MEU IRMÃO, O PAPA GEORG RATZINGER. Com a colaboração de MICHAEL HESEMANN M EU IRMÃO, O PAPA. Tradução MARIETHERES SOMBORN

Transcrição

1 M EU IRMÃO, O PAPA GEORG RATZINGER Com a colaboração de MICHAEL HESEMANN MEU IRMÃO, O PAPA Tradução MARIETHERES SOMBORN 5

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3 M EU IRMÃO, O PAPA ÍNDICE Introdução 11 I Raízes II Marktl ( ) III Tittmoning ( ) IV Aschau ( ) V Traunstein ( ) VI Freising e Fürstenried ( ) VII Professor ( ) VIII Cardeal ( ) IX Papa (2005 até hoje) Em jeito de posfácio: 60 anos de sacerdócio (2011) 243 Agradecimentos

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5 M EU IRMÃO, O PAPA de Nossa Senhora de Altötting, mas não na mesma aldeia. A minha irmã Maria (a 7 de dezembro de 1921) e eu (a 15 de janeiro de 1924) nascemos em Pleiskirchen e o meu irmão Joseph, o Santo Padre (a 16 de abril de 1927) da, o nosso pai foi transferido muitas vezes, conforme o costume de então. De qualquer maneira, fazíamos várias romarias familiares a Altötting. A sua ermida, aquela pequena capela maravilhosa, tem uma história longa e importante que remonta aos tempos da dinastia carolíngia. Mesmo assim íamos lá em peregrinação não por sítio profundamente espiritual. O nosso pai era membro da Congregação Mariana masculina, uma irmandade com sede em Altötting e que se dedicava inteiramente à veneração de Nossa Senhora. Era também por isso que ele e nós nos sentíamos sempre atraídos por esse lugar. As romarias à famosa Virgem Negra fazem parte das originado pela oração e meditação constantes, cativava-nos, a mim e ao meu irmão, já naquela altura. O facto de termos sido criados 21

6 G EORG RATZINGER tão perto de Altötting tornou-se importante nas nossas vidas e na nossa estima. Podíamos sempre entregar as nossas preocupações - pela Virgem. Sobre o tempo antes do casamento dos pai, praticamente nunca se falou. Assim, não soube que os meus avós se tinham casado num outro santuário mariano, em Absam. Mas é bom saber que obviamente também o seu matrimónio gozou da bênção de Nossa Senhora. A jovem Maria Peintner, mãe de Joseph e Georg Ratzinger. A família da minha mãe era originalmente do Tirol. Os pais dela eram padeiros. O pai, um suevo da Baviera chamado Isidor Rieger, nascera em Welden (a 22 de março de 1860), que dizem ser uma aldeia bonita. Os seus avós foram proprietários de um moinho, perto de Brixen no Tirol do Sul (região que naquela altura ainda era austríaca), que foi levado numa cheia do rio Rienz. Devido a isso, toda a família 22

7 M EU IRMÃO, O PAPA emigrou para a Baviera. A minha avó teve saudades da sua terra da!» A água do Tirol, era essa a sua convicção, seria muito diferente da água bávara. Também acreditava que «um chapeuzinho cheio de feno tirolês» valia mais, como comida de gado, do que um carrinho de mão cheio de feno bávaro; era mesmo uma patriota tirolesa fervorosa *. 1 A minha mãe, Maria Ratzinger, Peintner em solteira, nasceu a 8 de janeiro de 1884, em Mühlbach bei Oberaudorf (no concelho de Rosenheim) no extremo sudeste da Baviera, onde também se encontra a sua igreja batismal. É o mesmo Mühlbach em que foi criado o célebre futebolista Bastian Schweinsteiger. Frequentou depois a escola primária em Rimsting, no Chiemsee. Os pais dela buir o pão todos os dias ainda antes do início das aulas. Ela foi à escola durante sete anos e depois começou a trabalhar como criada. O seu primeiro patrão foi um chefe de orquestra de Salzburgo. Chamava-se Zinke, era checo e ensaiava com zelo. Assim, a minha mãe entrou em contacto com a música. Infelizmente, o chefe de orquestra ganhava muito mal e tinha constantemente de dar con- minha mãe também era muito parco. Mais tarde, trabalhou numa padaria em Kufstein. Depois encontrou emprego no Hesse, em dou-se para Munique, onde o Hotel Neuwittelsbach procurava uma cozinheira de massa doce 1, 2 o que ela gostava particularmente de fazer. A minha mãe já tinha, portanto, visto e vivido bastante, *1Isso talvez explique que tenha insistido em casar em Absam, no Tirol, apesar de já viver há muito na aldeia bávara de Miihldorf. 12 «Mehlspeisen», no original, termo que compreende pratos principais com base de massa e doces e pastelaria. (N. da T.) 23

