la cuestión del mesianismo y cómo éste influyó sus respectivas relecturas en Latinoamérica, especialmente en el Brasil. No hay cómo pensar o hablar de mesianismo en el medio académico sin mencionar la propuesta de Schwantes y sus relecturas sobre el tema. Al mismo tiempo esta propuesta nutre a las comunidades de fe al afirmar positivamente sobre el mesianismo y su acción en favor de los pobres. Palabras clave: Mesías; mesianismo; David; profeta; Isaías; pobre; niño. Introdução Em uma gravação feita pelo professor Milton Schwantes sobre o messianismo, ele abre a sua fala descrevendo que a alma do brasileiro é messiânica; quem não entende este povo não pode compreender o messianismo (SCHWANTES, 2007). A partir desta afirmação, Schwantes Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 47 19/2/ :25:33

55 desenvolve seu pensamento, partindo do pressuposto de que o messias gesta a esperança no meio da população pobre e desassistida. O estudo a respeito do messianismo bíblico adquiriu novas releituras e interpretações a partir de vários artigos de Schwantes, bem como suas aulas e palestras. O seu pensamento apontou novos caminhos interpretativos para o tema, especialmente no Antigo Testamento. Partindo de Gênesis , Schwantes converge seus estudos para o surgimento do conceito de messianismo antes da monarquia israelita. Nesta bênção a Judá, Jacó projeta a esperança de um líder carismático que governará seus irmãos usando a enigmática expressão até que venha Siló (v. 10). Até há pouco tempo, esta frase não era conhecida, como Schwantes observa, porém em seus estudos ele descobriu que ela está ligada a um líder egípcio e foi usada por Jacó, apontando para seu filho como este Siló/líder. Deste modo, aqui reside um conceito messiânico que foi o ponto de partida para a concepção de messianismo, absorvida especialmente no período monárquico de Israel. Neste sentido, o messianismo judaíta aparece em Gênesis , que, para Schwantes, é uma composição de ditos do 10º século a.c. Essa tradição foi guardada pelas tribos do Sul, as quais teriam seu lugar vivencial no encontro das tribos, seja por ocasião de ações militares conjuntas (veja Jz ) ou de outra solenidade (veja Js 24) (SCHWANTES, s/ data, p. 2). Assim, a expectativa de um líder perpassou vários momentos da trajetória do povo da Bíblia. Para conhecermos melhor o messianismo e os desdobramentos de Gênesis 49, serão apresentados, a seguir, o olhar de Milton Schwantes para o/s messianismo/s e davidismo/s no antigo Israel e suas releituras. Judá e Jerusalém O tempo passou e a esperança se manteve firme. Os líderes da nação veriam esta esperança ser projetada num líder monárquico, e por isso pedem um rei (1Sm 8). A monarquia é vista, nesse momento, como o instrumento da ação de Javé no meio do povo. Com a monarquia o conceito de messias adquire contornos institucionais, ou seja, o líder da nação é agora o messias do povo. A monarquia unida transcorre sob esta expectativa, que, na verdade, é assimilada e cristalizada a partir de Davi. O davidismo se torna em modelo messiânico. A partir de então surgem duas tradições distintas sobre o messianismo: uma a partir da ótica de Judá, outra de Jerusalém. Milton Schwantes analisa o contexto de cada uma destas regiões e como as tradições que dali brotaram interferiram significativamente na apreensão do conceito de messias. Em Judá, conforme Schwantes, a agricultura e a pecuária estão próximas, uma vez que se tem criadores de ovelhas e cabritos; havia 48 Suely Xavier dos Santos: Milton Schwantes: a messianidade vai tomando forma de cruz! indd 48 19/2/ :25:33

56 habitantes na Serra e no Deserto de Judá são marcados pelo pastoreio. As poucas chuvas nestas regiões dificultam a agricultura; em alguns casos havia a formação de muitos rebanhos nestas regiões (1Sm 25) (SCHWANTES, 1989a, p. 21). Em contrapartida, também existiam aqueles que viviam na região produtiva da Sefelá. Havia até os que conjugavam os dois tipos de produção: agrícola e pastoril. No contexto do interior de Judá, em meados do 8º século a.c., já vivenciando há um século e meio a monarquia dividida, surge o profeta Miqueias, que proclama sua mensagem contra as capitais, Samaria e Jerusalém, centros de comando da nação (Mq 1.1). Entretanto, este profeta reconhece a importância geográfica das capitais, no que se refere às transações comerciais. Conforme Milton Schwantes, Jerusalém é indispensável. Miqueias chega a designá-la como porta de meu povo. No caso, meu povo são os habitantes de Judá (...). Judá necessita, pois, de Jerusalém. E esta cidade é basicamente uma entidade comercial, uma porta de chegada e de saída dos produtos: saída da produção de Judá (carnes e cereais), chegada de mercadorias internacionais. Portanto, Judá passa por Jerusalém (1989a, p. 21). Destarte, observa-se que Jerusalém tem a sua importância para Judá, mas não como centro de culto ou de procedência messiânica. Em contrapartida, o davidismo do interior de Judá é aquele que vê Davi ainda apascentando o rebanho de seu pai em Belém. A este respeito, Schwantes descreve o seguinte: O davidismo está vinculado à pequenez da vila de Belém, não à arrogância exploradora de Jerusalém (3.9-12). Neste sentido, não há contradição maior entre uma postura anti-jerusalém e outra pró-davi, pois ambas estão enraizadas na mesma realidade: têm sua origem no campesinato judaíta, do qual Miqueias é porta-voz. Os camponeses se opõem à incorporação do davidismo ao mundo cortesão da capital (1989a, p. 25). Deste modo, encontra-se no texto de Miqueias uma importante tradição messiânica do campo, a qual o Novo Testamento também evoca, por exemplo, em João 10, quando Jesus se revela utilizando a figura do bom pastor. Ou ainda alguns sinóticos que descrevem o nascimento de Jesus em Belém (cf. Mt 2.1; Lc 2.4). Em Jerusalém, por sua vez, encontram-se as tradições da História da Sucessão de Davi. Jerusalém é destacada por Schwantes como o lugar do surgimento de uma promessa para a dinastia davídica (2Sm 7). Nesse episódio, Natã, o profeta da corte, faz a promessa de uma dinastia sem fim para Davi. Como assevera Schwantes (2004b, p. 15): em 2 Samuel 7, o Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 49 19/2/ :25:33

57 davidismo nasce, pois, jerosolemita e, talvez, jebusita/cananeu! Esta possibilidade diverge, por exemplo, daquela que conhecemos de Gênesis 49 ou de Miqueias 5, uma vez que nestes últimos o davidismo nasce judaíta. Consequentemente, fica bem demarcada a diferença da teologia judaíta e jerosolimita. Em Jerusalém, o que sobressai de Davi são suas ações bélicas. É possível perceber esta característica nos Salmos tidos como messiânicos. São eles: 2, 18, 20, 21, 45, 72, 101, 110 e 132 1, conhecidos também como Salmos de Entronização. Assim sendo, Schwantes apresenta Jerusalém como uma cidade com ações bélicas e cosmopolita. Já em Judá, é conservada a memória de um Davi pastor, menor da casa de seu pai, cujo representante desta tradição é o profeta Miqueias. O contexto de Judá, a roça, também interfere no sentido do messianismo que dali brota. História da Ascensão de Davi e História da Sucessão de Davi Para tratar sobre messias e messianismo, Schwantes os lê também a partir de duas tradições bem marcantes no AT. A primeira é a História da Ascensão de Davi (1Sm 16 a 2Sm 5), conservada nos círculos de Judá e a segunda é a História da Sucessão de Davi (2Sm 6 a 1Rs 2), uma tradição de Jerusalém. Ele sistematizou esta abordagem em um artigo publicado na Revista Estudos de Religião 27, sob o título: O Davidismo messiânico na ótica de Judá, a história da ascensão de Davi. Nele, o autor aborda especialmente a História da Ascensão de Davi e as formas pelas quais esses conjuntos literários iluminam a compreensão de messianismo. Davi é apresentado como frágil, justo e digno. Nas palavras de Schwantes, esta História da Ascensão de Davi ao poder, em 1 Samuel 16 até 2 Samuel 5, propõe um rei; um messias que preserve as justas e dignas relações sociais (SCHWANTES, 2004b, p. 187). Davi é aquele que vem de Belém de Judá, ou seja, do âmbito dos pastores campesinos, tocador de harpa e o menor entre seus irmãos. Para Schwantes, a História da Ascensão recolhe contos populares (SCHWANTES, 2004b, p. 27). A História da Sucessão, por sua vez, apresenta Davi no palácio em Jerusalém, com uma máquina de estado funcionando efetivamente. Assim, temos duas tradições conservadas no imaginário acerca de Davi: uma dos camponeses de Judá e outra do âmbito palaciano de Jerusalém. A partir destes relatos, Schwantes trabalhou o surgimento de dois corpus da literatura profética que conservam e anunciam o messianismo no Antigo Testamento, um de origem jerosolimitana, e outro judaíta. Contudo, essas tradições apresentam alguns aspectos que lhes são comuns. 1 Há uma diferença entre alguns autores quanto à enumeração dos Salmos Messiânicos, por exemplo, Schwantes observa os seguintes: 2; 18; 20; 21; 45; 72; 89; 101; 110; 132 e 144. Enquanto Alonso Schökel e Carniti apresentam a seguinte lista: 2; 18; 20; 21; 45; 72; 110;132, há ainda Mckezie: 2; 20; 21; 45; 72; 89; 101; Suely Xavier dos Santos: Milton Schwantes: a messianidade vai tomando forma de cruz! indd 50 19/2/ :25:33

58 Tendo em vista que o Sul é marcado por memórias importantes, como, por exemplo, Sara, Abraão, guerra santa, davidismo, a presença de Javé no Sião, destas há que se destacar duas: Sião e Davi, como principais tradições religiosas do Sul. Como descreve Schwantes (1989a, p. 21), embora se trate de memórias diferentes, Sião e Davi se complementam. Davi transporta a arca da aliança (2Sm 6) e lá, em Sião e junto à arca, recebe de Natã a promessa de eterna dinastia (2Sm 7). Davi e Sião, uma tradição não depende da outra. Davi pode ser enaltecido sem que o Sião desempenhe papel marcante, como, por exemplo, em 2 Samuel 5, anterior à conquista de Sião. O contrário também pode ocorrer, é o que se vê em Lamentações. Nela se chora a cidade que jaz solitária (isto é Jerusalém) sem que o davidismo fosse alvo de grandes preocupações (SCHWANTES, 1989a, p. 22). Há uma diferença bem marcante entre Sião/Davi e Belém/Davi. Enquanto em Sião, Davi é enaltecido como rei, e lembrado por suas incursões bélicas (2Sm 5 a 1Rs 2), na tradição de Belém, a concepção que perdura é o da fragilidade, e ainda, de um homem tipicamente do campo (Mq 5.1-5). Mas por que tradições tão próximas se encontram, às vezes, divididas? Para Milton Schwantes (1989a, p. 22), Sião é uma tradição de Jerusalém, enquanto que Davi é uma tradição de Judá, isto é, belemita. Sua sede não é a capital Jerusalém, mas a vila de Belém. Até o Novo Testamento guardou essa memória davidita (Mt 2). Durante muito tempo, os estudos sobre messianismo apontavam para a estreita ligação entre unção e guerra. Na teologia de Milton Schwantes, o messias vem para inaugurar um tempo de paz, de justiça e de direito, sem, necessariamente, a instrumentalidade de armas para alcançar êxito. O messias é frágil, é criança, é ungido na dinâmica do Espírito que dá força de Javé para atuar e salvar o povo, como se vê em Isaías , que, mesmo sendo de Jerusalém, reflete a teologia de Belém. Messianismo Isaiano Milton Schwantes também analisou, em artigos e num comentário, textos como o de Isaías, especialmente o livro do Imanuel. Sua abordagem aponta para novidades em relação aos estudos sobre o messianismo. Uma delas é que o nascimento do Imanuel é um evento excludente. Imanuel: conosco está Deus. A pergunta que Schwantes faz é a seguinte: quem é este conosco? Em sua leitura, conosco é o plural de eu, e neste caso, Isaías se refere a si mesmo e àqueles que continuaram fiéis ao projeto messiânico de Javé, ou seja, ele e os seus filhos (8.18). O Imanuel, neste caso, excluía as esferas de poder que não dão conta mais de sustentar projetos justos para a vida digna da população. Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 51 19/2/ :25:33

59 Schwantes também analisa o messianismo, em um de seus últimos textos sobre o tema, a partir de Isaías 11. Para ele, o messias vem das raízes (11.1), isto é, de Belém Efrata. A esperança de Isaías nesse contexto reflete a superação do davidismo do poder militar por outro da fragilidade das crianças (8.18 e 9.5) (SCHWANTES, 2003c, p. 208). É possível que este texto, mais do que romper com a dinastia davídica, rompa com o davidismo da História da Sucessão de Davi, ou seja, um Davi marcado por experiências de guerras e acordos. Também neste texto, o autor analisa a ruah, destacando o caráter carismático que se apodera daquele/a que a recebe. Vê-se isso na trajetória bíblica, quando a ruah de Javé irrompe sobre os juízes em Israel. Segundo Schwantes, O espírito atua nos juízes, naqueles líderes carismáticos da assim chamada guerra santa. Trata-se de Otniel (Jz 3.10), Gideão (Jz 6.34), Jefté (Jz 11.29), Sansão (Jz 13.25; 14.6,19; 15.14), Saul (1Sm 11.6), Davi (1Sm 16.13), Josué (Nm 27.18; Dt 34.9). Através deles, o espírito é de luta e combate, de intervenção histórica de Javé. De uns, o espírito se apossa por ocasião do combate (Jz 11.29) de outros nos preparativos para a luta (Jz 3.10)... Espírito é aí uma experiência breve, dinâmica e de impacto. Marca certa ação (SCHWANTES, 1988e, p. 9). Eles recebem a ruah e têm a capacidade de vencer batalhas, agir com sabedoria diante de situações adversas, não porque possuam força em si mesmos, mas porque estão possuídos pela ruah de Javé. No decorrer do tempo, com a assimilação da unção para a esfera real, o carisma dele foi institucionalizado. O que era ungido para determinada ação em nome de Javé, agora se transforma em uma legitimação de poder. Para Schwantes,... o espírito que valera para um episódio é transposto a uma situação, a um cargo. Este novo uso do termo está patente no caso de Davi. Nele, a concessão do espírito está vinculada à unção (1Sm 16.13), isto é, a uma situação contínua. (...) Com Davi, o espírito que era sopro vira instituição, o que era dinâmico passa ao estático, o que era episódio, passa a cargo (SCHWANTES, 1988e, p. 9). Para Schwantes, o espírito aparece preferencialmente no agir histórico de Javé. É um poder histórico (SCHWANTES, 1988e, p. 8). O que se pode inferir que o messias será um agente na história, mas não se sabe a que tempo refere-se esta profecia. Partindo do princípio de que o messias não está a serviço da instituição, Schwantes faz uma leitura que aproxima o messianismo isaiano e o 52 Suely Xavier dos Santos: Milton Schwantes: a messianidade vai tomando forma de cruz! indd 52 19/2/ :25:34

60 messianismo judaíta, de Miqueias. Ele destaca que, nos dias de Miqueias, Isaías ainda que falando desde a ótica citadina, de Jerusalém tinha uma visão semelhante sobre o futuro do davidismo. Relacionava-o ao menino (9.5), às crianças (7.14), ao rebento (11.1), ou seja: à pequenez, à fragilidade. (SCHWANTES, 1989a, p.25) Estes aspectos apresentados por Schwantes, são claramente distantes da teologia jerosolimita, mas refletem a teologia judaíta, que resgata a tradição do carisma da unção em nome de Javé. Destarte, Schwantes propõe a leitura messiânica que recobra a ideia de um líder tribal, ou seja, que é guiado pelo espírito de Javé. Ele é rei, porém suas ações refletem o agir de quem foi impulsionado por Javé por meio da unção, para salvar e libertar a população pobre e excluída. Considerações Milton Schwantes conseguiu ampliar a discussão sobre o messianismo bíblico. Nos seus últimos escritos não publicados e palestras de dois ou três anos atrás, ele desenvolveu uma teologia que sistematizou o pensamento sobre o assunto de tal forma que a compreensão do Novo Testamento ficou clara por meio de sua proposta. Schwantes partiu de Gênesis 49, cujo messianismo nasce judaíta em forma de líder tribal. Passa para a esfera monárquica, destituindo o messianismo do caráter carismático. Com a profecia, denuncia os atos de injustiças cometidos pela elite, anunciando, assim, um messias desvinculado das esferas de poder, mas que tem traços do líder apontado por Gênesis 49. Os desdobramentos desse pensamento perpassam os séculos seguintes com Zorobabel e o anúncio de projeto messiânico baseado na releitura de Isaías e Miqueias, ou com Zacarias: Eis aí vem o seu messias, pobre (v. 9). Milton Schwantes finaliza a gravação, que foi comentada no início deste artigo, com a seguinte frase: o Antigo Testamento vai construindo um buquê de messianeidade que vai tomando forma de cruz!. E foi assim que ele viveu e desenvolveu um pensamento messiânico para o povo pobre e excluído, mas que encontra seu lugar na história a partir da cruz. Referências bibliográficas SCHWANTES, Milton. A Profecia durante a monarquia. In: BEOZZO, J.O. (Org). Curso de Verão. São Paulo: Paulinas/CESEP, O espírito faz história. São Paulo: CEBI/CECA, Meu povo em Miqueias. Belo Horizonte: CEBI, (Cadernos do CEBI nº 15).. Esperanças messiânicas e davídicas. In: Estudos Bíblicos, n. 23, 1989, p Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 53 19/2/ :25:34

61 . Armas não armam tendas de paz: observações sobre Isaías In: Revista Estudos de Religião, ano 27, n. 25, 2003, p Elementos de um projeto econômico e político do messianismo de Judá Gênesis Uma antiga voz judaíta interpretada no contexto da História da Ascensão de Davi ao Poder (1 Samuel 16 até 2 Samuel 5). In: Ribla, n. 48, 2004, p O davidismo messiânico na ótica de Judá: a história da ascensão de Davi (1 Samuel 16-2 Samuel 5). In: Revista Estudos de Religião, n. 27, 2004, p Ouvi, casa de Davi, estudos exegéticos em Isaías In: Revista Estudos de Religião, n. 19, 2005, p Messianismo na Bíblia. São Bernardo do Campo: s/ed, CD-ROM [gravado nos estúdio da UMESP].. Da vocação à provocação: estudos e interpretações em Isaías 6-9 no contexto literário de Isaías São Leopoldo: Oikos, 2008, 208p.. O rei-messias em Jerusalém: Observações sobre o messianismo davídico nos Salmos 2 e 110. In: Revista Caminhando, v. 13, n. 21, 2008, p Uma promessa de dinastia para Davi na ótica de Jerusalém: anotações sobre o davidismo de 2Samuel 7. In: Revista Cultura Teológica. Ano 16, n. 63, p. 9-32, E de suas raízes um renovo trará seu fruto : o messias no espírito em defesa dos pobres em Is 1-5 (6-9). In: Revista Caminhando, v. 13, n. 21, 2009, p Suely Xavier dos Santos: Milton Schwantes: a messianidade vai tomando forma de cruz! indd 54 19/2/ :25:34

62 A Bíblia e a vida: O método exegético de Milton Schwantes Bible and Life: The exegetical method of Milton Schwantes La Biblia y la vida: el método exegético de Milton Schwantes Lucas Merlo Nascimento Resumo Esse artigo visa explicitar o método exegético ensinado pelo Prof. Milton Schwantes em seus últimos anos de vida, assim como compartilhar minha compreensão da lógica de seu método, terminando por demonstrar como o Prof. Milton o utilizou, usando como exemplo seu comentário a Ageu. Palavras-chave: Método exegético; Milton Schwantes; análise da forma; análise do ambiente, análise dos conteúdos; comentário a Ageu. AbstRAct This article clarifies the exegetical method taught by professor Milton Schwantes in his last years of life. Shares my understanding of the logic of your method and demons- trates how Milton used it, using as an example his commentary on Haggai. Keywords: Exegetical method; Milton Schwantes; formal analysis; context analysis; content analysis; commentary of Haggai s book. Resumen Este artículo tiene por objeto aclarar el método exegético dictado por el Prof. Milton Schwantes en sus últimos años de vida, así como compartir mi comprensión de la lógica de su método, terminando por demostrar como el profesor Milton lo utilizó, valiéndome como ejemplo de su comentario sobre Hageo. Palabras clave: método exegético, Milton Schwantes; análisis de la forma; el análisis ambiental, análisis del contenido; comentario a Hageo. Introdução Este artigo possui duas matrizes: a primeira, as aulas do Prof. Milton Schwantes, no qual ele enfaticamente explicitava aos alunos seu método 1. A segunda, minhas percepções acerca desse método, ou seja, o que compreendi acerca do porquê o Prof. Milton o utilizava. Com isso não há de se negar certo grau de subjetividade neste artigo, uma vez que são minhas percepções. Soma-se a isso o fato de o Prof. Milton não ter escrito sobre o método, senão o utilizado. Ainda assim, não me eximo em fazê-lo uma vez que a explicitação de seu método pode servir 1 Refiro-me aos anos de 2010 e 2011, últimos anos de sua vida. É certo que mudou alguns procedimentos ao longo de seus estudos. Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 55 19/2/ :28:03

63 como uma espécie de passo-a-passo a quem desejar o artigo tem, pois, caráter didático 2. A partir dessas duas matrizes, o ensino em classe e minhas percepções, apresento primeiramente o método proposto, ensinado e utilizado pelo Prof. Milton, após, apresento o que entendo ser a lógica do método. Por último, explicito como Prof. Milton utilizou esse método tomando como exemplo seu comentário a Ageu. O método 3 Por definição um método é um conjunto de procedimentos. É uma forma ordenada de se analisar um objeto. É um jeito de olhar. E era esse jeito de olhar para o texto bíblico que o Prof. Milton queria que aprendêssemos. Mas, que jeito é esse? Para Prof. Milton, esse jeito incluía, na sequência, a análise da forma do texto 4, seguido da análise de seu ambiente, concluindo com a análise de seus conteúdos 5. A análise da forma 6 visa o texto em sua organização. É a notação acerca do como o conteúdo está organizado em sua materialidade e como suas partes se (des-)ajustam. É dividida em quatro partes. Com o tempo e experiência, e dependendo do texto analisado, o exegeta pode conjugar duas ou mais etapas 7. A primeira parte da análise da forma consiste em notar onde o texto inicia e termina. É a delimitação da perícope. Basicamente visa a localização do texto em seu contexto literário, observando onde estão as possíveis rupturas antes e depois do texto, a fim de definir seu início e fim. Pode ser notada por meio de marcas textuais que 2 O caráter didático do artigo segue o caráter didático do método. Com isso quero dizer que a exegese efetuada pelo Prof. Milton apresentava desdobramentos mais complexos, mas demonstrava algumas etapas como forma de simplificação para direcionar seus alunos e alunas. A partir do método, questões exegeticamente mais complexas poderiam ser levantadas. 3 Parte desse material está em minha dissertação (NASCIMENTO, 2012, p ). 4 Prof. Milton conhecia muito bem a escola da Crítica das Formas, como apresentada por Hermann Gunkel, Gerhard Von Rad entre outros (FANULI, 1993). O que difere seu método é o fato de que a análise da forma não é objetivo final do trabalho exegético, senão subserviente à análise dos conteúdos, à mensagem do texto. 5 Como exemplo, essa sequência pode ser notada brevemente na introdução ao comentário sobre Gênesis 12-25, no qual inicia identificando que são pequenas históricas compiladas (forma), para depois passar ao ambiente social das mesmas (ambiente) e então enfatizar seus conteúdos (SCHWANTES, 2009, p ). 6 Os termos aqui utilizados como forma, estilo, gênero não são unívocos em ambiente exegético. Por isso não utilizo definições rígidas para cada um desses elementos. A explicação clareará os conceitos. 7 Por vezes o Prof. Milton sintetizava algumas etapas num único parágrafo, uma vez que seu objetivo era chegar aos conteúdos. Por vezes subdividia ainda mais as etapas, para dar os destaques ao que queria. Veja como sintetiza as etapas para chegar aos conteúdos em seu comentário aos Salmos , postumamente publicado (SCHWANTES, 2012). 56 Lucas Merlo Nascimento: A Bíblia e a vida indd 56 19/2/ :28:03

64 denotam mudanças na linguagem, no tema entre outros 8. Após delimitar o texto, seu início e fim, o exegeta passa a analisar sua coesão, isto é, se está diante de único momento textual ou se o texto é compósito, ou seja, se nele podem-se ouvir diversas vozes. Para isso, observa-se a unidade ou não de seus elementos internos, se há quebras na sequencialidade textual, se há possíveis enxertos, releituras, justaposições, mudança de linguagem. Nesta etapa o exegeta terá que decidir se essas rupturas configuram que naquele texto existem outras perícopes, e então terá que rever sua delimitação, ou se essas rupturas mostram um desenvolvimento interno do texto, marcado por releituras ou ainda vozes concomitantes, mas que não comprometem sua unidade. Observadas essas questões de coesão, passa-se a observar o estilo do texto. Basicamente consiste em identificar se o texto é prosa ou poesia. Requer do exegeta a observação de como a linguagem se organiza no texto. Em termos simples, textos com repetições (SCHWANTES, 2008, p. 40), também chamadas paralelismos (SILVA, 2009) tendem a ser poéticos 9, enquanto uma linguagem com ação, mobilidade, tende a ser prosaica. Marca dessa prosaicidade são os waw s consecutivos nas narrativas (SELLIN; FOHRER, 2007, p. 59). Cabe também, na identificação do estilo, demarcar as subunidades textuais em estrofes (quando poesia) ou em parágrafos (quando prosa). Esta etapa prepara a análise de gênero, assim como define as subunidades a serem abordadas nos conteúdos. Para terminar a análise da forma, cabe identificar o gênero do texto. Basicamente um gênero é um conjunto de textos que possuem características comuns. Uma carta difere de um bilhete, que difere de um ofício. Um canto fúnebre difere de um sermão: cada qual tem suas características, e isso nos permite identificar vários textos sob tais características. O gênero é uma espécie de sobrenome do estilo, no qual serão notadas, com maior precisão, essas características comuns. Nesta etapa podem ajudar os manuais de exegese e hermenêutica e introduções que identificam gêneros bíblicos: narrativas etiológicas, sagas, crônicas históricas, ditos proféticos, ditos do mensageiro, poesia de lamento, de louvor, provérbios e sentenças de sabedoria, leis casuísticas e apodíticas, etc. Também fórmulas fixas podem ajudar: Assim diz o Senhor..., Palavras de Javé..., Ai dos que..., Feliz o que... dentre outras (HOMBURG, 1981, p ; OSBORNE, 2009, p ; SILVA, 2002, p ). 8 Para o estudante, vale notar que as divisões em capítulos e versículos das Bíblias modernas, assim como os subtítulos utilizados pelas editoras nem sempre ajudam na identificação da perícope. 9 Veja, por exemplo Salmo 1.1: Feliz o homem que/ Não caminha no plano dos transgressores/ e no caminho dos pecadores não para/ e no lugar dos escarnecedores não assenta (tradução nossa). Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 57 19/2/ :28:03

65 Terminada a análise da forma, passa-se a olhar para o ambiente do texto. Este é o lócus do texto na sociedade. Nesta análise do ambiente, muitas etapas são possíveis, a depender do texto estudado. Deve-se localizar a data do texto, ou seja, seu ambiente histórico. Também os setores da sociedade implicados no texto é algo a ser notado. Inclui-se aqui também a análise de ambiente religioso, uma vez que no Israel antigo religião e sociedade caminham juntas. Pode-se mostrar o ambiente histórico-social mais amplo do texto, como, por exemplo, fatos da política internacional, e após, os desdobramentos para as relações sociais mais imediatas ao texto (conflitos, alianças, movimentos, etc.). A depender do texto, apenas essas relações mais imediatas já serão suficientes para sua compreensão. A localização histórico-social do texto pode ser feita conhecendo-se um pouco da história da formação de determinado livro, dos agentes implicados, das configurações sociais e pensamentos imanentes ao texto. Será necessário algum conhecimento da história de Israel e de suas organizações sociais. Complementar ao ambiente histórico e social pode ser o ambiente geográfico, que, quando analisado, nos leva a compreensões mais profundas das questões sociais e históricas implicadas no texto. Estão implicadas no ambiente geográfico questões de espaço (lugares), climas dentre outros. Outro complemento pode ser a análise do ambiente de pensamento ou ideológica (sociologia do conhecimento), uma vez que, quando explicitado, uma forma de pensar pode apontar para determinado tempo, pessoas, grupos. Por fim, chega-se àquele que é o objetivo principal da exegese para o Prof. Milton, que são os conteúdos do texto, o que o texto diz. Ficaram por último porque, para compreendê-los, é necessário pensar no que diz considerando a forma que usa e o ambiente ao qual espelha e se direciona. Por isso, uma revisão dos resultados das análises da forma e do ambiente pode ajudar nesta etapa. A análise dos conteúdos consiste na observação pormenorizada das frases que compõem cada uma das subunidades identificadas na análise das formas (estrofes ou parágrafos). Ainda que um estudo lexical seja necessário, não é suficiente identificar algumas palavras, senão explicitar como essas se relacionam nas frases e como as frases se relacionam entre si. Isso porque as palavras só encontram sentido na frase, e a frase, articulada com outras, encontra sentido no texto. A instância semântica é, pois, a subunidade formada pelas frases, e, por fim, o texto todo formado pelas subunidades. Analisa-se palavra a palavra numa frase, frase a frase, até chegar à subunidade, e, dessas, ao texto. É necessário que o sentido do texto esteja vinculado ao ambiente no qual foi localizado, a fim de que as referencialidades extratextuais presentes nos conteúdos não sejam contraditórias com a análise do ambiente. 58 Lucas Merlo Nascimento: A Bíblia e a vida indd 58 19/2/ :28:04

66 Feito isso em todo o texto escolhido, pode-se concluir com uma retomada dos principais resultados da exegese, ressaltando os principais resultados. A lógica do método Tendo explicitado esse jeito de olhar, pergunto: porque esse jeito? É fato que existem outros, mas o Prof. Milton ensinava esse, porque tem lá sua lógica e objetivo. Vale lembrar: aqui são percepções minhas acerca de seu método. Em primeiro lugar, penso que o Prof. Milton utilizava tal método por ser uma forma simples, objetiva e didática de desenvolver a exegese. Permita-me o/a leitor e leitora duas curtas metáforas para esclarecer esse valor do método. Tal método é óculos : permite olhar um aspecto do texto de cada vez, sem confundir o que se analisa em cada momento. É também peneira : filtra o olhar, a fim de que a análise dos conteúdos, onde acontece a explicitação do texto, esteja limpa de informações interessantes, mas que podem desencaminhar a exegese (NASCIMENTO, 2012, p. 42). Em segundo lugar, penso que o Prof. Milton utilizava esse método pela relação lógica entre suas etapas. Na trilha da Crítica das Formas, porém utilizando-a para compreender conteúdos, Prof. Milton propunha que um determinado gênero (última etapa da análise da forma) carregava consigo seu ambiente, o Sitz im Leben, e que os conteúdos de um texto fazem sentido quanto pensados como (forma) e onde (ambiente) foram proferidos. Desta maneira, a sequência não é apenas ocasional, mas lógica. Exemplo dessa lógica é a análise dos Ais de Isaías (SCHWANTES, 2011, p ), no qual, partindo da forma, no qual identifica o gênero hoy como grito de ritos fúnebres (ambiente), identifica cada Ai como condenação à morte dos denunciados expressos no texto (conteúdos). Por exemplo, pensemos em um bilhete escrito Mãe, volto já! Por ser bilhete tem-se implícito um ambiente de proximidade informal. Vinculado à palavra mãe fica clara a familiaridade do ambiente. Assim, o volto já é melhor compreendido por essa forma de bilhete que transparece um ambiente informal e familiar. De outra forma, se alguém deixasse um ofício à porta da geladeira com os dizeres: Ilma. Sra. Mãe. Venho por meio desta avisá-la que volto em alguns instantes. Sem mais. Neste caso, a forma não denuncia o ambiente: é formal demais, e ainda desencaminha a mensagem, pois pode ser confundido com uma brincadeira ou algo assim. Este desencaminhamento da mensagem se dá exatamente porque nos é estranho a co-ocorrência dos elementos forma (ofício) ambiente (familiar-informal) mensagem (familiar-informal em linguagem formal) Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 59 19/2/ :28:04

67 propostos. Esse exemplo, ainda que simples e passível de análises mais profundas, mostra a relevância e lógica dos passos exegéticos propostos pelo Prof. Milton. Por último, penso que o Prof. Milton utilizava esse método por seu interesse na vitalidade 10 e oralidade 11 dos textos. Estes espelham a vida e o cotidiano. Basta ver seu vínculo com a Leitura Popular da Bíblia nas comunidades religiosas 12 e com a hermenêutica a partir dos pobres (SCHWANTES, 2012, p ). Considerava, pois, o complexo pensamento-manifestação linguística (som e escrita) vínculo com a vida, onde as manifestações linguísticas são fundadas por determinada realidade vivida (BUSS, 1999, p. 15). Por isso, partia do texto para procurar sua vitalidade 13. Desta maneira, penso que Prof. Milton buscava a vida dos textos, mas não sem um olhar organizado, um método que permitisse caminhar em busca desta vida. Por isso utilizava esse método de análise exegética e não outro. O método aplicado: Ageu Tendo visto em que consiste o método exegético ensinado pelo Prof. Milton e qual a lógica que percebi no método 14, proponho observar um de seus comentários a fim de identificar como o aplicou. Sugiro o texto de seu comentário a Ageu (SCHWANTES, 2008) porque, quando tive dificuldades nos procedimentos exegéticos, disse-me mais ou menos assim: Leia meu Ageu pra entender 15. De fato, aprendi muito da metodologia exegética lendo-o. 10 Veja em seu livro sobre Amós, após analisar os ditos proféticos, conclui: O dito profético [...] pode ter autoria coletiva? [...] Contudo, começa a cristalizar-se a possibilidade de ler os ditos não só como voz solitária e única de um indivíduo profético chamado Amós, mas também como experiências de dor e de resistência de um povo. O texto profético nasce da experiência grupal, da vida coletiva de gente deserdada (SCHWANTES, 2004, p. 158). 11 Ainda que tratasse o texto como um todo, em suas exegeses por vezes identificava o que era redação o que era dito, fala. Veja, por exemplo, na já citada análise dos Ais de Isaías, como, após identificar a coletânea de Ais, passa à análise de cada um: Agora, nosso foco estará voltado a cada um dos ditos, dos desesperados gritos de ai (SCHWANTES, 2011, p. 149). 12 Veja a afirmação do professor Dr. Roberto Zwetsch: Voltado à leitura popular da Bíblia, Milton Schwantes foi um teólogo de vanguarda e um dos biblistas mais reconhecidos em todo o país, ao lado de Carlos Mesters e de todo o grupo do Centro de Estudos Bíblicos (CEBI). (CEBI. Comunidade ecumênica perde o biblista Milton Schwantes). 13 Pode ser notado claramente em seu livro sobre Amós, no qual uma das subdivisões do primeiro capítulo chama-se A realidade do povo (SCHWANTES, 2004, p ). 14 Não significa que o Prof. Milton não fosse consciente dessa lógica, apenas que, aos poucos pude compreender algo do porquê ele usava tal método. 15 Em outras conversas, Prof. Milton dizia que seu comentário a Ageu era o que ele tinha seguido o método com maior precisão. 60 Lucas Merlo Nascimento: A Bíblia e a vida indd 60 19/2/ :28:04

