CARLo MARiA MARTiNi o bispo

Transcrição

1 o bispo

2 Coleção COMUNIDADE E MISSÃO O diálogo das religiões, A Torres Queiruga Curso de preparação para ministérios leigos, Diocese de Caxias do Sul A Igreja do futuro e o futuro da Igreja: Perspectivas para a evangelização na aurora do terceiro milênio, Agenor Brighenti O ministério dos presbíteros-epíscopos da Igreja do Novo Testamento, Pe Antonio José de Almeida Discípulos e missionários: Reflexões teológico-pastorais sobre a missão na cidade, Dom Benedito Beni dos Santos A vocação: convite para servir, Pe José Dias Goulart Vida Religiosa: Da convivência à fraternidade, G Colombero Ovelha ou protagonista? A Igreja e a nova autonomia do laicato do século XXI, Renold J Blank Herdeiros de Abraão, Bradford E Hinze e Irfan A Omar A unidade da Igreja: Ensaio de eclesiologia ecumênica, Elias Wolff Acompanhamento de vocações homossexuais, José Lisboa Moreira de Oliveira Padres para amanhã: Uma proposta para comunidades sem Eucaristia, Fritz Lobinger Dicionário de Aparecida: 42 palavras-chave para uma leitura pastoral do Documento de Aparecida, Paulo Suess As noites de um profeta: Dom Hélder Câmara no Vaticano II, José de Broucker Para compreender o Documento de Aparecida: o pré-texto, o con-texto e o texto, Pe Agenor Brighenti Fé viva: Como a fé inspira a justiça social, Curtiss Paul DeYoung Dom Helder Câmara: Um modelo de esperança, Martinho Condini Mártir da Amazônia: A vida da irmã Dorothy Stang, Roseanne Murphy Equipes de Ministros Ordenados, Dom Fritz Lobinger, Pe Antonio José de Almeida A profecia na Igreja, José Comblin Leigos e leigas: força e esperança da Igreja no mundo, Cezar Kuzma Igreja: comunhão, participação, missão, João Panazzolo Discípulos e missionários na paróquia, Luiz Gonzaga da Rosa Diaconia da palavra: o ministério e a missão do diácono permanente, Julio César Bendinelli Encontro com Cristo: vencer medos, viver de esperança, Bruno Carneiro Lira Dom Helder Câmara: profeta para os nossos dias, Marcelo Barros Impulsos e intervenções: Atualidade da missão, Paulo Suess Por uma paróquia missionária à luz de Aparecida, Gelson Luiz Mikuszka O presbítero consagrado nos Institutos Seculares, Giuseppe Forlai Concílio Vaticano II: Reflexões sobre um carisma em curso, João Décio Passos (org) Sujeitos no mundo e na Igreja, João Décio Passos (org) O bispo, Carlo Maria Martini

3 carlo maria martini o bispo

4 Título original: Il vescovo 2011 by Rosenberg & Sellier ISBN Tradução: Hermann Herbert Watzlawick Direção editorial: Claudiano Avelino dos Santos Assistente editorial: Jacqueline Mendes Fontes Revisão: Cícera Gabriela Souza Martins Tiago José Risi Leme Manoel Gomes da Silva Filho Diagramação: Dirlene França Nobre da Silva Capa: Marcelo Campanhã Impressão e acabamento: PAULUS Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Martini, Carlo Maria, O bispo / Carlo Maria Martini São Paulo: Paulus, 2014 (Coleção Comunidade e missão) Título original: Il vescovo ISBN Episcopado 2 Igreja Católica - Bispos 3 Martini, Carlo Maria, Ministério - Igreja Católica I Título II Série CDD Índices para catálogo sistemático: 1 Bispos: Igreja Católica: Eclesiologia: Cristianismo ª edição, 2014 PAULUS 2014 Rua Francisco Cruz, São Paulo (Brasil) Fax (11) Tel (11) wwwpauluscombr editorial@pauluscombr ISBN