8 G EORG RATZINGER quando conheceu o meu pai. O carinho caloroso e a cordialidade dela sempre compensaram o rigor do meu pai. Ela mostrava-se sempre contente e amável e tinha o costume de cantar hinos a Nossa Senhora enquanto lavava a loiça. Mas era sobretudo uma mulher prática sob muitos aspetos, verdadeiramente competente em tudo: costurava, fazia sabão e também sabia preparar uma refeição saborosa com ingredientes simples. O seu forte, como já disse, eram os deliciosos pratos de massa doce, que ainda fazem parte dos meus pratos preferidos e do meu irmão. Os seus Dampfnudeln 1 bávaros, com uma crosta grossa no fundo, eram uma maravilha. Eram servidos com molho de baunilha. Também adorávamos o Apfelstrudel dela. Num verdadeiro Apfelstrudel, qualquer boa dona de casa bem larga e estica-se nos cantos e coloca-se nela o recheio, os gomos de maçã, as passas e outras coisas deliciosas. Um Apfelstrudel assim, as panquecas que ela servia com Ribisl, como se chamava a groselha, um nome antigo tirolês que na Baviera ninguém entendia. Kaiserschmarrn 2 dela, que era simplesmente excelente. gime austero e sóbrio pois o ordenado de um simples guarda não dava para grandes despesas. O meu pai tinha de ser muito poupado para o dinheiro chegar. Ao mesmo tempo os pais cuidavam sempre de nos trazer arranjados e asseados. Felizmente a mãe conseguia aliviar bastante o nosso orçamento familiar. Em primeiro lugar, através do nosso quintal, onde cultivava legumes e verduras. Durante o verão, não precisava de comprar esses alimentos porque tinha semeado e colhido alfaces, couves e cenouras. O trabalho no 1 Bolas de massa de levedura cozidas em água com leite e manteiga e recheadas com doce de ameixa. (N. da T.) 2 Panqueca fofa e rasgada, frita em manteiga. (N. da T.) 24

9 M EU IRMÃO, O PAPA que a alegravam muito. A minha mãe também fazia constantemente tricot. Todas as camisolas, meias, luvas, cachecóis e gorros tudo o que vestíamos no inverno eram fabricados por ela. Só precisava de comprar a lã, o que aliviava bastante o orçamento do meu pai. Naquela época não era costume, pelo menos na província, comprar malhas e lãs nas lojas. Nós sempre tivemos dois pares de luvas à escolha, as mitenes que só mostravam o polegar e as luvas com dedos. Para o nosso pai e para nós, a mãe foi mesmo uma sorte grande. Ainda conheci as minhas duas avós. A mãe da minha mãe, Maria Rieger-Peintner, só faleceu em Vivia em Rimsting. Uma vez visitei-a com a minha mãe. Era uma mulher algo acrimoniosa que sabia ralhar a sério, como me disseram. Da minha avó paterna (Katharina Ratzinger, Schmid de solteira, ) só me recordo que era uma velhinha vetusta de lenço preto. Infelizmente, não tenho mais nenhuma recordação dela. Só cheguei a vê-la uma única vez, quando festejou os seus 80 anos (1931). Houve uma grande festa com todos os parentes. Aconteceu um pouco mais acima no Danúbio, penso que em Altenmarkt. Até lheiro ministerial aposentado Johann Nussbaum, de Rimsting, no seu livro sobre as raízes da nossa família *. 1 O original está na posse dos meus parentes, a família Anton Messerer em Rickering bei Schwanenkirchen, a aldeia em que nasceu o meu pai. O avô deles era irmão do meu pai. Também de Rickering era o tio do meu pai, portanto o meu tio- -avô, Dr. Georg Ratzinger, padre e político que chegou a ser deputado ao Reichstag. O nosso pai mencionava-o várias vezes e falava *1Nussbaum, Johann, Die Spurer des Papstes und seiner Familie in Rimsting, Rimsting,