68 O livro tem 4 partes, sendo a primeira uma introdução e as outras, comentário propriamente dito. Já na Introdução (SCHWANTES, 2008, p ) podem ser observadas as etapas do método aplicadas de forma mais geral ao livro todo. Estão presentes a análise do ambiente histórico mais amplo do livro (SCHWANTES, 2008, p. 15ss.) 16, a análise da forma panfletária do livro (SCHWANTES, 2008, p. 22ss), informações sobre o Ageu e seu contexto (SCHWANTES, 2008, p. 24ss) 17, e alguns traços da mensagem do livro (SCHWANTES, 2008, p. 28ss). Com exceção da situação histórica mais ampla do livro, os outros elementos seguem a sequência já indicada: forma ambiente conteúdo. Se tomarmos a parte na qual analisa a forma do livro, veremos que ele define, ao menos, a delimitação e a coesão das partes do livro. Mostra a linguagem unitária do mesmo e suas divisões internas, que serão as unidades analisadas nos capítulos seguintes por isso, não necessariamente retomará essas questões nas análises seguintes. Também na parte introdutória ao autor e seu ambiente (o qual denominou O mensageiro) ele explicita, além do autor, seu ambiente formativo (remanescentes judaítas), o local onde profetiza (Jerusalém) e a data (ano 520 a. C.). Nos comentários ao texto vê-se novamente o método aplicado, com exceção daqueles tópicos que já foram tratados na Introdução (delimitação e coesão) 18. Tomemos a primeira unidade do livro (Ag a, p ), ao qual denominou É tempo de Templo 19, como exemplo. Após propor uma tradução do texto, o qual considera unidade literária (SCHWANTES, 2008, p. 37), segue a seção Uma narração. Nesta, identifica que o texto é parcialmente (v. 1,3; 13-15a) narrativo (gênero). Na seção seguinte, chamada Uma composição de ditos profético, indica que o que está entre os v. 1,3; 13-15a são ditos. Nota-se que também aqui identifica o gênero (ditos), assim como as subdivisões (cada dito). Passa para a seção Sua poesia. Aqui, inverte a ordem entre estilo e gênero, talvez por destacar que a característica poética do livro é apenas parcial, retomando o gênero narrativo junto aos ditos para dizer que a unidade é mistura de prosa e poesia. Segue a seção que denominou 16 Este difere do ambiente mais imediato de cada um dos ditos presentes no livro. 17 Com informações sobre o ambiente mais próximo das mensagens. 18 Neste ponto, difere o comentário a um texto apenas de um comentário escrito de um livro. Pela amplitude de um comentário a um livro, essa sumarização na parte denominada introdução é necessária. Ainda assim, às vezes retorna a algum desses tópicos para detalhá-lo melhor. 19 Esses subtítulos são direcionais na exegese do Prof. Milton: servem para apontar os caminhos pelos quais anda a exegese. Prof. Milton utilizava também subtítulos para as etapas exegéticas da análise da forma, do ambiente, dos conteúdos. Às vezes, por considerar necessário, subdividia também algumas etapas com mais subtítulos. No comentário a Ageu isso é bastante evidente. Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 61 19/2/ :28:04

69 Estrutura, no qual basicamente identifica como as partes (subunidades, estrofes-parágrafos 20 ) se relacionam. A próxima seção, chamada 1ª dia e 24º dia do 6º mês, corresponde à análise do ambiente. No caso, consiste basicamente na datação da unidade. Isso porque já tratou de várias questões de ambiente na Introdução ao livro. Por fim, após passar pelas seções mencionadas anteriormente, que correspondem às análises da forma e do ambiente, desdobra-se sobre os conteúdos na seção que chamou Construí... e eles me ouviram os conteúdos. Na leitura, percebe-se como Prof. Milton efetua a análise a partir das estruturas anteriormente concebidas. Começando da introdução no v. 1 (SCHWANTES, 2008, p ), comenta o v. 3 (SCHWANTES, 2008, p. 45), seguido dos v. 2-4 (SCHWANTES, 2008, p ), v. 5-6 (SCHWANTES, 2008, p ), v. 7-8 (SCHWANTES, 2008, p ), v. 9 (SCHWANTES, 2008, p. 48), v (SCHWANTES, 2008, p ), culminando no comentário das três cenas contidas nos v a (SCHWANTES, 2008, p ). Observe-se que, após comentar cada uma das subunidades, o Prof. Milton propõe uma seção chamada Em resumo (SCHWANTES, 2008, p ), no qual retoma os principais resultados das etapas da pesquisa exegética efetuada, antes de dar sequência ao comentário. Considerações finais A tarefa exegética é uma constante para o biblista, e nisso se empenhou o Prof. Milton em seus anos de vida. Era insistente a seus alunos e alunas na utilização do método, pois queria que seus alunos e alunas aprendessem seu jeito de ver, para que chegassem à vitalidade do texto. Sou-lhe grato pela insistência. Passando pela explicitação do método, a presente jornada no mesmo visou compreender sua importância e lógica, culminando na demonstração de como utilizou em seus livros, no caso, o comentário a Ageu. Por fim, apesar de propor um artigo que possa ser didático, como espécie de guia básico para exegese, os dois anos em contato com o Prof. Milton, além da leitura de seus livros e muitos exercícios exegéticos exigidos, ensinaram-me que exegese se aprende fazendo... Aos que se propõe a essa tarefa, mãos à obra! Referências bibliográficas BUSS, M. J. Biblical Form Criticism in its Context. Sheffield: Sheffield Academic Press, Chamei estrofes-parágrafos porque Prof. Milton reconhece que a unidade em questão é formada, como visto, tanto por poesia quanto prosa. 62 Lucas Merlo Nascimento: A Bíblia e a vida indd 62 19/2/ :28:04

70 CEBI. Comunidade ecumênica perde o biblista Milton Schwantes. Disponível em: < >. Acesso em: 29 set FANULI, A. As tradições nos livros históricos do AT. Novas orientações. In.: FABRIS, R. (Org.). Problemas e perspectivas das ciências bíblicas. São Paulo: Loyola, HOMBURG, K. Introdução ao Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, NASCIMENTO, L. M. Ensinar as memórias: exegese histórico-social de Deuteronômio 6, São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo, [dissertação de mestrado]. OSBORNE, G. R. A espiral hermenêutica. São Paulo: Vida Nova, PORTER, S. (Ed.). Dictionary of biblical criticism and interpretation. London: Routledge, SCHWANTES, M. A terra não pode suportar suas palavras reflexão e estudo sobre Amós. São Paulo: Paulinas, Ageu. São Paulo: Loyola, (Comentário Bíblico Latino-Americano).. Da vocação à provocação. São Leopoldo: Oikos, Deus vê! Deus Ouve! São Leopoldo: Oikos, Salmos da vida. São Leopoldo: Oikos, SELLIN, E., FOHRER, G. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Paulus/ Academia Cristã, SILVA, C. M. D. da. Metodologia de exegese bíblica. São Paulo: Sinodal, 2002/ Paulinas, Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 63 19/2/ :28:04

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72 A Tribo de Levi: considerações preliminares 1 The tribe of Levi: preliminary considerations La tribu de Leví: consideraciones preliminares Moisés Abdon Coppe RESUMO Este texto visa situar o leitor interessado na hermenêutica do Primeiro Testamento quanto à formação e memórias da Tribo de Levi. Trata-se de uma abordagem incipiente, entretanto profundamente marcada pelas principais intuições de autores respeitados no campo da hermenêutica bíblica. A modesta pretensão deste escrito objetiva lançar luzes outras sobre a percepção do que era essa parcela do povo bíblico. Palavras-chave: Bíblia; Primeiro Testamento; Tribo de Levi; Hermenêutica. ABSTRACT This paper aims to situate the reader interested in the hermeneutics of the First Testament in the formation and memories of the Tribe of Levi. This is a nascent approach, however deeply marked by the main insights of respected authors in the field of biblical hermeneutics. The modest claim of this paper aims to shed light on the perception of what it was that portion of the biblical people. Keywords: Bible; First Testament; Tribe of Levi; Hermeneutics. RESUMEN Este texto tiene por objeto situar al lector interesado en la hermenéutica del Primer Testamento en lo que se refiere a la formación y memorias de la tribu de Leví. Se trata de un enfoque embrionario, sin embargo, profundamente marcado por las principales intuiciones de autores respetados en el campo de la hermenéutica bíblica. La modesta pretensión de este documento es echar luz sobre la percepción de lo que era esa parte del pueblo bíblico. Palabras clave: Biblia, Primer Testamento, tribu de Leví, hermenéutica. Introdução Como em tempos bíblicos, precisamos empenhar-nos em manter o espírito dos começos. Há que manter a mística de povo liberto. Manter esta memória é função da igreja. Nela, lendo as memórias do começo da Bíblia, havemos de animar a nós e a sociedade em busca contínua pelo novo. Um dos segredos está na forma de a Escritura organizar o povo de Deus. Em suas origens, a Bíblia foi socialmente criativa! Indica modelos de vida, em que cada pessoa tem mais chances que em nossos dias. Milton Schwantes 1 Dedico este artigo à memória de Milton Schwantes. Ele é o resultado de um trabalho desenvolvido e apresentado a este saudoso mestre, como requisito da disciplina Tribos de Israel, e passou por seu crivo e avaliação. Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 65 19/2/ :30:08

73 O estudo sobre as tribos de Israel é complexo e cheio de ramificações, pois o desenvolvimento de uma pesquisa mais acurada necessita de amplo conhecimento historiográfico e imersão na arqueologia bíblica. Assim, este artigo almeja situar a tribo de Levi no seu arcabouço histórico, bem como favorecer uma visão mais ampla do que significa a expressão levitas na atualidade, mais precisamente no contexto das comunidades eclesiásticas. A princípio, cabe-nos citar a advertência de Cazelles a respeito da melhor abordagem sobre o documento historiográfico do Israel bíblico: A história de Israel se desenrola dentro de tempo agora relativamente bem determinado. O quadro geográfico deve estar presente à mente do historiador. O Israel bíblico é um pequeno povo que viveu em espaço restrito. Mas esse espaço não se encontra isolado dos movimentos dos povos e das culturas que atravessam o Oriente Próximo, antes mesmo da invenção das escritas. (CAZELLES, 1986, p. 57). Cazelles dá a entender que a compreensão da história de Israel somente é possível mediante uma imersão nos documentos históricos que atestam a existência de tribos nômades e seminômades antes da escrita e da própria pré-formação da confederação de tribos. Entretanto, têm-se comumente sinalizado a origem do Israel tribal no século 8 a.c.c., segundo informação fornecida pela estela de Merneptá (1220 a.c.c., aproximadamente, cf. CAZELLES, 1986, p. 47). 2 É possível, inclusive, pontuar que nessas tribos nômades e seminômades se podia constatar uma fé pré-javista, como é o caso da tribo de Levi. O próprio Gottwald corrobora com essa informação ao expressar: Na verdade, abordando nosso assunto através do sistema social do Israel javista, acredito ser possível concluir, por hipótese, sobre a existência de uma fase pré-javista de povos confederados, os quais também traziam o nome de Israel [...]. O esboço deste Israel pré-javista, entretanto não resulta da simples coleta de dados das lendas patriarcais. Surge, sim, de uma análise rigorosa do Israel javista em Canaã, utilizando, secundariamente, dados dos episódios referentes aos patriarcas, considerados à luz dos dados sociopolíticos e religiosos-cultuais sobre o Canaã pré-javista. (GOTTWALD, 1986, p. 47). 2 A inscrição nas linhas 26 e 27 descreve uma alusão a Israel: Os príncipes estão prosternados, dizendo: Paz. Entre os Nove Arcos, não há um que levante a cabeça. Tehenu (a Líbia) está devastada; o Hati está em paz. Canaã está despojada de toda a sua maleficência; Ashqelon foi deportado; Guzer foi tomado; Yanoam é como se não existisse mais; Israel foi aniquilado e não tem mais semente. O Haru está em viuvez diante do Egito. Todos os países estão pacificados Moisés Abdon Coppe: A Tribo de Levi: considerações preliminares indd 66 19/2/ :30:08

74 De qualquer forma, é a partir da estela Merneptá que se costuma pensar a configuração sociológica das tribos em Israel. De qualquer modo, a historiografia bíblica continua a ser a base para as possíveis intuições sobre os povos antigos. E é com base nela que vamos abordar a temática das tribos semitas, pois: A mais antiga realidade sociológica é, de fato, a tribo, o que não exclui, mas supõe um núcleo familiar. Não há no Gênesis nem filhos de Abraão (beney Abraham) nem beney Isaac, mas existe uma descendência (Zara, literalmente semente ) de Abraão (13.16) e uma casa de Isaac (Am 7.16). Além disso, não convém começar uma história política de Israel por Abraão, que não é o antepassado de uma tribo que leva o seu nome, o que chamamos de epônimo, enquanto a Bíblia fala frequentemente dos beney Israel, filhos de Israel. Esses beney Israel constituem as doze tribos que se ligam de uma maneira ou outra a um epônimo que tem o nome de Israel. (CAZELLES, 1986, p. 71). A informação de Cazelles nos ajuda a enquadrar nossa linha de raciocínio e sistematizar melhor o nosso objetivo de compreender os beney Israel e, de forma mais particularizada, a tribo de Levi. 1. Textos bíblicos nos quais aparecem referências à tribo de Levi na Torah São muitas as referências bíblicas 3 à tribo de Levi. Separamos algumas, como segue: Gênesis 29.34: Concebeu ainda e deu à luz um filho; disse: Desta vez meu marido se unira a mim, porque lhe dei três filhos, e ela o chamou Levi. Gênesis : 25 Ora, no terceiro dia, quando convalesciam, os dois filhos de Jacó, Simeão e Levi, os irmãos de Dina, tomaram cada qual sua espada e caminharam sem oposição contra a cidade: eles mataram todos os machos. 26 Passaram ao fio de espada Hemor e seu filho Siquém, tomaram Dina da casa de Siquém e partiram. 27 Os filhos de Jacó investiram sobre os feridos e pilharam a cidade, porque tinham desonrado sua irmã. 28 Tomaram suas ovelhas e bois, seus jumentos, o que estava na cidade e o que estava no campo. 29 Roubaram todos os seus bens, todas as suas crianças e pilharam tudo o que havia em casa. 30 Jacó disse a Simeão e Levi: Vós me arruinastes, tornando-me odioso aos habitantes do país, os cananaeus e os ferezeus: tenho poucos homens, eles se reunirão contra mim, me vencerão e serei aniquilado com minha casa. 31 Mas eles replicaram: Assim se trata a nossa irmã como uma prostituta? 3 Citaremos as referências segundo a tradução da Bíblia de Jerusalém. Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 67 19/2/ :30:08

75 Gênesis 35.23: Os filhos de Lia: o primogênito de Jacó, Rúben, depois Simeão, Levi, Judá, Issacar e Zabulom. Gênesis 46.11: Os filhos de Levi: Gérson, Caat, Merari. Gênesis Simeão e Levi são irmãos, levaram a cabo a violência e suas intrigas 6 Que minha alma não entre em seu conselho, que meu coração não se una ao seu grupo, porque na sua cólera mataram homens, em seu capricho mutilaram touros. 7 Maldita sua cólera por seu rigor, maldito furor por sua dureza. Eu os dividirei em Jacó, eu os dispersarei em Israel. Êxodo 2.1-2: 1 Certo homem da casa de Levi foi tomar por esposa uma descendente de Levi, 2 a qual concebeu e deu à luz um filho. Vendo que era bonito, escondeu-o por três meses. Êxodo : 16 Eis os nomes dos filhos de Levi com as suas descendências: Gérson, Caat e Merari. Levi viveu cento e trinta e sete anos. 17 Os filhos de Gérson: Lobni e Semei com os seus clãs. 18 Os filhos de Caat: Amram, Issar, Hebron e Oziel. Caat viveu cento e trinta e sete anos. 19 Os filhos de Merari: Mooli e Musi; são esses os clãs de Levi com as suas descendências. Êxodo 32.26: Moisés ficou de pé no meio do acampamento e exclamou: Quem for de Iahweh venha até mim! Todos os filhos de Levi reuniram-se em torno dele. Números : 48 Falou, pois, Iahweh a Moisés e disse: 49 Não arrolareis, contudo, a tribo de Levi e não a recenseareis no meio dos filhos de Israel. Números 3.6: Faze chegar a tribo de Levi e põe-na à disposição de Aarão, o sacerdote: eles estarão a seu serviço. Deuteronômio : 8 Foi por este tempo que Iahweh destacou a tribo de Levi para levar a Arca da Aliança de Iahweh e ficar à disposição de Iahweh, para servir e abençoar em seu nome, até o dia de hoje. 9 É por isso que Levi não teve parte nem herança com seus irmãos. Iahweh é a sua herança, conforme Iahweh, teu Deus, lhe falara. Deuteronômio 18.1: Os sacerdotes levitas, a tribo inteira de Levi, não terão parte nem herança em Israel: eles viverão dos manjares oferecidos a Iahweh e do seu patrimônio Considerações abrangentes sobre as possíveis transições da tribo de Levi Embora existam muitas tentativas de compreender a etimologia da palavra hebraica lewi, não se pode precisar um sentido específico e etimológico, a não ser mediante a análise dos relatos bíblicos e das fontes historiográficas e arqueológicas, como já afirmamos. Segundo Siqueira, 4 Em acordo com Josué e Josué 13.33, embora o capítulo 21 de Josué ateste divisões entre os da tribo de Levi e seus descendentes: Gérson, Caat e Merari. De qualquer forma, o texto em evidência demonstra o início de uma atitude diferenciada em relação aos chamados levitas. Iremos clarificar um pouco adiante essa ideia quando tratarmos de forma mais detida as possíveis interpretações e percalços da tribo de Levi. 68 Moisés Abdon Coppe: A Tribo de Levi: considerações preliminares indd 68 19/2/ :30:08

76 Dois pontos são básicos na definição do personagem Levi e na identificação da tribo de Levi: Primeiramente, o AT afirma que Levi foi um dos doze filhos de Jacó (Gn 29.34). Em segundo lugar, Levi era uma das doze tribos de Israel (49.5,28). Deus concedeu, a essa família estendida, a vocação sacerdotal, sem o direito de possuir propriedade de terra. Os levitas eram vistos como grupos de pessoas ou famílias que se dedicaram exclusivamente à expansão e realização do culto de Javé. O material bíblico, a respeito dos levitas, é amplo e diversificado. Cada grupo ligado a uma tradição de Israel trata o levita de modo diferenciado (SIQUEIRA, 2007, p. 87). A abordagem de Siqueira evidencia a transição da configuração tribal, propriamente dita, para o status de sacerdotes, deixando evidente o fato de existirem olhares distintos dos grupos ligados a Israel sobre os levitas. O que importa para nós é o fato de que o grupo possuía ligações com a fé em el, numa configuração que poderia ser chamada de pré-javista. Talvez, por esse forte elemento de tradição, ainda no período nômade e seminômade, a tribo de Levi tenha se soerguido em vocação sacerdotal e abraçado a fé em Javé. Essa é uma informação que se estabelece como hipótese. Na sequência, Siqueira propõe alguns aspectos reflexivos importantes que aqui são resumidos. Em primeiro lugar, este autor destaca que, para o livro de Deuteronômio: O levita é uma pessoa, ou grupo, com as seguintes funções e direitos: (a) Um levita era destituído de bens materiais (Dt 18.1) e vocacionado para o exercício do amor pastoral junto aos carentes, às viúvas, aos órfãos e aos estrangeiros (Dt ; 14.27,29; 16.11,14; ). (b) A condição de levita proporcionava-lhe o direito de receber uma porção do dízimo regular e outra a cada três anos ( ). E finalmente, (c) os levitas eram dedicados ao ministério como sacerdotes de Javé no Templo. Apesar da assistência ao culto, os levitas exerciam sua vocação pastoral, atendendo o povo necessitado de casa em casa. Para Deuteronômio, os levitas eram chamados para o serviço de Javé, e, como tais, assim eram respeitados como sacerdotes de Javé em qualquer dos santuários de Javé. Os textos bíblicos, que refletem a história mais antiga do povo, parecem afirmar que somente os levitas poderiam e deveriam ocupar o cargo de sacerdote (Dt 21.5; 31.9). (SIQUEIRA, 2007, p. 87). Ora, como se percebe, essa informação de Siqueira refere-se a um período tardio da configuração da tribo em sua vocação sacerdotal. Assim, podemos dizer que a tribo de Levi deve ser entendida em dois momentos: um primeiro, em seu estágio tribal (conforme algumas narrativas de Gênesis) e um segundo, em sua configuração sacerdotal (Números, Levíticos, Deuteronômio e Josué). Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 69 19/2/ :30:08

77 Outro elemento importante, destacado pelo autor, refere-se a uma informação presente no livro de Ezequiel, no qual o profeta revela o seu plano para restaurar o Templo em Jerusalém (capítulos 40-48). Nesse projeto, os levitas têm participação subordinada à dos sacerdotes de Sadoc. Para Siqueira, a razão dessa punição que excluiu os levitas das principais funções sacerdotais deveu-se à ligação deles com os santuários dos lugares altos. Portanto, no projeto de restauração do Templo, de Ezequiel, os levitas serviriam como guardas da porta, sacrificadores de animais e executores de trabalhos manuais humildes no recinto do santuário (Ez ). Enfim, a prestação de serviço dos levitas chegava a um nível degradante, comparada à função dos outros sacerdotes. (SIQUEIRA, 2007, p ). O terceiro elemento pontuado por Siqueira está diretamente ligado aos documentos sacerdotais, oriundos especialmente do período pós-exílico. Neles, os sacerdotes levitas e aronitas, juntos, constituíam a tribo de Levi. Entretanto, aparece ainda nesses escritos a distinção, evidenciando os aronitas em detrimento dos levitas. Em outras palavras, os levitas continuavam desempenhando uma função secundária, isto é, subordinada aos aronitas e realizando tarefas mais humildes na manutenção do Templo (Nm ). Segundo alguns documentos sacerdotais, os deveres dos levitas estavam afeitos ao trabalho físico, e nunca demonstra uma atividade principal do culto (Nm 31.30,47; 3.28, 32, 38). (SIQUEIRA, 2007, p. 88). Mesmo diante dessas considerações, ainda é possível encontrar um tratamento diferenciado para os levitas nos livros de Crônicas, Esdras e Neemias. É fundamental dizer que estes quatro livros foram editados tardiamente, entre 300 e 200 anos antes de Cristo, portanto, refletindo uma prática teológica posterior aos documentos acima mencionados. (SIQUEIRA, 2007, p. 88). Note-se ainda que: Nesse período tardio, os conflitos e disputas entre sacerdotes foram tensos. Assim, esse clima de disputa entre grupos aflora nos textos bíblicos. Um exemplo dessa tensão está no ritual do pão (2Cr 13.11): basicamente, a direção dessa cerimônia estava a cargo dos aronitas (Lv ), porém o texto de 1 Crônicas 9.32 indica que os caatitas-levitas poderiam também dirigir essa celebração. Entretanto, 1 Crônicas 13.2; 15.14; 23.2; 24.6,31 e 2 Crônicas 8.15; 11.13; 19.8; 23.4; 25.5 entre outros, mantêm a distinção, através da fórmula sacerdotes e levitas para sinalizar a separação de fun- 70 Moisés Abdon Coppe: A Tribo de Levi: considerações preliminares indd 70 19/2/ :30:09

78 ções entre sacerdotes e clérigos menores, ou de segunda classe. Assim, o Cronista comunica a ideia segundo a qual os levitas representam um pessoal que oferecia um serviço de segunda classe ao culto. Nessa direção, os cantores, os porteiros e os padeiros do Templo eram levitas (1Cr 9.31; ; Esd 2.42,70; 7.24; 11.19). Nesse período tardio da história de Israel, a palavra levita tornou-se a personificação de todo serviço prestado para Deus. Assim, 2 Crônicas mostra um levita profeta; da mesma forma, 2 Crônicas fala de um levita-escriba; e, por fim, 2 Crônicas 35.3 sugere que os levitas também atuavam no ensino da comunidade (conforme ). Assim, Siqueira admite que o Deuteronômio testemunha de forma mais coerente o caráter vocacional dos levitas, alinhando aspectos da vida moral e humanitária com as ordenanças da vida cúltica do povo. Independentemente dos meandros que desembocaram no aspecto mais sacerdotal da tribo de Levi, vamo-nos deter na perspectiva tribal, discutindo as referências de Gênesis em particular. E nessa linha de raciocínio, vamos considerar, também, a tribo de Levi como uma mishpaha. (KIPPENBERG, 2008, p ) 5. A classificação nessa obra é elástica, o que demonstra, por outro lado, a dificuldade em se interpretar de forma sistematizada um conceito final deste termo hebraico, pois pode se referir a constituições tribais bem distintas. 3. A tribo de Levi no texto de Gênesis Esta narrativa apresenta-nos alguns elementos interessantes para a percepção ou compreensão da tribo de Levi. O texto, cuja datação é incerta, é rico em detalhes e sua hermenêutica nos dá a entender a dimensão dos conflitos vivenciados pelos povos seminômades na importante cidade cananeia de Siquém, localizada nas montanhas de Efraim, entre os montes Ebal e Garizim. Siquém era importante encruzilhada comercial, inclusive citada em textos egípcios e nas cartas de Amarna (DEN BORN, 1997, p. 1446). Ora, o episódio demonstra o conflito em várias esferas, desde a indignação de Simeão e Levi em relação à irmã Dina, até a bronca dada por Jacó aos filhos de Lia. 5 Segundo Kippenberg, Mishpaha pode ser qualificada como: 1. Grupo no qual a relação genealógica entre pais e filhos transite a descendência dos antepassados (descendência patrilinear); 2. Grupo que confere direitos corporativos de propriedade de terra distribuídas em sorteio; 3. Podem ser também unidade para a convocação de exército; 4. Grupo caracterizado pela residência comum: as diversas mispahot; 5. Grupo no qual os direitos de posse da terra são transmitidos por herança; 6. Formação de Bêt `abot (extended families) que compreendem pai com as mulheres, respectivamente concubinas, filhos casados e filhas solteiras; 7. Membros encontram-se em relação de responsabilidade mútua; 8. Possuem regras de casamento; 9. É o intermediário entre os descendentes e sua origem, e o responsável pelas festas de culto e lembranças coletivas; 10. As mishpahot integram uma tribo. Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 71 19/2/ :30:09

79 Uma preciosa observação sobre este texto nos chega por Gottwald: Parece que o texto age em dois níveis sócio-históricos: um imagina o grupo de Jacó como um bando militarizado semelhante a `apiru, ao passo que o outro nível retroprojeta a concepção de todo Israel em forma embriônica e parece decidido a avivar o relato de modo a salientar a perfídia de Simeão e Levi para explicar as sortes mais tardias dessas tribos. O nível sócio- -histórico dos `apiru protoisraelitas é determinado em 34.30, uma vez que aqui supõe-se que o grupo de Jacó é pequeno, sem aliados, como também sem qualquer condição de realizar ataques frontais sobre o sistema cananeu. É por isso que, para sobreviver, depende da conclusão de acordos com as cidades-estado, os quais sejam vantajosos quanto possível. A objeção à violação do pacto por Simeão e Levi é estratégica e tática antes que ética. (GOTTWALD, 1986, p. 525). Esse apontamento de Gottwald, que em nossa concepção dá sentido ao texto, avulta o fato de que, para sobrevivência nas terras cananeias, a permanência em regiões mais férteis era importante. Segundo o texto, a postura combativa de Simeão e Levi fez com que Jacó se colocasse novamente em uma zona de risco. Donner vem contribuir com nossas observações: O que chama a atenção neste relato é que, a partir do v. 25, Simeão e Levi são os únicos dos filhos de Jacó que são citados nominalmente. Por que exatamente eles? Isso só faz sentido se a saga originalmente se referia a essas duas tribos apenas, se ela narrava uma parte da história de Simeão e Levi em forma de saga. Será que num estágio inicial da tomada de terra Simeão e Levi realmente fizeram uma tentativa de fixar-se na região de Siquém, e será que fracassaram nisso da mesma maneira que Dã a oeste de Benjamim? Ninguém o sabe. Mas esta hipótese esclareceria várias coisas: o declínio de Simeão e Levi como tribos da tomada da terra e a posição de Issacar e Zebulom como filhos de Lia; pois se Simeão e Levi originalmente foram alguma vez nômades na parte setentrional das montanhas da Palestina Central, então, por assim dizer, se preenche a lacuna existente entre Judá e as tribos da Baixa Galileia: os filhos de Lia se aproximariam geograficamente. (DONNER, 1997, p ). Já o sucinto comentário de Dattler nos apresenta o seguinte argumento: Os planos de Jacó para se estabelecer em Siquém malograram por causa de seus filhos Simeão e Levi. Só este capítulo versa sobre a filha de Jacó; depois do episódio romântico-trágico ela desaparece da História. Jacó jamais perdoou a violência cometida pelos dois filhos, que lhe frustraram a 72 Moisés Abdon Coppe: A Tribo de Levi: considerações preliminares indd 72 19/2/ :30:09

80 esperança de poder levar uma existência sossegada na planície fértil de Siquém e que o obrigaram a suportar mais uma fuga precipitada. (DATTLER, 1984, p. 69). Como se vê, este comentário possui um teor devocional, entretanto, deixa em evidência o conflito existente. De qualquer forma, não se tem como precisar a data de composição deste texto, mas por certo, ele se configura como um relato de preservação de memória e tradição. Afirmar que o fato se deu tal como narrado é complexo, mas, ao mesmo tempo, o texto procura guardar elementos que evidenciam as disputas das tribos de Simeão e Levi na região de Siquém. Pelo menos, essa parece ser uma sugestão plausível. 4. No texto de Gênesis Este segundo texto precisa de algumas considerações preliminares. Para que elas ganhem corpo e sentido, torna-se fundamental afirmar que as evidências de um caráter tribal ganham consistência nas tradições do Primeiro Testamento. O aspecto relevante de um grupo abraâmico e de um grupo sinaítico não ofusca o papel igualmente importante de outros grupos e outras tradições das estepes, especificamente as que se localizavam no sul palestinense, ou no sul do Neguebe. Trata-se da localidade bíblica de Cades ou Cades-Barneia, que certamente deve ser procurada na atual en qedes (em cades ou cadesh). Nos textos bíblicos, é situada ora no Deserto de Parã (Nm 13.6), ora no Deserto de Zim (Números 20.1; 33, 36), ora no Deserto de Cades (Salmo 29.8). Tais divergências se explicam se considerarmos que Cades se situa longe da terra cultivada, nos limites da Terra de Israel (Nm 34), a mais ou menos 80 km ao sul de Beerseba. Trata-se de um oásis em meio a um conjunto de oásis, junto ao leito de um dos afluentes do Ribeiro do Egito, aquele vadi (vadi el-aris) do setor setentrional da Península do Sinai. Cades tanto pode designar um oásis específico quanto todo conjunto de oásis naquele vadi. (SCHWANTES, 2008, p ). Como se percebe nessa sucinta citação, que por certo pode ser ampliada mediante muitas outras informações, pode-se dizer que Cades é um conjunto de localidades tidas como significativas para as origens de Israel ao sul do Neguebe (SCHWANTES, 2008, p. 122). Esse importante apontamento de Schwantes indica, pelo menos a priori, que o grupo que preserva tradições nessa região desconhece a cidade. E corrobora: Em Cades experimenta-se, pois, a vida dentro de um coletivo maior do que a família. As interrelações sociais se dão bem mais do jeito tribal do que Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 73 19/2/ :30:09

81 familial. O horizonte é mais amplo, mais coletivo e mais interdependente. Por isso, as narrações do deserto têm como sujeito o povo de Israel, não um grupo familial, isto é, encontram-se após o êxodo, não antes dele. Por conseguinte, o nível de conflitos é maior, sendo continuamente vital encontrar o acerto para as divergências (em especial em torno da água). A sobrevivência depende do acerto no convívio. Não é, pois, por acaso que uma das fontes do oásis se chame Águas de Meribá, ou seja, local de processos, ou que Gênesis 14,7 fale de uma Fonte do Direito ou que tenhamos tanta referência processual na tradição de Cades. Em Cades, a sobrevivência coletiva necessita do acerto, do acordo, do direito, que atribui a cada qual o que é seu. (SCHWANTES, 2008, p. 126). A tribo de Levi se esboça, assim como a tribo de Simeão, em um espaço contíguo do extremo sul, do oásis de Cades Barneia, a 80 km de Beer Seba. Levi é uma tribo localizada à margem da terra cultivável, em algumas áreas de avançado processo de desertificação. Segundo Schwantes, quem aí vivia, por séculos havia exercitado sobreviver com poucos, sim, pouquíssimos recursos. Resistia às cidades militarizadas. Tratava de não pagar tributo algum. Fugia de exércitos e fiscos. Entre estes fiscos se encontra a religião de templos e instituições. 6 Assim, a tribo de Levi se encontrava em uma zona de sobrevivência e de processos, mesmo diante das dificuldades de ordem políticas inerentes à época. Dessa forma, podemos constatar com certa segurança que Levi era uma tribo de pessoas pobres, que não possuíam área agricultável, tampouco direito a qualquer sacrifício junto aos templos. No que se refere ao contexto bíblico, angariamos boas informações sobre a diferença entre os grupos que viviam entre o deserto e as matas, em áreas habitáveis para os seminômades e os de Cades. Schwantes indica essa diferença da seguinte forma: Viviam do pastoreio, da criação de ovelhas. A família era seu horizonte social. Eram grupos muito pequenos; nem formavam tribos. Os problemas internos da família e o perigo que representam as cidades são os temas principais dos textos que falam deles (Gênesis 12-50). Seu Deus é `el. Este El atua na família, em favor dela e dos mais frágeis (escravos e crianças). Tem forte ligação com o pai da casa, sendo inclusive o seu Deus. Vai com o grupo. O grupo não vai a ele em peregrinação. Os pastores de Cades, ao sul de Berseba, são diferentes dos anteriores. Cades é um oásis, bastante forte pelo que se sabe. Neste oásis era decisivo organizar as lutas ao redor da água. Deuteronômio mostra os levitas nesta função e eles têm sua origem, provavelmente aí. (SCHWANTES, 2008, p ). 6 Informações de apostila distribuída em sala de aula por SCHWANTES, Milton. A tribo de Simeón. 74 Moisés Abdon Coppe: A Tribo de Levi: considerações preliminares indd 74 19/2/ :30:09

82 Noth também aponta certa proximidade com as tribos de Rubén e Simeão, embora faça questão de frisar que a tradição deixa poucas evidências sobre a tribo de Levi e que existe uma grande dificuldade em se definir um lugar de fixação para ela (NOTH, 1966, p. 77). A aproximação com Simeão fica evidente na benção proferida por Jacó, na verdade, uma maldição. Sobre este aspecto, Noth pontua: Nas bênçãos de Jacó, as tribos de Simeão e de Levi são amaldiçoadas para que se dispersem em Israel (Gn ). Rubén também é maldito (Gn ). As maldições se referem a uma situação posterior destas tribos e mostram que a situação não foi sempre igual. Esta dispersão era condição necessária para que outras tribos pudessem instalar-se na Palestina (NOTH, 1966, p. 78). Antes da instalação das tribos ao centro da Palestina, as de Rubén, Simeão e Levi já haviam se assentado em algum lugar da Cisjordânia central. Mais tarde, por razões desconhecidas, se foram dali e se dispersaram, deixando sítios para as novas tribos. Por não sabermos exatamente onde se instalaram, a princípio, não é possível dar uma solução certa ao problema de conhecer a forma em que levaram a cabo seus assentamentos. É possível que chegaram pelo mesmo caminho que as que sucederam ao centro; em tal caso deveríamos buscar seu ponto de partida nas estepes e nos desertos que contornam o sul da Transjordânia (NOTH, 1966, p ). Importa salientar nesse ponto que as tribos tiveram trajetórias específicas e próprias. E foram múltiplas, não somente doze como nos informa a tradição. Segundo Schwantes (2008, p. 15): Cada uma segue seu próprio destino. O número doze que aparece no final é mais simbólico do que real. O número é fixo, mas quem são estas tribos é difícil de dizer. Houve mudanças. Novas tribos nasceram, outras se integraram. Diante desse argumento, é muito provável que a tribo de Levi tenha se integrado a outras maiores, embora se conserve ou se exalte a vocação sacerdotal deste grupo num momento posterior, como evidenciado pelo Deuteronômio, numa configuração pós-exílica. Na linha da citação de Schwantes, Gottwald sustenta a tese de que a organização tradicional das doze tribos foi criada por Davi para fins administrativos, a fim de recrutar o exército ou milícia de cidadãos, e possivelmente também para levantar impostos e impor a corveia. Esse esquema servia também à função sociorreligiosa. Por fim, a qualidade de membros das doze tribos é retroprojetada pela historiografia para tradições primitivas por meio de relações cambiantes entre estas duas funções um tanto discrepantes, ou seja, a administrativa e a simbólica (GOTTWALD, 1986, p. 371). Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 75 19/2/ :30:09

83 Além disso, Gottwald atesta que a lista das doze tribos de Israel não incluía Levi: Como instrumento administrativo, a lista de doze tribos sem Levi era a manifestação exata do status separado daquela tribo. Enquanto conceito religioso, a lista de doze tribos sem Levi era grosseira deformação da tremenda importância daquele grupo para o javismo. É por isso que se tornava imperioso introduzir Levi no esquema, onde foi inserido na posição entre as tribos de Lia. A ligação de Simeão e de Levi na benção tribal de Gn 49, 5-7 é que foi a base para retroprojetar o mesmo par de tribos, canhestra e inconsistente, na narrativa de Gn Não está claro se o acoplamento de Simeão-Levi em Gn antedatou ou pré-datou a revisão do sistema das doze tribos a fim de incluir Levi. A ideia de Levi ter sido outrora tribo não sacerdotal e que possuía terras é baseada em grande parte pela inserção falsa de Simeão-Levi em Gn 34. Por si só, Gn de maneira nenhuma torna indispensável que o Levi, aí condenado pela sua violência, fosse uma tribo não sacerdotal (GOTTWALD, 1986, p. 380 e 381). 7 A tribo também não é mencionada em Juízes 5, no cântico de Débora (cf. SCHWANTES, 2008, p. 16) 8, um dos textos mais antigos da Bíblia. Segundo Noth, o cântico contém certos versículos que caracterizam a conduta das distintas tribos do centro e do norte. Neste caso, pretende celebrar um acontecimento sem se preocupar em mostrar de que forma essas tribos se comportam correntemente. Assim, a exclusão da tribo de Levi e da tribo de Simeão são fatores sem muita relevância. Noth ainda aponta que o cântico pretende fazer referência às tradições do passado evidenciando a vinda de Javé, desde o Sinai, como um acontecimento que afeta todas as tribos israelitas. Celebra também a vitória sobre Sísera, embora não haja nenhuma documentação que evidencie e comprove o fato, a não ser o testemunho bíblico. Trata-se, ao ver do autor, de uma celebração de um período de assentamento, segurança e ampliação das propriedades. Deve-se supor que com o assentamento, coroa-se um trabalho de consolidação diante dos antigos habitantes da terra (NOTH, 1966, p ). 7 Ainda, segundo este autor: A catalogação de Levi numa sequência de doze tribos foi introduzida após ter caducado o sistema dravídico e após o sistema ter sido transformado da função política prática para a função simbólica religiosa. (GOTTWALD, 1986, p. 381). 8 Possivelmente, o cântico de Débora era um canto das mulheres junto aos poços de água. Sua importância: 1) Aqui, Javé, um Deus da teofania, se faz um Deus da história, sem que seja citada a memória do êxodo. É, pois, um texto decisivo para a história religiosa de Israel. 2) O tribalismo tem seu inimigo nos cananeus. Não encontra aliados entre as cidades, mas entre Jael, midianita. Aqui se vê que a luta é social, não racial nem ideológica. 3) Este Israel de Débora não consegue derrotar os cananeus, mas conquista em relação a eles alguns direitos, em especial o de ir e vir. 76 Moisés Abdon Coppe: A Tribo de Levi: considerações preliminares indd 76 19/2/ :30:09

