Sistemas Agroflorestais como Instrumento para o Desenvolvimento Sustentável no Bioma Cerrado
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- Stéphanie Melgaço Avelar
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1 1 Sistemas Agroflorestais como Instrumento para o Desenvolvimento Sustentável no Bioma Cerrado Introdução José Felipe Ribeiro 1, Eny Duboc 2 e José Teodoro de Melo 3 De maneira geral, agrosilvicultura pode ser entendida como a ciência que estuda um conjunto de técnicas de manejo e uso do solo que implicam na combinação de árvores com cultivos anuais, com pecuária ou com ambos, de forma conjunta ou escalonada no tempo e no espaço (Montagnini, 1992), de forma temporária ou permanente, tendo como principal objetivo, otimizar a produção por unidade de superfície, respeitando sempre o princípio do rendimento sustentado. Entretanto, o perfeito entendimento a acerca deste conceito vêm evoluindo, de modo que seu significado depende do ponto de vista, podendo ser mais amplo ou mais restrito em função das diferentes ênfases dadas a seus vários componentes. Se formos mais longe nesta definição, espécies perenes e anuais da flora integradas com fauna são encontradas em qualquer paisagem natural. Na busca de sistemas mais adequados para o uso racional e sustentável do enorme potencial do bioma Cerrado podemos ir ao encontro de uma definição mais ampla de sistema agroflorestal, ou seja, um sistema de uso do ambiente, que envolve árvores e arbustos nativos combinados com a produção de alimento ou forragem e animais semi-selvagens como a ema, a capivara, o cateto e animais domésticos. Este sistema seria utilizado para otimizar a produção de produtos de interesse, mantendo e até aumentando a produtividade dos sítios locais. Assim, de forma mais ampla, a utilização de espécies nativas como um componente de manejo desse ambiente complementaria as necessidades de alimentos, combustível, proteção do solo e renda do pequeno agricultor. É essencial lembrar que estes sistemas necessitam ter sustentabilidade social, cultural e econômica, portanto, dentro do possível, deve procurar maximizar a produção e reflexos sociais e minimizar seu custo ambiental. De acordo com Contant (sd.) citado por Mattei (1990), a agrosilvicultura é a aplicação de uma ciência complexa que requer conhecimento de ambiente, agricultura, silvicultura e social. Embora, seja muito conhecida em seus componentes individualmente, relativamente pequenos são os conhecimentos das interações entre elas, de forma separada das observações empíricas. Portanto, existe necessidade de se conhecer para reexaminar os conhecimentos procurados nas interações entre os componentes. A agrosilvicultura agrega importante dimensão ao estudo científico do manejo dos recursos naturais. 1 Pesquisador da Embrapa Cerrados, Rodovia Brasília-Fortaleza BR 020 Km 18, Planaltina, DF, Brasil. Fone: (61) Fax: (61) felipe@cpac.embrapa.br 2 Pesquisadora da Embrapa Cerrados. enyduboc@cpac.embrapa.br 3 Pesquisador da Embrapa Cerrados. teodoro@cpac.embrapa.br
2 2 Os sistemas agroflorestais priorizam a otimização dos recursos, inclusive os naturais, em especial o solo, não apenas como técnica de regeneração, mas como forma de desenvolvimento rural. Portanto, inadequação na escolha e combinação das espécies, no tempo e espaço (praticas de manejo), na motivação e o no entendimento das técnicas pela população, pode levar a agrosilvicultura induzir falhas semelhantes a outras formas de uso do solo. A prática agroflorestal também pode ser muito importante, em termos de agricultura familiar ou até de subsistência. Quando a falta de infra-estrutura e o ingresso de recursos na propriedade, faz com que os produtores tenham que satisfazer suas necessidades básicas de alimentação, habitação, combustível, dentre outros, e é oneroso e complicado o uso de insumos agrícolas. Em geral, a aplicação de técnicas agroflorestais pode consolidar ou aumentar a produtividade das propriedades e plantações, ou então, ao menos evitar que haja degradação do solo e da produtividade com o passar do tempo (Montagnini, 1992). Considerando ainda o ponto de vista ecológico, também poderíamos incluir aqui outra dimensão, que diz respeito à diminuição da erosão dos recursos genéticos nativos. A maioria dos critérios comumente utilizados na classificação dos sistemas agroflorestais têm sido: o arranjamento no tempo e no espaço, a importância relativa e função dos componentes, produção obtida dos componentes, produção obtida nos sistemas e as feições econômicas e sociais. Algumas outras têm tentado integrar vários destes critérios em planos hierárquicos, mais ou menos complexos. Portanto, a maioria dos sistemas agroflorestais pode ser agrupada de acordo com suas bases estruturais, sócio-econômicas, funcionais e ecológicas. Entretanto, Mattei (1990) explica a idéia que propõe uma terminologia distinta e interessante, quando considera que todos os sistemas de produção ou de manejo pertencem a uma das três classes seguintes: a) Sistemas modificadores: correspondem aos sistemas relativamente artificiais, como por exemplo, quando se submete um bosque natural a desbaste pesado e se planta na sombra das árvores remanescentes. b) Sistemas tolerantes: quando se trata de sistemas de produção pouco ou muito pouco diferenciados (florística e estruturalmente), do ecossistema natural. Por exemplo: aproveitamento agroflorestal de um bosque que já tenha sofrido intervenção. c) Sistemas intermediários: apresenta características dos dois anteriores. Por exemplo: cultivo de cacau sob o dossel de bosques de pouca intervenção. O uso racional do Cerrado em pé aqui proposto poderia ser enquadrado nessa classificação como sistema tolerante. O Cerrado tem sofrido intervenções de diversas maneiras e existem muitas áreas degradadas disponíveis, principalmente aquelas por pastagem com manejo inapropriado.