10 G EORG RATZINGER A família Ratzinger alargada na festa dos 80 anos da avó paterna Katharina Ratzinger, na quinta Ratzinger em Rickering. Georg (7) está sentado à esquerda em baixo; Joseph (4), sentado à direita em baixo; Maria (9), de vestido claro, em pé; os pais Maria e Joseph Ratzinger em pé, em cima, à direita. O tio Anton está à esquerda, em cima, e em frente dele, sentado, está o tio sacerdote Rev. Alois Ratzinger. da sua obra mais importante, a [História do Atendimento da Igreja aos Pobres], que também tinha sido a sua tese de doutoramento. Tinha-a escrito impulsionado pelo conhecido historiador eclesiástico Ignaz von Döllinger e nela mostra- Idade Média, acabara com a Reforma. Mas ainda escreveu outros livros, como Die Volkswirtschaft in ihren sittlichen Grundlagen [A Economia Baseada no Seu Fundamento Moral], em que tratou da ligação das teorias económicas à ética cristã e focou a questão social. Além disso, deu o seu contributo como declarado opositor ao trabalho infantil. Um historiador de Trier chamado Dr. Karl-Heinz Gorges 26

11 M EU IRMÃO, O PAPA outro historiador, o Dr. Tobias Appl de Ratisbona, doutorado pela cátedra de História da Baviera, que publicou escritos sobre ele. Foi orador numa conferência sobre a vida e a obra do meu tio-avô aqui em Ratisbona em O Dr. Georg Ratzinger ( ), militante do Partido Patriótico Bávaro, foi, de 1875 a 1877, membro da Câmara de Deputados do Parlamento Bávaro e, de 1877 até 1878, membro do Parlamento alemão, o Reichstag. De 1893 a 1899 foi outra vez deputado no Parlamento bávaro, primeiro como membro da União Bávara dos Agricultores, e a seguir como deputado independente. Foi como tal que voltou ao Reichstag em 1898, até à sua morte um ano mais tarde. Ratzinger era considerado um autor eminente com queda para a polémica. No auge da Luta pela Cultura 1 travada pelo chanceler do Império Ale- e ele próprio preventivamente detido. Foi por algum tempo chefe de redação do Fränkisches Volksblatt [Jornal do Povo Franco] em Würzburg. É considerado um dos mais importantes pioneiros do emergente jornalismo eclesiástico. Como aluno conservador de Döllinger, era suspeito aos olhos não só do Estado, mas também dos círculos eclesiásticos conformados, o que impediu a sua carreira académica de historiador eclesiástico. Foi por isso que se dedicou à política. Ele próprio se designava por «inimigo do Império» e «clerico-social». Rejeitava o hegemonismo militar da Prússia. Defendia que o militarismo pesava principalmente nos trabalhadores e agricultores contribuintes, enquanto servia os as tendências militaristas iam levar a uma guerra mundial. Parecia-lhe que o único meio possível para evitar esse destino era a reestruturação do Estado conforme a doutrina social da Igreja Católica. Mesmo em vida, a carreira de Ratzinger foi acompanhada de tentativas de calúnia. Hoje, a sua fama de reformador social católico de mérito in- 1 «Kulturkampf», no original, um movimento anticlerical do século XIX que visava eli- (N. da T.) 27