84 Feito esse parêntese, voltamos ao texto de Gênesis e concluímos, não sistematicamente, que os elementos evidentes na estrutura do texto bíblico sugerem que a criação literária desses ditos sobre a tribo de Levi se deu em uma época mais recente da historiografia israelita (cf. WESTERMANN, p. 1987), evidenciando os possíveis envolvimentos em guerrilhas com outros povos e o fracionamento paulatino quando do ajuntamento a outras tribos. Conclusão Não tivemos por objetivo tecer um tratado sobre as tribos de Israel, mas ressaltar algumas considerações incipientes sobre a configuração tribal e estabelecer algumas reflexões específicas sobre a tribo de Levi. Nos relatos dos textos bíblicos a respeito dessa tribo, há tradições, memórias, vivências e essências de um grupo, mas não a explicação plausível do surgimento e do englobamento de Levi por outras tribos maiores. O que fica evidente é o fato de que se tratava, a princípio, de uma tribo muito pobre, sem o conhecimento das demandas da cidade e que subsistia junto ao oásis de Cades. De igual modo, percebe-se que, tardiamente, em tempos de busca moral e religiosa por parte do povo, a tribo alcançou o status vocacional sacerdotal, embora não de forma contundente. De qualquer forma, o estudo referente a essa tribo faz-nos perceber que o estudo do tribalismo tem muito ainda por onde caminhar, e hoje tem para nós o teor de um importante paradigma que visa, tão somente, à melhor humanização das pessoas num modus operandi marcado pelo viver bem, viver melhor. A força da tribo de Levi ou o que se pode constatar dela reside também em algumas lendas do povo judeu contadas por Bin Gorion. Para exemplificar as ideias presentes no imaginário judaico, citamos um trecho para nossa reflexão: A estirpe de Levi era a tribo predileta do Senhor. Deus criou os dias da semana e escolheu um, que é o Sábado. Criou os anos e escolheu um, que é o ano sabático. Criou os sete anos sabáticos e escolheu o quinquagésimo, que é o ano de jubileu. Criou os céus e escolheu uma abóbada, que é o Arawot. Deus criou os países da terra e escolheu um deles que é a Terra de Israel. Criou setenta povos e escolheu um. Criou doze tribos e escolheu uma; esta é a tribo de Levi, da qual está escrito: escolheu dentre todas as tribos de Israel, para que seja seu sacerdote. [...]. Percebes que a tribo de Levi diminui constantemente. Por que acontece isso? Porque seus filhos na tenda de recolhimento olharam frequentemente para a glória de Deus. O Senhor, porém, falou: Ninguém me olhará e continuará com vida. Mas um dia, quando eu levar a minha majestade de volta a Sião, revelarei minha Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 77 19/2/ :30:09

85 glória a todo o povo de Israel; Todos me olharão e viverão eternamente. (BIN GORION, 1980, p ). Assim, as possibilidades hermenêuticas dos textos bíblicos e da tribo de Levi, em especial, ainda continuam abertas e se desdobram em múltiplas hipóteses, intuições e contos lendários. Referências bibliográficas BIN GORION, M. Iossef. As Lendas do Povo Judeu. São Paulo: Perspectiva, CAZELLES, Henri. História Política de Israel. Desde as origens até Alexandre Magno. São Paulo: Paulinas, DATTLER, F. Gênesis. São Paulo: Paulinas, DEN BORN, A. Van. Dicionário enciclopédico da Bíblia. Petrópolis; RJ: Vozes, 1977, p DONNER, H. História de Israel e dos povos vizinhos. São Leopoldo: Sinodal, GOTTWALD, N. K. As Tribos de Iahweh: Uma sociologia da religião de Israel liberto, a.c. São Paulo: Paulinas, HARRIS, R. Laird et alit. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, KIPPENBERG, H. G. Religião e Formação de Classes na Antiga Judeia. São Paulo: Paulinas, NOTH, M. História de Israel. Barcelona: Edicciones Garriga, SCHWANTES, M. & SCHWANTES, R. Laves dos Santos. Figuras e Coisas. Meditações e ensaios para viver. São Leopoldo: Oikos, SCHWANTES, M. Breve História de Israel. São Leopoldo; RS: Oikos, SIQUEIRA, T. Machado. A vocação dos levitas. In: Anuário Litúrgico. São Bernardo do Campo: Editeo, 2007, p THIEL, W. A Sociedade de Israel. São Leopoldo, RS: Sinodal; São Paulo: Paulinas, WESTERMANN, C. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Paulinas, Moisés Abdon Coppe: A Tribo de Levi: considerações preliminares indd 78 19/2/ :30:09

86 Milton Schwantes: um horizonte teológico, um projeto, uma tarefa Milton Schwantes: a theological horizon, a project, a task Milton Schwantes: un horizonte teológico, un proyecto, una tarea Rui Josgrilberg Resumo O texto procura mostrar a existência de uma parte do legado de Milton Schwantes que se apresenta como tarefa. Um projeto inacabado, uma Teologia do Primeiro Testamento, mas delineado, deveria desafiar alguns estudiosos em prosseguir nas pistas hermenêuticas adiantadas pelos textos remanescentes e não publicados em sua maior parte. Essas pistas são delineadas aqui de modo provocativo e tentativo, no sentido de motivar novas pesquisas. Cânon e Criação recebem uma atenção especial de Milton em sua última fase. Palavras-chave: Milton Schwantes; Teologia do Primeiro Testamento; Gênesis 1-11; pistas hermenêuticas; cânon hebraico. AbstRAct The text aims to show the existence of a part of the legacy of Milton Schwantes that presents itself as a task. An unfinished project, one of the first Testament Theology, but outlined, should challenge some scholars to pursue advanced hermeneutical clues in the texts and remaining unpublished for the most part. These clues are outlined here so tantalizing and provocative, to motivate further research. Creation Canon and receive special attention of Milton in its last phase. Keywords: Milton Schwantes; Theology of the First Testament; Genesis 1-11; hermeneutical clues; Hebrew canon. Resumen El texto busca mostrar la existencia de una parte del legado de Milton Schwantes que se presenta como una tarea. Una Teología del Primer Testamento, un proyecto inacabado, pero diseñado, debería incentivar a algunos estidiosos a seguir las pistas hermenéuticas adelantadas por los textos remanecientes e inéditos, en su mayor parte. Estas pistas se describen aquí, de modo tentador y provocativo, a fin de motivar nuevas investigaciones. Canon y Creación reciben la atención especial de Milton en su última fase. Palabras clave: Milton Schwantes; Teología del Primer Testamento; Génesis 1-11; pistas hermenéuticas; canon hebreo. Introdução Após a perda de nosso querido colega queremos seguir discutindo sua proposta de uma Teologia do Primeiro Testamento. Discussão que não se inscreve como uma homenagem, mas como uma tarefa. Tarefa que penso, deve ter seguimento com algumas publicações que deixou Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 79 19/2/ :32:09

87 encaminhadas, sua tese de doutorado e levantamento de textos que compartilhava com estudantes e professores/as em seus cursos e conferências. Poucos anos antes de seus problemas de saúde aparecerem, Milton Schwantes demonstrava que estava em fermentação para um giro hermenêutico em sua abordagem da teologia do Antigo ou como ele dizia do Primeiro Testamento. 1 Depois da operação e quando recuperou a possibilidade de voltar ao trabalho, entregou-se a produzir obstinadamente uma série de textos que correspondiam mais ou menos ao seu projeto. No último Colóquio de Doutorado no Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião tive a honra de participar junto com Milton, e por várias vezes ele mencionou que estava preparando um material para uma Teologia do Primeiro Testamento. Antes do Colóquio conversamos sobre o conteúdo do mesmo. Ele usaria o material que estava escrevendo, alguns já escritos que sofreriam, possivelmente, algumas alterações; e disse-me que seria bom se eu entrasse com algumas considerações hermenêuticas. Perguntou-me se poderíamos colocar em discussão as questões levantadas por Walter Brueggemann (1997) em sua Teologia do Antigo Testamento. Ao mesmo tempo, chegamos a um acordo que seria interessante ler com os doutorandos o livro de Paul Ricoeur (2000; 2007), A memória, a história e o esquecimento. Milton estava preocupado com uma nova abordagem para uma futura Teologia do Primeiro Testamento, e falava mesmo da necessidade de uma guinada hermenêutica que estivesse à altura de novos desafios postos pela pesquisa bíblica (a crítica bíblica sofreu uma reviravolta) e pela pesquisa histórica no Oriente Médio, alimentada pela arqueologia. A maioria dos/das estudantes no Colóquio eram biblistas. Para eles/ elas, com exceções, o texto de Ricoeur foi pesado. Milton trabalhava com a Bíblia e os textos que enviava com antecedência. Seu modo de trabalhar revelava uma preocupação central com blocos narrativos (os blocos narrativos maiores conteriam livros dentro deles), chamando a atenção para as cesuras dos discursos que permitissem divisões naturais ; usava traduções do texto hebraico feitas por ele mesmo, com observações sobre expressões e palavras hebraicas. Preocupou-se muito mais pelo sentido de cada texto do que pela referência ao escritor como autor ou ao personagem como figura histórica. O personagem central é o povo. Entretanto parecia-lhe indispensável o fundo sociológico, econômico e, na medida do possível, histórico. A Bíblia Hebraica lhe parecia quase uma obra anônima, mas com autoria de um povo, o que certamente passava pelas tradições de um povo que procurava se autoafirmar como tribo ou mesmo como Estado, por uma espécie de monarquia quando as tradições 1 O seu livro, aparentemente despretensioso (SCHWANTES, 2002) parece antecipar o que seria o seu projeto. 80 Rui Josgrilberg: Milton Schwantes: um horizonte teológico, um projeto, uma tarefa indd 80 19/2/ :32:09

88 começaram a serem ordenadas. Bíblia cuja escrita final começa tardiamente, especialmente durante o segundo templo. Sua hermenêutica dava ênfase ao direito do pobre e lia nos conflitos, paradoxos e contradições a relação de Deus com esse povo pobre, mesmo quando o texto aparecia marcado pela ideologia de um Estado monárquico em formação. De qualquer modo, suas interpretações eram concretas e agudas, o texto visto pela face das afirmações e pela contra face das suspeitas. Diminuíram muito as citações de obras especializadas. Engana-se quem pensa que o acervo imenso e atualizado da literatura bíblica foi abandonado. As referências bibliográficas de Milton, embora selecionadas, eram abundantes. Mas, para a facilidade da leitura resumiu ao absolutamente essencial e ao que estava mais à mão. Jamais se permitiu sacrificar a honestidade intelectual para salvar uma interpretação. No final do curso ficou a expectativa que um trabalho, uma Teologia do Primeiro Testamento poderia vir à luz nos anos seguintes, embora tivéssemos a ideia de que o trabalho de organizar o material e dar-lhe mais clareza hermenêutica face às mudanças de rumo demandaria ainda tempo e condições mínimas de saúde. Além de obras que deixou no meio do caminho, e de alguns livros já finalizados, só os textos preparatórios para sua teologia já somam cerca de seiscentas páginas que conseguimos reunir com a ajuda de alguns estudantes (especialmente Vitor Chaves, a quem agradecemos a colaboração). Os arquivos de Milton Schwantes estão na maior parte em seus computadores e em sua biblioteca, guardados por sua esposa, a professora Dra. Rosileny Alves dos Santos Schwantes, e que deverão ser classificados e colocados a disposição da pesquisa, trabalho evidentemente que leva muito tempo. A minha contribuição aqui é dada com a consciência de que meu campo de ensino não é o Primeiro Testamento. Minha dedicação maior vai para a hermenêutica de Ricoeur, a fenomenologia de Husserl e a Teologia Sistemática. Entretanto, não ficaria com a consciência tranquila se não trouxesse para o diálogo algumas questões que emanaram do Colóquio de 2011, liderado pelo Milton e secundado por mim. Penso que posso contribuir, futuramente, com um aporte da hermenêutica de Ricoeur para uma Teologia do Primeiro Testamento no horizonte aberto por Milton Schwantes. Um novo quadro que pede um giro hermenêutico A inquietude de Milton sobre os estudos do Primeiro Testamento vinha principalmente de três lados: O primeiro, pelo colapso da teoria das fontes (Wellhausen e sucessores, e sua forma usada por von Rad (1976) e da crítica bíblica do Antigo Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 81 19/2/ :32:09

89 Testamento em geral (história das tradições com Noth e Von Rad, história da redação, crítica da forma, gêneros literários, contexto, com Gunkel, etc.). A teoria das fontes foi se desagregando e ruindo progressivamente com o trabalho, sobretudo (a) de J. van Seters (1976) revisando o personagem Abraham na história das tradições ; (b) de H.H. Schmid (1975), questionando a fonte chamada javista ; e (c), de R. Rendtorff (1977), atacando o problema das transmissões tradicionais do Pentateuco. Para muitos trata-se de uma reformulação profunda da teoria, mas ainda utilizável com reservas e sem a tentativa de minúcias classificatórias de perícopes ou blocos. Seriam indicações de tendências teológicas e não de escritores. Para Milton trata-se muito mais que um simples rearranjo da teoria, uma demolição que a tornou inútil quanto à classificação textos. A teoria, além de reflexos ideológicos (de formação do estado alemão, em Welhausen!), não era inteiramente verificável. Além de impor princípios estranhos ao texto, criam problemas artificiais e levanta uma série de perguntas que ficam sem respostas. É o que acontece com teorias factuais sem comprovação factual. Trata-se de uma hipótese que caiu quando foi examinada à luz de outras categorias. Por exemplo, escreve Schwantes (S.L. S.A), o uso de yahweh, Javé, ou de elohim, Deus não é uma questão de fontes literárias, mas de sentidos teológicos. Mesmo com o pouco que restava da teoria segundo Rendtorf (que abandona a ideia de narrativas segundo as fontes, mas fica com traços delas localizadas em fragmentos dentro das narrativas) trabalha com as grandes unidades, como as origens da humanidade, Gênesis 1-11; a saga dos patriarcas, Gênesis 12-50; a partida do Egito, Êxodo 1-15; a epopeia do Sinai, Êxodo 19-24, 32-34; a permanência no deserto, Êxodo 16-18, Números 11-20, e as narrativas da conquista, Números e Josué, que deveriam ser interpretadas como um conjunto final de escrita a muitas mãos, cujos retalhos não são mais possíveis detectar). A unidade desses blocos narrativos seria uma costura do(s) deuteronomista(s), e em menor grau do(s) cronistas(s). Rendtorf, a quem Milton nos remetia, levou-o a uma posição mais radical quanto a possibilidade de uma Teologia do Primeiro Testamento. O aspecto diacrônico das fontes (as fontes queriam representar uma evolução da fé em Israel) ruiu, e ele dizia-nos que deveríamos deixar de lado essa parte da crítica nos estudos do Primeiro Testamento e ficar apenas com os cortes naturais do texto (informação verbal)². Ele manifestou isso em aula e em conferências para estudantes e professores/as de teologia. O trabalho de Martin Noth adquiriu nova relevância nesse contexto. Noth (1981) fundiu o Tetrateuco no trabalho de um redator deuteronomista que modifica todo o quadro. As fontes variadas foram revistas e cozidas num texto com uma visão e ideologia próprias de um redator da época 82 Rui Josgrilberg: Milton Schwantes: um horizonte teológico, um projeto, uma tarefa indd 82 19/2/ :32:09

90 exílica. Ocorre que Noth mostra como o deuteronomista trabalha o material disponível com seu estilo e ideologia do qual resultou os livros de Josué a Reis e cuja composição final é recente (século 6 ). O exílio é visto como um castigo de Javé pela infidelidade do povo. A base da Torah aparece então como o Tetrateuco. O trabalho de Noth causou muita agitação. O Israel pré-monárquico encolhia muito quanto à possibilidade de veracidade histórica. Von Rad (1930) foi numa direção contrária à de Noth, afirmando um Hexateuco e fazendo teologia a partir das fontes e em torno do credo encontrado no deuteronomista (Dt ). Enquanto Noth defendia uma visão pessimista de juízo e castigo, Von Rad enfatizava a esperança. Milton manifestou várias vezes sua apreciação pela arquitetura de Von Rad, mas reconhecia muitas dificuldades com as fontes e a necessidade de revisar a historiografia deuteronomista. O seu professor H. W. Wolff sintetizou os lados opostos (Noth e Von Rad) com a mensagem de conversão implícita. Milton enfatiza a esperança como Von Rad, mas o suplementa e corrige com as abordagens sociológicas (GOTTWALD, 1989, uma de suas recorrentes referências) e arqueológica (MAZAI; FINKELS- TEIN, 2007). Apesar das dificuldades críticas, Von Rad lhe parece mais teólogo que todos os outros. O segundo movimento que lhe causa inquietação vem de seu contato com a arqueologia do Oriente Médio, especialmente de terras palestinas, particularmente os trabalhos de arqueólogos judeus que viraram do avesso a história tradicional de Israel contada a partir da Bíblia. Esses arqueólogos mostraram uma história cujo manequim era muito diferente daquele da vestimenta costurada pelo texto bíblico. Milton adquiriu gosto pela viagem aos sítios arqueológicos da região e esse contato ajudou a compreender a revolução que a arqueologia estava imprimindo na história regional. Não se tratava mais de arqueologia a partir da Bíblia com intenções de comprovação do discurso bíblico. A revolução arqueológica na história daquelas terras exigia uma refundição de tudo o que se afirmava a respeito, seja do Israel pré-monárquico seja de Israel do segundo Templo, ou do Exílio ou do judaísmo pós-exílico. A história e a arqueologia a partir da Bíblia (para comprovar o quadro histórico que ela descrevia) viam a região com lentes inadequadas. Não se trata mais de uma história bíblica ou de uma arqueologia bíblica, mas de uma história e uma arqueologia da região. A arqueologia e a história de Israel no estilo de W. F. Albright (1940) sofreram golpes irreparáveis. Assim mesmo, alguns persistem em usar a cronologia de Albright sem atentar para a nova arqueologia das terras do Levante Sul mediterrâneo. A total refundição da história que era pressuposta e subjacente ao texto bíblico causa um grande transtorno teológico. Parece que as coisas levarão algum tempo para se acomodarem novamente. Milton não abre Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 83 19/2/ :32:09

91 mão da necessidade de um fundo histórico e socioeconômico para a interpretação dos blocos narrativos, mas reconhece que não pode mais trabalhar com a diacronia tradicional. Esse fundo, para se ter alguma segurança, se reduz a grandes traços e o diacrônico bíblico se funde em muitos casos com uma hermenêutica sincrônica da redação. A arqueologia, se por uma lado mostrou como era inadequada a história bíblica e sua cronologia, por outro lado se apresentou uma aliada fundamental para se perceber melhor o fundo social, geográfico, econômico e político por trás das narrativas. O terceiro movimento da inquietação do Milton parece ter vindo das novas práticas hermenêuticas. Além do fundo social, trata-se de se ver diante de um texto e de suas possibilidades de significação teológica. Milton se mostrou muito curioso como Water Brueggemann desenvolveu sua Teologia do Antigo Testamento com a hermenêutica de Ricoeur. Essa curiosidade acadêmica não significa que aprovava ou desaprovava o trabalho de Brueggemann. Milton tentava construir seu próprio caminho. O fato de me pedir trabalhar com texto do professor da Georgia, e com ele Ricoeur, era uma tentativa de aclarar seu próprio caminho. Brueggemann, praticamente faz abstração da história (com o que não concorda Milton) como pano de fundo e se atem ao mundo e movimentos das narrativas comandadas por um princípio interpretativo fundado na ideia de processo jurídico teológico entre o povo e Javé, como indica o título mesmo de sua grande obra, Teologia do Antigo Testamento. Um juízo a Yahweh. Testemunho, disputa, defesa (conforme o título em espanhol). Voltaremos ao trabalho de Brueggemann mais adiante. É claro que no momento em que alguns alicerces tremem, agarra-se ao que está em terreno mais firme: o texto e o cânon passam para o primeiro plano como condição para se prosseguir no trabalho de intérprete teológico para as comunidades de nosso tempo. Schwantes e algumas balizas referenciais para uma possível Teologia do Primeiro Testamento Num momento de transição de princípios é preciso ter-se bem presente marcos que possam estabelecer fronteiras e bases para o caminho. Nesse ponto Milton revelava algumas delas e de maneira bastante clara, ainda que esperasse completá-las de alguma forma. Podemos tentar sumariar essas balizas, ainda que de modo apenas preparatório, conforme o que segue: O primeiro princípio hermenêutico que orienta Schwantes nos é dado pela sua tese de doutorado sobre o direito dos pobres ; o direito dos pobres é compreendido como o direito de reclamar o que lhe pertence e que lhe foi roubado. Esse é o horizonte social específico de leitura que 84 Rui Josgrilberg: Milton Schwantes: um horizonte teológico, um projeto, uma tarefa indd 84 19/2/ :32:10

92 permeia a sua exegese e teologia. O Antigo Testamento oferece um viés de leitura que vem das margens da história, das margens do grupo social, das margens do estado, que mesmo as tramas ideológicas que envolvem o texto aqui e ali não conseguem esconder. Quando indagado, em entrevista em 2001, sobre a publicação de sua tese doutoral, respondeu Sim, o título em português será este, mas ainda não consegui publicar a tese no Brasil. Está em alemão, Das Recht der Armen (SCHWANTES, 1977), tendo sido publicada por uma editora de Frankfurt. A tese aborda o sentido social do conceito pobre. O que é sociologicamente o pobre e em que sentido ele tem direito? O que quer dizer, neste caso, direito? Direito, no caso da cultura semita, significa aquilo que corresponde a alguém que tem necessidade de obter coisas da sociedade. Este seria o significado político do termo hebraico que costumamos traduzir por direito. O pobre tem, pois, o direito também de receber comida e uma terra da sociedade. O direito é o de obter da sociedade o apoio na necessidade e na crise, em meio aos parentes e à comunidade. Igualmente quis saber quem são exatamente os pobres. O termo pobre é usado no Antigo Testamento e na Bíblia de modo diferente do que nós o usamos. Nós damos aos pobres o sentido de carentes. A Bíblia o entende como os que têm o direito de reivindicar os direitos sociais garantidos. Na tradição bíblica, um pobre não pede (não é pedinte), mas exige sua parcela da sociedade. 2 O segundo marco interpretativo para nosso autor é o diálogo com as comunidades colocadas à margem. Seu cuidado com a fragilidade e a força dessas comunidades é constante e exemplar. Preocupado com o impacto que as dificuldades históricas da Bíblia poderia causar nas comunidades ele se pergunta: Como podemos solucionar este problema na pastoral bíblica, sem negar a ciência histórica e sem ferir a fé do povo? (SCHWANTES, 2008, p. 11 e 17) e mais adiante: Em minha experiência é muito importante ler o texto bíblico na comunidade, com o povo... não se trata de substituir o texto por dados da investigação histórica, mas sim, de ir iluminando a leitura comunitária e popular do texto bíblico, dessa memória profética e transformadora, com descobertas da ciência histórica, na medida do interesse e das possibilidades da comunidade (SCHWANTES, S.A.). E ainda numa conferência: Por contar luchas populares la Biblia se diferencia de narraciones históricas o de discursos coherentes. Como libro de las luchas populares sus narraciones siguen el ritmo y la lógica populares. Esto implica, entre otras cosas, el que haya un vaivén incesante entre el pasado y el presente y una mezcla genial entre lo que es más antiguo y lo que es más relevante, de suerte que el A.T. 2 Em entrevista a alunos de Teologia e reproduzida em vários sites na rede. Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 85 19/2/ :32:10

93 inicia por uno de sus textos más recientes (Gn a es del siglo 6º) y el N.T. comienza con un evangelio que ciertamente no es el más antiguo, etc.. Como libro de memoria popular, la Biblia sigue patrones culturales propios, que la investigación bíblica comienza a describir (informação verbal). De outro lado, o modo de pensar e interpretar de Milton não abre mão da história. Alguns intérpretes contemporâneos se refugiam no texto, no mundo do texto, na mensagem do texto, independentemente da história dos historiadores. Esse não é o caminho de nosso autor. Ele aponta no discurso bíblico traços de história (sem se alinhar aos minimalistas ou aos maximalistas em relação ao conteúdo histórico do texto bíblico) o que provoca uma tensão entre texto e história. Sobre esse tema coligimos uma citação longa, mas esclarecedora: Textos-historia: tensiones. La Escritura cuenta la historia. Sus narraciones hablan de episodios pasados para animar a los oyentes presentes. Si bien tienden a volver más al presente, jamás se despegan de los episodios pasados. No son documentos de los hechos en sí, ni son meros discursos ideologizados. Se encuentran en la conjunción de los episodios pasados con los oyentes presentes. Esta dinámica al interior de la Escritura es palpitante para nosotros: si fuera solamente un documento ya estaría enterrado en las arenas del oriente medio; si fuese solamente un discurso habría permanecido en bibliotecas exclusivas para intelectuales. Por concatenar las luchas populares de diferentes épocas, estamos invitados a ingresar en este camino de práctica liberadora. Esta dinámica peculiar de la Biblia de lidiar con el pasado, hace que se abran delante de nosotros, dos posibilidades para encaminarnos a nuestra pregunta respecto de la cuestión agraria: Primero: podríamos atenernos al texto bíblico, pasando a describir nuestra temática en el contexto de los grandes bloques literarios. Hablaríamos, entonces, de la tierra en las narraciones sobre los orígenes (Gn 1-11), en las Historias de los Patriarcas (Gn 12-50), en los Profetas del siglo 8º (Os, Am, Is, Miq.), etc... La ventaja consistiría en mantenernos próximos a los textos, pero correríamos el peligro de no ubicarlos en la historia. Segundo: podríamos sujetarnos a los grandes periodos de la historia del pueblo de Israel. Hablaríamos, entonces, de la tierra en la época de hegemonía egipcia, del tribalismo yavista, etc. Correríamos el peligro de distanciarnos un poco de los textos, con la ventaja de mantenernos en la concreción histórica de las experiencias. Propongo encaminarnos por la segunda posibilidad. Pues, la explicación del telón de fondo histórico ayuda, por un lado, a materializar nuestra temáti- 86 Rui Josgrilberg: Milton Schwantes: um horizonte teológico, um projeto, uma tarefa indd 86 19/2/ :32:10

94 ca y, por otro lado, crea barreras contra el literalismo bíblico que tiende a distanciar a los cristianos de las luchas populares (SCHWANTES, 2004). 3 Essa citação aponta para a significação em meio a discordância e discrepância entre o texto-história e o texto bíblico, significação que deve ser buscada na própria tensão. Mesmo quando os textos não são históricos trata-se de um modo de interpretar a história de um ponto de vista específico. É necessário entender as tradições iniciadas pelos pobres sofrendo constantes revisões. O autor inicial é o povo. Raramente sabemos quem é o autor. Ao mesmo tempo, necessitamos do contexto sócio-histórico para interpretá-las. Uma hermenêutica do autor fica gravemente comprometida. A arqueologia do Levante Sul, ou das terras do Oriente Próximo levada a efeito pelos arqueólogos judeus, especialmente (como os da escola de Tel Aviv), são de extraordinária relevância para se repensar a história, as categorias sociais, a economia, e as relações entre os povos da região. Embora haja ainda debates sobre o modo como o texto bíblico se relaciona com a história e o que pode ser visto ainda como sedimentos históricos, é incontornável enfrentar-se à nova problemática (SCHWANTES, 2008, p. 17). Milton propõe uma revisão da importância dada ao bloco de Gênesis 1-11, vendo nessas narrativas um papel decisivo e fornecendo o horizonte para a Teologia do Primeiro Testamento. Como ele dizia, trata-se da porta de entrada no texto bíblico canônico (e nos lembrava como ficou impactado pelo modo que alguns rabinos relacionavam a criação com a Torah 4 como um todo. Trata-se de um texto recente (século 6 a.c.; o texto pode ser bem situado em relação ao exílio e pós-exílio). O importante é mostrar que se está no mundo e na história com Deus junto com o todo da humanidade. É o presente que lê o passado, como nos ensina Marc Bloch, o grande historiador de Estrasburgo; é a história de frente para trás para dizer o modo de como o passado entra no presente. Para nosso teólogo, Gênesis 1-11 tem um caráter paradigmático na hermenêutica bíblica. Embora os fatos não sejam históricos em termos de ciência histórica (o mundo não foi criado em seis dias, Adão e Eva não foram os primeiros a pisarem a terra, os povos falaram desde o início várias línguas), a tensão criada nos aponta para a importância do modo como o povo bíblico lê a história: a questão do sentido salta à frente quando o acontecimento não pode ser mais descrito. A sedimentação narrativa que provoca o sentido já era suficiente na época da redação do bloco para que o sentido se projetasse sobre a Bíblia como um todo. 3 Sobre o tema ver o livro do judeu Levenson (1994). 4 Sobre o tema ver o livro de Levenson (1988). Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 87 19/2/ :32:10

95 Além disso, Gênesis 1-11, história genealógica do mundo e das famílias (o livro de Gênesis possui uma divisão natural em blocos narrativos baseados em genealogias, nos ensina Milton) que antecederam o Reino, mostra a universalidade de Deus e contrasta com os riscos da soberba, injustiça e particularismos messiânicos da monarquia. A simbologia mostra uma mensagem de que os projetos de esperança que nascem com Deus não se conformam com os projetos civilizatórios de monarcas. 5 Ao propor esse novo caminho Milton necessita romper com alguns princípios propostos por Von Rad. Esse horizonte da criação, porém, não é uma descoberta de Milton. Alguns já tinham acenado para ele como Zimmerli, Anderson, e, especialmente, Hans Heinrich Schmid (1984 apud ANDERSON, 1984), que entre outras obras sobre o tema, escreveu um ensaio traduzido para o inglês com o título Creation, Righteousness, and Salvation: Creation Theology as the Broad Horizon of Biblical Theology. 6 Outro marco viria da renúncia da leitura histórica tradicional do Antigo Testamento como uma sequência de eventos ou como uma história da salvação (patriarcas, Êxodo, conquista, juízes, monarquia, profetas, exílio, pós-exílio) escrita a partir das narrativas bíblicas. Outras categorias devem ser mais úteis e mais abrangentes socialmente (e que não pretendam refletir uma diacronia histórica precisa). A projeção histórica feita a partir do século 7 a.c. quando os livros são escritos e ordenados, com tintas de antecedentes ideológicos da monarquia, aponta mais para uma compreensão dos movimentos sociais que uma preocupação de enquadramento cronológico de eventos. Assim a preferência por uma história geográfica e sociológica se impõe. Categorias novas passam à frente, como tribalismo e populações nativas, nomadismo e migração, camponeses e pastores, montanha e planície, colonização e ocupação, tributarismo e império, cidades-estados e aldeias, deserto e beduínos, êxodos e exílios, domínio e libertação, genealogias e dinastias, etc... Embora remodelado e ampliado na narrativa o Êxodo, vinculado literariamente à tradição de Javé, o deus da montanha, continua como centro disseminador de sentido para todo o Pentateuco. O texto canônico da Bíblia Hebraica é alçado para o primeiro plano. Não começa com o micro da crítica, mas com o macro do cânon. Opta 5 Sobre o tema ver Schwantes (2002) e o texto Uma teologia do primeiro Testamento, distribuído entre os estudantes e professores, especialmente a secção 1.1 Gênesis como entorno da Torah, onde se lê: Gênesis 1-11 traça, pois, o horizonte da Bíblia; vislumbra seu horizonte em meio e entre os povos. A escolha de um povo expressa, em seu reverso, também o encontro com todos os povos. 6 B. W. Anderson (1967) escrevera um influente livro com o título Creation versus Chaos. The Reinterpretaton of the Mytical Symbolism in the Bible, no qual já estendia a importância da criação para compreensão do credo de Dt, da Aliança, da história como um todo e da consumação. Ver também Reventlow (2002). 88 Rui Josgrilberg: Milton Schwantes: um horizonte teológico, um projeto, uma tarefa indd 88 19/2/ :32:10

96 pelo cânon da Bíblia Hebraica. Talvez por apresentar maior unidade enquanto um todo. É o lugar seguro para navegar teologicamente ainda que dependamos do que acontece na costa para que a viagem seja possível e necessitemos de referências para orientar-nos na viagem. O cânon Hebraico, Torah Nebi im we Ketubim (Torah, profetas e escritos), fornece o fio condutor (não a crítica, não a cronologia histórica, não o cânon dentro do cânon. 7 Trata-se de uma teologia exegética do cânon, seguindo as divisões naturais deste, e reconhecendo as cesuras cômodas que o próprio texto permite reconhecer. Quase que poderíamos falar de uma verdadeira corrida para o cânon na teologia do Antigo Testamento. Milton estava muito interessado nessa questão. Parecia-lhe essencial descobrir a intencionalidade formadora do cânon. Esse esforço foi precedido por exegetas como Breward Childs (1985; 1995), por Jon Leveson (1992), judeu da Universidade de Harvard, por Rolf Rendtorf (1991), entre outros. Milton já havia percebido como a sabedoria em Israel pré e pós-monárquica acentuaram fortemente o quadro da criação como algo universal. Ele deixou muitas observações de que segundo ele a intencionalidade do cânon poderia ser encontrada na porta de entrada canônica da Bíblia, Gênesis Em um de seus textos programáticos Uma Teologia do Primeiro Testamento ele, caracterizando a Teologia que estou propondo, escreve de forma a não deixar dúvidas, que Gênesis 1-11 é o entorno da Torah. E completa: se este ponto de partida estiver adequado, então os primeiros onze capítulos do Gênesis (1.1 até 11.25) deixam de ser pré-histórico, mas são contínua referência para todos os conteúdos da lei, quiçá da Bíblia. O tema não são, pois, as origens e os começos pre-históricos, mas os continuados horizontes da torah, sim da própria Bíblia Hebraica. Escreve ainda que, nesse sentido, Gênesis 1-11 abrem a torah com a visão da própria da finalização da história de Israel. Sem a humanidade suas peregrinações (de Israel) se tornam como que sem horizonte E diz projetivamente: Para delinear a tarefa de Gênesis 1-11 proponho descrever estes capítulos como entorno da Torah, como horizonte dos conteúdos da trajetória teológica de Israel.... Gênesis 1-11 traça pois o horizonte da Bíblia; vislumbra seu horizonte em meio e entre os povos. A escolha de um povo expressa, em seu reverso, também o encontro com todos os povos (informação verbal). Esse é o horizonte de sua teologia. O resultado será uma interpretação teológica mais livre no texto, mas com uma preparação linguística, sócio- -histórica que seja instrumental. Hermenêutica do texto associada com uma 7 Curiosamente, muito semelhante à posição de Bonhoeffer na relação da crítica com o cânon, ver A Resposta às nossas Perguntas. Reflexões sobre a Bíblia. Loyola: São Paulo, p. 16. Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 89 19/2/ :32:10