5 Nota do editor sobre a origem da obra Em 1997, Carlo Maria Martini era arcebispo de Milão (Itália) Graças à apresentação de Paolo De Benedetti, nossa editora publicou um dos dois volumes ligados à sua iniciativa da Cátedra dos não Crentes Fé e violência Nos últimos anos, após seu retorno de Jerusalém, pude fazer algumas visitas ao cardeal e entre outras coisas percebê-lo atento e curioso com relação a meu trabalho e aos projetos da editora Um dia, comentei com ele sobre o interesse que me ocorrera pelo cuidado com as palavras e sobre a ideia de publicar uma nova coleção Rosenberg & Sellier para fazer outro uso do instrumental da linguagem e estabelecer contato com seu poder transformador Ele gostou da ideia, encorajou-me e sugeriu-me também algumas palavras No encontro seguinte, retomamos o assunto, e contei-lhe como estávamos procedendo no projeto; em certo ponto, sem que eu tivesse pensando antes, ouviu-me sugerir: O senhor poderia, quem sabe, escrever O bispo É evidente, de fato, como o autor pode ser considerado um verdadeiro mestre do cuidado com as palavras O bispo nasce, portanto, originalmente, como o título do primeiro volume da coleção dedicada ao Cuidado com as palavras, que viria à luz nos próximos meses e que foi batizada como pedras preciosas, um projeto de 24 livros e de 24 lições magistrais 5

6 O bispo A especificidade eclesial da palavra bispo, além da atual impossibilidade de o cardeal dar aula pública ou gravada, persuadiu-me a pedir-lhe para separar a obra da coleção para inseri-la de modo autônomo em nossa coleção dúvida & esperança Isso não rompe a forte e significativa ligação entre este livro e os pensamentos que movem o projeto Cuidado com as palavras Por isso além de ter desejado muito reescrever por inteiro suas reflexões, mesmo com um cansaço crescente, eu o agradeço de coração Ugo Gianni Rosenberg 6

7 Introdução Não pretendo oferecer aqui uma abordagem canônica sobre o bispo, sua autoridade, seus privilégios, suas obrigações Lembro-me de que, durante alguns dias, nos falou o cardeal Anastasio Ballestrero, já arcebispo de Turim, durante um curso de exercícios espirituais pregado aos bispos lombardos Ele nos apresentava com exatidão o estatuto canônico dessa personagem, seus deveres, seus poderes Em seu discurso, não faltava uma vírgula sequer: era realmente impressionante, porque falava sem a ajuda de nenhuma anotação, tirando tudo de sua memória Falava também sem nenhuma menção à sua experiência de bispo durante tantos anos, primeiro em Bari e depois em Turim Neste meu breve escrito, não quero tratar explicitamente de nenhum dos termos jurídicos tão bem evocados pelo cardeal Ballestrero Não quero, também, refazer o que foi feito magistralmente por Victor Hugo na primeira parte de seu Os miseráveis Ele descreveu a figura e as ações de um bispo ideal (pelo menos a seus olhos), o bispo de Dignes, Dom Bienvenu Também não pretendo repetir o que já foi dito muito bem no documento da Congregação dos Bispos de 22 de fevereiro de 1973 sob o título Ecclesiae Imago, revisto e republicado em 22 de fevereiro de 2002 com o título Apostolorum Successores, ainda que eu tenha presente o que ali está exposto Considero esse documento como de grande importância; por isso, aconselho 7

8 O bispo 8 sua leitura exatamente porque não pretendo repetir seu conteúdo A outra fonte consiste em minha experiência pessoal de mais de vinte e dois anos como arcebispo da Diocese de Milão Para esse propósito, não desejo refazer o que fez muito bem o cardeal Giuseppe Siri, publicando suas memórias, discursos e documentos sob o título Un vescovo ai vescovi [ Um bispo aos bispos ] Desejo falar de como o bispo vive concretamente Quero descrever sua relação com as pessoas com quem tem contato, como passa os diversos momentos de seu dia, quais são seus principais compromissos, o que acontece quando encontra as pessoas Lembro-me de que, em minha infância, eu considerava o bispo alguém que estava como em um nicho ou pedestal na Igreja para ser homenageado pelos fiéis Neste livro, quero fazê- -lo descer desse lugar e vê-lo em contato com o povo, como de fato acontece Pretendo exprimir algo que dê uma imagem dele menos nebulosa e hierática, mas viva e sem falsas pretensões Obviamente como já afirmado, parto de minha experiência de bispo por mais de vinte e dois anos em uma grande diocese Contudo, o objetivo não é autobiográfico, ainda que no conjunto transpareça certo otimismo, que tem origem na bela experiência feita Pretendo falar, em geral, da experiência de quem é chamado hoje ao ofício episcopal O editor desta coleção foi muito gentil em fazer-me algumas perguntas, que serão respondidas em seu devido lugar Começarei com uma análise filológica do termo, para passar, em seguida, a uma descrição das dinâmicas e das prerrogativas típicas de sua vida, chegando até sua demissão Elenco aqui os diferentes temas que tentarei abordar após uma introdução caracterizada pela atenção a questões de etimologia e vocabulário: na seção dedicada às fontes, serão enfrentadas as modalidades em que alguém se torna bispo, quais são as primeiras providências esperadas de sua parte e a organização do cotidiano como se espera que seja; na segunda parte, en-