3 3 Potencial do Bioma Cerrado para o Desenvolvimento Sustentável O Cerrado brasileiro está entre os biomas de maior diversidade florística do planeta, com cerca de espécies de plantas vasculares listadas até o momento (Mendonça et al. 1998). Ele é apontado como um dos 25 hot spots mundiais para conservação da biodiversidade, estando entre os mais ricos e ameaçados. Nesse bioma ocorrem diferentes formações vegetais como as florestais, as savânicas e as campestres, com várias fitofisionomias em cada uma (Ribeiro & Walter, 1998). Nessas formações vegetais, foram identificadas espécies com diferentes potenciais de uso: alimentar, forrageiro, tanífero, artesanal, ornamental, corticífero, melífero, oleaginoso, medicinal, madeireiro, tintorial, resinífero, condimentar, lacticífero e aromático, dentre outros (Almeida et al., 1998; Brandão, 1991; Brandão, 1992; Lyra et al., 1970). No uso alimentar, estão incluídas muitas frutas que tradicionalmente são consumidas pela população local, evidenciando a importância dessas espécies no desenvolvimento regional. Esses recursos representam fontes de renda alternativas para comunidades tradicionais, comerciantes, processadores e empresários de todo tipo, contribuindo, de certa forma, para o desenvolvimento sustentável da região, já que são ecologicamente compatíveis com as características peculiares deste bioma. Entretanto, vale realçar que boa parte destes recursos vai ao mercado sem um mínimo de esforço de produção racional e sem a conservação de seus genes por meio de plantios ou coleções de germoplasma (Clay & Sampaio, 2000). Em adição a pressão que o extrativismo exerce sobre os recursos naturais, as modificações antrópicas na região vem promovendo a sua escassez nas últimas décadas. O bioma Cerrado é visto pelos planejadores, financiadores e agricultores apenas como substrato a ser ocupado para expansão da agropecuária e urbanização (Felfili et al., 1994). Esta expansão à taxa de 3% ao ano, em termos de superfície, já determinou a conversão de pelo menos 60% da vegetação original de cerrado, o que implica na perda de muitas espécies endêmicas e valiosas ainda não devidamente investigadas. Esta perda é irreversível, uma vez que uma espécie extinta poderia fornecer matéria-prima de grande valor econômico para o futuro ou ter um papel chave na manutenção do equilíbrio do ecossistema (Felfili et al., 1994). No Distrito Federal esta situação é ainda mais grave do que o quadro regional com uma perda de 60% de sua vegetação original, estimando-se extinção em nível local de 20% das espécies de plantas vasculares (Unesco, 2000). Sistemas Agroflorestais para o Cerrado Várias espécies de múltiplo uso estão sendo valorizadas comercialmente no Cerrado e o Barú ou Cumbaru (Dipteryx alata) é uma delas. Ela ocorre em áreas de transição entre o Cerrado e as Matas Secas, em solos relativamente mais férteis, e sua semente e polpa são bastante importantes economicamente. Em algumas regiões, principalmente em Mato Grosso e Goiás, as árvores são deixadas no pasto, pois, os frutos caídos no solo constituem rica fonte de alimentos para o gado pela frutificação no período seco. Sua frutificação é abundante de modo que poucas árvores podem suprir grandes demandas.