97 hermenêutica do/a leitor/a. Menos sistemática, menos estrutural, menos dependente de recursos não controláveis por um leitor capaz de ler bem a língua portuguesa. Por isso deve gerar reflexos na comunidade de fé. Segundo Milton, as implicações das narrativas da criação e da formação dos povos, o dilúvio e Babel, são decisivos para todos os blocos da Bíblia. Chegou a nos dar algumas pinceladas dessas implicações. Mas, isso seria um tema para uma discussão mais prolongada e um diálogo com diferentes vozes. Estava também interessado em compreender melhor o processo de produção dos textos em rolos e folhas de pergaminho e papiro e como isso teria influenciado a junção de diferentes fragmentos e narrativas (SCHNIEDEWIND, 2004). Na conclusão da primeira seção de Uma Teologia do primeiro Testamento escreve: Isto equivale a postular uma teologia do primeiro testamento que se achegue ao jeito dos textos. É verdade, não é fácil afirmar de que jeito são estes textos reunidos nas três partes da Bíblia Hebraica. Isso se deve ao fato de que o modo de fazer livros foi sendo diferente de tempos em tempos. Os Escritos/ketubim, por exemplo, nos permitem perceber que os respectivos livros tanto podem ser extensos, como o de Crônicas, mas também muito breves como o de Rute. Houve, pois, tempos, no caso em épocas tardias, que a técnica de confecção e encadernação de livros permitia a variação de seus tamanhos. Mas, certamente, também se teve a experiência, em que isso se tornou particularmente difícil, como atestam os cinco livros da lei. Mas, o que de todo modo importa, é que se sabia e se seguia diferentes práticas em períodos históricos diferentes. De todo modo, já em tempos finais da monarquia, visivelmente tornou-se viável manter pequenos livros diferenciados de outros, como evidencia a coleção dos Doze Profetas Menores (Oséias até Malaquias). Assim sendo não há de ser um desserviço à leitura bíblica que tomemos os livros, as entidades literárias, como referentes para uma Teologia do Primeiro Testamento. Estas marcas não significam um sacrificium intellectus. Mais teologia menos crítica, mais hermenêutica, menos história, não significa nenhuma crítica ou nenhuma história. A teologia tem que ser uma teologia honesta intelectualmente. Os grandes conjuntos narrativos e as suas dobras em diferentes painéis são agora tratados primeiramente como matéria prima da teologia sendo que a crítica e o fundo histórico não devem ser obstáculos para que as afirmações de fé e de esperança não passem ao primeiro plano. Hermenêutica do texto seguida de hermenêutica do/a leitor/a (recepção) é um procedimento mais adequado à retórica textual. 90 Rui Josgrilberg: Milton Schwantes: um horizonte teológico, um projeto, uma tarefa indd 90 19/2/ :32:10

98 Com Von Rad olhando além dele... Em seu texto programático já citado, o Para uma Teologia do Primeiro Testamento 8, Milton planeja uma retrospectiva das teologias precedentes mais importantes. Dá indicações sobre o que seria a análise da Teologia do Antigo Testamento de Köhler, Eichrodt, Von Rad, Westermann, Zimmerli. Gerstenberg e Brüggemann fazem parte da recensão, mas ele apenas abriu uma seção com estes dois nomes, sem mais nada, ficando claro que pretendia redigir o texto posteriormente. Essa retrospectiva acabaria fatalmente na polaridade Eichrodt/Von Rad, apesar da importância dos outros teólogos mencionados. Ambos vêm na esteira de Albrecht Alt (Javé) e Martin Noth (Aliança) como motivadores de princípios organizadores. Eichrodt articula sua obra em torno da Aliança como centro de identidade de Israel e de sua teologia. Von Rad certamente significava para ele o mais importante teólogo do Antigo Testamento no século 20. Influenciado por Alt e Noth, Von Rad segue um caminho próprio detectando no período pré-monárquico e tribal uma confissão de fé modeladora das tradições de Israel (Dt ). A teologia é interpretada como um desenvolvimento dessa confissão num processo de tradições em diferentes lugares e épocas. O Pentateuco seria, de fato, um Hexateuco que cobriria uma expansão do credo desde as promessas da terra (Gênesis) até o assentamento das tribos (Josué). Essa teologia é de corte fundamentalmente narrativo e não conceitual. Segundo Von Rad, para controlar essa narrativa a crítica e a história se tornam absolutamente necessárias. Mas o peso recai no lado da teologia e não da crítica. Porém, Von Rad em um ensaio sobre o problema teológico da fé na criação (1936) toma uma posição muito reservada quanto à importância da criação na fé de Israel. Milton vai para outra direção. Além disso, via essa questão em seu tempo contaminada pelos olhos da história comparada das religiões e pouca atenção ao conteúdo propriamente teológico. 8 Não me lembro de ouvir um esclarecimento sobre a preferência de Milton por Primeiro Testamento em lugar do tradicional Antigo Testamento. Mas, parece óbvio que queria ler essa parte da Bíblia como Bíblia de todos e em sua unidade primeira do cânon da Bíblia Hebraica. E também se mostrava muito sensível ao diálogo com teólogos judeus. Cf. Zenger (2000, p ): En recientes publicaciones cada vez se habla más del «Primer Testamento». Esta nueva designación es fruto de una profunda reflexión llevada a cabo durante la última década por no pocos biblistas y teólogos. La pregunta que éstos se hacen es: cuando calificamos la primera parte de la Biblia cristiana de «Antiguo» Testamento, no mostramos un desconocimiento de su función básica y fundamental? El autor del presente artículo pretende poner de relieve el auténtico significado del «Primer» Testamento. El artículo da de sí mucho más de lo que su título, con ser incitante, promete. En realidad, lo que aquí está en juego es todo el significado de la Biblia como Revelación de la acción salvífica de Dios que escoge un pueblo y hace una Alianza permanente con Israel ( Pues los dones y la llamada de Dios son irrevocables, Rm 11,29) y como Palabra definitiva de Dios en Jesús (... en los últimos tiempos nos habló por medio de su Hijo, Hb 1,2). Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 91 19/2/ :32:10

99 Bruegemann não trabalha em oposição nem a Eichrodt, nem a Von Rad, mas propõe outro caminho baseado no texto, no Cânon, e relativizando a crítica e os detalhes históricos e cronológicos. Importa mais os grandes mosaicos cujo sentido exige certo distanciamento dos detalhes. Apropria- -se da hermenêutica de Ricoeur voltada para o texto como tal. Suas categorias principais são testemunho, memória, metáfora, imaginação, trama, história e historicidade, etc.; sua Teologia do Antigo Testamento opera com essas categorias de Aliança e de Querigma, mas num quadro metafórico e imaginário de uma contínua disputa entre Deus e o ser humano no juízo e fórum da história. Esse entorno, para usar a expressão de Milton, do juízo entre Deus e povo é levado até o Novo Testamento, no julgamento de Jesus. A variedade, diferença e conflito entre os testemunhos narrados são assumidos como normais e apresenta uma pluralidade de testemunhos e de interpretação que é imanente à Bíblia. Toda obra de Bruggemann é o desdobramento dessa variedade de testemunhos que falam a favor ou contra os litigantes. A Bíblia é fonte de sentido de um modo único: nasce do confronto vivido e testemunhado do encontro de Deus com a humanidade. Nessa trama de testemunhos a Bíblia se torna mensagem. A análise das narrativas é essencial: trata-se de desentranhar o sentido a partir de dentro. Trabalha com certa proximidade de Von Rad e mostra simpatia por uma visão confessional e querigmática dos dois testamentos. A marca distintiva da obra de Bruggemann é sua decisiva incorporação da nova hermenêutica, especialmente a desenvolvida por Paul Ricoeur. Milton procurou seu próprio caminho hermenêutico e se apropriava a seu modo de categorias hermenêuticas. Também estava preocupado em desentranhar o sentido a partir de dentro. Demonstrou, durante o mencionado Colóquio, simpatia por algumas categorias de Ricoeur, como a de política de memória. Um de seus objetivos era o de não perder o entorno de todos os povos da terra. A vocação judaica se lhe afigurava progressivamente universal, mas deturpada por ideologias, especialmente ligadas às pretensões monárquicas. Deixou algumas indicações sobre a abertura para o Segundo Testamento. A estrutura da criação universal, dos povos, de Adão, do pecado e do juízo, passa para o Testamento em torno de Jesus, como o novo Adão, as primícias da nova criatura em Paulo, da nova comunidade de fé, da nova cidade e da nova humanidade estão bem delineadas no Segundo Testamento. Milton recordou-nos a antiga tradição que vincula o Gênesis ao Apocalipse, um começa a Bíblia com a criação e o outro conclui com o novo céu e a nova terra (Gn 1-11; Ap 21 e 22). Parece que ficou claro para ele que não há salvação sem a criação. 9 Uma tarefa que está por ser feita é deslindar como esta estrutura de Gênesis 1-11 se entrelaça com os ricos comentários que Milton fazia 9 É curioso que essa visão está presente também, e de forma surpreendente, em autores que quase nada têm com a postura hermenêutica contemporânea, como John Wesley. A respeito ver o livro de Runyon (2002). 92 Rui Josgrilberg: Milton Schwantes: um horizonte teológico, um projeto, uma tarefa indd 92 19/2/ :32:10

100 dos diferentes blocos narrativos. Ele tinha preparado minuciosamente esses blocos narrativos do Primeiro Testamento, a partir do próprio texto e buscando para cada sentido formador do bloco o fundo sociológico e histórico. Tudo parece ser conduzido por ele como um diálogo de concordâncias e discordâncias com Von Rad. Estas breves considerações visam colocar sobre a mesa alguns pontos para discussão e mesmo dialogar sobre a possibilidade de seguirmos aprofundando o tema. Talvez possamos esperar que os textos que Milton Schwantes deixou em meio do caminho venham a ser publicados. A morte não leva consigo a lembrança e o pensamento. Quando o pensamento é bom, vale a pena seguir adiante com ele. Referências bibliográficas ALBRIGHT, W. F., From de Stone Age to Christianity,, Anchor Books, ANDERSON, B. W. Creation versus Chaos. The Reinterpretaton of the Mytical Symbolism in the Bible. New York: Association Press, BRUEGGEMANN, W. Teología del Antiguo Testamento. Un Juício a Yahvé. Barcelona: Ediciones Sígueme, Theology of the Old Testament. Testimony, Dispute, Advocacy. Minneapolis: Augsburg Fortress, CASSUTO, U. The Documentary Hypothesis and the Composition of the Pentateuch Tradução de I. Abrahams. Jerusalem: Magnes, CHILDS, B. Old Testament Theology in a Canonical Context. Philadelphia, Fortress, CROSS, F. Canaanite Myth and Hebrew Epic. Essays in the History of the Religion of Israel, Cambridge, Mass & London: Harvard University Press, FINKELSTEIN, I., Mazar, A. The Quest for the Historical Israel. Debating Archaeology and the History of Early Israel. Brill Leiden, Boston, Society of Biblical Literature; GOTTWALD, N. Las Tribos de Yhaveh, Barranquilla, Seminario Teológico Presbiteriano, Há edição em português. LEVENSON, J. Creation and the persistence of Evil: The Jewish Drama of Divine Omnipotence. New Jersey: Princenton Univ. Press, Creation and the persistence of Evil. San Francisco: Harper and Row The Hebrew Bible. The Old Testament and Historical Criticism. Louisville, Westminster/John Knox, M. Noth, Überlieferungsgeschichte des Pentateuch. Stuttgart: Kohlhammer, 1948 (1. ed. 1943) The Deuteronomistic History. Sheffield: JSOLT, Supplement, NIELSEN. The Traditio-Historical Study of the Pentateuch since 1945, with Special Emphasis on Scandinavia. In: JEPPESEN, K.; OLZEN, B. (Ed). The Production of Time. Tradition History in Old Testament Scholarship, Sheffield, 1984, p Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 93 19/2/ :32:10

101 NOBLE, P. R. The Canonical Approach: A Critical Reconstruction of the Hermeneutics of Breward Childs. Leiden: Noth cf The History of Israel s Traditions. The Heritage of Martin Noth ed. Por Steven L. McKenzie e M. Patrick Graham Journal for the Study of the Old Testament Supplement Series 182, Sheffield, RAD, G. von. Estudios sobre el antiguo Testamento., Salamanca: Sígueme Rendtorf, R. Kanon und Theologie. Neukirchen-Vluyn, RENDTORFF, R. Das überlieferungsgeschichtliche Problem des Pentateuch. In: BZAW, vol. 147,Walthe de Gruyter, Berlin, New York, The Problem of the Transmission in the Pentateuch. Sheffield: JSOT Suppl. Series 89,, REVENTLOW H. G.; HOFFMAN Y. (Ed.). Creation in Jewish and Christian Tradition. JOST Series 319. Sheffield, RICOEUR, P. A memória, a história e o esquecimento. Campinas: Unicamp, La mémoire, l histoire, l oubli. Paris : Éditions Du Seuil, RUNYON, T. A Nova Criação. A Teologia de João Wesley Hoje. São Bernardo do Campo: Editeo, SCHMID, H. H. Creation, righteousness, and salvation: Creation Theology as the Broad Horizon of Biblical Theology. In: ANDERSON, B. W. (Ed), Creation in the Old Testament, Philadelphia, 1984, p Der sogenannte Jahwist. Zürich, 1976; SCHNIEDEWIND, W. M. How the Bible Became a Book. The Textualization of Ancient Israel. University of California, Los Angeles: Cambridge University Press, SCHWANTES, M. Pueblo liberado, tierra rescatada (2004). Disponível em: < Acesso em: 12 out Breve história de Israel. São Leopoldo: Oikos Editora, Das Recht der Armen. Frankfurt: Peter Lang Verlag, Projetos de esperança. Meditações de Gênesis São Paulo: Paulinas, SETERS, J. van. Abraham in History and Tradition, New Haven, London, 1975; VON RAD, G. Das Geschichtsbild des chronistischen Werkes (BWANT, 4/3), ZENGER, E. El Significado Fundamental del Primer Testamento. Interpretación cristiano-judía de la biblia después de Auschwitz. In: Selecciones de Teología, vol. 156, p (2000). 94 Rui Josgrilberg: Milton Schwantes: um horizonte teológico, um projeto, uma tarefa indd 94 19/2/ :32:10

102 O olhar de quem sabe amar : aspectos da teologia ecumênica e sociopolítica de Milton Schwantes La mirada de quien sabe amar : aspectos de la teología ecuménica y sociopolítica de Milton Schwantes The vision of one who knows to love : aspects of the ecumenical and sociopolitical theology of Milton Schwantes Claudio de Oliveria Ribeiro Resumo Este ensaio pontua aspectos eventualmente relevantes para futuras pesquisas sobre o pensamento teológico de Milton Schwantes, com destaque para suas reflexões ecumênicas e de ênfases sociais e políticas. Tais reflexões estão articuladas com os esforços exegéticos que o autor efetuou ao longo de sua trajetória como pesquisador. Em torno da participação de Schwantes no Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI), em especial os escritos na renomada revista Tempo e Presença, estão indicadas algumas ênfases de seu pensamento, organizadas em três polos importantes para a revisão do método teológico. São eles: a tensão entre os pobres a as instituições eclesiais, a tensão ente as dimensões popular e acadêmica no tocante à leitura bíblica e a tensão entre racionalidade e subjetividade que tem marcado o debate teológico nos dias de hoje. Palavras-chave: Schwantes; ecumenismo; fé e política; teologia social. AbstRAct This essay points out some aspects that may be relevant for future research on the theological thinking of Milton Schwantes, especially his reflections on ecumenical, social, and political issues. Such reflections are articulated with the exegetical efforts that the author has made throughout his career as a research professor. Based on the participation of Schwantes in the affords of the Ecumenical Center for Documentation and Information (CEDI), especially those written in the renowned magazine Time and Attendance, (Tempo e presence) are indicated some of his emphasis. They are organized considering three major points for the revision of the theological method: the tension between the poor and the ecclesial institutions, the tension between the popular and academic dimensions of the the Bible reading and the tension between rationality and subjectivity which marks the theological debate today. Keywords: Schwantes; ecumenism; faith and politics; social theology. Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 95 19/2/ :35:55

103 Resumen Este ensayo señala los aspectos que puedan ser relevantes para futuras investigaciones sobre el pensamiento teológico de Milton Schwantes, espe- cialmente sus reflexiones ecuménicas con énfasis sociales y políticos. Tales reflexiones se articulan con los esfuerzos exegéticos que el autor realizó a lo largo de su carrera como investigador. Alrededor de la participación de Schwantes en el trabajo del Centro Ecuménico de Documentación e Información (CEDI), en especial sus escritos en la renombrada revista Tempo e presença, se indican algunos énfasis de su pensamiento, organizados en tres polos importantes para la revisión del método teológico. Son: la tensión entre los pobres y las instituciones eclesiales, la tensión entre la dimensión popular y académica de la lectura de la Biblia y la tensión entre racionalidad y subjetividad que ha marcado el debate teológico hoy en día. Palabras clave: Schwantes; ecumenismo; fe y política; teología social. O olhar de quem sabe amar, Tem poder pra terra semear. Pega no arado sem olhar pra trás, Não se cansa da vida esperançar. (Chico Esvael, canção evangélica) Eu ouvi o clamor do meu povo (Êxodo 3.7) Considerações iniciais O meu primeiro contato com Milton Schwantes foi por meio de seus livros. Eu era estudante de teologia, em 1981, e fiquei encantado com dois livretos amarelinhos organizados por ele e publicados pelo Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI) com os títulos Tradição Mosaica e Clamores. Tempos depois, ainda muito jovem, tive o prazer de trabalhar com ele no Programa de Assessoria à Pastoral, do mesmo CEDI, e aprendi muitas coisas, especialmente o valor dado ao trabalho ecumênico nas comunidades eclesiais de base, onde atuamos juntos em vários momentos. Quando voltei a trabalhar com ele, na tarefa docente, na Faculdade de Teologia e no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, conheci o mesmo Milton: crítico, mas gentil; contundente, mas amoroso; sofisticado nas análises científicas, mas simples na comunicação do Evangelho e na vivência cotidiana. Quando ele faleceu, eu chorei. Esse quadro mostra que a análise acadêmica que desejo fazer nessas linhas são a meu ver como devem ser mesmo as avaliações científicas: com uma dose razoável e adequada de subjetividade. Então, inventei um método, um caminho, uma trilha particular para avaliar o legado de Milton Schwantes. Selecionei três anos de minha vida onde minhas concepções políticas e teológicas estavam em grande efervescência, marcadas por crises e questionamentos. Escolhi os anos de 1988 a Claudio de Oliveria Ribeiro: O olhar de quem sabe amar : indd 96 19/2/ :35:55

104 Para os bons entendedores, as razões dessa escolha logo ficarão explícitas. Eu podia confiar nas minhas próprias convicções daquela época, pois elas tinham menos de 30 anos e a minha inclinação e aprendizado eram apenas não confiar em ninguém com mais de trinta anos ou trinta cruzeiros, como dizia a canção popular. Mesmo assim, havia desde então uma série de inquietações com o futuro dos meus sonhos: com o socialismo, com a igreja popular, com um mundo de paz e de justiça. O que Milton já nos/me teria dito nessa época? De que ele alimentava a minha esperança e o que ele dizia que pudesse me ajudar a colocar os pés no chão e caminhar em direção aos sonhos de Deus? Escolhido o período, faltava agora a fonte; e fui vasculhar a renomada revista ecumênica Tempo e Presença, publicada também pelo CEDI. Nela, Milton deu uma substancial contribuição, articulando o movimento bíblico e uma nova geração de biblistas e chamando a atenção de diferentes grupos para os sinais dos tempos. Optei por não recorrer aos livros, que, como sabemos, representam outro tesouro incalculável. O recurso à revista Tempo e Presença foi feito com a pressuposição de que Schwantes era um teólogo da liberdade e os espaços ecumênicos favoreciam o seu trabalho e sua contribuição teórica. Com isso, quero destacar o lado ecumênico e de crítica social de Milton Schwantes. Outros certamente avaliaram o seu legado a partir da teologia bíblica e dos exercícios exegéticos. Foi um passeio encantador pelas páginas da revista, sendo impossível atentar somente para os textos do Milton. Ao folhear cada número, revi ícones dos movimentos sociais, políticos e eclesiais fazendo suas análises do período, a partir de temas de ponta da conjuntura social e religiosa, que me trouxeram grata recordação e desafios após quase um quarto de século. E, para aumentar a dose de subjetividade, ainda pude encontrar o primeiro artigo que publiquei: Ecumenismo, Solidariedade e Esperança, uma avaliação do Sétimo Encontro Intereclesial de Comunidades Eclesiais de Base (TP, jul 1989, p ). Diante dessa metodologia, saí à procura de «pérolas» de Milton que pudessem ilustrar sua intervenção social como teólogo e seu compromisso com uma visão ecumênica, popular e crítica da teologia. Organizei os conteúdos em três polos que considero importantes para a revisão do método teológico, tarefa na qual tenho me debruçado nos últimos tempos. Priorizei a tensão entre os pobres a as instituições eclesiais, a tensão ente as dimensões popular e acadêmica no tocante à leitura bíblica e a tensão entre racionalidade e subjetividade que tem marcado o debate teológico nos dias de hoje. Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 97 19/2/ :35:55

105 1. A tensão entre os pobres e as instituições eclesiais O casamento entre a espiritualidade bíblica e a teologia, historicamente, foi marcado mais por dissabores e conflitos do que por uma aproximação harmoniosa. A espiritualidade, sempre mais livre e espontânea, tendo a defesa da vida como preocupação última, desinteressada e doadora de sentido à fé nem sempre tem sido como a teologia. Esta, repleta de critérios racionais, é, por vezes, orientada mais pelos interesses institucionais do que pela manifestação viva do amor e da vontade de Deus, profissional e nem sempre articulada com os desafios que a vida traz. Não foram poucos os grupos que, também ao longo da história, estiveram preocupados com esse distanciamento e tensão. Milton Schwantes, amante da Bíblia e da defesa dos pobres, está nessa longa caminhada e nos apresenta, nos textos bíblicos, os empobrecidos como sujeitos que falam, eles mesmos, da vida e do direito. Ao interpretar os sinais dos tempos, e articular a Bíblia e a vida, como lhe era peculiar, Schwantes constantemente afirmava que entre nós, na América Latina, esta função questionadora da Bíblia recebe um realce especial. E este advém da situação histórica que vivemos. Acontece que novas leitoras e leitores estão anunciando seu interesse em participar da intervenção bíblica. Por assim dizer, há novos candidatos. São os pobres. Sua palavra se vai fazendo presente nas igrejas. Este é um fenômeno novo. Está relacionado com um despertar mais amplo, um reerguimento social e político dos povos latino-americanos, dispostos a pôr um basta na história da exploração. Este novo sujeito histórico ainda é frágil. Mas já se faz presente. Multiplicam- -se os grupos de mulheres que propõem outro projeto social, onde haja espaço para elas. Os camponeses sem terra já não se deixam mais iludir pelos propósitos capitalistas. Os sindicalistas afirmam sua autonomia diante do Estado que costumeiramente os atrelava. A própria sociedade civil quer constituir sua cidadania. As igrejas são parte desde todo. Seus integrantes vão à Bíblia cheios desta aversão cada vez mais arraigada contra a exploração e cheios desta esperança de pão para todos. Estas novas leitoras e leitores inquietam as igrejas. Exigem maior coerência com testemunho bíblico da vida plena, da existência abundante para todos (SCHWANTES, 1988d, p. 34). Essa história é antiga. A centralidade da Bíblia na reflexão teológica, por exemplo, é devedora dos reformadores, que, no século 16, em uma conjunção de esforços e de desenvolvimento cultural próprios do início da era moderna, possibilitaram maior acesso de pessoas a ela. O encontro de vários elementos do itinerário espiritual de reformadores da época 98 Claudio de Oliveria Ribeiro: O olhar de quem sabe amar : indd 98 19/2/ :35:55

106 como a ânsia por liberdade, a busca de uma expressão de fé espontânea, o desejo de obter a salvação gratuitamente retomou princípios bíblicos fundamentais; em especial, o dom gratuito de Deus, revelado em graça e em amor, tais como os escritos bíblicos anunciam. Passam-se os séculos, numerosas experiências de cultivo espiritual da vida e da fé são vivenciadas e permanecem as tensões entre as formas mais vivas de espiritualidade e a racionalidade teológica secular moderna. Os séculos 19 e 20 levam ao auge tais tensões e abrem um horizonte significativo de melhor compreensão racional e exegética da Bíblia, livrando-a das prisões do universo medieval fantasioso. Vários teólogos dessa época deram passos largos na valorização do estudo crítico da Bíblia, mas precisaram que outros, como Karl Barth, por exemplo, voltassem aos princípios da Reforma ao destacar, por exemplo, a centralidade da Bíblia na vida da Igreja e na vivência da fé. Mesmo com todo o relevo concedido à Bíblia, a racionalidade e o formalismo tão presentes nas teologias e experiências religiosas do início do século 20 não impediram que reações fortíssimas, em nome da defesa da fé e da espiritualidade, surgissem. Os fundamentalismos do final do século 19 no catolicismo e os do início do século 20 no protestantismo até que falaram com ênfase sobre a Bíblia, mas não parecem ter favorecido a manifestação da espiritualidade bíblica, como a podemos ver nos escritos de Milton Schwantes. E veio o século 20, com suas muitas mudanças e movimentações sociais, políticas, culturais e religiosas. Os grupos e os movimentos bíblicos, ainda na primeira metade do século, trouxeram vitalidade eclesial e novas formas de espiritualidade. Os grupos bíblicos católico-romanos desembocaram com vigor nas preparações do Concílio Vaticano II ( ) e se constituíram em interpelação legítima para que uma nova compreensão eclesiológica florescesse. Os grupos protestantes ofereceram inspiração de fé para diversos empreendimentos missionários, para a cooperação ecumênica e tantas formas de Evangelho Social, espalhadas no mundo inteiro. Em terras brasileiras e em outros cantos latino-americanos, multiplicam-se, desde o início da segunda metade do século 20, as iniciativas de renovação bíblica. Nos momentos de perplexidade e de busca de novos referenciais, coube ao exercício teológico ouvir as perguntas da fé e procurar explicitar seu conteúdo. Fé vivenciada por milhões de pobres e marginalizados conforme é a vocação da teologia latino-americana. Surgem, então, ainda nos anos cinquenta, os questionamentos do teólogo protestante Richard Shaull, um dos precursores da Teologia da Libertação, pessoa que Milton sempre procurou lembrar em seus trabalhos. A pergunta de Shaull é capital e também está presente no pensamento de Schwantes: Onde Deus está agindo, hoje?. Surgem também os círculos bíblicos, no Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd 99 19/2/ :35:55

107 contexto da pastoral popular católica. Carlos Mesters, teólogo católico, apresenta em seu significativo livro Deus, onde estás? os conteúdos da Bíblia, fonte de uma nova espiritualidade (MESTERS, 1971). A perspectiva teológica latino-americana alimentou a produção de Milton Schwantes e foi por ela alimentada. Trata-se de uma teologia fincada no tempo e produzida em resposta a ele. A forma criativa e popular de seus escritos, aliada à sua perspicácia para o uso de uma linguagem profundamente conectada com o presente, ainda que baseada nos escritos bíblicos, revelam expressões que quase exigem de nós um tipo de exegese, tamanha era a relação que fazia com expressões e situações do tempo de cada um de seus escritos. São inúmeros exemplos. Destaco apenas dois: As igrejas como que coloriram... Não viam o que estavam vendo. Os índios foram massacrados. Foram vitimados por um monstruoso genocídio. Os escravos negros foram esgotados em suas forças. Foram açoitados, difamados pela cor. Operárias e operários estão sendo submetidos à crescente exploração. E as igrejas quase que se apartam desta violência toda, desta brutalidade monstruosa, como se não fosse de sua alçada, como se não dissesse respeito a seu ministério (SCHWANTES, 1989c, p. 30, grifo nosso). Ora, a crítica social está bem delineada e compreensível, mas a expressão como que coloriram é lapidar e, a meu ver, comunica muitíssimo mais do que o restante. Quem viveu a época saberá dizer o impacto do governo Collor no Brasil, na vida dos brasileiros... Outro exemplo é a conhecida frase Tudo pelo social que marcou o governo Sarney ( ). A sensibilidade profética de Milton fazia com que ele introduzisse as perspectivas bíblicas em profunda conexão com os quadros conjunturais. No artigo que usa o slogan governamental, mas em tom de questionamento: Tudo pelo social?, o autor ambienta a reflexão bíblica afirmando que Há momentos em que tudo fica mais claro, mais nítido. Por certo, não faltam momentos de nebulosidade. A vista não se parece clarear. Eclesiastes escrevia a respeito. São aqueles períodos em que tudo parece se repetir, em que não se enxerga o novo. Em todo caso, estes não são os nossos dias. O novo está aí à vista de todos. Quem tem olhos para ver, vê. A cada dia, as coisas ficam mais claras. Aumenta a transparência. Dissipa-se a névoa. Some o que é nebuloso. E aí, diante de nós, tudo fica nítido. Não era assim há tempos atrás. Pelo contrário, quanto se discutia em torno do projeto militar. Como era difícil convencer alguém de que aquilo não 100 Claudio de Oliveria Ribeiro: O olhar de quem sabe amar : indd /2/ :35:55

108 daria em nada. Era milagre para cá, promessas desenvolvimentistas para lá. E a neblina era tamanha que muita gente se deixava iludir. Acreditava... Os tempos mudaram. A gente nem acredita mais. A cada dia que passa, nossa experiência é a de que a miséria aumenta. Os militares nos empobreceram, e o tudo pelo social nos tornou miseráveis (SCHWANTES, 1989a, p. 33). E a crítica aos políticos permanece e são, além de nítidas para quem viveu a época, bastante contundentes: As próprias elites não alcançam ater-se aos seus propósitos. Circunscrevem as rezas às sacristias. Mas, quando se trata de garantir o seu poder, não hesitam em afirmar-se como cristãs. Propugnam a defesa dos valores religiosos Peregrinam a Roma e, na volta, se reúnem com pastores evangélicos. Promovem a religião e marcham por deus, propriedade e família (SCHWANTES, 1989d, p. 33). Os círculos bíblicos e a vivência das comunidades eclesiais de base e de grupos evangélicos ecumênicos construíram uma história e desenvolveram uma espiritualidade própria. Em todos esses espaços, ali esteve e está o Milton, pastor e teólogo de esperança. Na situação eclesial de hoje, eles estão vivos, ora com expressão social e eclesiástica mais nítida, ora escondidos em três medidas de farinha, como está expresso no Evangelho. Há muitas limitações e simplificações pastorais. Mas há também uma riqueza espiritual profunda, que perpassa as décadas e alimenta práticas sociais consistentes: a dos trabalhadores rurais sem- -terra, por exemplo. Ou, ainda, novas formas de cultivar a espiritualidade bíblica de grupos, por vezes em dispersão e diáspora na gigantesca e assustadora realidade urbana. Schwantes relaciona o poder vivido pelo povo de Deus na Bíblia (guardadas, obviamente, as limitações do contexto da época), com as expectativas e possibilidades das comunidades hoje. Para ele, na Bíblia o poder é posto em crise. É questionado em sua raiz. A mística bíblica não se ajusta aos interesses de monarcas e imperadores. Está, por assim dizer, na contramão (SCHWANTES, 1988c, p. 33). E Milton oferece, com a densidade exegética que lhe é peculiar, diversos exemplos. Ele compreende que a Bíblia pratica o poder de outro jeito. Exercita-o a partir do serviço ao mundo. Compreende-o como resultado do trabalho. Na medida em que o trabalho é substituído pela exploração, a própria vida é transformada em morte. Percebe-se assim que o projeto do povo de Deus é diferente. Podemos também constatar que no processo de formulação de decisões aparecem novidades. Lógico, não se poderá dizer que este seja democráti- Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd /2/ :35:55

109 co, no sentido atual. Afinal, em tempos bíblicos prevalecia a autoridade dos mais idosos. A sociedade era patriarcal. Os homens detinham uma palavra mais decisiva para as mulheres. Ainda que no geral existissem tais usos, observa-se que estes são questionados e superados em diversos episódios. Pensemos, por exemplo, nas primeiras comunidades cristãs. Mulheres eram missionárias. Profetizavam nas assembleias. Oravam nos cultos. Tudo isso representa grandes avanços. Pensemos também nos episódios da vida de Sara e Abraão. Por mais importante que fosse Abraão, Sara também tinha sua parcela de participação nos destinos do grupo. Partilhava das decisões. Por fim, pensemos nas profetisas, em Miriã, Ana, Hulda, e outras. Em meio ao povo, deram contribuições decisivas. Anunciaram tempos novos, em que o cavalo e seu cavaleiro serão precipitados ao mar. (Veja Êxodo 15, 21) (SCHWANTES, 1988c, p. 34). 2. A tensão entre o popular e o acadêmico Schwantes sempre enfatizou a necessidade dos setores acadêmicos aprenderem da lógica popular para a leitura da Bíblia. Em sua reflexão sobre Escravidão na Bíblia, Milton responde a João Antônio, operário e participante de sua comunidade, no tocante ao referencial utópico da Bíblia. Aprendendo com o irmão que afirmara que uns leem a Bíblia para frente, outros para trás, Milton afirma que de fato, na Bíblia prevalece a ótica da promessa. Sob esta perspectiva é proclamada a ação de Deus no mundo. Já nos primeiros livros do Antigo Testamento, vive-se de olhos postos na terra prometida. Para os profetas, lanças ainda hão de virar podadeiras. O Novo Testamento insiste em ler o Antigo à luz das promessas. Iminente é a vinda do Reino. A Bíblia tem gosto pelo porvir. Agrada-lhe ser lida para frente. Utopia chama- -se seu desaguadouro. (SCHWANTES, 1988a, p. 32) A perspectiva popular para a leitura da Bíblia não transformara a visão de Schwantes em algo populista ou basista, para usar os jargões da época. Ao contrário, o autor via nos pobres os/as leitores/as e pregadores/as por excelência da novidade do Evangelho. Compreendia tal perspectiva a partir das noções dialéticas que prevaleciam em seu tempo, mas que, por vezes, eram esquecidas. Daí, o seu constante alerta para que articulássemos sempre duas vertentes fundamentais: De um lado, está o estudo da Bíblia. Faz-se necessário para captar a profundidade de sua história. É imprescindível, porque a Escritura é exigente. De outro lado, está a leitura popular. A resistência dos empobrecidos de hoje sintoniza com a da Bíblia. 102 Claudio de Oliveria Ribeiro: O olhar de quem sabe amar : indd /2/ :35:55

110 O labor dos estudiosos e as necessidades concretas das maiorias subjugadas vão de mãos dadas. Complementam-se. Estudo da Bíblia e prática popular se completam. Interagem. (SCHWANTES, 1988b, p. 34) A temática do papel do povo nos processos de interpretação bíblica foi recorrente em Schwantes. O autor colocava tal questão ao lado de outras, igualmente importantes e desafiadoras como: (a) as implicações metodológicas da correlação entre a Bíblia e a vida para que simplificações fossem evitadas e (b) o fato de se fazer a leitura da Bíblia a partir de novos lugares sociais, especialmente os contextos de lutas sociais e políticas. Pode o povo explicar a Bíblia? Milton nos indicara que Novos intérpretes da Bíblia vão aparecendo à porta de nossas igrejas e até já em seu interior. E isso alegra a uns, mas entristece a outros. Põe às claras o conflito de interpretações, no qual nos encontramos. O estudo acadêmico e o poder eclesiástico já não resultam mais como plenamente suficientes. Não que não fossem importantes! Não que estivessem sendo negados. Nada disso! O que se passa é que estão sendo questionados. Aparecem em seus limites e precariedades. Isso é duro para o acadêmico. Os estudiosos tendem a distanciar-se das dores do povo. Sobem mais alto. Tendem à autossuficiência quando a inserção popular deixa de ser uma de suas marcas. Isso é duro para o poder eclesiástico. Não é fácil pôr-se na escuta. Servir complica. O exercício da disciplina é mais óbvio, está mais à mão. E aí fica difícil experimentar e admitir que, em nossa América Latina, o povo dos pobres está assumindo papel decisivo na interpretação da Bíblia (SCHWANTES, 1989b, p. 35). O tesouro que Milton Schwantes nos oferece com as reflexões reforça um pensamento que cultivo já há algum tempo. Estimulo a ideia de que a referência bíblica do Êxodo (em profunda sintonia com os movimentos de libertação social e política, próprios dos anos de 1960 a 80) deve hoje estar ao lado, em sentido de alargamento hermenêutico, das referências bíblicas em torno dos escritos sapienciais (Sabedoria). Isso é urgente devido à necessidade de maior sintonia com as questões suscitadas pela situação de degradação humana em meio aos processos socioeconômicos de exclusão social, próprios da realidade do neoliberalismo econômico. Nas palavras de Schwantes (ditas há mais de vinte anos, o que difere em muito em termos de análise se fossem ditas hoje!), há o alerta: Por certo, a experiência real não pode faltar em nossos estudos bíblicos latino-americanos, mas se for tomando conta dos encontros, se o círculo bíblico só for política, tenderá a se esgotar. Primeiro, porque o círculo bí- Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd /2/ :35:55

