NOTA INFORMATIVA QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA
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- Maria do Mar Carreiro Câmara
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1 NOTA INFORMATIVA QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA 1. Generalidades Pode ler-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, que aprovou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), que um objectivo da reforma introduzida pelo presente diploma reside na obtenção de uma maior e mais eficaz responsabilização dos titulares de empresas e dos administradores de pessoas colectivas. É essa a finalidade do novo incidente de qualificação da insolvência. Foi intenção do legislador impedir que, ao abrigo da personalidade jurídica reconhecida às pessoas colectivas fossem praticados, pelos respectivos administradores, actos de gestão fraudulenta. Nessa conformidade, prevê o artigo 185.º do CIRE, que a insolvência é qualificada como culposa ou fortuita,, estando previstos no artigo 186.º os requisitos para que seja determinada culposa. A insolvência fortuita é delimitada por exclusão de partes. Na versão originária do CIRE, a sentença declaratória de insolvência determinava, necessária e imperativamente, a abertura do incidente de qualificação. Essa opção foi abandonada com a Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, que trouxe uma nova redacção à alínea i) do artigo 36.º do CIRE: na sentença que declarar a insolvência o juiz caso disponha de elementos que justifiquem a abertura do incidente de qualificação da insolvência, declara aberto o incidente de qualificação.... Mas, se não for aberto na sentença declaratória da insolvência o incidente pode ser aberto mais tarde, nos termos do artigo 188.º. 2. Insolvência culposa - Requisitos Os requisitos para que a insolvência seja qualificada como culposa encontram-se vertidos no artigo 186.º do CIRE. Nos termos do n.º 1 daquela disposição legal a insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência. Assim o n.º 1 do artigo 186.º do CIRE enuncia os elementos constitutivos da situação de insolvência culposa: i. actuação do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto; ii. dolosa ou com culpa grave; iii. ocorrida nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência; iv. que teve como consequência a criação ou o agravamento da situação de insolvência. Assim, para que a insolvência seja qualificada como culposa é necessário verificar-se um nexo de causalidade entre a situação de insolvência e a actuação do devedor ou dos seus administradores nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, a qual tem de se caracterizar como dolosa ou com culpa grave. Por seu lado, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, enunciam-se situações factos índice - em que, inquestionavelmente, a insolvência é sempre considerada culposa, considerando-se preenchidos
2 todos os elementos previstos no n.º 1, que supra enunciamos. Assim, considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham: a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor; b) Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas; c) Comprado mercadorias a crédito, revendendo-as ou entregando-as em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente, antes de satisfeita a obrigação; d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros; e) Exercido, a coberto da personalidade colectiva da empresa, se for o caso, uma actividade em proveito pessoal ou de terceiros e em prejuízo da empresa; f) Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto; g) Prosseguido, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência; h) Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor; i) Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no n.º 2 do art. 188.º do CIRE. Apurada factualidade subsumível a qualquer das circunstâncias supra referidas, presume-se que a insolvência é culposa. De facto, ao utilizar a expressão considera-se sempre, o legislador pretendeu esclarecer que aquelas situações configuram, só por si, verdadeiras presunções juris et jure (que não admitem prova em contrário) de insolvência culposa, consagrando-se a presunção de culpa grave e de nexo de causalidade entre as mesmas e a situação de insolvência. Já nos termos do n.º 3 do mesmo preceito são apresentadas presunções juris tantum (que admitem prova em contrário) de culpa grave: quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular tenham incumprido: a) o dever de requerer a declaração de insolvência, b) a obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submete-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial. Assim, nos termos do n.º 3 do artigo 186.º do CIRE, presume-se que actuou com culpa grave o administrador que não requereu a insolvência e/ou não promoveu a elaboração das contas anuais no prazo legal, não as submeteu à devida fiscalização e/ou não as depositou na Conservatória do Registo Comercial. No entanto, para qualificar a insolvência como culposa, será ainda necessário provar-se a existência de um nexo de causalidade entre a actuação do administrador e a situação de insolvência. É, assim, de acompanhar o entendimento vertido no acordão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18/04/2013, processo 1027/10.0TYLSB-A.L1-2, onde 2
3 é referido que após, no n.º 1 do art.º 186.º, o legislador ter destrinçado, entre os pressupostos da insolvência culposa, o dolo ou culpa grave do agente, no n.º 2 anunciam-se casos em que se considera que a insolvência é culposa, ou seja, em que se considera como preenchida, com base em presunção ou equiparação, a totalidade da situação previamente anunciada no n.º 1. Já no n.º 3 do art.º 186.º formula-se uma presunção de culpa incidente não sobre a insolvência, mas sobre determinadas atuações do agente, o que obriga, pois, para a qualificação da insolvência como culposa, ainda à demonstração de que tais atuações causaram ou agravaram a situação de insolvência. Em virtude das especificidades que apresenta, importa analisar o referido dever de requerer a declaração de insolvência. Nos termos do n.º 1 do artigo 18.º do CIRE, o devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 30 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência (entendendo-se em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas), estabelecendo o seu n.º 3 uma presunção inilidível do conhecimento da situação de insolvência decorridos pelo menos três meses sobre o incumprimento generalizado de obrigações de algum dos tipos referidos na alínea g) do nº1 do artigo 20.