12 G EORG RATZINGER dubitável é obscurecida pela acusação de ter sido autor de duas publicações antijudaicas publicadas sob os nomes «Dr. Robert Waldhausen» e «Dr. Gottfried Wolf». O nosso pai falava nele, mas nunca soubemos pormenores. Tí- cia. Na nossa decisão para adotar o sacerdócio, todavia, o exemplo critos e desconhecíamos também a sua opinião acerca dos judeus, que nem tinha sido publicada em nome próprio. Marktl, a família Ratzinger pertencia a uma velha linhagem de agricultores. A genealogia pode ser rastreada sem interrupções até ao ano 1600, quando um certo Georg Räzinger, agricultor em Ratzing da diocese de Passau, é mencionado pela primeira vez nos registos da Igreja. De facto as suas raízes vêm de muito mais longe na história. Como o historiador Herbert Wuster provou, na mencionada conferência sobre o Dr. Georg Ratzinger, a família remonta a século X. Trabalhou, conforme indica a nota dos anos , ao serviço da igreja de Passau e provavelmente até fundou a povoação Ratzing, situada a um quilómetro de Sandbach. Supõe-se que era antepassado de um certo administrador de nome Dietricus de Rezinge, mencionado nos documentos do mosteiro Vornbach cerca de Em 1258, o tribunal municipal de Passau, Ao que parece, naquela época a família era abastada, pelo menos há registo de um certo burguês e proprietário Otto Ratzinger na Passauer Innstadt. Um destes dois Ratzingers deve ter sido, segundo Wurster, o fundador da outra povoação com o nome de Ratzing, na freguesia hoje chamada Feinberg im Innviertel (hoje pertencente à Alta Áustria), onde adquiriu terrenos e uma quinta. 28

13 M EU IRMÃO, O PAPA De qualquer maneira, a quinta chamada «Recing», mais tarde «Rätzinger am untern Freinberg», consta pela primeira vez em 1304 num documento do capítulo da catedral de Passau. Desta maneira, na quinta Ratzinger emergiu daquela família anteriormente burguesa a linhagem camponesa documentada ininterruptamente desde Desde 1801, a quinta Strasser em Rickering, onde também nasceu o avô de Bento XVI, é propriedade da família. O meu pai também era de Rickering, uma povoação que perten- pais chamava-se Anna e nasceu ainda antes do casamento dos pais. No fundo, ele nunca se sentiu bem lá, na sua juventude, pois, sendo o primeiro varão, teve de ajudar desde cedo na agricultura. Esse trabalho era muito duro e pesado. Mais tarde frequentou a escola primária. O professor era um «cooperador», como eram designados os capelães na altura, chamado Rosenberger e teve um papel ciou profundamente. Dava aulas de religião intensas e valiosas que o meu pai já na altura apreciava bastante. Ainda houve um professor, o Sr. Weber, que admitia as crianças no coro desde muito jovens. Apresentavam missas a sete ou oito vozes e o meu pai fez parte do coro. Mais tarde, ele gostava muito de nos contar que cantara no coro da igreja de Schwanenkirchen sob a direção do Sr. Weber. A música sacra fascinou-o desde cedo e teve um papel importante na paróquia. Naquela época, o nosso pai começou a desenvolver a sua queda para a música. Um dia comprou uma cítara e, depois de algumas aulas, continuou a tocar por sua conta como autodidata. Tinha uma caixa cheia de cadernos de pautas que ocupava um lugar em cima do armário da cozinha, ao lado da cítara. Ao serão, costumava tirá- -la para baixo e tocar e cantar para nós. Era sempre uma atmosfera especial quando estávamos reunidos à volta dele e ele começava 29