111 blico não é instrumento suficiente para enfrentar e mudar a realidade, para a atuação política. Há outros instrumentos mais capazes, experimentados, como a associação do bairro, o sindicato etc. O círculo bíblico terá que remeter para estas entidades, encorajar a participação. Ele não poderá querer substituí-las. Segundo, porque as pessoas que vão ao estudo bíblico, ainda que não queiram isolar da realidade que vivem em seu dia-a-dia, querem expressar-se também em termos de cantos, orações, em nível religioso. Se a gente não respeitar esse anseio dos participantes do círculo bíblico, se não ajudar a desenvolver a linguagem da fé, da religião, então o círculo tende a se atrofiar, tende a se esgotar. (SCHWANTES, 1990, p. 25) 3. A tensão entre racionalidade e subjetividade A temática da sabedoria redimensiona aspectos que a dimensão da responsabilidade social e política da fé cristã poderia, em tese, tornar alvo de pragmatismos e de instrumentalizações sociopolíticas indevidas. Política e poder são coisas muito positivas para a fé, mas, às vezes, nos corrompem. Aí é preciso sabedoria. Além disso, o caráter bíblico-teológico sapiencial realça as dimensões profundas da existência humana, como se encontra ressaltado em várias visões teológicas de forte cunho existencial em diferentes épocas. A articulação das dimensões sociopolítica e existencial no exercício da fé cristã constitui, portanto, um imperativo. Não se trata de colocá-las em paralelo, mas de articulá-las, integrá-las, torná-las irmãs. Trata-se de um serviço que a teologia precisa prestar à experiência cristã, de contribuir para que a vivência da fé seja, ao mesmo tempo, consistente (ou seja, fiel à realidade do Evangelho) e envolvente (assimilada por parcelas significativas da população). Essa dupla tarefa de crítica e anúncio, que historicamente deu sinais de cansaço e esvaziamento, especialmente pelos encontros e conflitos entre a fé cristã e as diferentes formas do pensamento humano, reafirma-se com fundamental importância, considerados os aspectos da realidade social e religiosa atual. Mais uma vez, novos e diferentes desafios são apresentados à reflexão teológica cristã e a contribuição oferecida por Milton Schwantes com suas obras será por demais útil e prazerosa para todos nós. Milton, há mais de vinte anos, como tenho destacado, já indicava que Nestes últimos tempos, nem sempre temos avaliado as chances do estudo bíblico na comunidade com o devido cuidado, com o devido discernimento. Não raro, nós, agentes de pastoral, talvez tenhamos exagerado na acentuação da realidade. Motivados pelo que a própria comunidade trazia à tona em cenas, casos e fatos do cotidiano, possivelmente enveredamos, em demasia, pelos trilhos da realidade (SCHWANTES, 1990, p. 25). 104 Claudio de Oliveria Ribeiro: O olhar de quem sabe amar : indd /2/ :35:55

112 Para as reflexões acerca de uma eclesiologia e de uma pastoral popular e sobre os modelos de ação pastoral entre os empobrecidos, um fato que tem chamado à atenção é certa violência do discurso pastoral politizado diante da expectativa religiosa dos que vão à igreja. Quanto a isso, mesmo diante das referências teológicas que defendem uma fé inculturada e marcada pelos compromissos sociopolíticos, pode-se advogar, sem receios, que a comunidade local seja uma bolha na qual os membros podem sentir-se bem em flutuar um pouco acima de sua realidade (SCHWANTES, 1989c, p. 29). No entanto, em função das mesmas referências teológicas, é necessário distinguir qual o limite entre essa perspectiva e as práticas alienantes que marcam as vivências no interior das igrejas, especialmente as relacionadas com as formas religiosas intimistas e sectárias. Schwantes destaca a vida em comunidade como algo que, em si, é geradora de formas de superação das crises sociais, embora tal vivência não esteja desvinculada dos compromissos sociais e políticos. Reconhecemos que a violência e a miséria estão no dia-a-dia das igrejas. Por isso, a comunidade local é a diakonia que surge da negação da negação humana, semelhante à experiência de Estêvão e outros cristãos do Novo Testamento (Cf. Atos 6 e 7). Dessa negação, irrompe a nova experiência de amor e serviço: Experimenta-se a superação da violência através da solidariedade. A comunidade é este espaço novo e concreto para a redenção. A Bíblia não se cansa de insistir neste seu projeto. A comunidade, a igreja da base, viabiliza momentos de superação das opressões. Aí as crianças são acolhidas: Deixai vir a mim os pequeninos. As mulheres também testemunham, assumem sua palavra. Os escravos são integrados como irmãos. Nascem novas relações. E assim a violência é contida, de jeito concreto, pé no chão. (SCHWANTES, 1989c, p. 30) Outro aspecto que pode ser útil no equacionamento das tensões entre racionalidade e subjetividade presentes na pastoral é a dimensão da gratuidade nos esforços políticos e sociais. A tradição bíblico-teológica cristã apresenta a experiência de diakonia como síntese entre as ações humanas destituídas de interesse político objetivo (como a caridade bíblica) e aquelas que, por serem globalizantes e com ênfase na alteridade, sinalizam a compreensão utópica do Reino de Deus (como as ações de solidariedade). A solidariedade caracteriza-se por ter o seu horizonte de resultados no tempo presente. A diakonia, como ação comunitária e participativa, inclui e ultrapassa a solidariedade, pois o seu horizonte de resultados encontra-se no tempo utópico, ou seja, subordina-se a Deus e ao seu Reino. Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd /2/ :35:55

113 Considerações finais Para futuras pesquisas sobre o pensamento teológico de Milton Schwantes, suas reflexões ecumênicas e de ênfases social e política precisarão ter destaque, mesmo porque elas estão articuladas com os esforços exegéticos que o autor efetuou ao longo de sua trajetória como pesquisador. De forma modesta, procurei oferecer um aperitivo, uma pequena demonstração da contribuição de Milton Schwantes para uma teologia social. Para isso, em torno da participação dele no Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI), em especial os escritos na revista Tempo e Presença, indiquei algumas ênfases de seu pensamento teológico. Organizei os conteúdos em três polos que considero importantes para a revisão do método teológico, a saber: a tensão entre os pobres a as instituições eclesiais, a tensão ente as dimensões popular e acadêmica no tocante à leitura bíblica e a tensão entre racionalidade e subjetividade que tem marcado o debate teológico nos dias de hoje. O legado de Milton Schwantes para as novas gerações ainda será melhor mensurado no futuro. O tempo presente ainda é de perplexidade com a sua morte. Espero que esses rastros aqui percebidos possam ser úteis para o empreendimento de perceber os impactos da produção teológica desse destacado e querido autor. Referências MESTERS, Carlos. Deus, onde estás? Belo Horizonte: Ed. Vega, SCHWANTES, Milton. Escravidão na Bíblia. In: Tempo e Presença, n. 227, p (1988a).. Afluiu para ele grande multidão. In: Tempo e Presença, n. 228, p (1988b).. Entre vós não será assim. In: Tempo e Presença, n. 234, p (1988c).. Uma Bíblia que inquieta. In: Tempo e Presença, n. 235, p (1988d).. Tudo pelo social? In: Tempo e Presença, n. 239, p (1989a).. No conflito das interpretações. In: Tempo e Presença, n.242, p (1989b).. Toda a criação geme e suporta angústias. In: Tempo e Presença, n. 246, p (1989c).. O direito do órfão. Tempo e Presença, n. 247, p (1989d).. Movimento bíblico e pastoral. Tempo e Presença, n. 253, p (1990). 106 Claudio de Oliveria Ribeiro: O olhar de quem sabe amar : indd /2/ :35:55

114 ARTIGOS Articles Artículos indd /2/ :40:28

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116 A formação do teólogo com mais de 30 anos por meio da Educação a Distância segundo a percepção de ministros eclesiásticos da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil The formation of the theologian with over 30 years through Distance education in the perception of pastors of the Independent Presbyterian church of Brazil La formación del teólogo con más de 30 años a través de la educación a distancia como la perciben los ministros eclesiásticos de la Iglesia Presbiteriana Independiente del Brasil Ludhiana Ethel Kendrick Silva Bertoncello Mathias Quintela de Souza RESUMO O propósito deste artigo é verificar se a Educação a Distância (EaD) responde à necessidade de formação de pessoas que se despertam tardiamente para o ministério na área teológica. Trata-se de uma pesquisa de campo exploratória, porque visa à explicitação do problema e não se fundamenta especialmente em hipóteses previamente formuladas para posterior testagem, verificação e validação. Para tanto, foram coletadas informações com pessoas maduras que já exercem ministérios nas igrejas locais de uma cidade do interior do País, que pertencem à denominação Igreja Presbiteriana Independente do Brasil (IPIB), para conhecer sua concepção e percepção sobre a formação do teólogo, após os 30 anos de idade, por meio da EaD. Como resultado, percebe-se que há considerável demanda para formação teológica pela modalidade EaD tanto para ministérios ordenados quanto para ministérios não ordenados nas igrejas locais por pessoas maduras e que isto pode representar a democratização do acesso à educação teológica na IPIB. Palavras-chave: Educação a distância; teologia; ensino superior; ministério pastoral. ABSTRACT The purpose of this article is to verify if Distance Education meets the need of theological formation for those people who later in their lives are called for ministry in the theological field. It is about an exploratory field research, since it seeks the definition of the problem and is not based on previously formulated hypotheses for posterior testing, verification and validation. Therefore, data was collected from Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd /2/ :40:28

117 mature people who are already involved in ministries in their local churches in a city in the interior of the country, who belong to the Independent Presbyterian Church in Brazil, in order to find out the notions and perceptions they have on the formation of a theologian after the age of thirty by means of Distance Education. The results revealed that there is considerable demand for theological formation through Distance Learning both for ordained and not ordained mature ministry leaders in local churches, and that this fact may represent democratization of the access of theological education in the Independent Presbyterian Church. Keywords: Distance education; theology; higher education; pastoral ministry. Resumen El propósito de este artículo es verificar si la Educación a Distancia (EaD) satisface la necesidad de formación teológica de las personas que despiertan tardíamente para el ministerio. Se trata de una investigación exploratoria, ya que su objetivo es problematizar la cuestión sin basarseen hipótesis previamente formuladas para posterior prueba, verificación y validación. Por lo tanto, se obtuvo información con personas maduras que ya ejercen ministerios en las iglesias locales de una ciudad del interior del país, pertenecientes a la denominación Iglesia Presbiteriana Independiente del Brasil (IPIB) para conocer la percepción que tienen sobre la formación del teólogo después de los 30 años, a través de la educación a distancia. Como resultado de ello se pudo observar que existe una demanda considerable para la formación teológica a través del modo de educación a distancia tanto para los ministerios ordenados como para los ministerios no ordenados en las iglesias locales para gente madura y que esto puede representar la democratización del acceso a la educación teológica en la IPIB. Palabras clave: Educación a distancia; teología; educación superior; ministerio pastoral. Introdução A consciência da vocação para o ministério eclesiástico desenvolve- -se, em muitos casos, durante a participação do sujeito na comunidade eclesial e se manifesta tardiamente, quando o candidato já assumiu compromissos profissionais e familiares. Em virtude disso, a formação teológica exigida para o exercício do ministério torna-se difícil, bem como o acesso a uma instituição de ensino superior de teologia, geralmente localizada em grandes centros. Por isso, corre-se o risco de desperdiçar rico potencial de pessoas maduras e testadas nas atividades que já desenvolvem em suas comunidades religiosas. De acordo com as Escrituras Sagradas, regra de fé e prática para os presbiterianos independentes 1, a liderança é sempre exercida por anciãos ou presbíteros, pessoas experimentadas e com credibilidade nas comunidades onde atuam. Nelas exercem, dentre outras, as funções de apóstolos, bispos, diáconos e pastores 2. Autores de diversas tendências teológicas (MOLTMANN, 1978; BOFF, 1994; PARENT, 1990; BerkhoF, 1969) têm-se estudado a pessoa e a obra do Espírito Santo, redescobrindo os carismas que tornam possível uma variedade de ministérios para o cumprimento da missão do povo de Deus no mundo. O resultado disto é um novo enfoque sobre a eclesiologia, 1 Livro de Ordem, 2005, Constituição, artigo 2º, p Pedro 5.1-3; Atos 6.1-6, 20.17,28 (In: Bíblia Sagrada, 1993, p. 1206, 1072 e 1093). 110 Ludhiana Ethel Kendrick Silva Bertoncello: A formação do teólogo com mais de 30 anos indd /2/ :40:28

118 reafirmando o princípio do sacerdócio universal, ou seja, que os sujeitos da pastoral não são apenas os profissionais eclesiásticos, mas todo o povo de Deus. Nesta perspectiva, amplia-se a necessidade de acesso à formação teológica para que as comunidades tenham líderes devidamente preparados e que facilitem os ministérios de todos os seus membros. Com o reconhecimento oficial dos cursos de ensino superior de teologia, antes cursos livres, ministrados por instituições religiosas, amplia-se o campo da atuação profissional da pessoa formada em teologia. Além das comunidades eclesiais, hoje, ela pode exercer a capelania e assessoria teológica em diversas áreas, bem como o magistério em Instituições de Ensino Superior (IES) e escolas de Ensino Fundamental e Médio. Pelas razões expostas, propusemo-nos a ouvir, por meio de um instrumento de coleta de dados, tanto ministros cuja vocação se manifestou tardiamente como pessoas maduras que exercem ministérios em suas comunidades, com potencial que pode ser desenvolvido por novas formas de educação teológica que usem os recursos tecnológicos disponíveis nas áreas de comunicação e informação. Logo, essa pesquisa teve sua origem na necessidade de investigar a seguinte questão: Qual a concepção e percepção dos ministros ordenados e não ordenados, membros e participantes das igrejas locais de uma cidade do interior do País que pertencem à Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, sobre a formação do teólogo, após os 30 anos de idade, por meio da Educação a Distância (EaD)? 3 Uma das motivações para explorar o potencial que a EaD e o uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) representam para a educação superior em teologia, deve-se à constatação feita por vários autores (GUAREZI; MATOS, 2009; PRETI, 1998; MATIAS-PEREIRA, 2010; TORRES; LUNARDI; VIANNEY, 2005), de que as soluções de EaD nos sistemas formais e não-formais de ensino têm sido uma tendência em muitos países, principalmente para a educação das licenciaturas de ensino, cujos participantes, em grande número no Brasil, são professores que já atuam em salas de aula. É o que constatou a pesquisa de Silva e Carvalho (2006), no caso específico da Paraíba: 85% dos alunos que fazem o curso na modalidade a distância, ofertado pelo Programa de Formação de Professores (PROFORMAÇÃO) do Ministério da Educação e Cultura (MEC), são oriundos de municípios do interior e apenas 9% deles não exercem atividades docentes na Educação Básica. O nosso principal objetivo foi, portanto, verificar se essa modalidade de ensino responde às necessidades de formação teológica de pessoas que se despertam tardiamente para o ministério na área teológica. 3 A Constituição da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil faz a distinção entre ministros ordenados e não ordenados no Artigo 27. O princípio do sacerdócio universal, no entanto, amplia os nossos horizontes. Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd /2/ :40:28

119 Justifica-se a persecução deste objetivo pela necessidade de capacitar academicamente as pessoas vocacionadas, maduras e experientes, que já exercem ministérios em suas comunidades e que podem desenvolver consideravelmente o seu potencial. Este objetivo insere-se no desafio maior de democratizar o acesso à educação. Juntamente com essa análise, procuramos: inserir a Educação Teológica a Distância no cenário da EaD no Brasil em termos de seus conceitos, história e modelos; realizar um levantamento dos cursos de Educação Teológica oferecidos no País na modalidade de EaD reconhecidos pelo MEC; distinguir a Educação a Distância na Educação Superior em Teologia e seus desdobramentos. 1. Educação a distância no Brasil: conceito, história e modelos A legislação brasileira define a Educação a Distância no Art. 1º do Decreto nº de 10/02/1998, que regulamenta o Art. 80 da L.D.B. nº 9.394/96 (BRASIL, Apud SAAD, 2010, p. 46), como: Uma forma de ensino que possibilita a autoaprendizagem com a mediação de recursos didáticos sistematicamente organizados, apresentados em diferentes suportes de informação, utilizados isoladamente ou combinados e veiculados pelos diversos meios de comunicação. Matias-Pereira (2010) considera que, tendo em vista as transformações sociais aceleradas pelo desenvolvimento das novas tecnologias de informação, o cidadão terá de ser capaz de se adaptar a novas realidades e, em especial, de aprender a desempenhar novas tarefas de uma forma rápida e eficiente. Neste contexto, Peters, citado por Matias-Pereira (2010, p. 3) define a educação a distância como um método racional de compartilhar conhecimentos, habilidades e atitudes, através da aplicação da divisão do trabalho e de princípios organizacionais, bem como pelo uso extensivo de meios de comunicação, especialmente para produzir materiais técnicos de alta qualidade, os quais tornam possível instruir um grande número de estudantes ao mesmo tempo, enquanto esses materiais durarem. É uma forma industrializada de ensinar e aprender. Bertoncello e Dias (2010, p. 36) referem-se à EaD como um processo de ensino/aprendizagem, mediado por tecnologias, onde professores e alunos estão separados espacial e/ou temporalmente. Apesar de não estarem normalmente juntos, podem, no entanto, estar interligados por tecnologias como a internet, o correio, o rádio, a televisão, o vídeo, o CD-ROM, o telefone, o fax e outras semelhantes. 112 Ludhiana Ethel Kendrick Silva Bertoncello: A formação do teólogo com mais de 30 anos indd /2/ :40:28

120 Essa modalidade de ensino supera limitações de lugar, de tempo, de ocupação ou idade de alunos. Implica mudança de paradigmas que harmonizem conteúdos com sólidos fundamentos epistemológicos com os recursos das TIC. Ou, para empregar metáforas de Cristo, é o desafio sempre presente na educação de colocar vinho novo em odres novos para que ambos sejam conservados 4. Bertoncello (2010, p ) pondera que a EaD tem particularidades em sua prática. Utiliza ferramentas midiáticas consideradas como novas linguagens a serem utilizadas no contexto pedagógico. Essas ferramentas classificam-se em síncronas, quando a comunicação se dá em tempo real, e assíncronas, quando a comunicação emitida por uma pessoa pode ser respondida por outras mais tarde. Dentre as primeiras, podem ser mencionadas a sala de bate-papo online (chat) e a videoconferência; dentre as de comunicação assíncrona, destacam-se o correio eletrônico e a lista de discussão (fórum). O ambiente virtual de aprendizagem (AVA) é de fundamental importância, porque contém várias das ferramentas já mencionadas, como os chats, fóruns, s e espaços de publicação de material do professor. PEREIRA; SCHMITT; DIAS, 2007 (apud BERTONCELLO, 2010, p ) apresentam o AVA como um ambiente midiático e virtual que se utiliza do ciberespaço para difundir conteúdos e permitir interação entre alunos e professores, mediando o processo de ensino-aprendizagem a distância. Segundo esses autores, os principais recursos tecnológicos utilizados em um AVA podem ser agrupados em quatro eixos: 1) para a apresentação e distribuição das informações institucionais, do conteúdo, de materiais didáticos e de arquivos; 2) comunicação: para comunicação assíncrona e síncrona entre professores e alunos; 3) gerenciamento pedagógico e administrativo: para consulta à biblioteca, à secretaria, às avaliações; 4) produção: para a participação conjunta no desenvolvimento de atividades e resolução de problemas. Romero Tori, autor do livro Educação sem Distância (Editora Senac), em entrevista concedida à Folha OnLine Educação, divulgada no dia 12 de março de 2010 (apud BERTONCELLO, 2010, p ) minimiza o título a distância ao afirmar que existem alunos em um presencial que estão muito mais distantes do que no virtual. Defende ainda a integração das modalidades presencial e a distancia porque, em qualquer modalidade, os alunos têm de aprender a filtrar o conteúdo que acessam via internet e os professores terão que ensiná-los a transformar as amplas informações disponíveis em conhecimento. Essa integração, proposta por Romero Tori, já tem amparo legal, pois o MEC prevê que 20% das disciplinas de graduação nos cursos presenciais podem ser virtuais (Portaria do Ministério da Educação nº. 2253, de 2001). 4 Mateus 9.17 (In: Bíblia Sagrada, 1993, p. 934). Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd /2/ :40:28

121 PRETI (1998, p. 26), depois de reconhecer o desenvolvimento positivo das TIC aplicadas à educação a distância, no contexto da globalização, adverte quanto ao perigo do fascínio e da sedução por estas tecnologias (chamadas até de inteligentes ), vistas como capazes de solucionar todos os problemas de aprendizagem e sanar todas as dificuldades de acesso ao saber. No entanto, pondera: Se antes existiam muitas resistências e preconceitos quanto a esta modalidade, parece que a conjuntura econômica e política no limiar do milênio acabou encontrando nesta modalidade uma alternativa economicamente viável, uma opção às exigências sociais e pedagógicas contando com o apoio dos avanços das novas tecnologias da informação e da comunicação. Isto é, dentro desta crise estrutural, a conjuntura política e tecnológica tornou-se favorável à implementação da EAD. Ela passou a ocupar uma posição instrumental estratégica para satisfazer as amplas e diversificadas necessidades de qualificação das pessoas adultas. No Brasil, a primeira geração de EaD surgiu em 1904, mas só ganhou visibilidade a partir da década de 70, com ações isoladas nas instituições públicas e privadas (SAAD, 2010). Todavia, foi a partir da década de 90 que surgiram as primeiras medidas do Governo Federal para o reconhecimento oficial. Com decretos e convênios, foram criados diversos órgãos envolvendo principalmente o MEC e universidades. Mas o grande ponto de partida foi a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) que dispôs, no caput do artigo 80: O Poder Público incentivará o desenvolvimento e a vinculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidade de ensino, e de educação continuada (apud SAAD, 2010, p. 48). A partir deste marco histórico, desencadeou-se o processo de reconhecimento da EaD no Brasil, gerando uma série de legislações públicas para a área. Este é o panorama da EaD no Brasil no qual se insere a educação teológica nesta modalidade. 2. O Ensino Superior em Teologia e a EAD Quanto à educação teológica, Cabral e Aragão (2007) destacam os esforços do Departamento de Pesquisa e Assessoria (DEPA) do Centro Nordestino de Pastoral, da Igreja Católica, que desenvolveu um modelo de formação tanto de sacerdotes ordenados como de agentes de pastoral na modalidade mista de educação presencial e a distância. A motivação foi o novo conceito de Igreja, desenvolvido pelo Concílio Vaticano II ( ), definindo a Igreja como povo de Deus em opo- 114 Ludhiana Ethel Kendrick Silva Bertoncello: A formação do teólogo com mais de 30 anos indd /2/ :40:28

122 sição ao conceito do Concílio de Trento ( ) que considerava a Igreja restrita à hierarquia. Três seminaristas do Instituto de Teologia do Recife (ITER) pediram para que fosse encontrada uma forma de realizar seus estudos mais próximos da sua realidade e, se possível, com acompanhamento esporádico, permitindo-lhes morar em seu futuro ambiente de atuação pastoral. Dois deles aspiravam ao sacerdócio ordenado, enquanto o outro era militante da Ação Católica Operária. Professores do ITER e autoridades eclesiásticas viabilizaram a realização desse anseio por intermédio do DEPA, cujo propósito primordial foi o de proporcionar capacitação teológica sem retirar os formandos de seus ambientes de atuação. Embora essa experiência tenha durado de 1977 a 1990, sem muitos recursos tecnológicos e sem reconhecimento oficial do MEC, deixou contribuição que merece ser considerada como paradigma para os projetos que seriam desenvolvidos a partir de Cabral e Aragão (2007, p. 23), que analisaram o projeto do DEPA, ponderam: A EaD traz vantagens relevantes, proporcionando maior produtividade com um custo-benefício favorável, tanto para os alunos e professores, como também para a instituição de ensino. Mas, revisitando a trajetória do DEPA, devemo-nos perguntar se a EaD também está tornando-se um agente de mudanças e transformações das práticas pedagógicas, a partir do qual o estudante seja provocado para investir na sua formação, apropriando-se de conhecimentos numa relação mais dialógica com os professores, formando uma rede colaborativa em que os aspectos da interatividade sejam reforçados e a autonomia valorizada. Hoje, há oito instituições credenciadas pelo MEC que oferecem cursos de bacharelado em Teologia a distância no Brasil 5 : (1) CEUCLAR (Claretiano Centro Universitário); (2) UMESP (Universidade Metodista de São Paulo); (3) ULBRA (Universidade Luterana do Brasil); (4) UNIGRAN- RIO (Universidade do Grande Rio); (5) FACEL (Faculdades de Administração, Ciências, Educação e Letras); (6) UNIASSELVI (Centro Universitário Leonardo da Vinci); (7) FTBP (Faculdade Teológica Batista do Paraná) e (8) UNIS (Centro Universitário do Sul de Minas). Mediante um levantamento nos sites oficiais dessas instituições, percebe-se que elas atendem aos requisitos legais e às concepções constitutivas básicas que devem orientar a escolha de modelos de qualidade em educação superior a distância, como já vimos nas considerações de 5 Segundo os dados do Ministério da Educação - Sistema e-mec (Instituições de Educação Superior e Cursos Cadastrados), atualizados na página virtual em: 13 dez emec.mec.gov.br/. Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd /2/ :40:29

123 vários autores. Uma pesquisa realizada em 16 de julho de 2009, mencionada por Lopes (2009), informa a demanda de alguns cursos online naquela época em relação com o curso de Teologia: Administração, ; Pedagogia, ; Teologia, Esses números nos permitem concluir que a cultura tecnológica da internet como ferramenta da educação teológica já está implantada, mas ainda há muito campo para o crescimento. Esse panorama constitui desafio para a pesquisa de demanda de formação teológica a distância tanto nos grandes centros quanto nas regiões periféricas do país onde o acesso à educação superior é deficiente em todas as áreas do conhecimento. 3. Metodologia Para Gil (1991), a pesquisa científica tem como finalidade primeira descobrir respostas para problemas mediante o uso de procedimentos científicos, por meio de um processo formal e sistemático. Logo, quanto aos seus objetivos, a metodologia desta investigação define-se como uma pesquisa de campo exploratória, porque visa à explicitação do problema e não se fundamenta especialmente em hipóteses previamente formuladas para posterior testagem, verificação e validação. Para tanto, foi elaborado um instrumento para a coleta de dados: um questionário estruturado com 21 perguntas semiabertas e fechadas. O questionário foi dividido em três partes: Parte 1. Seção de caracterização do respondente (seis questões); Parte 2. Chamada de grupo 1, referente àqueles que fizeram curso superior de teologia tardiamente, nas modalidades presencial e/ou a distância, sendo ministros ordenados ou não (seis questões); Parte 3. Chamada de grupo 2, referente àqueles que não fizeram curso superior de teologia, mas exercem funções na igreja como ministros não ordenados (nove questões). O universo da pesquisa foi composto por líderes ministeriais da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil (IPIB). Porém, a nossa amostra foi composta pelo conjunto de ministros e/ou membros que participam de ministérios nas igrejas dessa denominação evangélica numa cidade no interior do País. Foram distribuídos 42 questionários via . Destes, retornaram 25 questionários preenchidos, o que correspondeu a 59,5% da amostra. Antes da aplicação, o questionário foi submetido a um pré-teste com cinco sujeitos não-participantes da amostra, com a finalidade de observar os aspectos de linguagem, visualização, tempo e forma de preenchimento. 116 Ludhiana Ethel Kendrick Silva Bertoncello: A formação do teólogo com mais de 30 anos indd /2/ :40:29

124 4. Resultados Dos 25 sujeitos que responderam ao questionário, 60% eram do sexo masculino e 40% do sexo feminino. Isto mostra a tendência da predominância do gênero masculino quando o ministério é de liderança. Quanto à idade média da amostra, foi obervado: 24% estão entre 30 e 40 anos, 44% estão entre 41 e 50 anos e 28% tem mais de 50 anos. 4% dos entrevistados não mencionaram a idade. Estes dados são importantes quando analisarmos os ministérios que essas pessoas exercem e a demanda por formação em curso superior de teologia, principalmente do Grupo 2, referente àqueles que não fizeram curso superior de teologia, mas exercem funções na igreja como ministros não ordenados. Quanto ao estado civil, é compreensível que a maioria (84%) seja constituída de pessoas casadas por terem mais de 30 anos de idade, 12% de pessoas solteiras e apenas uma pessoa (4%) se classifou na categoria de outros. Quanto à fi liação, 84% pertencem à Primeira IPI e 12% às Quarta, Nona e Décima IPIs da cidade. Isto, talvez, se deva ao fato de que a Primeira Igreja seja maior, e, por ser uma igreja em células, envolva uma porcentagem alta de seus membros nos ministérios da igreja. Todos os respondentes exercem ministérios na igreja como pastores, presbíteros, diáconos, missionários, obreiros e líderes de células. Quando foram perguntados se tinham curso superior de teologia (Gráfi co 1), 10 responderam que sim; 11 que não, mas gostariam de fazer; três não desejam fazer e um não respondeu. A demanda por formação teológica fi cou demonstrada, pois 44% dos membros que já exercem ministérios nas igrejas expressaram o desejo de fazer um curso superior de teologia. Gráfi co 1 Situação quanto ao Curso Superior de Teologia Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd /2/ :40:29

125 4.1. Análise do Grupo 1 Pertencem ao grupo 1 aqueles que fizeram curso superior de teologia tardiamente, nas modalidades presencial e/ou a distância, e são ministros ordenados ou exercem ministérios não ordenados. Enquadrados a essa especificidade, foram encontrados 10 sujeitos na amostra. Seis deles fizeram o curso na Faculdade Teológica Sul Americana (FTSA), dois no Seminário Antonio de Godoi Sobrinho (STAGS), um no Instituto e Seminário Bíblico de Londrina (ISBL) e um na Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Oito sujeitos fizeram o curso na modalidade presencial e dois em cursos que englobaram a modalidade presencial e a distância (mista). Todos os que foram ordenados, com exceção dos que estudaram no STAGS, fizeram reciclagem teológica, na modalidade mista, o que corresponde à validação dos cursos por exigência da denominação. Oito deles foram ordenados ao ministério pastoral e dois não foram, mas aspiram a isso. De acordo com o questionário, em 50% dos casos, a idade de ingresso no curso superior de teologia ficou entre os 31 e 40 anos de idade. Somente em 10% houve o ingresso antes dos 30 anos. Este dado é resultante do acesso facilitado na cidade da pesquisa, porque lá funcionam cursos superiores de teologia no período noturno e, mais recentemente, curso a distância, por meio do polo da UMESP. Quanto à formação em curso superior de teologia na modalidade EaD, três responderam que conhecem algum pastor formado nessa modalidade e sete responderam que não conhecem. Na questão sobre se eles recomendariam o curso superior de teologia na modalidade a distância, o posicionamento foi o seguinte: sete disseram que sim, dois que não e um não se considerou qualificado para fazer recomendações por falta de experiências pessoais. Os que responderam sim, justificaram suas respostas conforme segue abaixo (QUADRO 1): Sujeitos Sujeito 1 Sujeito 2 Sujeito 3 Sujeito 4 Justificativas Sim, pois essa modalidade de EaD reúne no mesmo método a facilidade de estudo e boa qualidade de ensino, possibilitando ao aluno um melhor planejamento do tempo. Porque creio que é uma alternativa para quem tem uma ocupação e tem dificuldades de estar presente às aulas, inclusive proporcionando um horário mais flexível. Creio que os cursos a distância têm o mesmo conteúdo dos cursos presenciais. Sim, condicionado a metodologias criteriosamente desenvolvidas de forma a exigir profunda dedicação e senso crítico do aluno. Devido à informatização e à facilidade de comunicação proporcionada pela internet através das redes sociais e outros. 118 Ludhiana Ethel Kendrick Silva Bertoncello: A formação do teólogo com mais de 30 anos indd /2/ :40:29

126 Sujeito 5 Entendo que a natureza da matéria Teologia permite o estudo a distância, visto que, será necessário um tempo de prática junto a uma igreja local para completar o processo com a ordenação e/ou exercício do ministério. Sujeito 6 Creio que aumentará a oportunidade para mais pessoas se prepararem para o exercício de seus ministérios. Sujeito 7 Sim, pela facilidade de acesso ao conhecimento, podendo conciliar com os compromissos e imprevistos que ocorrem. Quadro 1 Justificativas para fazer um curso em EaD As justificativas demonstram conhecimento das possibilidades de aplicação das tecnologias da informação e comunicação ao ensino teológico. De igual modo, também reconhecem a EaD como oportunidade de acesso aos estudos para pessoas maduras que já exercem ministérios em suas igrejas, mas que estão impossibilitadas de se locomover de seus locais de origem para as instituições de ensino superior em teologia. Aqueles que não recomendariam o curso pela EaD (20%), justificaram também as suas respostas. Sujeito 8: Eu não faria. Teologia é mais do que uma tela fria que fala de coisas muito sérias. Teologia é viver a dor do colega presente, é discutir o que não concorda, é fazer parte de uma turma de carne e não virtual. Jesus, quando ensinou, viveu 100% homem, 100% Deus, não deixou de tocar nas pessoas quando ele poderia, com sua palavra, mesmo distante, fazer a obra. Fico pensando: como será o rebanho deste pastor virtual? Sujeito 9: Não, por tantas dúvidas que surgem. A distância só se o aluno for muito disciplinado e dedicado. Sujeito 10: Não tenho experiências pessoais, fator que me desqualifica para recomendações. As justificativas dos que não recomendariam a EaD funcionam como alerta para que, às vantagens do custo-benefício que esta modalidade proporciona para professores, alunos e instituições, deve-se acrescentar o empenho para que o conhecimento seja apropriado pelos alunos numa relação dialógica com os professores, num ambiente de colaboração que reforce a interatividade e a autonomia Análise do Grupo 2 As respostas obtidas revelaram 15 sujeitos correspondentes a este grupo, ou seja, aqueles que não fizeram curso superior de teologia, mas exercem funções na igreja como ministros não ordenados: sete são líderes de células (47%), seis são supervisores de líderes de células (40%) e dois exercem a diaconia (13%). Quanto à formação, 13 deles fizeram o Curso Médio de Teologia (CMT) ou equivalente 6 : seis se formaram pela 6 De acordo com a Lei Ordinária dos Ministérios Ordenados e não Ordenados na Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, o ministro não ordenado deverá ter curso médio de teologia ou seu equivalente, e deverá ser membro de uma igreja local que exercerá jurisdição sobre ele. < Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd /2/ :40:29

127 Faculdade Teológica Sul Americana (FTSA) em parceria com a Primeira Igreja e sete no Centro de Capacitação Ministerial (CCM), que sucedeu o CMT, oferecido pela Primeira IPI da cidade. Todos participaram de alguns ou de todos os seguintes cursos oferecidos pelas igrejas locais, com carga horária média de 15 horas: Treinamento de Auxiliar de Líder, Treinamento de Auxiliar de Supervisor, Pastoreando o Rebanho, Aconselhamento, Família no Propósito de Deus, Módulos de Igreja em Células, Conhecendo a Minha Fé I e II, Visão Panorâmica do Antigo Testamento, Visão Panorâmica do Novo Testamento, Ministério Infantil, Curso de Artes, Estudo Bíblico Indutivo, Princípios Cristãos de Finanças e Como Ler a Bíblia. Desse grupo, cinco sujeitos (33%) aspiram à ordenação para ministérios oficialmente reconhecidos: dois para pastor, dois para missionário e um para educador cristão. Nove sujeitos desse grupo, ou seja, 60% deles não aspiram à ordenação. Um (7%) não respondeu. Embora 60% deles não aspirem ao ministério ordenado, 73% deles fariam um curso superior de teologia, o que demonstra o interesse pela formação teológica para servir nos trabalhos das igrejas locais. Respondendo à pergunta: se tivesse oportunidade, faria o curso superior de teologia? Dois deles disseram que não fariam o curso, um não respondeu, um faria o curso na modalidade presencial e onze fariam o curso a distância. Destes, dez apresentaram as razões pelas quais fariam nesta modalidade (QUADRO 2): Sujeitos Sujeito 11 Sujeito 12 Sujeito 13 Sujeito 14 Sujeito 15 Sujeito 16 Sujeito 17 Sujeito 18 Sujeito 19 Sujeito 20 Justificativas Presencialmente não conseguiria ajustar meu horário com as atividades atuais. Em virtude da distância que há entre (cidade de residência) e as cidades onde têm Seminário Teológico; também não posso, no momento, deixar o trabalho à frente da congregação. Infelizmente não tenho mais paciência para enfrentar uma sala de aula todos os dias. Trabalho o dia todo e tenho alguns compromissos a noite, fazendo o curso a distância posso administrar melhor o meu tempo e conseguir estudar. Devido a eu ser casada, ter três filhos e exercer ministérios que requerem tempo e dedicação, não conseguiria frequentar um curso presencial. Gosto de ler, escrever e até mesmo fazer a minha devocional quando todos já estão dormindo. O tempo que tenho livre tento dedicar ao máximo à minha família e os afazeres para o bom andamento da minha casa. Praticidade. Por imaginar que à distância eu poderia ter mais maleabilidade nos horários. Tenho filho pequeno, é inviável participar de um curso presencial. O conteúdo do curso que fiz a distância era uma revisão do que eu já havia vivenciado em cursos presenciais. Por ser mais prático. Quadro 2 Justificativas para fazer um curso em EaD 120 Ludhiana Ethel Kendrick Silva Bertoncello: A formação do teólogo com mais de 30 anos indd /2/ :40:29

