Adriana Gibbon (Universidade Federal de Santa Catarina)
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1 A EXPRESSÃO DO TEMPO FUTURO NA LÌNGUA FALADA DE FLORIANÓPOLIS: VARIAÇÃO (THE EXPRESSION OF FUTURE TIME IN THE SPOKEN LANGUAGE OF FLORIANÓPOLIS: VARIATION) Adriana Gibbon (Universidade Federal de Santa Catarina) ABSTRACT: This research aims at dealing with express future tense in the portuguese spoken in Florianópolis, codified as presente do indicativo (simple present) and forma perifrástica (perifrastic form) verb forms, using data from Projeto Varsul. KEYWORDS: variation; future tense; verb forms. 0. Introdução O objeto de estudo deste artigo é a expressão do futuro na língua falada de Florianópolis. Os dados utilizados para sua realização são parte integrante de um dos corpora do Banco de Dados do Projeto VARSUL (Variação Lingüística Urbana na Região Sul). O Projeto VARSUL envolve quatro universidades do Sul do país (UFSC, UFPR, UFRGS e PUC - RS) e tem como objetivo investigar e descrever fenômenos de variação e mudança nas comunidades do Sul. Por apresentar base teórica de orientação funcionalista, esta pesquisa situa seu fenômeno de estudo em um domínio complexo, que resulta da interação de motivações de natureza diversa. Além disso, este é um estudo que se propõe variacionista e, por tal motivo, se encontram também codificadas variáveis de natureza social que nos permitem avaliar motivações extralingüísticas do fenômeno. O tempo futuro, enquanto categoria lingüística, pode ser por formas verbais, tais como: o futuro do presente do indicativo (sairei), a forma perifrástica (vou sair) e o presente do indicativo (saio), entre outras. Observem-se, por exemplo, os enunciados: (1) Ela vai ficar até dia quinze de abril. É quinze dias. (FLP 11, L0510) 1 (2) Faz cinco anos, dia vinte e um de outubro. (FLP 19, L0897) (3) Poderá ainda cumprir, mas não está cumprindo. (FLP 07, L 0586) Apresentamos a tabela 1, com resultados obtidos para cada variante isolada: 1 No decorrer do artigo, utilizamos alguns códigos adotados pelo Projeto VARSUL para especificar entrevistas, tais como: cidade (FLP), número da entrevista (11) e número da linha (0510).
2 Variantes Números de dados Percentagem Forma perifrástica % Presente do indicativo % Futuro do presente 10 1 % Total % Tabela 01: Distribuição das formas variantes de futuro A primeira constatação que se pode fazer é que as formas do futuro do presente estão em declínio na fala dos florianapolitanos. Dos dez (10) dados coletados, três (3) deles fazem parte de um só contexto de futuridade, uma espécie de enumeração de coisas e são seguidos da forma perifrástica. Como os contextos de ocorrência são muito particulares e os dados são escassos já não é possível afirmar que o futuro do presente está em variação com o presente do indicativo e a forma perifrástica na fala de Florianópolis. Esses dados foram, então, excluídos e nossa variável dependente passou a ser binária. Na rodada binária, para os nossos dados, seis grupos de fatores foram considerados significativos na seguinte ordem de relevância estatística: 1. Paralelismo formal, 2. Tipo semântico do verbo principal, 3. Idade 1. Paralelismo Formal As pesquisas de Scherre (1985;1988), entre outras, atestam a importância do paralelismo formal sobre as formas variantes. Observem-se, a seguir, os resultados obtidos: Forma anterior ao dado Freqüência Aplic./Total Percentagem Peso Relativo Forma perifrástica 117/160 73% 0,66 Ocorrência isolada do verbo e Primeiro verbo de uma série 302/478 63% 0,49 Presente do indicativo 36/88 41% 0,25 Tabela 2: Influência do paralelismo formal sobre o uso da forma perifrástica. Os fatores ocorrência isolada de verbo no futuro e primeiro verbo no futuro em uma série foram amalgamados porque apresentaram comportamento estatístico próximo e não se prestam para observar o paralelismo.