14 G EORG RATZINGER por tocar uma marcha animada e continuava com canções da época. Hoje em dia, ninguém compreenderia essas canções, eram um vidos. De qualquer maneira, era sempre muito bonito quando o caminho musical. Além disso, o nosso pai era um homem severo, mas também justo. Sempre nos disse o que não estava bem, mas nunca nos ralhou sem motivo e criticava-nos só quando o tínhamos merecido. Era uma personalidade respeitada, com a sua atitude honesta e amável com todos. Tinha um bigode virado para cima à moda de então e a sua roupa estava sempre impecável. Em ocasiões importantes, a minha mãe polia com especial esmero o capacete, o sabre e o cinturão dele com Sidol (um limpa-metais), para A seguir à escola primária, o meu pai ainda frequentou a Feiertagsschule [«Escola dos Feriados»], onde iam os antigos alunos da es- que já trabalhava em casa, na agricultura. Essa escola funcionava sempre aos domingos, portanto, era uma escola dominical onde a instrução religiosa tinha o maior peso, apesar das outras cadeiras que eram dadas. A 20 de outubro de 1897, com 20 anos, o meu pai teve de as- muito melhor do que eu ou o meu irmão alguma vez fomos. Che- especial, pois era um bom atirador e foi recomendado pelos seus superiores para essa distinção. Não tinha más recordações do seu tempo na tropa; ao contrário de nós, devo admitir. Não gostei de ser soldado e o meu irmão também não. O meu pai gostava de lembrar o seu tempo militar. Serviu durante dois anos no Regimento 16.º da infantaria real bávara e cumpriu mais três anos na reserva, - 30

15 M EU IRMÃO, O PAPA vaidoso, o tenente de Hazy. Quando o comandante o chamava «senhor tenente Hazy», este não se mexia. Outra vez: «senhor tenente tenente de Hazy», respondia imediatamente com um estrondoso «Sim, meu capitão!». Após o serviço militar, o meu pai voltou à casa mas Anton, o irmão mais novo. Nunca nos contou as razões. Teve de procurar outro sustento e informou-se sobre as suas possibili- na Gendarmerie, como se chamava a polícia provincial na altura, ou nos caminhos de ferro. Não sei por que motivo, candidatou-se à Guarda e foi aceite. No Arquivo Geral do Estado da Baviera em Munique ainda se encontra o seu processo de serviço, que o historiador local Johann Nussbaum, de Rimsting, descobriu há poucos anos. Reza que era «de 25 anos, católico, solteiro, 1,64 metros de altura». A sua primeira colocação foi Niederambach bei Schro- vido a segundo-sargento em Königsee, oito anos mais tarde em 1917 em Kolbermoor a primeiro-sargento, dois anos mais tarde em Unterneukirchen a esquadra. Foi transferido 14 vezes em 35 anos de serviço. «Por fora, parecia magricela e duro. Tinha um bigode precocemente grisalho», descreve-o Nussbaum, que ainda conseguiu falar com alguns contemporâneos. «A sua atitude era sóbria e severa. Um homem robusto, disciplinado e calado típico das pessoas da região entre o Danúbio e a Floresta Bávara.» Naquela época era costume transferir os guardas muitas vezes para evitar favoritismos. Nem consigo enumerar todos os postos em que serviu. Esteve no Königsee, na Holledau e, durante a Primeira Guerra Mundial, na cidade de Ingolstadt, onde havia muitas 31

16 G EORG RATZINGER fábricas e, por medo de eventuais distúrbios causados pelos trabalhadores, as forças policiais locais foram reforçadas. Os jovens agentes policiais eram mal pagos e ele deve ter percebido que não poderia sustentar uma família. Assim, esperou até bemos que conhecera a nossa mãe através dum anúncio de jornal, nunca no-los contou. Conforme o costume na Guarda, apesar da sua idade de 43 anos, teve de pedir autorização ao seu superior para casar. Nussbaum encontrou o seguinte documento no Arquivo Geral do Estado da Baviera: «A 9 de novembro [de 1920] pretendo casar com a cozinheira solteira Maria Peintner, nascida a 8 de janeiro de 1884 em Mühlbach, concelho de Rosenheim, e peço com a presente carta a autorização necessária.» Logo após uma semana, recebeu a noti- Então celebraram o casamento. Parece-me que já foi em Pleiskirchen, onde depois a minha irmã e eu nascemos. O meu pai morava 32