128 Quanto ao que preferiu o curso presencial, o argumento foi: Creio que na modalidade presencial o aproveitamento seria melhor (Sujeito 24). Embora haja preferência pela modalidade a distância, apenas duas pessoas (13%) conhecem algum pastor que tenha sua formação teológica nessa modalidade. Treze (87%) não conhecem. Da mesma forma, apenas um (7%) conhece cursos de educação superior de teologia que são ofertados no Brasil, treze (87%) não conhecem, e um (6%) não respondeu. A preferência, no entanto, demonstra que a maioria tem noção do que seja EaD. Como os participantes são ministros e/ou membros das igrejas locais de uma cidade do interior do País que, por sua vez, estão integradas à IPI do Brasil, os posicionamentos dessa denominação afetam diretamente e, de maneira especial, aos que aspiram à formação teológica com vistas aos ministérios ordenados Acesso à Educação Superior em Teologia e aos ministérios na Igreja Presbiteriana Independente do Brasil As igrejas locais às quais pertencem os respondentes da nossa amostra participam da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, uma federação de igrejas locais 7. A IPIB afirma a diversidade de ministérios 8 e exige o devido preparo acadêmico 9 para todos os presbíteros docentes ou ministros 10 e para algumas categorias de ministros não ordenados 11. Para a ordenação a ministro, exige-se do candidato que seja comprovada a sua graduação em curso teológico da Igreja 12. Dos que responderam ao questionário, dois fizeram o curso teológico presencial na FTSA, instituição interdenominacional, e a reciclagem exigida pela denominação 13 na modalidade a distância no STAGS. O acesso a curso superior de teologia atualmente na IPIB, principalmente para os que aspiram à ordenação como ministros, pode ser melhor compreendido à luz da sua história. Quando foi organizada em 1º de agosto de 1903, todos os ministros eram egressos da igreja-mãe. No entanto, segundo CAMPOS (2005), em 21/04/1905, foi inaugurado em São Paulo o Instituto Teológico, dentro do Colégio Evangélico: 7 Livro de Ordem, 2005, Constituição, Artigo 7º, p. 17: A comunhão presbiteriana é uma federação de igrejas locais que, embora tenham personalidade jurídica própria, estão jurisdicionadas aos concílios a que pertencem. 8 Op. cit., Constituição, Artigo 26, p Op. cit., Constituição, Artigo 47, p Op. cit., Constituição, Artigo 29, alínea I, p Op. cit., Constituição, Artigo 27, parágrafo 2º, p Op. cit., Constituição, Artigo 47, parágrafo 1º, p Op. cit., Constituição, Artigo 47, p. 36, parágrafo primeiro: Os candidatos graduados por outras instituições teológicas deverão submeter-se a reciclagem de curso, conforme regulamentação da Assembleia Geral. Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd /2/ :40:29

129 Para o Colégio Evangélico vinham meninos e jovens de várias partes do Estado de São Paulo, a fim de receberem formação. Porém, muitos deles se tornariam aspirantes ao ministério, recebendo neste mesmo espaço a formação específica para o pastorado da nova denominação (CAMPOS, 2005, p ). Percebe-se que, desde as suas origens, o Seminário de São Paulo atendia principalmente à demanda por formação teológica na capital e no estado de São Paulo, onde se concentrava a maioria das igrejas. Etz Rodrigues, citado por Lessa (1983), observou que em 1907 a nova denominação já contava com 56 igrejas e que os campos eram vastíssimos, indo desde Manaus até aos estados de Santa Catarina e Goiás. O Presbitério do Norte só pôde ser organizado no final do terceiro decênio porque novos obreiros foram recebidos e alguns deles tinham estudado no Seminário Presbiteriano do Norte. Na mesma época, cinco obreiros leigos, isto é, sem formação acadêmica em teologia, foram ordenados no sul. Ao cabo de 40 anos, período estudado por Etz Rodrigues, ele observou que setenta ministros tinham ingressado na IPIB: 35 eram fruto do Seminário de São Paulo, 11 foram leigos ordenados e os demais fizeram cursos em outras instituições. A partir da década de 60, houve iniciativas para a descentralização do acesso à formação teológica. No sul, segundo Oliveira (2005), a região abrangida pelo Sínodo Meridional, que incluía os estados do Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso, contou com os esforços de João de Godoy e Antonio de Godoy Sobrinho, que organizaram o Instituto Bíblico João Calvino (IBJC) em 1962, com sede em Arapongas. Os alunos formados no IBJC supriram a demanda de pastores na região e contribuíram para que diversas igrejas surgissem. O IBJC encerrou as suas atividades em Dos alunos que passaram pelo João Calvino, em número de sessenta e sete, muitos hoje ocupam cargos relevantes e estão exercendo cargos de liderança na igreja por todo o país (OLIVEIRA, 2005, p. 48). Ainda segundo Oliveira (2005), com a desativação do IBJC, já se pensava, desde 1978, na criação de uma escola superior de teologia em Londrina. O sonho tornou-se realidade em 1982, cumprindo decisão tomada pelo então Supremo Concílio em Nestes 23 anos de funcionamento (2005), o Seminário já graduou 328 alunos, dos quais diversos estão ocupando cargos de liderança na vida da IPI do Brasil (OLIVEIRA, 2005, p. 50). Além da graduação em teologia, o Seminário de Londrina ofereceu o curso de reciclagem exigido pela igreja a candidatos que estudaram em outras instituições tanto da região do Norte do Paraná como de outras regiões do País. Quanto ao Norte, Rodrigues-Oliveira (2005) observa que foram enviados pastores do sul, na primeira década da história da IPIB, para 122 Ludhiana Ethel Kendrick Silva Bertoncello: A formação do teólogo com mais de 30 anos indd /2/ :40:29

130 consolidar o movimento da independência na região. No entanto, na segunda década, todos retornaram, ficando na região apenas o Rev. Manoel Machado. As crises que assolavam o Norte-Nordeste com as constantes e cruéis secas forçavam a migração não só para os centros urbanos do litoral, mas também na sua maioria para o sul maravilha. O Rev. Machado lamentava que a igreja do sul havia se tornado o paraíso do nortista que não ama seu Norte. A demanda de obreiros seria suprida por candidatos formados em instituições de outras igrejas e pela ordenação de leigos sem formação em curso superior de teologia. Segundo Rodrigues-Oliveira (2005, p. 63): Longe do único seminário da denominação em São Paulo, contando com as dificuldades de retorno à região depois do curso em São Paulo, os seminários de outras denominações surgiram como única alternativa ao treinamento dos candidatos do Norte e do Nordeste. Ainda segundo Rodrigues-Oliveira (2005), nem a ordenação de leigos nem a formação dos seus candidatos em seminários de outras denominações representavam soluções adequadas para as necessidades da igreja na região. O Seminário Presbiteriano Independente Rev. Manoel Machado ( ) entregou à IPIB, bem como a outras denominações, diversos graduados em teologia. Mas, em 1º de março de 1986, foi instalado o Seminário Teológico de Fortaleza cumprindo decisão do Supremo Concílio, tomada em 1984, em sua reunião em Londrina. Rodrigues-Oliveira (2005, p. 76) ressalta a contribuição do Seminário de Fortaleza depois de ter superado diversos desafios: Decorridos dezenove anos nesse processo, cento e oitenta e sete estudantes já concluíram o seu curso de teologia (até dezembro de 2004), sendo oitenta e dois da IPI do Brasil, dos quais sessenta e dois servem diretamente como pastores e pastoras, sem mencionar os concludentes de outras igrejas. Vinte e três militam fora do Norte/Nordeste, mostrando que o Seminário tem suprido necessidades também fora da sua região, principalmente no Centro-Oeste, onde dezesseis graduados estão servindo a igreja. Esse processo de descentralização foi alterado pela decisão tomada pela Assembleia Geral, reunida na cidade de Maringá em 22 de novembro de , que redirecionou o ensino teológico para uma única instituição. Os motivos foram: a demanda insuficiente, condições financeiras, condições de trabalho e dificuldades para reestruturar os cursos diante dos desafios relatados pela entidade mantenedora. Decidiu-se instalar a Faculdade de Teologia da Igreja Presbiteriana Independente (FATIPI) nas 14 Atas da Assembleia Geral da IPIB, Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd /2/ :40:29

131 proximidades de São Paulo, tendo como uma das razões o aproveitamento da autorização do MEC concedida ao Seminário de São Paulo. Nessa mesma reunião, foi aprovado um cronograma da reestruturação e suas implicações para os seminários de São Paulo, Londrina e Fortaleza. Só o Seminário de São Paulo ficou autorizado a iniciar turma, em 2008, com, no mínimo, 20 alunos para o 1º ano. Registraram votos contrários representantes de onze Presbitérios dos Sínodos Brasil Central, Meridional, Nordeste, Setentrional e Vale do Rio Paraná. Em outra decisão tomada pela Assembleia Geral, reunida de 11 a 15 de fevereiro de 2011, em Poços de Caldas, foi mantido o direito de ingresso à reciclagem acadêmica, mas restrito aos bacharéis em teologia formados por seminários oficiais de igrejas protestantes históricas (presbiterianas, luteranas, congregacionais, metodistas, batistas e anglicanas) de nível superior e curso presencial com no mínimo horas aulas. Os alunos do curso de reciclagem deverão cumprir programa de 32 créditos, sendo que cada crédito corresponde a 20 horas-aula, através de trabalhos e provas, ou seja, em caráter não presencial 15. De acordo com esta decisão, todos os que foram ordenados (como revela a amostra da nossa pesquisa) não teriam hoje acesso ao ministério na IPIB. Além da restrição mencionada, a reciclagem, antes feita nos Seminários de São Paulo, Londrina e Fortaleza, só poderá ser feita agora na FATIPI localizada em São Paulo. Considerações finais Como as igrejas da IPIB concentram-se na região Sudeste (São Paulo e Sul de Minas), na região Sul (Paraná) e no litoral das regiões Norte e Nordeste, há muito espaço para expansão, principalmente no extremo sul, na região centro-oeste e no interior das regiões norte e nordeste. A visão missionária reclama arrojo na devida preparação de obreiros para consolidar a obra nas regiões conquistadas e para avançar na proclamação do evangelho do reino em regiões necessitadas do testemunho cristão. Na análise, ficou evidente que há enorme potencial de recursos humanos, representado por pessoas maduras, que precisa ser aproveitado para os ministérios nas igrejas locais e para o avanço missionário. O acesso à formação em curso de ensino superior de teologia, em todas as regiões do País, torna-se possível com o uso das tecnologias da informação e comunicação, cada vez mais acessíveis, na EaD. Os progressos alcançados nesta modalidade de educação, nas diferentes áreas do conhecimento, constituem desafios para a elaboração de um diferencial educacional na área teológica que alcance todas as regiões brasileiras, com educação de qualidade e encarnada nas situações nas quais os agentes de ministérios e de missões atuam. 15 O Estandarte, Caderno Especial de Atas, maio de 2011, p Ludhiana Ethel Kendrick Silva Bertoncello: A formação do teólogo com mais de 30 anos indd /2/ :40:30

132 Por fim, apontamos para a necessidade de um estudo mais aprofundado da experiência histórica da IPIB na área de educação teológica, com a previsão do impacto sobre o futuro da igreja como resultado das decisões tomadas sobre o assunto a partir de Referências bibliográficas Atas da Assembleia Geral da IPIB, Disponível em < php/downloads/category/5-atas-da-ag>. Acesso em: 08 jul BerkhoF, Hendrikus. La Doctrina del Espiritu Santo. Buenos Aires: La Aurora, BERTONCELLO, Ludhiana Ethel Kendrick Silva; DIAS, Aleksander Pereira. Inovações e novas tecnologias aplicadas ao Ensino Superior. Maringá, PR: Cesumar, BÍBLIA SAGRADA. Traduzida em Português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada no Brasil. 2 ed. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, BOFF, Leonardo. Igreja: carisma e poder. São Paulo, SP: Ática, CABRAL, Newton Darwin de Andrade; ARAGÃO, Gilbraz de Souza. Um ensaio de Educação a Distância: formação teológica ministrada através do Departamento de Pesquisa e Assessoria ( ). Revista de Teologia e Ciências da Religião, ano 6, n. 6, p.1-26 (2007). CAMPOS, Leonildo Silveira. O Seminário Teológico de São Paulo: notas históricas. São Paulo, SP: Pendão Real, 2005 (Cadernos de O Estandarte, p. 7-44). O Estandarte. Periódico oficial da IPI do Brasil. São Paulo: Pendão Real, GUAREZI, Rita Cassia Menegaez; MATOS, Márcia Maria de. Educação à distância sem segredos. Curitiba, PR: IBPEX, GIL, Antonio Carlos. Projetos de pesquisa. 3 ed. São Paulo, SP: Atlas, LESSA, Roberto Vicente Cruz Themudo et al de julho Um passado tão presente. São Paulo: Pendão Real, Livro de Ordem: Constituição, Código Disciplinar, Código Eleitoral, Estatuto, Padrão de Estatuto e Regimento Interno. Igreja Presbiteriana Independente do Brasil. São Paulo: Editora Pendão Real, LOPES, Nicanor. Formação teológica na modalidade da Educação a Distância. Revista Caminhando, v. 14, n. 2, p (jul./dez. 2009). MATIAS-PEREIRA, José. Educação superior a distância, tecnologias de informação e comunicação e inclusão social no Brasil. Economia Política das Tecnologias da Informação e da Comunicação, v. 12, n. 2, p.1-20, maio/ago Disponível em: < Acesso em: 8 jul MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Sistema e-mec. Instituições de Educação Superior e Cursos Cadastrados. Disponível em < Acesso em: 13 dez MOLTMANN, Jürgen. La Iglesia em la fuerza del Espíritu. Salamanca: Sígueme, Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd /2/ :40:30

133 OLIVEIRA, Silas. Educação Teológica no Sul: retrospectiva, história e perspectivas para o futuro. São Paulo, SP: Pendão Real, (Cadernos de O Estandarte, pp ). PARENT, Rémi. Uma Igreja de batizados: para superar a oposição clérigos/leigos. São Paulo, SP: Paulinas, p. PRETI, Oreste. Educação a distância e globalização: desafios e tendências. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 79, n. 191, p.19-30, Disponível em: < Acesso em: 8 jul RODRIGUES-OLIVEIRA, Áureo. Educação Teológica e a IPI do Brasil no Norte/ Nordeste. São Paulo, SP: Pendão Real, (Cadernos de O Estandarte, p ). SAAD, Pedro Fernandes. O estudo do papel potencializador da educação a distância na democratização do acesso à educação superior no Brasil, Dissertação (Mestrado em Administração). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SILVA, Eliane Moura; CARVALHO, Ana Beatriz Gomes. Políticas públicas em educação a distância e a formação de professores no Estado da Paraíba. In: Seminário Regional de Política e Administração da Educação no Nordeste, 4., 2006, Natal. Anais eletrônicos. Natal: [s. n.], Disponível em: < DISTANCIA_E_A_FORMACAO_DE_PROFESSORES_NO_ESTADO_DA_PARAIBA. pdf>. Acesso em: 12 jul TORRES, Patrícia Lupion; LUNARDI, Geovana Mendonça; VIANNEY, João. Qualificação dos agentes de formação profissional rural: uma experiência de pós- -graduação na modalidade a distância. Virtual Educa, Cidade do México, p.1-10, Disponível em: < &dsid=n02torreslup05.pdf>. Acesso em: 8 jul Ludhiana Ethel Kendrick Silva Bertoncello: A formação do teólogo com mais de 30 anos indd /2/ :40:30

134 Do cuidado da alma ao cuidado da vida: evoluções históricas do exercício do cuidado pastoral Parte II From care of soul towards care for life: historical evolutions of the exercise of pastoral care Part II Del cuidado del alma al cuidado de la vida: evoluciónes históricas del ejercicio del cuidado pastoral Parte II Ronaldo Sathler-Rosa RESUMO Este ensayo revisa literatura de referência sobre as diferentes ênfases do exercício do cuidado pastoral em diversas fases da história. A divisão da história aqui utilizada é aleatória. O texto tem dois objetivos principais: primeiro, recapitular essa prática milenar da Igreja; segundo, inspirar-se na vida e testemunho da Igreja, em sua trajetória histórica, para a contínua renovação do exercício do pastoreio cristão na atualidade. O foco centraliza-se nas interações de contexto sociocultural e correspondentes ênfases pastorais nos períodos históricos selecionados. Palavras-chave: Cuidado pastoral; teologia pastoral; contexto histórico; funções pastorais. ABSTRACT This essay examines the literature regarding the different emphases of the exercise of pastoral care in diverse historical phases. The historical division that is utilized here is random. The text has two principal objectives: first, to recapture this thousand year old practice of the Church; second, to inspire in the life and witness of the Church, in its historical trajectory, in order to maintain continuous renovation of current pastoral ac- tion. The focus is concentrated on socio-cultural interaction and correspondent pastoral emphases within the selected historical periods. Keywords: Pastoral care; pastoral theology; historical context; pastoral functions. RESUMEN Este ensayo revisa literatura de referencia sobre los diferentes énfasis del ejercicio del cuidado pastoral en diversas fases de la historia. La división de la historia utilizada aquí es fortuita. El texto tiene dos objetivos principales: primero, recapitular esa práctica milenar de la Iglesia; segundo, inspirarse en la vida y testimonio de la iglesia en su trayectoria histórica, para la continua renovación del ejercicio del pastoreo cristiano en la actualidad. El enfoque se centra en las interacciones del contexto sociocultural y sus respectivos énfasis pastorales durante los períodos históricos seleccionados. Palavras claves: Cuidado pastoral; teología pastoral; contexto histórico; funciones pastorales indd /2/ :42:45

135 Introdução Amamos todas as épocas, mas não adoramos nenhuma delas (Maurice, apud MARASCHIN, 1991, p. 95) Este artigo é continuação de publicação anterior sob o mesmo título (SATHLER-ROSA, 2012). À guisa de recapitulação, o trabalho que precede a este faz breves considerações sobre a expressão cuidado da alma, termo correspondente a cuidado pastoral para fins deste estudo. Analisamos três períodos históricos. Primeiro, o tempo da Igreja das origens, que se estende, aproximadamente, até o ano 180. A ênfase da prática do cuidado pastoral nesse período recai sobre o sustentar na fé face à expectativa da considerada iminente volta de Cristo. Segundo, revisitamos o tempo da Igreja sob perseguições, compreendido entre os anos 180 a 306. A preocupação pastoral prioriza a reconciliação com Deus e com a Igreja daqueles que haviam se desviado sob pressão das perseguições. O tempo denominado de cristandade, que é hegemônico na Igreja a partir dos tempos do imperador romano Constantino ( ) até a aurora da Idade Moderna (século 15), é o terceiro período analisado. As ações de cuidado pastoral na fase da cristandade giram, sobretudo, em torno da orientação dedutiva. Este artigo está dividido de acordo com a periodização sugerida pelo estudo referencial de William Clebsch e Charles Jaekle (1964). 1 Inicia-se com o tempo denominado de Igreja imperial, caracterizado pela chegada dos povos oriundos da Europa Ocidental. Ganha evidência o cuidado pastoral em forma de orientação indutiva. Na Alta Idade Média, aproximadamente por volta do século 11, os sacramentos assumem destaque substancial na prática do cuidado pastoral. Os tempos compreendidos como Renascimento e Reforma, a partir do século 14, enfatizam a reconciliação com Deus. Já durante o período marcado pelo Iluminismo, séculos 17 e 18, o exercício do cuidado pastoral é marcado pelo sustentar. Na era denominada de privatização da religião, ou era pós-cristã, a ênfase do cuidado pastoral recai, novamente, sobre a orientação. Igreja imperial: orientação indutiva A partir do século 5 emigram para os domínios do império os povos provenientes da região conhecida como Europa Ocidental. A experiência anterior sob Constantino mostrou-se útil para preparar a Igreja para persuadir os povos bárbaros de que a fé cristã ofereceria a resposta para suas dificuldades. A Igreja, como guardiã da civilização romana clássica e da religião cristã formal, preparou uma elite representada pelos monges 1 Há edição de 1994, por Jason Aronson Books. 128 Ronaldo Sathler-Rosa: Do cuidado da alma ao cuidado da vida indd /2/ :42:45

136 beneditinos, a quem cabia transmitir a cultura do império e fazer a interpretação da vida. Agostinho de Hipona ( ), personagem icônica desse período, em sua célebre Cidade de Deus procura demonstrar que o Estado jamais poderia realizar a plena justiça. Segundo Agostinho, só o Cristianismo seria capaz de fazê-lo. A Igreja, na cidade secular, representava o Reino de Deus e era considerada a única porta de entrada nesse Reino. Por sua vez as autoridades do império se serviam das instituições eclesiásticas para exercer sua autoridade sobre os povos recém-chegados, considerados incultos e rudes e que deveriam ser convencidos de que a religião cristã seria a sua salvação (CLEBSCH; JAEKLE, 1964, p. 21). Quais as modalidades principais do cuidado pastoral neste período? A prática dos monastérios tornou-se padrão para os crentes em geral: a vida ideal consistia em abandonar os desejos da carne por meio de desenvolvimento espiritual que eliminaria o orgulho e promoveria a humildade. As regras de São Benedito (529 d. C.) seguiam os doze passos da escada da humildade : do medo a uma vida de amor. Essas regras exerceram poderosa influência sobre a prática do cuidado pastoral na cristandade ocidental e foram incorporadas à piedade popular. 2 Esses modelos, ainda que passíveis de críticas e revisões à luz dos novos conhecimentos bíblico-teológicos e das ciências humanas e sociais visavam o desenvolvimento na vida cristã. Foram extremamente importantes para a prática do cuidado pastoral tanto entre monges como entre outras pessoas não ligadas à vida monástica. Clebsch e Jaeckle (1964, p. 22) afirmam: Enquanto a elite espiritual assumia a progressão total [na vida cristã] como seu ideal o povo secular era orientado por seus pastores a alcançar pelo menos os três primeiros passos da escada da humildade : temer a Deus, abandonar seus próprios desejos e obedecer à Igreja. Para a observância dessas práticas eram estabelecidas regras detalhadas e sanções eclesiásticas. Pastores deveriam garantir que essa 2 Os Doze Passos da Escada da Humildade consistiam em: 1) temer, constantemente a Deus lembrando que o inferno espera quem despreza a Deus, enquanto o céu espera quem O teme e que todas as ações humanas são informadas a Deus a cada hora; 2) nem amar sua própria vontade nem [ter] prazer em seus próprios desejos; 3) submeter-se em total obediência a seu superior; 4) suportar em silenciosa paciência todo obstáculo e mesmo injúrias que cerquem seu caminho; 5) não esconder seus pensamentos maus nem seus pecados secretos, mas, em humilde confissão, [deve] revelá-los a seu abade; 6) contentar-se com a humildade e considerar-se a si mesmo como mau e indigno trabalhador em tudo que lhe é dado a fazer; 7) não apenas considerar-se a si mesmo como inferior a todos os outros, mas, crer nisso na profundidade do coração; 8) não fazer nada a menos que seja autorizado pela regra monástica ou pelo exemplo do superior; 9) conservar-se em silêncio até que alguém faça alguma pergunta; 10) nunca ser fácil ou rápido para sorrir; 11) falar gentilmente, sem risadas, de maneira humilde e grave, em poucas e razoáveis palavras; 12) mostrar humildade a todos e em todos os feitos (CLEBSCH; JAEKLE, 1964, p ). Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd /2/ :42:45

137 teologia moral fosse seguida pelos crentes em sua vida cotidiana. Portanto, a orientação pastoral procurava induzir o povo a interpretar suas vidas a partir dessas regras, cuidadosamente planejadas, rìgidamente administradas e estritamente sancionadas. Procuravam, então, responder a seu contexto histórico e social: Esses instrumentos foram planejados para conduzir à vida cristã os povos incivilizados e vigorosos da Europa durante os primórdios das Idades Médias (CLEBSCH; JAEKLE, 1964, p ). Em fins do século 6, Gregório, o Grande ( ) definiu o propósito do cuidado pastoral como sendo guiar as pessoas em dificuldades na fé cristã e estabeleceu normas para o culto e para a moralidade. Diante de uma sociedade considerada sem padrões morais os pastores incrementavam os ritos sacramentais e estabeleciam práticas para enfrentar todas as crises comuns da vida de indivíduos e grupos. Por exemplo: os pastores ensinavam as pessoas em dificuldades a expor essas dificuldades perante a Igreja para serem reconhecidas e, assim, receberem alívio. A prática da confirmação é aplicada a adolescentes como sinal da graça administrada a jovens que alcançaram a idade em que são capazes de fazer juízos e que tenham demonstrado conhecimentos elementares dos ensinos cristãos. As características culturais dos povos francos e teutônicos levaram os guias pastorais a focalizar as ações de cuidado pastoral em questões ligadas à moralidade sexual e na autodisciplina tendo em vista os apetites naturais. O cristianismo seria um freio no paganismo naturalista dos bárbaros (CLEBSCH; JAEKLE, 1964, p. 23). Ao longo dos primórdios das Idades Médias o cuidado pastoral desenvolveu-se, portanto, de modo indutivo: convencer os evangelizados de que os ensinos da Igreja eram melhores do que aqueles de suas culturas de origem. Argumentação e manuais eram as principais ferramentas. Os meios se multiplicavam à medida que as culturas da cristandade e dos bárbaros se mesclavam. A necessidade de objetivação das realidades espirituais, características da recém-chegada cultura, foi elemento condicionante para o surgimento da ênfase nos sacramentos. Longas listas de pecados e respectivos meios de arrependimento circulavam entre os novos convertidos. Pastores tinham à sua disposição um conjunto de procedimentos, estabelecidos pela Igreja, para assistir a pessoas em dificuldades. O cenário volta a mudar na Alta Idade Média, como veremos a seguir. Alta Idade Média: sacramentos Em fins do século 11 a Igreja era parte importante da vida diária da sociedade europeia. A religião tornou-se fator de coesão social. Nas figuras gêmeas dos papas e dos imperadores romanos a Europa encontrou sua unidade e sua universalidade. Que formas o exercício do pastoreio 130 Ronaldo Sathler-Rosa: Do cuidado da alma ao cuidado da vida indd /2/ :42:45

138 assume? Focalizava no poder da graça divina para curar tanto as deformações inerentes [aos humanos] como aquelas acidentais da existência humana (CLEBSCH; JAEKLE, 1964, p. 24). Os pastores facilitavam as curas por meio da graça que se tornava acessível na objetividade dos sacramentos. A paróquia torna-se centro irradiador dos meios de graça. Homens e mulheres, de variadas condições, buscavam na paróquia de sua área geográfica e social os remédios de que necessitavam para a cura física ou espiritual. 3 Os sacramentos ganham particular importância. Tanto como meios de graça no cotidiano e também como meios para suster os fiéis na jornada cristã até seu final. O sacramento da ordenação habilitava os pastores para o cuidado junto às pessoas em atribulações físicas e espirituais. O batismo conduzia os pecadores a uma condição espiritual primária levando-os, assim, a superar as conseqüências do pecado original. Outros sacramentos serviam para veicular a graça curadora em ocasiões que representavam transições e riscos ao bem-estar das pessoas. Por exemplo: a confirmação durante a fase da adolescência, o matrimônio, a extrema unção aos doentes terminais, a penitência por atos pecaminosos. Destaca-se na literatura eclesiástica da época o manual pastoral chamado Corrector et medicus organizado por Burchard, bispo da Sé de Worms entre os anos 1000 e 1025 A ênfase na busca da cura prevaleceu naqueles tempos. O próprio Burchard explica a intenção do manual: É chamado de Corretor e o Médico por conter amplos corretivos para os corpos, remédios para as almas e ensina a todo sacerdote, mesmo o inculto, como tornar-se capaz de ajudar a cada pessoa, ordenada ou não; pobre ou rica; adolescente, jovem ou homem maduro; decrépito, saudável ou enfermo; de meia idade; e de ambos os sexos (apud CLEBSCH; JAEKLE, 1964, p. 24). 4 3 O termo cura possui várias interpretações. No contexto do período histórico aqui denominado de Alta Idade Média a cura acha-se fortemente associada à confissão de pecados e às respectivas disciplinas, ou práticas penitenciais. Embora as formas geralmente prescritas no passado estejam sujeitas a revisões não se pode negar que a confissão, a introspecção e a autorreflexão que se seguem são altamente curadoras. Restauram o indivíduo à condição essencial de viver em comunhão com o Criador para ser aquilo que toda pessoa é chamada a ser: íntegra, salva ou curada. Curar-se é, portanto, viver harmoniosamente com Deus. Segundo Hiltner (1958, p. 89) a cura pode significar, também, a restauração de condição que se tenha alcançado anteriormente e que se perdeu. Isso não implica necessariamente que o resultado da cura será o mesmo em aspectos específicos das condições anteriores. Entretanto, há recuperação da integridade funcional. Por exemplo: um homem que perdeu seus rins é curado quando o outro rim altera-se para realizar o trabalho dos dois. Em detalhes estruturais a nova integridade não é a mesma que tinha antes que um rim fosse perdido. Mas, em termos de funcionamento do corpo todo, incluindo a realização das funções dos rins, a unidade do ser foi restaurada. 4 The corrector of Burchard of Worms [O corrector de Burchard de Worms], Medieval Handbooks of Penance [Manual medieval de penitência]. Tradução John T. McNeill, Helena M. Gamer, New York: Columbia University Press, 1938, p Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd /2/ :42:45

139 Diagnóstico e respectivo remédio constituíam a essência do escrito de Burchard. 5 O deslocamento das populações de sua raiz agrária para as cidades emergentes e a ascensão da classe burguesa e dos artesãos assinalou, para a Igreja, um novo contexto sociocultural. As paróquias tradicionais já não respondiam satisfatoriamente às novas condições de existência das populações. Surgem, então, as ordens religiosas dos mendicantes, os franciscanos e os dominicanos. Sua missão consistiria em lembrar a Igreja de sua missão com as pessoas desenraizadas de sua base agrária. Nesse período a Igreja estabelece seu sistema sacramental definindo os sete sacramentos reconhecidos pelo catolicismo. O Quarto Concílio de Latrão (1215) reage à enorme variação das práticas penitenciais por meio das quais eram exercidas as funções de suster e reconciliar. Estabelece normas pastorais. Por exemplo: pressupondo que enfermidades são, às vezes, causadas pelo pecado, os sacerdotes deveriam derramar vinho e óleo nas feridas do enfermo. Essa prática deveria preceder à aplicação de medicamentos pelo médico, pois a restauração primeira da saúde espiritual é, então, considerada condição para a eficácia do tratamento médico. A normatização das práticas pastorais mostrou-se insatisfatória para atender às muitas necessidades da ascendente classe média na vida urbana e as mudanças econômicas provocadas pela emergência das cidades. Entretanto, esse período marcou a importância da graça divina mediada pelos sacramentos para o exercício das tarefas pastorais. O que muda nas práticas de cuidado pastoral no período do Renascimento? É nossa próxima discussão. Renascimento e Reforma: reconciliação com Deus Os séculos 14 a 16 caracterizam-se por certa ênfase uniforme no cuidado pastoral: levar as pessoas à reconciliação com Deus. A oportunidade da reconciliação, em inícios dessa era, se dava, principalmente, pela mediação pastoral do perdão divino ou pela assistência pastoral para que as pessoas alcançassem, misticamente, esse perdão. Ainda segundo Clebsch e Jaekle (1964, p. 26) no século 16 os pastores se serviam também da disciplina para a reconciliação. Defrontamos, nesse período, com o renascer do ser humano como responsável por sua própria salvação. 6 5 Sobre diagnóstico na prática de cuidado e aconselhamento pastoral ver Ramsay (1998) e Pruyser (1976). 6 O movimento cultural e humanista chamado, impropriamente para alguns, Renascimento, de longa gestação nos países da Europa ocidental a partir do século 13, atinge seu apogeu no século 16. Entre outras notáveis mudanças ressalte-se o distanciamento das tendências totalitárias da religião e maior reconhecimento da liberdade humana. Alguns dos resultados desse clima cultural foram o individualismo, o secularismo e o humanismo (SAVELLE, 1968, p. 334). 132 Ronaldo Sathler-Rosa: Do cuidado da alma ao cuidado da vida indd /2/ :42:45

140 A questão da certeza da salvação era central no clima cultural do Renascimento. Lutero personificou a busca dessa certeza. No início do movimento da Reforma os meios de garantir-se a certeza da salvação já estavam bem desenvolvidos. Essa certeza tornou-se a grande busca durante o tempo do Renascimento. Diante disso a prática sacramental torna- -se relativamente secundária face à busca por uma experiência religiosa variada e altamente pessoal. Voltam nesse período as antigas prescrições de disciplina espiritual de Bernard de Clairvaux ( ). A confissão auricular era considerada essencial para obter-se o perdão divino. Por outro lado, Lutero se preocupava com o fato de que a reconciliação do ser humano com Deus se transformasse em algo banal e mecânico. Nesse período surgiram várias formas de reconciliação dentro do movimento reformista, tanto na Igreja católica como na protestante. Uma das mais notáveis foi desenvolvida pelo espanhol Inácio de Loyola (1491 ou ), fundador da Sociedade de Jesus. Seus Exercícios espirituais intentavam guiar o fiel no caminho da alienação de Deus para a completa reconciliação. Na região do rio Reno, na Europa, Martin Bucer e Calvino criaram sistemas de disciplina eclesiástica que expõem em detalhes as maneiras pelas quais a reconciliação do crente com Deus envolvia a reconciliação com seus irmãos. Na cristandade de fala inglesa William Tyndale e outros realçaram, também, a reconciliação com Deus como caminho para a reconciliação entre os humanos (CLEBSCH; JAEKLE, 1964, p. 27). A variedade de situações em que se desenvolveu a reconciliação pressionou os pastores a compreender e a engajar-se no dia-a-dia da vida das pessoas. No mundo protestante isso se traduziu no encorajamento para que os pastores se casassem levando-os, portanto, a assumir plenamente suas responsabilidades sociais e econômicas. Do lado católico-romano a resposta foi um reexame da formação de sacerdotes e a aceitação do envolvimento jesuíta na vida da sociedade em substituição ao isolamento da vida monástica. Nesse período histórico a função pastoral de reconciliação tornou-se tão preponderante que ofuscou as funções de cura, sustento e orientação. Passamos em seguida a examinar a prática do cuidado pastoral no tempo do Iluminismo. Iluminismo: sustentar na fé O foco é no sustento das almas em contexto marcado por traições e armadilhas de um mundo ameaçador e perverso. Os séculos 17 e 18, tempos do Iluminismo marcam uma grande mudança de mentalidade que altera a compreensão do papel da religião: as explicações e entendimento da vida e do mundo não necessariamente se baseavam em referências a Deus ou à religião. O cristianismo atém-se então à preocupação com a Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd /2/ :42:45

141 imortalidade da alma como o principal interesse da religião e sobre a realização de moralidade pessoal como o principal valor da religião. Portanto, o cuidado pastoral durante essa era focalizou-se no sustento das almas humanas através das perplexidades, dificuldades e ciladas de sua jornada terrena e, de maneira secundária, na orientação dos crentes para os caminhos da moralidade pessoal (CLEBSCH; JAEKLE, 1964, p. 28). A obra de Richard Baxter ( ), The reformed pastor (O pastor reformado), publicada em 1656, era considerada referência para o ministério do cuidado das almas. 7 Baxter ensinava que o pastoreio das almas consistia em duas coisas : mostrar aos humanos que a felicidade, ou o bem supremo, devem ser seu fim último; torná-los conhecedores dos meios corretos de alcançar-se esse fim e ajudá-los a usar esses meios. Realçava que a felicidade prometida seria alcançada na vida futura e não na vida presente (CLEBSCH; JAEKLE, 1964, p. 28). Suster e orientar assume ênfases diversas. A célebre obra O peregrino, de John Bunyan, publicada em 1678 e traduzida em mais de cem idiomas, é representativa dessa era: a Bíblia é escudo e guia no caminho cristão em meio aos obstáculos da vida terrena rumo à plena felicidade na outra existência. Luteranos, reformados e anglicanos enfatizavam o valor da vida escorreita como decorrência da fé correta. O pietismo germânico, que se expressou no entusiasmo evangélico na Inglaterra, buscava induzir e nutrir uma religião do coração onde a alma pudesse encontrar refúgio de ataques sobre o dogma cristão tradicional. Já no catolicismo romano os ritos, as cerimônias e o visual visavam sensibilizar os fiéis para não serem seduzidos pelos interesses seculares. Conforme Clebsch e Jaekle (1964, p. 29) essa diversificação de contextos exigiu que os pastores se tornassem especialistas em religiões pessoais experimentais, e juntos desenvolveram vários tipos de teologia pastoral, ou pastoralia, como meios visando aquele fim. Emerge o interesse pela psicologia da religião como potencial instrumento para ajudar os pastores a descobrir e descrever os tipos de problemas em que os crentes deveriam ser sustentados. Procura-se compreender os processos humanos que levam à conversão. As funções pastorais de suster e reconciliar se encontram agora em estreita relação: a reconciliação como conversão e o suster em meio às ameaças à fé. Durante essa fase há declínio do interesse pastoral por práticas de bruxaria e outras assemelhadas visto que as artes da cura desenvolveram tal progresso que as explicações físicas e psicológicas para curas de doenças e de comportamento irracional substituíram a explicação de 7 Há tradução relativamente recente para o Português: Baxter (2008). 134 Ronaldo Sathler-Rosa: Do cuidado da alma ao cuidado da vida indd /2/ :42:45