3 A utilização da forma perifrástica se justifica pelo paralelismo, uma vez que marcas levam a marcas. O desfavorecimento do uso da perífrase pelo presente do indicativo mostra que presente do indicativo leva a presente do indicativo. Nesse caso, temos uma evidência de motivações antagônicas em competição. De um lado, pressões semântico-discursivas atuam sobre a escolha das variantes (conforme já discutido) de sorte que uma vez instaurado o contexto de futuridade a perífrase fica inibida dando lugar ao presente; de outro lado, pressões mais mecânicas também agem, de modo que uma vez codificada uma perífrase, este gatilho provoca nova perífrase, o mesmo valendo para a forma do presente. 2. Tipo semântico de verbo principal Os verbos principais, aqueles que acompanham o verbo IR na perífrase ou que estão conjugados no presente do indicativo, são analisados a partir de um conjunto de traços que mostra a escalaridade do componente movimento, contida no seu traço semântico. Essa escalaridade é proposta por nós e os critérios utilizados para organizá-la são deslocamento e quantidade de movimento na ação intrínseca ao verbo. Por movimento tomamos um simples conceito do dicionário: ato ou processo de mover (- se), animação, agitação (Ferreira, 1988:346) e por deslocamento: tirar do lugar onde se encontrava (Ferreira, 1988:167). Combinando esses traços, propomos o seguinte quadro: Tipos Traços Exemplos Movimento Deslocamento Movimento sair, ir, andar Movimento fazer, namorar, brigar Movimento 3 + mostrar, comer, dirigir Movimento 4 movimento interno (percepção, emoção) assistir, ver, amar Estado ter, ser, estar Quadro 01 Apresentação dos critérios movimento e deslocamento para organização da escalaridade do grupo de fatores tipo semântico de verbo principal. Nesse grupo há, também, o fator outros para verbos que não correspondem aos fatores propostos, tais como: humilhar, seguir e agüentar. O verbo pleno IR possui um traço de movimento inerente, conforme destacado por Costa (1990:75): o verbo ir expressa o curso de fatos a partir de um ponto locativo/ temporal qualquer. Por esse motivo, a expectativa é de que os verbos principais que se combinam com o IR auxiliar tendem a ser de [ movimento e deslocamento] enquanto os verbos de [+ movimento e + deslocamento] devem aparecer na forma presente do indicativo. Na rodada final, esse grupo de fatores foi selecionado em quinto lugar. Os movimentos 2 e 3 foram amalgamados por apresentarem comportamento parecido com respeito à variante forma perifrástica. A tabela 03 apresenta os resultados: Freqüência Percentagem Peso Relativo Aplic./Total Movimento 2, 3 214/303 71% 0,55 Outros 31/45 69% 0,80
4 Estado 155/229 68% 0,61 Movimento 1 55/ % 0,26 Tabela 03: Influência do tipo semântico de verbo principal sobre o uso da forma perifrástica. Como se pode observar, os resultados parecem confirmar a hipótese de que os verbos de movimento 1 desfavorecem o uso da perífrase e que os de movimento 2,3 e os de estado a favorecem. Com relação a outros, é possível dizer que, se por um lado há uma certa dificuldade em encontrar um lugar preciso para esses dados, por outro é certo que não se encaixam no grupo de movimento 1, o que não chega a comprometer a análise, especialmente pelo número reduzido de dados para este fator. Dar um tratamento escalar aos traços semânticos do verbo principal possibilitou um maior entendimento da relação deste com o auxiliar IR, mostrando que esse pode ser um fator importante na escolha da forma perifrástica. O resultado mais relevante aqui é o que revela o fator estado (0,61) contra o fator movimento 1 (0,26), evidenciando que a idéia de movimento deve estar presente no contexto de futuridade: ou fornecida pelo auxiliar da perífrase, ou pelo traço inerente do verbo principal. 3. Idade Os dados coletados estão distribuídos entre três faixas etárias: informantes com idade entre quinze e vinte e quatro anos, vinte e cinco e quarenta e nove anos e mais de cinqüenta anos. A nossa hipótese prevê uma possível mudança em tempo aparente. Os jovens devem usar mais a forma inovadora (forma perifrástica) e os mais velhos devem preservar a forma antiga (presente do indicativo), enquanto os informantes de meia idade devem mostrar um comportamento neutro. Labov (1994) afirma que a observação de uma mudança na língua não é uma simples constatação; ela requer observações de dois estágios da língua e a garantia de alguma continuidade entre os dois uma garantia de que, em algum sentido, são dois estágios da mesma língua. Além disso, é preciso verificar se os informantes observados nasceram na comunidade e cresceram ali, junto aos pais nativos e ainda, se a diferença na fala não pode ser resultado de algum empréstimo ou de dialeto de prestígio. (Labov, op. cit.: 44) Uma vez que não se possa verificar a mudança através da observação em tempo real, deve-se procurar apreender a mudança em progresso por meio de análise em tempo aparente. Nesse sentido, observar o presente, distribuindo os informantes em faixas etárias, pode apontar para uma mudança em progresso. Esse grupo de fatores foi selecionado em todas as rodadas realizadas ao longo do estudo e, na rodada final, foi selecionado em oitavo lugar. A princípio, as três faixas etárias foram rodadas separadamente, mas, por apresentarem comportamento estatístico parecido (0,43 e 0,42), os fatores jovens (14 24 anos) e meia idade (25 49 anos) foram amalgamados. Os resultados obtidos para a faixa etária encontram-se na tabela abaixo:
5 14 24 anos e anos Freqüência Aplic./Total Percentagem Peso Relativo 296/436 68% 0,57 + de 50 anos 161/297 54% 0,40 Tabela 04: Influência da idade sobre o uso da forma perifrástica. A nossa hipótese fica confirmada. Os falantes mais jovens favorecem o uso da forma inovadora (forma perifrástica) enquanto os mais velhos tendem à utilização do presente do indicativo. Os 10 (dez) dados de futuro do presente ficam também distribuídos de forma a confirmar a hipótese. Os falantes mais velhos fizeram uso de 7 (sete) dos 10 (dez) dados dessa forma. Dos restantes, 2 (dois) deles ficaram com os indivíduos de meia idade e apenas 1 (um) dado entre os jovens. É possível, pois, dizer que no fenômeno em estudo estamos lidando com indícios de mudança, já que os jovens usam mais a forma inovadora. 4. Considerações finais Após os resultados obtidos na análise dos fatores sociais, podemos apontar algumas tendências em relação ao uso da forma perifrástica e do presente do indicativo. Tendo sido a única variável social selecionada, a idade mostra que os mais jovens parecem estar acelerando um processo de mudança, intensificando o uso da forma perifrástica como expressão para codificar o futuro, sendo que os indivíduos de meia idade contribuem para essa mudança. Os mais velhos é que mostram uma certa resistência quanto ao emprego da forma inovadora. Entre eles encontra-se a existência de maior variação. A análise em torno do grupo semântico-discursivo nos permite caracterizar os contextos preferenciais para o aparecimento do presente e da perífrase, bem como os contextos de restrição para ambas as variantes. Os fatores verbo principal de movimento, terceira pessoa do discurso e modalidade epistêmica associada ao auxiliar poder condicionam significativamente a escolha da forma presente, inibindo a perífrase. Observa-se que a maioria destes fatores projeta, por si só, um traço de futuridade no enunciado. Pode-se pensar, então, que, uma vez estabelecido o contexto de futuridade, o presente do indicativo é favorecido, sem risco de perda da interpretação futura. Caracteriza-se, assim, uma leitura funcional dos resultados: o futuro é instaurado pelo contexto semântico-discursivo, o que libera a forma verbal deste papel temporal. Por outro lado, os fatores: verbo principal de estado, pessoa dos interlocutores e modalidade deôntica agregada ao auxiliar querer, condicionam de modo significativo
6 a seleção da forma perifrástica. Note-se que, no geral, esses fatores não atribuem contexto de futuridade ao enunciado. Desta forma, ainda seguindo uma perspectiva funcional, pode-se dizer que cabe ao verbo a função de indicar o tempo futuro, daí a utilização da perífrase. Neste caso, a perífrase teria um valor mais temporal. Finalmente, resta-nos dizer que a significância associada a fatores sociais, formais e semântico-discursivos confirma que forças de natureza diversa interagem e condicionam a escolha das variantes em estudo, presente do indicativo e forma perifrástica, para codificar o contexto de futuridade e que, como esperávamos, o futuro do presente está definitivamente perdendo seu espaço para a forma inovadora, a forma perifrástica. RESUMO: Este trabalho trata da expressão do tempo futuro no português falado em Florianópolis, codificada pelas formas presente do indicativo e forma perifrástica (IR + INFINITIVO), a partir de dados do Projeto VARSUL ( Variação Lingüística da Região Sul). PALAVRAS CHAVES: variação; tempo futuro; formas verbais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: COSTA, S. B. B. O aspecto em português. São Paulo: Contexto, FERREIRA, A. B. de H. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (s/d). LABOV, W. Principles of linguistic change - internal factors. Cambridge: Blackwell, POPLACK, S. & TURPIN, D. Does the futur have afuture in (Canadian) french? Probus 11, 1999, pp SCHERRE, M.M.P. A regra de concordância de número entre os elementos dos SNs, In: NARO, A. J. et al. Relatório final de pesquisa apresentado ao INEP. Rio de Janeiro. UFRJ, Faculdade de Letras, (mimeografado). Reanálise da concordância nominal em português. Rio de Janeiro, UFRJ, (Tese Doutorado em Letras).
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