4 4 Na natureza, a produção média por árvore pode chegar a frutos (Ribeiro et al., 2000). Em Goiás, principalmente na região de Pirinópolis e Alto Paraíso, suas castanhas vem sendo torradas e usadas na alimentação humana de várias formas. As mesmas considerações podem ser aplicadas para outras espécies como a cagaita e a mangaba em regiões próximas. Além disso, espécies de palmeiras do cerrado e das matas como: buriti, piaçava e gueroba, têm sido usadas tradicionalmente, assim como comercializados pelas comunidades do Brasil Central. O Babaçu, por exemplo, produz óleos já utilizados na indústria de cosméticos nacional e internacional. Neste ultimo caso, despontam empresas que somente adquirem esse produto extrativo de quem produz sustentavelmente e com valores compatíveis com essa estratégia (Felfili, 2003, informação pessoal). Desta maneira, a remuneração retorna de maneira justa às comunidades extrativistas. Com a valorização da fitoterapia tradicional as ervas medicinais vêm ganhando espaços nas farmácias do mundo. Algumas empresas vêm se especializando exclusivamente em fitoterapia e incluem a comercialização de produtos de várias espécies do cerrado e das matas do Brasil Central. No entanto, temos que considerar que: a época de plantio, o espaçamento e as regras de manejo em plantios de recuperação ainda são empíricas para muitas espécies do Cerrado. Por outro lado, a literatura indica que várias espécies de potencial econômico da fisionomia Cerrado sentido restrito no bioma são amplamente distribuídas (Ratter et al., 1998). Exemplos destacados são: a sucupira preta (Bowdichia virgilioides), a faveira (Dimorphandra mollis), o pacari (Lafoensia pacari), o pequi (Caryocar brasiliense), a mama cadela (Brosimum gaudichaudii), a pimenta de macaco (Xylopia aromática), o gonçalo-alves (Astronium fraxinifolium), a mangaba (Hancornia speciosa) e o murici (Byrsonima verbascifolia). Este conhecimento deveria estimular sua manutenção na natureza, pois além de crescerem juntas nesta paisagem, apresentam densidade suficiente para justificar um ganho econômico, desde que fosse agregado valor a essa produção. Esses resultados têm sido conseguidos a partir de informações fitossociológicas associadas a avaliações quantitativas de produção de frutos e comercialização local, mas ainda não são por si só suficientes. O campo da agricultura ecológica deveria ser ampliado e desenvolvido dentro dos cursos de ecologia e de agronomia no Brasil no sentido de entender que as leis que regem o comportamento em um plantio agrícola são essencialmente as mesmas da ecologia, adicionadas àquelas do mercado financeiro. Essas leis deveriam ser então compatibilizadas e associadas com as leis sociais para que pudéssemos ter o que se chama de tripé básico para desenvolvimento sustentável. Assim sendo, para aproveitamento da biodiversidade dos recursos naturais do Bioma Cerrado são necessárias: a caracterização de sua heterogeneidade e distribuição, a quantificação do seu valor econômico, e a valorização desse ambiente para a adequada tomada de decisões na aplicação de políticas públicas na construção de Sistemas agroflorestais utilizando estas espécies nativas.
5 5 Referências Bibliográficas ALMEIDA, S. P. de; PROENÇA, C. E. B.; SANO, S. M.; RIBEIRO, J. F. Cerrado: espécies vegetais úteis. Planaltina: EMBRAPA-CPAC, p. BRANDÃO, M. Plantas medicamentosas do Cerrado mineiro. Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v. 15, n. 168, p , BRANDÃO, M.; Plantas produtoras de tanino. Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v. 16, n. 173, p , CLAY, J. W.; SAMPAIO P. T. B. Biodiversidade Amazônica: exemplos de utilização. INPA, Manaus p. FELFILI, J. M., HARIDASSAN, M., DE MENDONÇA, R. C., FILGUEIRAS, T. S., SILVA JUNIOR, M. C., REZENDE, A. V. Projeto biogeografia do bioma cerrado: vegetação e solos. In: IBGE. Cadernos de Geociências. Rio de Janeiro. 12: LYRA, N. P., LYRA, F. A.; PEDRAZZI, R. G. Tecnologia: as fibras e o resíduo verde de canela-de-ema. Cerrado, Brasília, v. 3, n. 9, p , MATTEI, V. L. Agrosilvicultura e alelopatia. Curitiba: Universidade Federal do Paraná. 26p (Monografia para a disciplina Tópicos Especiais em Agrosilvicultura) MENDONÇA, R.; FELFILI, J. M.; WALTER, B. M. T.; SILVA JÚNIOR, M. C.;, REZENDE, A. V.; FILGUEIRAS, T. S.; NOGUEIRA, P. E. N. Flora vascular do Cerrado. In: Sano, S. & Almeida, S. (eds.) Cerrado: ambiente e flora. EMBRAPA-CPAC, Planaltina. p MONTAGNINI, F., et al. Sistemas agroforestales: principios y aplicaciones en los tropicos. 2.ed. rev. y aum. San José: Organización para Estudios Tropicales. 622p RATTER, J. A.; BRIDGEWATER, S.; ATKINSON, R.; RIBEIRO, J. F. Analysis of the floristic composition of the Brazilian Cerrado vegetation II: Comparison of the woody vegetation of 98 areas. Edinburgh Journal of Botany 53: RIBEIRO, J. F.; SANO, S. M.; BRITO, M. A.; FONSECA, C. L. da. Baru (Dipteryx alata Vog) (ed). Donadio L.C. In: Série Frutas Nativas, FUNEP. 41 p RIBEIRO, J. F.; WALTER, B. M. T. Fitofisionomias do bioma Cerrado. In: SANO, S.M.; ALMEIDA, S.P. de, (ed.). Cerrado: ambiente e flora. Planaltina: EMBRAPA-CPAC, p UNESCO. Vegetação no Distrito Federal: Tempo e Espaço. UNESCO. Brasília. 74p
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