142 possessão demoníaca e as curas por exorcismo ou suplício (CLEBSCH; JAEKLE, 1964, p. 29). O ser humano do Iluminismo, embora tenha consideração pelo cristianismo, considerava a natureza humana como imutável e capaz de um novo florescer ao livrar-se das amarras da tradição, afirmam Clebsch e Jaekle (1964, p. 29). Portanto, na medida em que a educação avançava e os cuidados com a higiene se expandiam, contribuindo para a saúde corporal, o ministério pastoral nutria e sustinha a alma para [alcançar] seu elevado e eterno destino. A meta principal do cuidado pastoral, apoiada na ênfase conversionista e na preocupação moralista em guiar os fiéis, era a virtuosidade religiosa pessoal. Há pressão sobre os pastores para que deem o exemplo dessa virtuosidade. Por outro lado, tornam-se profissionais da religião Ante a impossibilidade de conformar-se a esse elevado padrão de vida cristã surgem diferentes reações. Aparecem movimentos posicionando-se pelo pastorado leigo, exemplificados nas sociedades pietistas germânicas e nas classes wesleyanas na Inglaterra. No catolicismo, os jansenistas e os molinistas foram duramente atacados pelos jesuítas por alinharem-se em favor da irrepreensibilidade na vida cristã. Aqui uma importante diferença: na Igreja das origens a função pastoral de sustento foi hegemônica diante da perspectiva do fim iminente da história. Já no período do Iluminismo o ministério do suster tornou- -se principal tendo em vista a valorização da existência na história e as esperanças que esse sentimento despertava. Nesse clima psicossocial de supervalorização da existência na história o sustento pastoral visava demonstrar aos fiéis que sua plena felicidade situava-se além da existência na história. A era pós-cristã: orientação dedutiva Alteram-se as contingências socioculturais. Entre a Revolução Francesa ( ) e a Primeira Guerra Mundial ( ) ocorre nova onda de confiança e valorização da cultura. A contrapartida foi a ampla tendência de considerar a religião como algo estritamente privado à escolha dos indivíduos. Friedrich Schleiermacher ( ), pai da moderna teologia protestante, exerceu, nesse período, considerável influência. Escreveu em Sobre a religião: discursos às pessoas cultas que a desprezam (1799): De acordo com os princípios da verdadeira igreja, a missão de um sacerdote no mundo é um negócio privado, e o templo também deve ser uma câmara privada onde erga sua voz para conferir expressão à religião (apud CLEBSCH; JAEKLE, 1964, p. 30; DESROCHE, 1975, p ). A insistência sobre o caráter privado da religião levou os dirigentes de Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd /2/ :42:45

143 várias nações europeias a pressionar o papa Clemente XIV para extinguir a Sociedade de Jesus, em 1773, sob a alegação de que os jesuítas exerciam forte controle sobre as funções públicas da Igreja. O pertencer à Igreja torna-se uma questão de decisão livre e pessoal. Favorece o pluralismo religioso. A função pastoral de orientar assume, consequentemente, caráter pluralístico. A preocupação de ajudar a pessoas em dificuldades em situação de diversidade religiosa e de privatização da religião prepara o caminho para maior atenção aos conhecimentos sobre a alma humana disponibilizados pela psicologia e pela psicologia da religião. Esse período de mudanças psicossociais e religiosas propiciou o surgimento de movimentos nacionalistas, da moralidade burguesa e da revolução industrial. Esse novo clima cultural contribuiu para reduzir a noção prevalente que identificava os povos de então como naturalmente cristãos. O Estado deixa de ser o protetor da Igreja. O cristianismo se edifica sobre novas bases culturais. A era de privatização da religião altera o modo do cristianismo exercer sua missão, porém, não elimina, totalmente, sua influência social. Por exemplo, os movimentos de reavivamento, notadamente no século 19, tornaram-se fontes gigantescas da expansão missionária das Igrejas de corte protestante. A mensagem dessas missões apelava para a decisão pessoal de aceitar a Jesus Cristo como Senhor e Salvador. O cristianismo transforma-se em guardião da ética burguesa da respeitabilidade : valoriza a moralidade pessoal e enfatiza a necessidade do trabalho voluntário em favor de uma sociedade mais justa. A família, espaço no qual se poderia discutir as convicções privadas, ocupa espaço da maior importância para as preocupações pastorais da Igreja. O novo clima cultural e religioso leva a prática pastoral da cura das almas em seu modo de orientação a conduzir tanto crianças como adultos no caminho de viver de maneira prudente e correta em acordo com os ensinamentos da Igreja. A função de orientar assume proeminência como recurso eficaz a ser oferecido livremente ao indivíduo em sua existência terrena. Uma das metas era levar as pessoas a uma convincente e benéfica consciência da presença de Deus. Uma das consequências desse novo contexto foi a multiplicação de experiências religiosas, maior mesmo do que a diversidade das religiões em si mesmas. A experiência religiosa adquire, tanto em nível de sua realização no indivíduo como em esforços por sistematização e classificação, uma fundamental consideração. Provam-no, por exemplo, os estudos referenciais de William James (1995). Pastores colocavam forte acento em sua função de especialistas nessas variedades de experiências religiosas. Quanto às funções de curar, suster e reconciliar essas se tornaram, de certo modo, subsidiárias em relação à função de orientar. O ministério 136 Ronaldo Sathler-Rosa: Do cuidado da alma ao cuidado da vida indd /2/ :42:45

144 subjetivo do suster transforma-se em conforto diante das realidades da existência. A reconciliação, enquanto perdão de Deus é substituída pelo apelo à decisão para seguir a Cristo. O ministério de orientar, com base nas próprias convicções religiosas dos indivíduos, oferecia critérios para as pessoas tomarem as pequenas e grandes decisões durante o seu viver. Considerações finais Não condeno os teólogos [antiquários] porque reverenciam o passado, mas por causa de sua frieza e alienação diante dos desejos do presente e pela sua falta de visão do futuro (MAURICE, apud MARASCHIN, 1991, p. 95). Este artigo reexaminou as principais práticas de cuidado pastoral durante cinco fases da história do cristianismo. De maneira sucinta, identificou-se o contexto eclesial e cultural de quatro dessas estações da jornada da igreja. Nelas, foram indicadas as respectivas perspectivas pastorais hegemônicas. O período chamado de Igreja imperial marca o tempo da chegada dos povos europeus ocidentais aos domínios do império. O exercício do cuidado pastoral concentrou-se na orientação indutiva, isto é, visava convencer os povos recém-chegados a que aceitassem o cristianismo e que moldassem seus costumes à fé cristã. Seguiu-se a etapa identificada como Alta Idade Média. O pastoreio cristão realçou a cura da pessoa, especialmente pela participação nos sacramentos. No tempo do Renascimento e da Reforma, voltou à ênfase sobre a reconciliação, especificamente na reconciliação com Deus. O tempo do Iluminismo priorizou o sustento das almas em meio a um mundo ameaçador e perverso. Finalmente, o período chamado de privatização da religião, ou era pós-cristã, as ações prioritárias de cuidado pastoral recaem sobre a ética: visavam orientar os fiéis a viverem em conformidade com os ensinamentos do evangelho. Até aqui as várias perspectivas de cuidado pastoral adotadas pela Igreja em sua trajetória histórica foram observadas. Nota-se que essa diversidade de ênfases, sem excluir outras dimensões do cuidado pastoral e procurando manter-se fiel às interpretações dadas à tradição cristã, as diferentes formas de cuidado pastoral procuravam responder à emergência de mutáveis ambientes culturais. A seguir serão indicadas, em forma esquemática devido aos limites deste ensaio, duas grandes linhas que, ancoradas nas dinâmicas tradições da história, devem caracterizar as ações de cuidado pastoral nas sociedades e igrejas na contemporaneidade. Primeiro, ampliamos aqui indicação feita na Parte I. A prática do cuidado pastoral deve ter como um de seus objetivos motivar a comunidade de fé a tornar-se o núcleo principal gerador de cuidados mútuos. Desloca- -se o foco da pessoa ordenada ao ministério pastoral para a comunidade. Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd /2/ :42:46

145 A comunidade torna-se o contexto que irradia a vocação do cuidar e que, desde pequenos gestos até acompanhamentos que exigem mais preparo e disponibilidade de tempo, são exercidos por todas as pessoas que dela participam. Essa perspectiva coaduna-se às melhores hermenêuticas neotestamentárias que mostram o sacerdócio universal de todos os crentes exercido pelas pessoas que compunham o Corpo de Cristo nas igrejas das origens. Vale lembrar que a palavra pastor (poimén), quando usada para designar o ofício de uma só pessoa na Igreja do Novo Testamento, aparece apenas uma vez (Ef 4.11). A perspectiva do pastorear é usada com maior frequência como verbo e não como substantivo. E essa função era, essencialmente, atribuição de todas as pessoas que desejassem permanecer no seguimento de Jesus. Assim, rompe-se com a barreira da hierarquia e cria-se o padrão da solidariedade e de cuidado mútuos. Pastores e pastoras ordenados/as assumem, neste contexto, além do cuidado no ambiente da mutualidade, como tarefas prioritárias estimular e preparar os membros das igrejas a exercerem seus próprios ministérios (cf. Ef ). Segundo, a educação de agentes pastorais e das comunidades das igrejas para o convívio respeitoso, ainda que crítico de posições consideradas equivocadas, com as variedades das experiências religiosas. Isso implica em reconhecer que, embora algumas expressões de religiosidade causem desconforto em pessoas acostumadas com determinada tradição eclesial, o fenômeno da religiosidade humana não se enquadra em padrões rígidos e pré-estabelecidos. Essa atitude educadora reconhece, igualmente, que condições culturais, carências individuais, faixa etária, falta de maior atenção pública ao indivíduo, relacionamentos marcados por violência, entre outros fatores, influem, consideravelmente, na expressão da busca por sentido por meio da religião. Ajuda muito também procurar conhecer e compreender a história de vida das pessoas. Esses dois elementos, juntamente com outros, podem contribuir significativamente para a criação de novas perspectivas do exercício do cuidado pastoral e de suas correspondentes matrizes teórico-teológicas que sejam, simultaneamente, fiéis às legítimas tradições do pastoreio e responsivas aos atuais contextos culturais e religiosos. Referências bibliográficas AUGSBURGER, D. Pastoral counseling across cultures [Aconselhamento pastoral através das culturas]. Philadelphia: The Westminster Press, A BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulinas, BAXTER, R. Manual pastoral do discipulado. Tradução de Elizabeth Gomes. São Paulo: Cultura Cristã, BOFF, L. Saber cuidar. Ética do humano, compaixão pela terra. Petrópolis: Vozes, 138 Ronaldo Sathler-Rosa: Do cuidado da alma ao cuidado da vida indd /2/ :42:46

146 2001. BONNARD, P. Salvação. In: ALLMEN, J.J. von. (Ed.). Vocabulário bíblico. 2. ed. São Paulo: ASTE, CLEBSCH, W. A.; JAEKLE, C. R. Pastoral care in historical perspective [Cuidado pastoral em perspectiva histórica]. Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall International, CLAIRVAUX, B. The twelve degrees of humility and pride [Os doze degraus da humildade e do orgulho]. Tradução de Barton R. V. Mills. Londres, SPCK, New York and Toronto, The Macmillan Co., DESROCHE, H. O homem e suas religiões, São Paulo: Paulinas, DICIONÁRIO CALDAS AULETE. 2. ed. GARCIA, H. (Rev.). Rio de Janeiro: Delta, GRAHAM, L. K. Care of persons, care of worlds [Cuidar de pessoas, cuidar de mundos]. Nashville: Abingdon, GREEVES, F. Theology and the cure of souls. An introduction to pastoral theology [Teologia e a cura das almas. Uma introdução à teologia pastoral]. Manhasset, NY: Channel Press, GUTIERREZ, G. Líneas pastorales de la iglesia en América Latina. Analisis Teologico [Linhas pastorais da Igreja na América Latina. Análise teológica]. 8. ed. Lima: Centro de Estudios y Publicaciones, HILTNER, S. Preface to pastoral theology [Prefácio à teologia pastoral]. Nasville, TN: Abingdon, JAMES, W. As variedades da experiência religiosa. Um estudo sobre a natureza humana. São Paulo: Cultrix, MARASCHIN, J. Igreja a gente vive. Porto Alegre: Departamento de Comunicação da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, MAYER, H. T. Pastoral care. Its roots and renewal [Cuidado pastoral. Suas raízes e renovação]. Atlanta: John Knox Press, McNEILL, J. T. A history of the cure of souls [Uma história da cura das almas]. New York: Harper & Brothers, ODEN, T. C. Care of souls in the classic tradition [Cuidado das almas na tradição clássica]. Philadelphia: Fortress Press, PORTEOUS, N. W. S. In: BUTTRICK, G. A. (Ed.). The interpreter s dictionary of the Bible [Dicionário interpretativo da Bíblia]. New York/Nasville: Abingdon, PRUYSER, P. W. The minister as diagnostician personal problems in pastoral perspective [O ministro como diagnosticador problemas pessoais em perspectiva pastoral]. Philadelphia: Westminster Press, RAMSAY, N. J. Pastoral diagnosis: a resource for ministries of care and counseling [Diagnose pastoral: um recurso para ministérios de cuidado e aconselhamento]. Minneapolis: Fortress Press, REILY, D. A. Ministérios femininos em perspectiva histórica. Campinas/São Bernardo do Campo: Cebep/Editeo, Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd /2/ :42:46

147 RICHARD, P. Morte das cristandades e nascimento da igreja. São Paulo: Paulinas, SCHNEIDER, N. Alma (corpo, espírito). In: BORTOLLETO, F. F.; SOUZA, J. C.; KILPP, N. (Ed.). Dicionário brasileiro de teologia. São Paulo: ASTE, SATHLER-ROSA, R. Uma aproximação crítica de concepções e práticas atuais de aconselhamento pastoral. In: SANTOS, H. (Ed.). Dimensões do cuidado e aconselhamento pastoral. Contribuições a partir da América Latina e Caribe. São Paulo/São Leopoldo, ASTE/Cetela, Cuidado pastoral em tempos de insegurança. Uma hermenêutica contemporânea. 2. ed. São Paulo: ASTE, (Org.). Culturas e cristianismo, São Paulo: Loyola/UMESP, SAVELLE, M. (Coord). História da civilização mundial. Belo Horizonte: Itatiaia, The corrector of Burchard of Worms [O corrector de Burchard de Worms]. Medieval Handbooks of Penance [Manual medieval de penitência]. Tradução John T. McNeill, Helena M. Gamer. New York: Columbia University Press, TILLICH, P. A era protestante. São Paulo: Ciências da Religião, Ronaldo Sathler-Rosa: Do cuidado da alma ao cuidado da vida indd /2/ :42:46

148 Resenhas Books Reviews Reseñas indd /2/ :46:32

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150 Bíblia sagrada com reflexões de Lutero [Resenha] Holy Bible with reflections by Luther [Portuguese edition] [Book Review] Santa Biblia con reflexiones de Lutero [Reseña] Helmut Renders Resumo Resenha do livro: Bíblia sagrada com reflexões de Lutero. Almeida Revista e Atualizada. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, xvi p. AbstRAct Book review of: Bíblia sagrada com reflexões de Lutero. Almeida Revista e Atualizada. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, xvi p. Resumen Reseña del libro: Bíblia sagrada com reflexões de Lutero. Almeida Revista e Atualizada. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, xvi p. É uma felicidade que a revista com o Dossiê Milton Schwantes coincida com o recente lançamento da Sociedade Bíblica do Brasil (SBB): uma edição da Bíblia com reflexões de Lutero. Parabenizamos a SBB pela realização desse projeto, cuja execução provém de longa data, na proximidade das celebrações dos 500 anos das 95 teses de Lutero, em A SBB e o grupo dos editores da IECLB (Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil) e da IELB (Igreja Evangélica Luterana do Brasil) unem nesta edição informações sobre o reformador e a sua época e familiarizam quem a lê com algumas das suas obras e seus pensamentos centrais de duas formas: por trechos maiores, localizados na parte introdutória, antes do AT e NT e no apêndice e trechos menores das obras integrados ao próprio texto bíblico. Trechos maiores p. xi-xii: Breve retrospectiva histórica sobre a Reforma Luterana; p. xii-xiii: Minibiografia de Lutero; p. xv: Folha de rosto da primeira edição da Bíblia traduzida por Lutero de 1545; p. xvi: Abertura do livro dos salmos dessa edição de 1545; p. 3-9: Prefácio ao Antigo Testamento de Lutero de 1545; p : Prefácio ao Antigo Testamento de Lutero de 1546; Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd /2/ :46:32

151 p : Prefácio de Lutero para as Prédicas semanais sobre Mateus 5-7 de 1530/1531; p : O comentário de Lutero sobre 1 Coríntios 15; p : Prefácio de Lutero do Comentário da Epístola aos Gálatas de 1535; p : Breve instrução sobre o que se deve procurar nos Evangelhos e esperar deles de 1522; p : Uma seleção dos hinos compostos por Martinho Lutero; p : Prefácio do Catequismo Menor para os pastores e pregadores indoutos. Os textos criados ou escolhidos são centrais e funcionais no mesmo tempo. A história e minibiografia servem como uma primeira informação, os prefácios e as instruções aproximam a ipsima vox do reformador e os hinos relacionam a sua teologia com a vivência da fé e explicam seu impacto no povo da época. Aliás, cientes do desafio de apresentar um texto cantável e próximo ao original, os editores optaram por duas versões de tradição de cada canção. Metodistas se lembram de que, dentre os textos de Lutero, o Comentário da Epístola aos Gálatas foi fundamental para a experiência religiosa de Charles Wesley e, três dias depois, o prefácio do Comentário da Epístola aos Romanos para a de John Wesley, em Aldersgate. Seria também bom para os metodistas contemporâneos saber o que Lutero escreveu sobre a ambiguidade da experiência religiosa em termos gerais, mas, isso vai além do propósito desta resenha. Trechos menores, integrados ao texto bíblico A grande ênfase desta obra, porém, está nos trechos integrados ao texto bíblico. Na maioria das páginas que contêm o texto bíblico encontramos de um a seis comentários, sempre com clara referência a um versículo. Elas conduzem a um encontro com o reformador, sua obra e seus pensamentos. A opção por essa forma traz diversas vantagens, que hoje compreendemos como essenciais para o futuro desenvolvimento do protestantismo, se não até do cristianismo brasileiro. Primeiro, ela facilita a descoberta de um aspecto exemplar da teologia de Lutero, a sua concepção de hermenêutica como norma normans do texto bíblico. Lutero apresenta uma nova hermenêutica, alternativa à interpretação alegórica das épocas anteriores. Isso, porém, não é dito explicitamente pelos editores, entretanto, pode ser descoberto ao longo da leitura. Nesta questão, os editores tinham que contornar outro desafio ao qual Lutero respondeu com a sua própria tradução de A edição brasileira baseia-se na tradução de 144 Helmut Renders: Bíblia sagrada com reflexões de Lutero [Resenha] indd /2/ :46:32

152 Almeida em um texto tendencialmente calvinista, mas, com certeza, não luterano. Não conseguimos identificar a menção deste, no mínimo, potencial problema e, de fato, também não identificamos conflitos entre o texto apresentado por Almeida e os comentários de Lutero. Mesmo assim, receamos que a tendência de espiritualização da Almeida e a (de nosso ponto de vista louvável) tentativa de aterrissagem da teologia luterana não combinassem muito bem em todas as passagens. Por exemplo, em Tito 3.5, lê a Almeida o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo, já na tradução luterana, desde 1545, lemos durch das Bad der Wiedergeburt und Erneuerung (des heiligen Geistes [1545] / im heiligen Geist [1983]) ( pelo banho do renascimento e pela renovação do Espírito ). Esta tradução, com todo respeito à Almeida, combina muito bem com a estrutura do texto grego (dia. loutrou/ paliggenesi,aj kai. avnakainw,sewj pneu,matoj a`gi,ou..) e seria fundamental para uma teologia sacramental. Em mais um ponto a SBB, aliás, não segue Lutero. A sequência dos livros do NT não contempla a transferência dos livros Hebreus e Tiago entre as cartas de João e a carta de Judas, mas, mantém a ordem calvinista ou reformadora. Mas, talvez seja isso não uma das preocupações maiores da IECLB, sendo ela quase uma Igreja Unida, no mínimo, uma igreja que sempre integrava grupos mais reformados. Houve um cuidado em tirar dos comentários de Lutero trechos com afirmações polêmicas e, por vezes, ofensivas (p. vii). Este tipo de cuidado é muito respeitoso e ajuda a ler Lutero com sua contribuição sem fixação nos conflitos da época. É isso é correto, porque a grandeza de Lutero transcende a época do início da modernidade. É um comentário indireto dos editores e representa uma opção para uma teologia eirênica e ecumênica. Admitimos, aqui e lá, que gostaríamos de ter ouvido um pouco mais sobre o desenvolvimento da teologia luterana desde Lutero, especialmente, em relação à ortodoxia luterana, ao pietismo (que se referiu muito ao Lutero) e à nova abertura da teologia luterana depois de 1960, inclusive, brasileira. Considerações intermediárias Fora dessas questões, fica o prazer de ler Lutero com sua linguagem forte e, ao mesmo tempo, pastoral-existencial, clara e diferenciada, um pastor-teólogo e teólogo-pastor, Dr. Martinho e o Seelsorger, aquele que cuida da alma, que sabia escrever cartas para seu cabeleireiro e Erasmo de Rotterdã. Assim, parabenizamos a SBB e os responsáveis da IECLB e da IELB pelo imenso trabalho investido. Acreditamos que esta edição seja capaz de provocar o prazer de ler a Bíblia e a alegria de responder àquilo que se recebe dela com a própria vida. Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd /2/ :46:32

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154 Os tempos da Igreja de todos os tempos [Resenha] The times of the Church of all times [Book Review] Los tiempos de la Iglesia de todos los tiempos [Reseña] José Carlos de Souza Resumo Resenha do livro STONE, Bryan P. (ed.). A Reader in Ecclesiology. Farnham, Surrey: Ashgate, 2012 [Série: Ashgate Contemporary Ecclesiology] 271p. AbstRAct Book revie of STONE, Bryan P. (ed.). A Reader in Ecclesiology. Farnham, Surrey: Ashgate, 2012 [Ashgate Contemporary Ecclesiology Series] 271p. Resumo Reseña del libro STONE, Bryan P. (ed.). A Reader in Ecclesiology. Farnham, Surrey: Ashgate, 2012 [Ashgate Contemporary Ecclesiology Series] 271 p. Não seria difícil reunir teólogos que fariam coro com o Bispo luterano Friedrich Karl Otto Dibelius que, no ano de 1922, declarou: o século 20 é o século da Igreja (p. 145). 1 De fato, nos últimos cem anos, muito papel e muita tinta foram gastos na impressão de incontáveis artigos e obras sobre a natureza, as características, os ministérios e a missão da Igreja. As crises sociais e os confrontos bélicos que devastaram a Europa, a renovação dos estudos bíblicos e patrísticos, a dinâmica dos movimentos ecumênico e pentecostal bem como certo renascimento da experiência eclesial, estão, sem dúvida, entre os principais fatores que condicionaram essa evidente preocupação pela Igreja. Não obstante, pesquisas históricas sustentam que a eclesiologia alcançou o status de tratado teológico autônomo apenas nos séculos 14 e 15. Com efeito, foi nessa época que apareceram obras exclusivamente 1 Entre os muitos autores que fazem menção explícita à frase do bispo Dibelius ( ), vale mencionar: Yves Congar (1976, p. 288); Battista Mondin (1980, p. 5, 411); Michael Schmaus (1983, p. 75); Geraldo Luiz Borges Hackmann (1983, p. 51); Bruno Forte (1987, p. 13); M. Semeraro (2003, p. 222); e Henry Bourgeois (2005, p. 424), entre outros. Mondin, não obstante, o confunde com o teólogo Martin Dibelius, seu primo. Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd /2/ :48:46

155 voltadas para discernir o caráter próprio da comunidade cristã. É o caso, por exemplo, de textos como De regimine christiano (1303), do teólogo agostiniano Tiago de Viterbo (c ou 1308), considerado o primeiro escrito sistemático sobre a Igreja, e De Ecclesia (1436), escrita pelo frade dominicano João de Torquemada ( ). Convém destacar, no entanto, que o contexto, então vigente, estava marcado por inúmeras críticas às instituições eclesiásticas. Por essa razão, pensadores ligados ao discurso oficial concentraram a sua atenção sobre as estruturas internas da igreja, reforçando a autoridade do clero e da cúria romana, embora não sem fortes contestações. Conquanto seja notório que, em ambos os períodos citados, o ser e as tarefas essenciais da Igreja tenham sido objeto de intensa ponderação, a verdade é que a comunidade de fé jamais esteve ausente do pensamento teológico. Nem poderia ser diferente, pois, na perspectiva cristã, a fé nasce, se desenvolve, é alimentada e alcança a maturidade tão somente na comunhão dos santos, segundo uma das mais antigas expressões do povo cristão para se referir à igreja. Nesse sentido, sempre houve, em todos os tempos, uma eclesiologia, isto é, uma reflexão consistente ora, crítica e construtiva, ora, apologética e conservadora sobre vida comunitária, pois, de contínuo, tem existido um povo que ama, crê e espera. Obviamente, a direção, as ênfases e o conteúdo específico das concepções eclesiológicas se diversificaram amplamente no decorrer da história, como resultado das constantes mudanças nas conjunturas sociais, religiosas e culturais. Se determinadas imagens se repetem com mais frequência tais como, o povo de Deus, o corpo de Cristo, o templo do Espírito, o sacramento vivo, a cidade santa, a noiva desposada, etc. outras surgem, e cada qual adquire relevância e conotação particular conforme as inúmeras contingências históricas. É exatamente essa diversidade de expressões, essa impressionante riqueza de ideias, e essa permanente atualidade, que tornam a eclesiologia um dos mais fascinantes campos da investigação teológica. Não é, pois, sem razão que vários manuais de teologia dedicam longas seções para a análise detalhada do desenvolvimento da doutrina sobre a igreja, das origens aos tempos atuais. Contudo, um dos grandes obstáculos para quem deseja aprofundar-se nesse assunto é a falta de textos originais, ou seja, a carência de edições modernas das chamadas fontes primárias, ou, pelo menos, a sua dispersão em inúmeras obras. O objetivo da presente obra, como sugere o título original A Reader in Ecclesiology, é superar essa lacuna, oferecendo, em um só volume, uma série dos mais representativos textos sobre a Igreja, elaborados ao longo dos últimos 20 séculos, desde as páginas do Novo Testamento aos autores 148 José Carlos de Souza: Os tempos da Igreja de todos os tempos [Resenha] indd /2/ :48:46

156 contemporâneos, do apóstolo Paulo ao teólogo pentecostal Amos Yong, o mais jovem citado. 2 Seu editor, Bryan P. Stone (1959-), tem sido, desde 1998, professor de evangelismo na Cátedra E. Stanley Jones na Faculdade de Teologia da Universidade de Boston, e mais recentemente, Diretor Associado para Assuntos Acadêmicos. É bacharel em teologia pela Southern Nazarene University, mestre pelo Nazarene Theological Seminary, e doutor em Teologia Sistemática pela Southern Methodist University. Conforme nota autobiográfica, Stone esclarece que concebe o evangelismo de maneira ampla em termos do engajamento da igreja com as culturas circundantes, e minha pesquisa e escritos tendem a focalizar três áreas principais (...): evangelismo e desenvolvimento congregacional, ministério urbano e multicultural, e cinema e cultura popular. 3 Sua aproximação com os temas eclesiológicos também se explica por sua condição de diretor do programa de doutorado em teologia prática, que tem, como prerrequisito, a realização de um curso em eclesiologia, lecionado por Stone por mais de uma década. Sua experiência como docente e pesquisador se refletem em diversas publicações, livros, capítulos e artigos, cujos títulos podem ser verificados na página da Universidade de Boston. 4 Além da introdução inicial de praxe (p. 1-2), a presente compilação está organizada em quatro grandes seções, iniciadas, sem variações, com concisas observações de caráter geral, breves notas introdutórias para cada autor ou conjunto literário citado, seguidas de uma ou mais passagens de suas afirmações eclesiológicas mais significativas, e, finalmente, indicações de leituras suplementares para aprofundamento. Na sequência, ainda são apresentadas novas sugestões bibliográficas, não inseridas anteriormente após cada excerto transcrito (p ). Fecha o livro uma ferramenta extremamente útil em obras dessa natureza, o índice de nomes e assuntos (p ). A primeira seção está consagrada à Igreja Primitiva (p. 3-50). É a época do nascimento da Igreja cristã entre os seguidores judeus de Jesus, o Nazareno, e sua progressiva inculturação no mundo grego romano até o reconhecimento do cristianismo como religião oficial do Império. Aos 2 É preciso reconhecer que esse empreendimento não é, de todo, original. Há coletâneas similares, como, por exemplo, a preparada por McGRATH (2001). A diferença básica entre ambos os livros é que o escopo de McGrath é mais amplo, abrangendo as principais seções do saber teológico, dos prolegômenos à escatologia, enquanto que Stone se restringe à eclesiologia. A decorrência prática dessa distinção é perceptível do ponto de vista quantitativo. McGrath inclui 28 autores ou textos, ao passo que Stone seleciona 93 tópicos, somando mais de uma centena de textos Dentre as obras recém-lançadas e as mais interessantes, escritas por Stone, convém destacar, além do livro em análise, as seguintes Stone (2011; 2010; 2008; 2007; 2001; 2000; 1996; 1994). Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd /2/ :48:46

157 poucos, ocorrem grandes transformações. O movimento de caráter messiânico e carismático dos primórdios dá lugar à estrutura rígida, uniforme e clericalizada da era pós-constantiniana. Não só o desenvolvimento das formas internas da Igreja, mas igualmente suas relações com as esferas de poder, aparecem no foco das discussões. São, ao todo, vinte tópicos que reúnem fragmentos do Novo Testamento; de Clemente Romano; Inácio de Antioquia; da Didaqué; um hino baseado na oração após a comunhão conforme a Didaqué; da Epístola a Diogneto; de Justino Mártir; do Pastor de Hermas; de Irineu de Lyon [1º e 2º séculos]; Clemente de Alexandria; Tertuliano; Hipólito de Roma; da Didascália Apostólica; de Cipriano de Cartago; Orígenes [3º século]; Cirilo de Jerusalém; das Constituições Apostólicas; do bispo donatista Petiliano de Cirta; de Agostinho de Hipona; e Gelásio I [4º e 5º séculos]. Do período patrístico, ficaram muitas metáforas e convicções, assim como tensões e aporias que constantemente vêm à tona todas as vezes que a Igreja é submetida à análise. Ela é a comunidade dos puros ou congrega, simultaneamente, santos e pecadores? É indispensável à salvação sujeitar-se à hierarquia eclesiástica? A verdadeira igreja de Cristo se identifica com suas estruturas visíveis? A segunda parte da obra, cronologicamente vinculada ao período medieval e à reforma (p ), abrange vinte e sete fontes, das quais apenas onze se relacionam, de forma direta, aos movimentos do século 16. Na época retratada, a institucionalização e o clericalismo da igreja chegam ao auge na Europa. A supremacia papal é reafirmada com insistência e se tornam usuais as questões sobre o relacionamento entre a autoridade religiosa e o poder político. Centro da vida cultural e social no Ocidente, a grandiosidade da igreja transparece na arte, na arquitetura, na liturgia cantos, prédicas e orações e nas visões místicas. Já com a escolástica, sobretudo a partir do surgimento das universidades, surgem reflexões mais sistematizadas sobre a natureza da Igreja, enquanto canonistas se ocupam das leis que regulam o sistema eclesiástico. As mudanças no cenário social, entretanto, também abrem brechas para a oposição ao domínio da Igreja, cujo autoritarismo e opulência são alvos de graves críticas. Fazem parte desse contexto, os seguintes pensadores e documentos cujos trechos são reproduzidos sequencialmente: o hino Urbs beata Jerusalem, composição que remonta ao século 8, ainda hoje empregada na liturgia de dedicação de templos; Gregório VII (c ), com sua reafirmação da Igreja hierárquica e institucional; Bernardo de Clairvaux ( ); Isaac de Stella (c ); Hildegard de Bingen ( ); Inocêncio III ( ); o Quarto Concílio de Latrão (1215); Tomás de Aquino ( ); a bula Unam Sanctam (1302); Marsílio de Pádua (1324); William de Ockham ( ); John Wyclif ( ); Jan Hus ( ); o Concílio de Constança ( ); 150 José Carlos de Souza: Os tempos da Igreja de todos os tempos [Resenha] indd /2/ :48:47

158 Nicolau de Cusa ( ); e a bula Execrabilis (1460), que intenta pôr fim às reivindicações conciliaristas. Como se pode constatar, sobrepõem-se diferentes concepções eclesiológicas: místicas, institucionalizadas, integristas, críticas e, enfim, reformistas. O apelo à reforma, aliás, se intensifica e ganha corpo na última fase desse período. Por isso, complementam a relação acima as vozes das principais correntes teológicas do século 16: Lutero ( ); a Confissão [anabatista] de Schleitheim (1527); a Confissão [luterana] de Augsburgo (1530); Zwinglio ( ); Calvino ( ); Heinrich Bullinger ( ), sucessor de Zwinglio em Zurich; Menno Simons ( ); John Knox ( ); Roberto Belarmino ( ), um dos mais importantes eclesiólogos da contrarreforma; o anglicano Richard Hooker ( ); e a Segunda Confissão [reformada] Helvética (1566). Obviamente, estão presentes temas como a prioridade da palavra divina sobre as instituições eclesiásticas, a salvação por graça e fé, o sacerdócio de todos os crentes, a distinção entre igreja visível e invisível (tomada de Agostinho) e a separação entre igreja e o poder secular, entre outros. A terceira seção concentra-se no período moderno (p ), isto é, o que segue imediatamente à reforma e se estende até o final do século 19, época de grandes transformações estruturais: expansão colonial europeia, revolução industrial, intensa urbanização e notável avanço científico e tecnológico. Do ponto de vista cultural e religioso, há também enormes mudanças. Verifica-se renovada ênfase na subjetividade. É o tempo do puritanismo, do rechaço às formas rígidas da ortodoxia, do iluminismo, do pietismo, do metodismo e dos grandes despertamentos religiosos. Comenta Stone, a importância da igreja não é diminuída nesse período, mas é reconfigurada como (...) uma sociedade dos piedosos [Schleiermacher], que é tanto instrumento como resultado do despertar espiritual e da consciência pessoais (p. 123). Neste bloco, o mais abreviado [apenas dez tópicos], figuram: John Smyth (c ), inglês que funda uma comunidade batista em Amsterdã (1608); a Confissão [puritana] de Westminster (1643); John Owen ( ), um dos mais destacados teólogos puritanos; Charles Wesley ( ), o poeta do movimento metodista; John Fawcett ( ), ministro batista que compôs um dos mais populares hinos sobre a igreja (Bendito seja o elo que une ou Amor Fraternal, de 1772); John Wesley ( ); John Newton ( ), autor do clássico Amazing Grace e outros hinos; Friedrich Schleiermacher ( ); F. D. Maurice ( ), teólogo anglicano e socialista cristão ; e O único fundamento da Igreja (1866), hino composto pelo sacerdote anglicano Samuel J. Stone ( ). É digno de nota que, das dez subdivisões dessa seção, quatro se refiram especificamente à hinódia cristã. Ademais, a preocupação com a relação Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd /2/ :48:47

159 entre igreja e sociedade, que se tornará central na próxima fase, alcança adequada correlação na obra de Maurice. Frente à injustiça social e ao egoísmo erigido como princípio, ele escreveu: a Igreja existe para falar ao mundo a respeito de seu verdadeiro Centro, da lei do sacrifício mútuo pelo qual as suas partes são unidas (The World and the Church, In: STONE, 2011, p. 141). A última e mais extensa divisão dessa antologia (p ) está dedicada ao século 20, o século da Igreja (Dibelius). São trinta e seis tópicos que buscam dar conta do caráter plural e multifacetado das eclesiologias contemporâneas. Embora longo, pode ser útil apresentar esse inventário: Walter Rauschenbusch ( ), batista e mais influente teólogo do Evangelho Social; Kanzo Uchimura ( ), fundador do movimento Mukyōkai, sem igreja (non-church), uma alternativa ao cristianismo ocidentalizado, levado para o Japão pelos missionários; Ernst Troeltsch ( ), sociólogo alemão, cuja tipologia igreja, seita e misticismo influenciou os debates eclesiológicos; Karl Barth ( ); a Declaração Teológica de Barmen (1934), símbolo da resistência à ascensão do nazismo; Dietrich Bonhoeffer ( ); William Temple ( ), arcebispo anglicano de Cantuária e destacado líder ecumênico; Henri de Lubac ( ), jesuíta francês e influente eclesiólogo católico; Aqui, ó Senhor, os teus servos se reúnem, hino composto pelo ministro metodista Tokuo Yamaguchi para o 14º Concílio Mundial da Convenção de Educação Cristã (Tókio, 1958); Lesslie Newbigin ( ), bispo e ativista ecumênico que atuou como missionário da Igreja da Escócia na Índia por quase 40 anos; o Concílio Vaticano II ( ); o bispo Basil Christopher Butler ( ), anglicano que, convertido ao catolicismo, se tornou monge beneditino e um dos maiores divulgadores da eclesiologia de comunhão do Vaticano II; Martin Luther King Jr. ( ), pastor e ativista dos direitos dos afrodescendentes nos EUA; M. M. Thomas ( ), teólogo e membro da Igreja Ortodoxa Mar Thoma que procurou responder aos desafios da Índia na transição pós-colonial; John Howard Yoder ( ), conhecido historiador e teólogo anabatista; o Conselho Mundial de Igrejas (1967); Hans Küng (1928-), influente pensador católico e ecumênico e ardoroso crítico da estrutura burocrática do catolicismo e, em particular, da infalibilidade papal, punido pela Cúria romana; Alexander Schmemann ( ), teólogo da Igreja Ortodoxa Russa; Juan Luis Segundo ( ); James Cone (1938-); Gustavo Gutíerrez (1928-); Jürgen Moltmann (1926-); Oscar Romero ( ); Leonardo Boff (1938-); Stanley Hauerwas (1940-) teólogo estadunidense de origem metodista e professor de ética em Duke Divinity School; John Zizioulas (1931-), teólogo ortodoxo que repensa a eclesiologia a partir do que significa ser pessoa, de acordo com a filosofia grega e a patrística; 152 José Carlos de Souza: Os tempos da Igreja de todos os tempos [Resenha] indd /2/ :48:47