17 M EU IRMÃO, O PAPA num bairro chamado Klebing, perto de um pequeno lago ou lagoa onde as rãs grasnavam permanentemente. Eu próprio só visitei Pleiskirchen há uns anos por iniciativa de um dos nossos bispos auxiliares, o falecido Karl Flügel. É uma aldeia bonita com uma igreja muito bela e um castelo que remonta ao século XI. Mesmo assim, a nossa mãe não se sentia segura na casa tão isolada à beira do lago e muitas vezes tinha medo. Foi por isso que o meu pai lhe comprou um cão, mas este, sendo um animal bonzinho, mostrou-se ainda mais medroso do que a minha mãe. subiam astronomicamente, pagavam-se até 200 milhões de Reichsmark (RM) por um pão. O meu pai recebia o seu salário diariamente, mas, mal tinha o dinheiro na mão, este já não valia quase nada, pois os preços subiam e subiam. Quando vim ao mundo, em 1924, Ela mal sobreviveu. Ele deslocou-se em serviço e, quando regressou, eu já tinha nascido e estava deitado num cesto. Mas também teve ter havido momentos bonitos, pois a minha mãe contava-nos sempre que os tempos em que éramos pequeninos tinham sido os melhores. Um ano mais tarde, em maio de 1925, o meu pai foi transferido para Marktl. Foi lá que nasceu o meu irmão Joseph. O documento da transferência da «Direção da Guarda Estadual Bávara» datado de 22 de abril de 1925 ainda está conservado no Arquivo Geral do Estado da Baviera. Segundo o documento, o comandante de esquadra da Guarda ocuparia o seu posto de trabalho a 1 de maio, «na mesma qualidade de serviço e com o mesmo ordenado-base conforme orçamento». A 1 de novembro de 1927 Joseph Ratzinger sénior foi promovido «em nome do Governo do Estado Livre da Baviera» a «comissário de segurança» de nível salarial IV, ganhando um ordenado anual de base de 2124 RM. Ser comandante do 33

18 G EORG RATZINGER tabilidades locais, mas ele manteve sempre a sua atitude recatada e modesta. «Durante a sua presença entre nós, mesmo relativamente curta, ganhou o respeito dos habitantes de Marktl pelo seu sentido de justiça, a sua atenção e amabilidade no trato», escreveu o Burghauser Anzeiger em 1929, aquando da sua despedida. Marktl am Inn, opinou o Süddeutsche Zeitung na sequência da eleição de Joseph Ratzinger a Papa, estava literalmente situado «entre céu e inferno», precisamente no meio entre o santuário mariano de Altötting e a vila austríaca de Braunau am Inn, onde tinha nascido a 20 de abril de 1889 o homem que ensombraria a infância do pequeno Joseph e do seu irmão Georg: Adolf Hitler. Se Deus nos fala por sinais na história, talvez também tenha falado por natal do beato João Paulo II, e o campo de concentração de Auschwitz são os mesmos 30 quilómetros de distância. Também Wadowice tinha o seu santuário mariano, Kalwária Zebrzydowska, a cerca de 20 quilómetros, com o seu ícone de Nossa Senhora «chorando». Os dois papas nasceram, portanto, muito perto dos locais que simbolizam mais do que quaisquer outros a origem e as atrocidades inumanas do regime nacional-socialista. Mas, da mesma maneira, os dois locais de nascimento estavam sob a proteção da Mãe de Deus, que sempre vence o mal. 34