º, ou seja obrigações (i) tributárias; (ii) de contribuições e quotizações para a segurança social; (iii) emergentes de contrato de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato; (iv) emergentes de rendas de qualquer tipo de locação, incluindo financeira, prestações do preço da compra ou de empréstimo garantido pela respectiva hipoteca, relativamente a local em que o devedor realize a sua actividade ou tenha a sua sede ou residência. Não sendo o devedor uma pessoa singular capaz, a iniciativa da apresentação à insolvência cabe ao órgão social incumbido da sua administração, ou, se não for o caso, a qualquer um dos seus administradores Há, assim, nos termos do CIRE, inquestionavelmente, o dever imposto ao devedor de requerer a declaração de insolvência quando verificar que se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, presumindose, de forma inilidível, o conhecimento da situação de insolvência decorridos pelo menos três meses sobre o incumprimento generalizado de algumas obrigações. De referir que, já na alínea i) do n.º 2 do artigo 186.º, supra transcrita, se presume existir insolvência culposa se o dever de apresentação for incumprido de forma reiterada. 3. Consequências 3.1 Nos termos do CIRE Nos termos do art. 189.º do CIRE, qualificando a insolvência como culposa, o juiz deve: a) Identificar as pessoas, nomeadamente administradores, de direito ou de facto, técnicos oficiais de contas e revisores oficiais de contas, afetadas pela qualificação, fixando, sendo o caso, o respetivo grau de culpa; b) Decretar a inibição das pessoas afetadas para administrarem patrimónios de terceiros, por um período de 2 a 10 anos; c) Declarar essas pessoas inibidas para o exercício do comércio durante um período de 2 a 10 anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa; d) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelas pessoas afectadas pela qualificação e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos; 3
4 e) Condenar as pessoas afetadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respetivos patrimónios, sendo solidária tal responsabilidade entre todos os afetados. A inibição para o exercício do comércio tal como a inibição para a administração de patrimónios alheios são oficiosamente registadas na conservatória do registo civil, e bem assim, quando a pessoa afetada for comerciante em nome individual, na conservatória do registo comercial. Verificamos, assim, que às consequências patrimoniais da declaração de insolvência somamse consequências pessoais quando a mesma é declarada culposa na pessoa do devedor (se for uma pessoa singular) ou relativamente aos administradores do devedor (se este não for pessoa singular). As pessoas afectadas pela qualificação são identificadas na sentença, sendo fixado pelo juiz o respectivo grau de culpa. 3.2 Consequências Penais Nos termos do n.º 1 do artigo 227.º do Código Penal, o devedor que com intenção de prejudicar os credores: b) Destruir, danificar, inutilizar ou fizer desaparecer parte do seu património; c) Diminuir ficticiamente o seu activo, dissimulando coisas, invocando dívidas supostas, reconhecendo créditos fictícios, incitando terceiros a apresentá-los, ou simulando, por qualquer outra forma, uma situação patrimonial inferior à realidade, nomeadamente por meio de contabilidade inexacta, falso balanço, destruição ou ocultação de documentos contabilísticos ou não organizando a contabilidade apesar de devida; d) Criar ou agravar artificialmente prejuízos ou reduzir lucros, ou a) Para retardar falência, comprar mercadorias a crédito, com o fim de as vender ou utilizar em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente; É punido, se ocorrer a situação de insolvência e esta vier a ser reconhecida judicialmente, com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias. Por seu lado, nos termos do n.º 1 do artigo 228.º do Código Penal, o devedor que: a) Por grave incúria ou imprudência, prodigalidade ou despesas manifestamente exageradas, especulações ruinosas, ou grave negligência no exercício da sua actividade, criar um estado de insolvência; ou b) Tendo conhecimento das dificuldades económicas e financeiras da sua empresa, não requerer em tempo nenhuma providência de recuperação; É punido, se ocorrer a situação de insolvência e esta vier a ser reconhecida judicialmente, com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias. Acresce que, nos termos do n.º 1 do artigo 229.º do Código Penal, o devedor que, conhecendo a sua situação de insolvência ou prevendo a sua iminência e com intenção de favorecer certos credores em prejuízo de outros, solver dívidas ainda não vencidas ou as solver de maneira diferente do pagamento em dinheiro ou valores usuais, ou der garantias para suas dívidas a que não era obrigado, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, se vier a ser reconhecida judicialmente a insolvência. Sucede que, a qualificação da insolvência não é vinculativa para efeitos de decisão de causas penais, conforme previsto no artigo 185.º do CIRE. Todavia, nos termos do artigo 229.º-A do Código Penal, as penas previstas no n.º 1 dos artigos 227.º, 228.º e 229.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se, em consequência da prática de qualquer dos factos ali descritos, resultarem frustrados créditos de natureza laboral, em sede de processo 4
5 executivo ou processo especial de insolvência. 3.3 Responsabilidade dos Administradores A responsabilidade do administrador por danos causados aos credores, nos termos gerais do artigo 483.º do Código Civil, não é afastada pela existência do incidente em análise. Por outro lado, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º do Código das Sociedades Comerciais: Os gerentes ou administradores respondem para com os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos. Liliana Figueiredo Janeiro 2014 A informação contida na presente Nota é prestada de forma geral e abstracta, pelo que não deverá sustentar qualquer tomada de decisão concreta sem a necessária assistência profissional. 5
Assim, as incompatibilidades estão previstas no artº 77º do E.O.A. e os impedimentos no artº 78º do E.O.A.
1 Parecer nº 9/PP/2013-P Relatora: Dra. Catarina Pinto de Rezende I - Por comunicação datada de 6 de Fevereiro de 2013, dirigida ao Exmo. Senhor Presidente do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados,
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