9 Introdução frentar as dificuldades e os auxílios servirá para ilustrar quais obstáculos, derivados dos vícios pessoais ou das más línguas, e quais contatos com o Verbo completam essa jornada inspirada no bom governo entre a ética e o Evangelho Chega a ser exaustiva, na terceira seção, a demonstração de quais contatos com o mundo aguardam o bispo em seu empenho diário: com os não crentes, os pobres e doentes, os encarcerados, os estrangeiros com os fiéis, especialmente na visita pastoral, os diáconos permanentes e os presbíteros, os organismos de participação, o seminário e as comunidades formativas; com os teólogos, as instituições, as religiões, os judeus, o mundo das missões e com o midiático A última seção se ocupa da relação com a Igreja, entendida como comunidade, mas sobretudo como organização (contatos com a Conferência Episcopal, com o papa e a Secretaria de Estado e as Congregações Vaticanas) e se completa com as dimensões, que começam, porém, a traçar um perfil possível a um bispo hoje, a ponto de redigir nas conclusões uma série de valores adaptados a esta época: integridade, lealdade, paciência e misericórdia 9

10 Um pouco de etimologia e um pouco de vocabulário No dicionário, o bispo é definido como alguém que foi investido dos poderes de governo de uma Igreja local como sucessor dos Apóstolos, mediante a consagração especial que lhe confere a plenitude da ordem sacra (Il grande dizionario Garzanti della lingua italiana, 1987, entrada vescovo ) Como veremos a seguir, essa definição, que indica o que comumente hoje se entende quando se fala do bispo, não destaca a relação do bispo com a Palavra e com o que chamaremos em seguida sua relação com a Igreja celeste, ou seja, sua oração, sua ação santificante e, em particular, a presidência das principais ações sagradas da comunidade A definição citada, além de sua incompletude, vale para o catolicismo, para o cristianismo oriental e para algumas comunidades reformadas Nas demais comunidades cristãs, usam-se nomes diferentes para as diversas responsabilidades Todavia, parece-me que todas essas definições e descrições devem dar conta daquilo que é declarado na Primeira Carta de Pedro, ou seja, que Jesus, por seu sacrifício na cruz, é o verdadeiro pastor e guardião [ epíscopo ] das vossas almas (1Pd 2,25), pastor supremo, do qual cada um receberá a coroa da glória que não fenece (1Pd 5,4) Nesse contexto, Pedro pode exortar os anciãos ( presbíteros ) a apascentarem o rebanho de Deus que vos foi confiado, vigiando [um verbo derivado de epíscopo, mas textualmente incerto] não pela 11

11 O bispo 12 força, mas de boa vontade segundo Deus (1Pd 5,2) Como aparece nesta e em outras citações (por exemplo, veja-se Tt 1,5, comparado com Tt 1,7), a linguagem do Novo Testamento não é homogênea, seja em relação aos presbíteros, seja em relação aos epíscopos Voltando ao título de bispo, conforme é usado no presente, ele pode ser qualificado com diversos adjetivos Dessa forma, é chamado de bispo residencial o que governa uma diocese com jurisdição plena São chamados, por sua vez, de bispos auxiliares os que ajudam um bispo residencial O bispo coadjutor é, por sua vez, o que assiste o bispo residencial, sobretudo se de idade avançada ou doente Com frequência, é-lhe conferido também o direito de sucessão São chamados, ainda, bispos titulares aqueles aos quais é entregue uma diocese não mais existente Os bispos suburbicários são os que, com dignidade cardinalícia, regem uma diocese vizinha à de Roma Alguns bispos titulares estão a serviço da Santa Sé, seja nos dicastérios romanos, seja nas nunciaturas Desses não falo porque minha atenção está toda voltada à figura do bispo residencial A história, pois, obriga a acrescentar a figura do bispo-conde, que, na Idade Média, designava um bispo residencial que era investido de uma diocese e tinha também o título feudal de seu território Nesse caso, tinha também o poder judiciário sobre o território da diocese Quantas condenações injustas não produziu, durante sua vigência, essa conduta dos vários poderes no passado (por exemplo, no tempo em que se acreditava no poder das bruxas) Pela graça e pela evolução histórica, a Igreja está hoje profundamente livre da obrigação dessas uniões