160 Rosemary Radford Ruether (1936-), teóloga feminista católica pioneira; George A. Lindbeck (1923-), pensador luterano defensor de uma teologia pós-liberal; Elisabeth Schüssler Fiorenza (1938-), biblista e pensadora feminista, que sustenta a tese infelizmente, tantas vezes negada de que mulheres são igreja e sempre têm sido Igreja (cf. p. 243); Bénézet Bujo (1940-), sacerdote católico do antigo Zaire que, hoje, é professor de teologia na Universidade de Friburgo, Suíça, que reinterpreta a doutrina acerca da Igreja a partir das tradições africanas; Wolfhart Pannenberg (1928-), conhecido teólogo sistemático alemão; Letty M. Russell ( ) teóloga presbiteriana que desenvolve uma eclesiologia inclusiva, com base nas imagens da mesa, da casa e da cozinha; Delores S. Williams (1934-), professora associada de teologia e cultura no Union Theological Seminary em Nova York, que situou a compreensão da igreja no contexto das lutas das mulheres afro-americanas; Miroslav Volf (1956-), teólogo evangélico croata, hoje diretor do Centro de Fé e Cultura e professor de teologia sistemática na Yale Divinity School; Elizabeth A. Johnson (1941-), teóloga católica, professora emérita de teologia na Universidade Fordham, em Nova York, que retoma o sentido original da comunhão dos santos para articular uma eclesiologia inclusiva e igualitária; e, finalmente, Amos Young (1965-), teólogo pentecostal, professor de teologia e diretor do programa de doutorado em filosofia na Regent University, Virgínia Beach, que rediscute as tradicionais notas da Igreja na perspectiva pneumatológica e em diálogo com o teólogo católico Yves Congar. Mesmo um exame superficial dos autores assinalados revela a rica diversificação do pensamento sobre a Igreja, sobretudo no último século, quando paradigmas culturais, há muito estabelecidos, têm sido quebrados. Em especial, é expressiva a busca de novas formulações eclesiológicas cada vez mais inclusivas, participativas e, autenticamente, libertadoras. De modo geral, tanto o individualismo quanto o eclesiocentrismo são energicamente rejeitados. Ao revés, almeja-se uma compreensão da Igreja e de sua missão que responda às demandas de mundo que poderia ser bem caracterizado como crescentemente pós-cristão. Por isso, é amplamente valorizada a ideia de uma igreja que promove o diálogo, tanto interna quanto externamente; que se abre para a realidade social, cultural e religiosa onde está inserida; que, despreocupada consigo mesma, intervém ativamente a favor vida, em suas múltiplas manifestações; enfim, que está a serviço da paz com justiça ou, valendo-se da linguagem cristã, do reino de Deus. Como será a eclesiologia amanhã? É impossível prever o futuro. Porém, é certo que nenhum passo pode ser dado ignorando o passado. A grande contribuição da coletânea, organizada por Stone, reside precisamente em reunir os mais representativos textos eclesiológicos escritos ao longo da história do cristianismo. Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd /2/ :48:47

161 No entanto, é relativamente fácil, em um projeto tão amplo como esse, assinalar as ausências. Da igreja antiga, poder-se-ia, por exemplo, reivindicar a inserção de um Hilário de Poitiers (c ); de Optato, bispo de Mileve, autor da primeira e decisiva obra contra o donatismo (c ) e que tanto influenciou o próprio Agostinho; e Gregório Magno (+ 604), com sua Regra Pastoral. Da Idade Média, poderiam ser mencionados Tiago de Viterbo ou João de Torquemada, autores dos primeiros tratados sistemáticos sobre a Igreja. Do período da reforma, sente-se a falta da corrente espiritualista, de autores como Sebastian Franck, cuja crítica à redução institucional da Igreja, sem dúvida, conquistaria muitos adeptos na atualidade. Da modernidade, não há representação dos teólogos liberais do século 19. Para a época mais recente, muitos outros nomes poderiam ser sugeridos, como Emil Bunner, Yves Congar, Edward Schillebeeckx, Jon Sobrino e José Míguez Bonino, para lembrar apenas alguns. Outro ponto discutível também é a cronologia. Scholars mais críticos terão dificuldades em aceitar datação tão remota para 1ª carta a Timóteo (c ) ou para a 1ª carta de Pedro (c ) [p. 6]. O ano de nascimento de Miroslav Volf, 1941 (sic!), certamente está incorreto. Porém, nada disso anula o valor da presente obra que, pela sua dimensão enciclopédica bem como amplitude geográfica e ecumênica, é, de fato, singular. Pessoas interessadas pelo estudo teológico e pela pesquisa do pensamento cristão não só apreciarão como se beneficiarão com a sua leitura. Referências bibliográficas BOURGEOIS, H. História dos Dogmas: Tomo 3 Os sinais da salvação (séculos XII a XX). São Paulo: Loyola, CONGAR, Y. Eclesiologia: desde San Agustín hasta nuestros días. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1976, Col. Historia de los dogmas, tomo III 3ec-d. Dicionário teológico enciclopédico. São Paulo: Loyola, FORTE, B. A igreja, ícone da Trindade: breve Eclesiologia. São Paulo: Loyola, HACKMANN, G. Luiz Borges. A amada Igreja de Jesus Cristo: Manual de eclesiologia como comunhão orgânica. Porto Alegre, RS: EDIPUCRS, McGRATH, A. E. (Ed.). The Christian Theology Reader. Oxford: Blackwell Publishers, 2001 (2 nd. edition). MONDIN, B. As Novas Eclesiologias. São Paulo: Paulinas, SCHMAUS, M. A Fé da Igreja. Petrópolis: Vozes, 1983, vol. 4. SEMERARO, M. Eclesiologia : In: Dicionário teológico enciclopédico. Rio de Janeiro: Loyola, 2003, p STONE, B. P. (ed.). The Ecclesiality of Mission in the Context of Empire. In: Viggo Mortensen and Andreas Østerlund Nielsen (eds.). Walk Humbly with the 154 José Carlos de Souza: Os tempos da Igreja de todos os tempos [Resenha] indd /2/ :48:47

162 Lord: Church and Mission Engaging Plurality. Grand Rapids: Eerdmans, Compassionate Ministry: Theological Foundations. Maryknoll: Orbis Books, 1996;. Effective Faith: A Critical Study of the Christology of Juan Luis Segundo. Lanham, MD: University Press of America, Evangelism after Christendom: The Theology and Practice of Christian Witness. Grand Rapids: Brazos Press, 2007;. Faith and Film: Theological Themes at the Cinema. St. Louis: Chalice Press, 2000;. A Reader in Ecclesiology. Farnham, Surrey: Ashgate, 2012 Série: Ashgate Contemporary Ecclesiology Series], 271 p.. Sabbath and the City: Sustaining Urban Pastoral Excellence. (Co-authored with Claire E. Wolfteich). Louisville: Westminster John Knox Press, 2008;. Thy Nature and Thy Name is Love: Wesleyan and Process Theologies in Dialogue. (Edited by Bryan Stone and Thomas Jay Oord). Nashville: Kingswood Books, 2001;. Discipleship and Empire. In: Paul W. Chilcote (ed.). Making Disciples in a World Parish. Eugene, OR: Pickwick Publications, Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd /2/ :48:47

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164 Ética da Esperança de Jürgen Moltmann [Resenha] Ethics of Hope by Jürgen Moltmann [Book Review] Ética de la esperanza de Jürgen Moltmann [Reseña] Helmut Renders Resumo Resenha do livro: Jürgen Moltmann. Ética da Esperança. Tradução de Vilmar Schneider. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, AbstRAct Book review of: Jürgen Moltmann. Ética da Esperança. Tradução de Vilmar Schneider. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, Resumen Reseña del libro: Jürgen Moltmann. Ética da Esperança. Tradução de Vilmar Schneider. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, No conjunto da obra de Moltmann, Ética da Esperança (2010 [em alemão]) pode ser vista de duas formas. Primeiramente, ela ainda faltava no ciclo das monografias teológico-sistemáticas deste autor que são, em ordem cronológica: Prolegômenos: Teologia da Esperança (1964) Antropologia: A alegria de ser livre (1970). [literalmente: Os primeiros libertos da criação] Antropologia: O ser humano: antropologia cristã nos conflitos contemporâneos. (1971) sem tradução para o português; Método teológico: O Deus crucificado: a cruz de Cristo como fundamento e crítica da teologia cristã (1972); Eclesiologia: Igreja na força do Espírito: uma contribuição para uma eclesiologia messiânica (1975); Antropologia: Quem é o ser humano? (1975); Ética: Dignidade humana, justiça e liberdade (1979); Experiências de Deus: esperança, medo e mística (1979); Doutrina da trindade: Trindade e Reino de Deus: em relação à doutrina de Deus (1980); Ética: Diaconia no horizonte do reino de Deus: passos para uma atitude diaconal 1 de todos os crentes (1984); 1 Diakonentum aller Gläubigen ecoa Priestertum aller Gläubigen (sacerdócio universal). A Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd /2/ :50:57

165 Ética: Teologia política, ética política (1984). Doutrina da criação: Deus na criação: uma doutrina da criação ecológica (1985); Cristologia: O caminho de Jesus Cristo: cristologia em dimensões messiânicas (1989); Pneumatologia: Espírito da vida: uma pneumatologia integral (1991); Escatologia: A chegada de Deus: escatologia cristã (1995); Ética: Ética da esperança. Quinze anos depois da escatologia, a ética fecha um ciclo, iniciado há 46 anos, com a obra Teologia da esperança. De certo modo, parece retomar temas anteriores à sua ênfase na teologia trinitária (MOLT- MANN, 1980), na criação (MOLTMANN, 1985), na cristologia (1989) e na pneumatologia (1991). Considerando ainda as duas obras de 1984, uma pouco conhecida sobre a diaconia (Cf. RENDERS, 2008, p ) e a outra não traduzida sobre a ética política, poderíamos também dizer que os temas da ética estão permanentemente presentes em Moltmann, tanto na primeira fase da sua obra, como nos momentos central e final. Isso acompanha a tendência do autor de não apresentar, seja qual for o assunto, uma teologia especulativa, mas aquela que leia a vida e a sirva. Organização O livro é organizado em cinco capítulos: (1) Escatologia é ética (p. 15); (2) Uma ética da vida (p. 59); (3) A ética da terra (p. 132); (4) A ética da paz justa (p. 195 ); (5) A alegria em Deus contrapontos estéticos (p. 271). No primeiro capítulo, o autor parte de perguntas existenciais (o agir livre, o fazer necessário, esperar e apressar) para depois discutir, basicamente, contribuições luteranas e calvinistas, sob consideração de perspectivas anabatistas. Este primeiro capítulo fecha como a proposta de uma escatologia transformadora, base da sua ética da esperança. No segundo capítulo, o autor propõe uma cultura da vida que se opõe aos sinais de culturas da morte. Este tema é recorrente em Moltmann desde a sua análise do nacional-socialismo. Desta vez, o autor explicita seu ponto pelos temas do terrorismo e da indústria nuclear. Com bases nos sinóticos, em Paulo e João, Moltmann desenha uma mentalidade que se opõe ao império, suas lógicas sacrificais e de negação da vida. Na segunda parte desse capítulo, o autor trata de questões da ética da medicina, com focos no início e no fim do ciclo humano de vida. Essas profundas reflexões irão ajudar muitas pessoas a trilhar seus caminhos em áreas tão conflitantes. expressão ganha sua importância pelas circunstâncias da criação do livro. Em 1984, o ano da diaconia na Alemanha, Moltmann destacou uma diaconia não predominantemente institucional, mas atitudicional de cada pessoa no cotidiano. 158 Helmut Renders: Ética da Esperança de Jürgen Moltmann [Resenha] indd /2/ :50:57

166 O terceiro capítulo responde aos temas ecológicos. Novamente, o autor introduz uma fundamentação bíblica, sem ignorar a contribuição de Lovelock (modelo da gaia). Depois, abre uma conversa com a teoria da evolução especialmente, para desconstruir modelos como o do social-darwinismo. Segue um subcapítulo sobre a ecologia no sentido mais específico que finaliza com uma problematização do modelo da ecologia profunda. Na última parte, conduz a discussão para a questão de um estilo de vida alternativo ou a importância do tema do homo sustentabilis. O quarto capítulo volta, de certo modo, a um tema do primeiro quando discute o monopólio da violência no estado moderno e o direito à resistência (V. 3). O enfoque é, desta vez, a questão política, mas a distinção entre justiça distributiva e justificativa não imputativa é também relevante nas questões que envolvem o sujeito. No quarto parágrafo, o autor discute a relação entre controle e confiança em conversa com o famoso ditado de Lenin e termina ( 5) com uma ampla reflexão sobre direitos humanos e cidadãos. Esta parte, lamentavelmente, não contém um aprofundamento bíblico. O quinto capítulo volta ao tema da esperança e apresenta-o sob um ângulo trinitário. Aqui, não foca no projeto da antecipação do reino na ação, mas no efeito da dimensão trinitária sobre a vida da comunidade da fé como fundamento da sua caminhada. O shabbat: a celebração da criação (p. 273); O júbilo da ressurreição de Cristo (p. 277); É paz em meio ao conflito (p. 281). As ênfases aqui correspondem àquelas dos capítulos dois a quatro, mas invertem a ordem dos dois primeiros, provavelmente, pela sequência trinitária mesmo. A contribuição desta obra Primeiro, chama atenção por não se tratar de uma ética predominante deontológica (apesar de não ignorar o assunto [p. 16: O que devo temer? O que devo fazer? ]). Diferentemente, o texto bíblico é introduzido nos capítulos dois a quatro como horizonte de esperança em relação à vida, à terra e à convivência. Podemos dizer que o teólogo Moltmann não segue a tentação clássica da teologia calvinista de enfatizar o compromisso da fé, mas constrói seu discurso a partir do Evangelho e da Esperança como base e horizonte. Em tudo transparece nesta obra o bonhoefferiano resistir e se entregar, e isso já desde o início do livro ( Esperar e apressar, p. 20), como atitude que assume a sua responsabilidade sem se desesperar com o caráter prolixo e lento de processos sociais. Segundo, os capítulos 2 a 4 representam um convite de responder às três ameaças da vida atualmente mais evidentes e globalmente relevantes com os recursos da esperança cristã. Apesar da visão ampla, seguem-se Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd /2/ :50:57

167 sempre ponderações concretas, como é o caso nas escolhas da ética da medicina, do estilo de vida e da promoção de uma cultura justa e, por causa disso, confiável. O foco não é o problema, mas seu enfrentamento, inclusive não somente institucional, mas pessoal. Terceiro, como sempre nas obras de Moltmann, encontram-se muitos detalhes riquíssimos, como, por exemplo, a sua reflexão sobre a existência de vida humana inteligente a partir dos princípios antrópico forte e antrópico fraco (p. 66). O autor responde com a constatação de que se trata de uma pergunta e uma resposta da fé e que o universo ou a natureza em si certamente não providenciarão um sentido da vida. De certo modo, é isso para Moltmann a principal razão da existência de uma ética cristã: articular esperança em um mundo ao qual não se sabe dar seu sentido último e, por causa disso, não se sabe valorizar a vida, tanto do ser humano como da criação. Já a esperança cristã é o ingrediente principal para alimentar os processos da transformação (I. 4.3) com alegria (5 1-3). Moltmann não defende e idealiza a preservação de uma suposta ordem cristã e jamais um retorno para o modelo da cristandade à qual todo mundo deve se submeter. Ele apresenta uma visão de outro mundo possível, porém ainda não visto (nem na época da cristandade), mas baseado nas grandes promessas bíblicas. A ética da esperança contribui para que cada cristão e cristã, comunidade e igreja, sejam sempre preparados para responder com mansidão e temor a qualquer que pedir a razão da esperança que há neles. Temas não abordados Na página 12, o autor explica duas ausências: uma reflexão específica sobre a doutrina social católica e sobre uma ética da economia (que, junto à questão da terra e da justiça, teria fechado o conjunto de uma ética da sustentabilidade). Para o contexto mundial talvez menos alemão uma discussão da ética em consequência da escatologia dispensacionalista faz também falta (2Ts 2.7-8, O katechon apocalítico, p.26s e Ap , O Hermagedon, p. 30s, são tratados como temas do luteranismo alemão e calvinismo anglo-saxão). A ética católica e aquela resultante da escatologia dispensacionalista caberiam bem no primeiro capítulo. Já a ética econômica, o autor menciona como direito humano econômico em relação aos direitos ecológicos da natureza (p. 260). Outras questões de grande impacto, como as de gênero, de etnia e de orientação sexual não receberam atenção. Aqui transparece, provavelmente, o contexto europeu do autor e sua tendência a responder essas questões de uma forma menos conflitante e mais a partir dos interesses do estado laico. Quanto à tradução e à editoração 160 Helmut Renders: Ética da Esperança de Jürgen Moltmann [Resenha] indd /2/ :50:57

168 O livro foi bem traduzido e contém somente uma decisão de tradução que, segundo o meu ver, é um caso limite. No primeiro capítulo, no parágrafo 3 e seus subcapítulos 2 a 4 traduz-se Täufer por batistas. Na academia alemã, estabeleceu-se Täufer para substituir o discriminatório Anabatistas, reservado ao movimento na época da reforma protestante. O tradutor, aparentemente ciente desse problema, colocou simplesmente batistas. Esta escolha de tradução merecia uma nota explicativa, além da possível confusão criada na cabeça do/a leitor/a brasileiro/a, levado a identificar os batistas em geral e os batistas brasileiros em especial com os movimentos dos séculos 15 e 16, o que, historicamente, seria totalmente errado. Apesar de ser uma editora católica cujo grupo alvo, os religiosos, passa por um momento de uma nova apreciação institucional do latim em estudo e culto, algumas citações em latim como Deus non est otiosus ( Deus não é ocioso ou desocupado ) poderiam ser não somente traduzidas (como é o caso, por exemplo, na p. 27), mas até explicadas. Assim, a tradução teria se destacado até em comparação ao original. Não entendemos a forma de diagramação escolhida tanto para o sumário como para os índices de nomes e de versículos bíblicos. Na página 7, encontramos um sumário minúsculo contendo somente os capítulos; nas páginas (!) o mesmo de forma completa, dessa vez, chamado Índice Geral. Primeiro, deveria o sumário conter, no mínimo, os subtítulos do primeiro nível (no texto, marcados como... ). Segundo, as longas listas com espaços generosos entre as linhas não favorecem a leitura e impedem uma rápida orientação no índice geral e nos índices remissivos. Isso, porém, são detalhes que não conseguem diminuir a qualidade geral do texto e da editoração. Referências bibliográficas MOLTMANN, Jürgen. Mensch: Christliche Anthropologie in den Konflikten der Gegenwart. Berlin: Kreuz. Verlag, MOLTMANN, Jürgen. Der gekreuzigte Gott: das Kreuz Christi als Grund und Kritik christlicher. Theologie. Christian Kaiser Verlag, p. MOLTMANN, Jürgen. Diakonie im Horizont des Reiches Gottes? Schritte zum Diakonentum aller Gläubigen. Mit einem Beitrag von Ulrich Bach und einem Vorwort von Theodor Schober. Neukirchen-Vluyn: Neukirchener Verlag, 19841, MOLTMANN, Jürgen. Diaconia en el horizonte del Reino de Dios: hacia el diaconado de todos los creyentes. Tradução de Constantino Ruiz Garrido. Guevara: Sal Terrae, MOLTMANN, Jürgen. A alegria de ser livre. São Paulo: Paulinas, MOLTMANN, Jürgen. Die ersten Freigelassenen der Schöpfung: Versuche über Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd /2/ :50:57

169 die Freude an der Freiheit und das Wohlgefallen am Spiel. Christian Kaiser Verlag, p. [coletânea Kaiser Traktate, n. 2]. MOLTMANN, Jürgen. Ethik der Hoffnung. Gütersloher: Gütersloher Verlagshaus, p. MOLTMANN, Jürgen. Gotteserfahrungen: Hoffnung, Angst, Mystik. München: Christian Kaiser Verlag, 1979c. MOLTMANN, Jürgen. Gott in der Schöpfung: ökologische Schöpfungslehre. Christian Kaiser Verlag, MOLTMANN, Jürgen. Kirche in der Kraft des Geistes: ein Beitrag zur. messianischen Ekklesiologie. München: Christian Kaiser Verlag, MOLTMANN, Jürgen. Mensch: Christliche Anthropologie in den Konflikten der Gegenwart. Berlin: Kreuz Verlag, p. MOLTMANN, Jürgen. Menschenwürde, Recht und Freiheit. Stuttgart, Berlin: Kreuz- Verlag, 1979a. MOLTMANN, Jürgen. Politische Theologie, politische Ethik. München: Christian Kaiser Verlag, RENDERS, Helmut. Diaconia no horizonte do Reino de Deus Uma apreciação de uma contribuição moltmanniana no ano do centenário do credo social. In: Caminhando, vol. 13, n. 2, p (jul./dez. 2008). Dipsonível em: < revistas-ims/index.php/ca/article/view/1046/1083 >. Acesso em: 20 out Helmut Renders: Ética da Esperança de Jürgen Moltmann [Resenha] indd /2/ :50:57

170 Há esperança para a família [Resenha] There is hope for the family [book review] Hay esperanza para la familia [Reseña] Marcos Antônio Garcia Resumo Resenha do livro LEITE, Nelson Luiz Campos. Há esperança para a família: com reflexões, descrições de casos, orações e atividades [Série Cristianismo Prático, vol. 8]. São Bernardo do Campo: Editeo, AbstRAct Book review for: LEITE, Nelson Luiz Campos. Há esperança para a família: com reflexões, descrições de casos, orações e atividades. [Série Cristianismo Prático, vol. 8]. São Bernardo do Campo: Editeo, Resumen Reseña del libro: LEITE, Nelson Luiz Campos. Há esperança para a família: com reflexões, descrições de casos, orações e atividades. [Série Cristianismo Prático, vol. 8]. São Bernardo do Campo: Editeo, Aspectos gerais da publicação Há esperança para a família: Para apresentar esta obra é fundamental falar do autor. Nelson Luiz Campos Leite, bispo honorário da Igreja Metodista, tem 49 anos de ministério ininterruptos. Casado com Elcy há 54 anos, é pai de Eliana, Viviane e Adriana e avô. Tem ele um ministério pastoral reconhecido na Igreja Metodista em solo brasileiro e internacional. Ao mesmo tempo, é respeitado fora dos limites do metodismo. Isto o credencia a escrever este texto. Sua experiência pastoral e ministerial, junto ao corpo pastoral na Igreja Metodista; como Editor Nacional do No Cenáculo (um guia devocional de larga tiragem em todo o mundo), no projeto Disk Oração e sua ação pastoral junto à Faculdade de Teologia da Igreja Metodista forjaram, com certeza, muitas experiências descritas no texto. Há esperança para a família faz parte de uma série denominada Cristianismo Prático, baseada em uma das expressões de João Wesley: Ele assim entendia o cristianismo: a vida dos cristãos e das comunidades deveria ser o objetivo maior do pensamento bíblico e da ação da igreja: Em outra citação, ele chama de cristianismo vital o cristianismo que pratica a santidade de coração e de vida, a santidade social. Este cristianismo não se contenta só com palavras, pois a doutrina da igreja deve ser comprovada pelo boa prática do Evangelho e pelo sentimento que acompanha a experiência cristã, desenvolvida e amadurecida para o pleno amor e serviço (Texto de apresentação oficial da série). Ao publi- Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd /2/ :52:28

171 car esta série, a Faculdade de Teologia busca contribuir com a Igreja no oferecimento de subsídios para que a luz da tradição wesleyana brilhe e a experiência cristã de seus membros amadureça e corresponda a algo além de sentimentos e palavras: Descrição dos capítulos A obra escrita tem como foco central uma reflexão sobre a família, natureza dos relacionamentos, conflitos e desafios. Introdução: O Bispo Nelson fala sobre o contexto em que vivemos, como está a família na realidade hoje, o número crescente de separações conjugais, a ausência dos pais e, muitas vezes, a criação dos filhos e filhas pelos avós: Nesta introdução, faz então a pergunta que oferece ao livro o seu título: Há esperança para a família? Parte das transformações que vivemos nos últimos anos: o impacto da internet, as babás eletrônicas como o próprio computador e a televisão, a influência das telenovelas e uma proposta explícita da extinção dos valores familiares, da fidelidade, bem como a sobrevivência do conceito da família. Finaliza trazendo à memória o Salmo 127 e coloca Deus como o fundamento da casa, da família e do trabalho. E afirma: Deus nos oferece a sua graça! A partir deste ponto, o autor apresenta dez capítulos estruturados da seguinte forma: abrindo a conversa, um caso, oração e atividade. Com esta estrutura, torna o texto fácil de ser lido, estimula a reflexão e cumpre a proposta da série em desafiar o leitor a um cristianismo prático. A esperança para a família depende dos fundamentos sobre os quais a construímos: Neste capítulo, o autor enfoca especialmente a base em que a família é estruturada. Faz um paralelo com os fundamentos de um esporte ou de uma construção e desafia quem está lendo a uma reflexão e mudança de atitude, destacando o perdão, o apoio, o suporte, a mutualidade, o zelo cuidadoso no uso da palavra, o espírito dadivoso. A esperança para a família está na superação do egocentrismo: O autor discute a pós-modernidade, a sociedade globalizada e o apelo à competição, ao fortalecimento do egoísmo e egocentrismo, o domínio pelo mais forte. Ainda discute a busca pelo prazer e felicidade a qualquer preço. A esperança para a família está no conhecimento de si e do outro: A ênfase principal deste capítulo está na superficialidade nos relacionamentos familiares. Faz um contraponto com Jesus, a fonte de todo conhecimento, e nos desafia a partir da pergunta: Conhecer o quê? trabalha a questão do conhecimento, temperamentos, hábitos, para o autoconhecimento e o reconhecimento do valor do outro no relacionamento familiar. Há esperança para a família quando ela está fundada no amor: O desafio neste capítulo está na base maior da fé cristã, o exercício do amor. 1 João 4.7 afirma que quem é nascido de Deus tem a capacidade para amar. 164 Marcos Antônio Garcia: Há esperança para a família [Resenha] indd /2/ :52:28

172 Temos também sugestões de formas práticas para demonstrar o amor, desde um gesto de carinho, um presente e o maior desafio: fazer o outro feliz. Há esperança para a família quando há diálogo: Existe de fato esperança para qualquer relacionamento quando existe a disposição para o diálogo. Desenvolver a capacidade de falar e ouvir: estar atentos aos momentos certos para isto, descobrir as várias linguagens do amor. O autor sugere a leitura dos livros: Cinco linguagens do amor, do amor na juventude, etc. Há esperança para a família quando as tensões, os conflitos e as barreiras existentes são trabalhadas devidamente: O autor afirma que em todos os relacionamentos existem barreiras; algumas são naturais; outras, nós as criamos. O texto sugere que não deve haver temor pela existência das barreiras, mas cada uma delas deve ser tratada, enfrentada, curada. Existem muitas expectativas frustradas em cada um dos cônjuges ou na família e nós devemos recolocá-las devidamente, refazê- -las e buscar formas amadurecidas de superar. As diferenças podem contribuir para o aperfeiçoamento. Há esperança para a família quando dedicamos o melhor do nosso tempo a ela: Dedicar o melhor do nosso tempo à família é fundamental, é muito importante. Porém, o autor destaca neste capítulo a correria da vida, a ausência de relacionamento familiar, dos pais que não veem os filhos, dos cônjuges que não se veem, tudo em nome da correria. Como fazem falta o tempo e a convivência! A vida relacional precisa de espaços de convivência e comunhão. Precisa de tempo: para o esposo, para a esposa, para o filho, para a filha, para o pai brincar, estar juntos, ter momentos significativos. Para isso é preciso atentar para o tempo: valorizá-lo; priorizá-lo em comunhão com Deus; no diálogo, no autoconhecimento, no relacionamento. Há esperança para a família quando sabemos lidar com as questões financeiras e materiais: Neste capítulo, o autor enfatiza a crise existente no ser humano entre o ser e o ter. O consumismo tem gerado um desajuste na família, um sentimento de necessidades onde elas não existem de fato. O autor trabalha, por exemplo, o descontrole no uso dos cartões de créditos e, consequentemente, as crises familiares. Nós precisamos aprender a repartir, a perder e a renunciar. Temos tido nos bens, nas posses e nas finanças a nossa forte segurança. Isso é falso. Bispo Nelson ainda dá algumas dicas nas atividades sobre a importância do orçamento familiar! Há esperança para a família quando há saúde na área da sexualidade: O autor afirma que o sexo é um dom divino. Faz parte da obra criadora do Senhor. A cada ato criativo, Deus afirmava que era bom. O sexo é dádiva participativa e criativa dada por Deus à mulher e ao homem. Enfim: tudo era muito bom. O autor aponta para as grandes Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd /2/ :52:28

173 crises na vida conjugal, ligadas à área da sexualidade, das frustrações, dos sentimentos de dominação, machismo, além de problemas fisiológicos que precisam e merecem tratamento. De forma corajosa, afirma que temos hoje muita informação, porém pouco conhecimento do cônjuge. Bispo Nelson afirma em seu texto: somos chamados a vivenciar uma sexualidade sadia. O ato sexual é o clímax de um ajustamento mais amplo na vida do casal. Há esperança para a família quando há um espírito de continuo perdão: Uma das maiores ênfases da fé cristã encontra-se na mensagem e na vivência do perdão e do relacionamento com Deus, consigo mesmo e com as outras pessoas. Isto ocorre de modo particular no relacionamento familiar. O autor trabalha neste capítulo nossa capacidade de machucar, ferir, negligenciar o amor e cuidado com a família, em especial com o cônjuge. Perdoar não é fácil: Jesus é o modelo de quem ensina e vive o perdão. Sem a graça de Cristo, essa realidade será impossível. Perdão é parte de um longo processo de tratamento na vida familiar. Conclusão: Ao concluir a obra, o autor apresenta desafios para a renovação da vida em família. Destaca que o o autêntico amor oferece apoio, sustentação, acolhimento e aceitação quanto à fragilidade encontrada na pessoa amada. Finaliza reafirmando que crê no propósito divino da família, na sua existência e importância em nossos dias. Recomendação Diante do exposto nesta resenha, recomendo este texto como um livro provocador para quem gosta de trabalhar o tema na vida ministerial, em comunidades e claro, em sua própria família. 166 Marcos Antônio Garcia: Há esperança para a família [Resenha] indd /2/ :52:28

174 Palavras que já têm gosto [Resenha] Words which already have its flavor [Book review] Palabras que ya tienen sabor [Reseña] Luis Carlos Ramos Resumo Resenha do livro AMARAL, Daniel do. Música e Teologia: A música evan- gélica brasileira: origem, apogeu e futuro. São Paulo: Fonte Editorial: p. il. ISBN AbstRAct Book review of: AMARAL, Daniel do. Música e Teologia: A música evangélica brasileira: origem, apogeu e futuro. São Paulo: Fonte Editorial: p. il. ISBN [Translation of the title: Music and theology: the protestant Brazilian music: origin, apogee, and future] Resumen Reseña del libro: AMARAL, Daniel do. Música e Teologia: A música evangélica brasileira: origem, apogeu e futuro. São Paulo: Fonte Editorial: p. il. ISBN O livro Música e Teologia, publicado em 2012, pela Fonte Editorial, pretende compilar e analisar informações sobre um tipo especial de música, surgido dentro do importante movimento de renovação litúrgica, que igrejas protestantes brasileiras experimentaram no último quartel do século XX. Essa música recebe a designação de música protestante brasileira (mpb) em evidente paralelismo com a Música Popular Brasileira (MPB). Aliás, o paralelo não se restringe à denominação, mas ambas nascem de um mesmo contexto político-histórico e, em certa medida, experimentam as mesmas reações de amor-e-ódio, durante os chamados Anos de Chumbo. O autor, Daniel Amaral, é natural de Santos, SP, criou-se no Rio de Janeiro, e viveu boa parte de sua vida em Belo Horizonte. Hoje, Daniel mora em Brasília, onde atua na sua área de formação: Engenharia de Transportes. A despeito de sua vida profissional secular, o autor, conquanto tenha permanecido leigo, fez especialização em Teologia pela Universidade Mackenzie. E é sua trajetória como membro da Igreja Presbiteriana Unida, em particular seu trabalho com o culto e a música na igreja local, que lhe deu as credenciais para realizar a pesquisa que resultou no livro que ora resenhamos. Amaral integrou o Grupo Coração do Povo Oficina de música e Liturgia, da Segunda Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte, cuja inspiração principal era, por um lado, a música autóctone e ecumênica influenciado Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd /2/ :54:21

175 pela renovação litúrgica pós Vaticano II e, por outro, a música nova de grupos como Semente, MILAD e cantatas da Igreja Batista do Morumbi. O livro se estrutura em duas partes e tem como eixo central o cancioneiro A Nova Canção. Os cinco primeiros capítulos procuram identificar as bases estéticas, históricas, musicais e teológicas sobre as quais se construiu a música protestante brasileira (mpb). A história é analisada relacionando a mpb com a MPB e a conjuntura do Brasil nas décadas finais do século XX. A segunda parte considera o movimento de expansão da mpb, sua pujança e vigor, bem como as possíveis razões do seu declínio. Metodologicamente, a pesquisa foi realizada a partir do conhecimento empírico do autor, dos registros fonográficos e bibliográficos da época e, principalmente, pela realização de entrevistas, conversas e convivência com compositores e musicistas protagonistas dessa história: Norah Buyers, João Dias Araújo, Jaci Maraschin, Simei Monteiro, Sérgio Marcus Pinto Lopes, João Franciso Esvael, Flávio Irala, Laan Mendes Barros, Nelson Kirst, Ernesto Barros Cardoso, Zeni Lima Soares, Valdomiro de Oliveira, entre tantos outros. O Autor inseriu, inclusive, fotos de alguns desses compositores, bem como das capas de cancioneiros e Long Plays. Pelo que consta, o título original da obra era para ser, sugestivamente, Palavras que já tem gosto, que é um verso da canção Novo Canto da Terra, de Simei Monteiro, publicada no cancioneiro do mesmo nome. Por alguma razão, talvez por essas opiniões que, incompreensivelmente, tomam os editores de assalto, o título que ficou foi Música e Teologia: A música evangélica brasileira: origem, apogeu e futuro. O leitor que comprar o livro pelo título poderá se frustrar. Não é, a rigor, um livro de teologia. Se o fosse, não teria a obra a importância que julgamos ter. É, sim, um trabalho de resgate dos registros histórico- -hinódicos daquele que talvez tenha sido o período mais rico e talentoso da história da música no protestantismo brasileiro. Outra mudança que soa estranha é a substituição da expressão música protestante brasileira, no subtítulo por música evangélica brasileira. Ao longo da obra, o autor trata, sim, da música protestante, ainda que faça alusão à produção evangélica ou evangelical. Mas nestes tempos em que expressões como essa adquirem sentido muito diverso da sua origem, melhor seria, neste caso, o editor ater-se com rigor à designação protestante. Melhor mesmo é o leitor e a leitora não se deixarem desanimar por essas ambiguidades editoriais. O importante é constatar que o conhecimento dessa produção hinódica faria muito bem às novas gerações, tão carentes quanto empenhadas nos ministérios de música em suas comunidades eclesiais. 168 Luis Carlos Ramos: Palavras que já têm gosto [Resenha] indd /2/ :54:21

176 Documentos e Declarações Document and Declarations Documentos y Declaraciones indd /2/ :55:51

177 indd /2/ :55:51

178 Teologia Pública há 50 anos: A criação do Departamento da Ação Cívica pela Igreja Metodista do Brasil em Brasília Public Theology 50 years ago: The creation of the Department of Civic Action by the Methodist Church of Brazil in Brasilia Teología Pública hace 50 años: la creación de la Secretaría de Acción Ciudadana por la Iglesia Metodista de Brasil en Brasilia Helmut Renders Introdução Em 1962, a Igreja Metodista (que, entre 1930 e 1972, chamava-se Igreja Metodista do Brasil) tomou uma iniciativa pioneira em relação ao que se chama hoje teologia pública. Ela criou o Departamento da Ação Cívica e designou Almir dos Santos como seu primeiro secretário. Ele era então pastor metodista e professor da Faculdade de Teologia, na disciplina de Teologia Pastoral ou Prática e, posteriormente, foi eleito bispo. Entrevista com Almir dos Santos [esquerda]. Foto publicado no Expositor Cristão, 1º de julho 1962, p. 1 Revista Caminhando v. 17, n. 2, p , jul./dez indd /2/ :55:51

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