Memorias Convención Internacional de Salud Pública. Cuba Salud La Habana 3-7 de diciembre de 2012 ISBN

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1 (RE) CONHECENDO O PAPEL DOS DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE: A EXPERIÊNCIA DO PROJETO ORUN AIYÊ Karem Emannuelly de Oliveira Trabuco 1 Luana Braga Machado 2 Valéria Noronha 3 - Introdução O cenário sob o qual este trabalho se debruça é a Região do Recôncavo, situada no Estado da Bahia, quinto estado do país em extensão territorial, localizado na Região Nordeste do Brasil, compreendendo ,67 km2, o que corresponde a 6,64% do território e a 36,34% da Região Nordeste brasileira. De acordo com o Censo Demográfico de 2000 realizado pelo IBGE, é o quarto estado mais populoso do país, com uma população de habitantes ( na zona urbana e na zona rural), correspondendo a 27,38% da população do Nordeste brasileiro e a 7,70% da população do país, como também o estado nordestino mais industrializado e um dos mais dinâmicos em termos econômicos, contando com o maior contingente de habitantes rurais do país, ou seja, cerca de 33% da população baiana e 13% e 29% das populações rurais brasileira e nordestina, respectivamente. Com base no novo conceito de regionalização que vem sendo progressivamente implantado no Estado da Bahia, cuja denominação de Territórios de Identidade 4 se faz às bases de um recorte geográfico, considera-se que a Região do 1 Graduanda do curso de Serviço Social pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) no Brasil; Telefone: (75) ; karem.ssocial@hotmail.com 2 Graduanda do curso de Serviço Social pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) no Brasil; Telefone: (75) ; luanabraga.machado@hotmail.com 3 Graduada em Serviço Social (UFF); Sanitarista e Especialista em Gestão Hospitalar- ENSP/FIOCRUZ; Mestre em Serviço Social (UERJ); Doutora em Serviço Social (UFRJ). valerianoronha@gmail.com 4 Um novo padrão de regionalização está sendo implantado no Estado da Bahia utilizando o conceito de territórios de identidade. Território é aqui entendido como a base geográfica da existência social, espaço simbólico em que a população constrói a sua identidade, exprime sentimentos de pertença e cria seu

2 Recôncavo congrega 20 (vinte) municípios a saber: Cabaçeiras do Paraguaçu, Cachoeira, Castro Alves, Conceição do Almeida, Cruz das Almas, Dom Macedo Costa, Governador Mangabeira, Maragogipe, Muniz Ferreira, Muritiba, Nazaré, Santo Amaro, Santo Antônio de Jesus, São Felipe, São Félix, São Francisco do Conde, São Sebastião do Passé, Sapeaçu, Saubara, Varzedo. Esta Região, cuja característica principal consiste em um passado marcado pelo escravismo, traz ainda na contemporaneidade os sinais de um processo histórico eminentemente discriminatório, o qual repercute nas precárias condições sócioeconômicas da população, em sua maioria afrodescendentes. Em meio a este contexto, emerge o projeto de pesquisa Orun Aiyê 5 : Um estudo propositivo em defesa da saúde da população negra no âmbito do Recôncavo Baiano, como parte do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Violência, Gênero, Raça/Etnia Maria Quitéria vinculado ao Curso de Serviço Social do Centro de Artes, Humanidades e Letras da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia- UFRB 6. O referido projeto surge da necessidade identificada de descortinar a realidade acerca da temática estudada, bem como se direciona ao fortalecimento da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, a partir de um olhar crítico. Levando em consideração as particularidades culturais, sociais, econômicas, políticas e étnico-raciais no Recôncavo e suas implicações na promoção da saúde, o patrimônio cultural. Esta regionalização deverá orientar a formulação de políticas públicas democráticas na área da cultura, descentralizando as tomadas de decisão, consultando a sociedade civil e criando instâncias intermediárias entre o poder municipal e o estadual. Esta divisão difere da divisão regional estabelecida pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Pela divisão proposta pelos Territórios de Identidade, o Estado da Bahia concentra 26 territórios entendo as suas especificidades sociais e culturais como base geográfica de existência social. In DUARTE, José Carlos Silveira. Territórios de Identidade e Multiterritorialidade: paradigmas para a formulação de uma nova regionalização da Bahia. V ENECULT. - Quinto Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura. 27 a 29 de maio de UFBA, Salvador. Bahia. 5 O Projeto Orun Aiyê foi aprovado pelo MCT/CNPq/MEC -edital 02/2010. Sua equipe é constituída por duas pesquisadoras e 30 (trinta) discentes do Curso de Serviço Social da UFRB. 6 O Recôncavo, por ser uma referência com múltiplas dimensões culturais, econômicas, sociais, ambientais e portador de diferentes demandas, permitiu construir uma universidade multicampi em 2005, estruturada em especificidades dos diversos espaços, com Centros de Estudos constituindo diversas áreas do conhecimento, que se propõem a explorar aspectos de culturas locais e demandas específicas, visando contribuir para o desenvolvimento humano, finalidade última de uma instituição de ensino superior. A referida universidade possui atualmente cinco (5) centros de ensino: Centro de Artes, Humanidades e Letras (Cachoeira), Centro de Ciências Agrárias, Ambientais e Biológicas (Cruz das Almas), Centro de Ciências da Saúde (Santo Antonio de Jesus), Centro de Formação de Professores (Amargosa), Centro de Ciências Exatas e Tecnológicas (Cruz das Almas). A criação da UFRB representa um novo impulso para essa modernização, visto que nasceu com o compromisso de resgatar o rico acervo de tradições culturais e bens patrimoniais nessa região, historicamente marcada pelo comércio de escravos, e hoje densamente povoada.

3 presente trabalho se configura enquanto uma tentativa de elucidar o papel dos determinantes sociais na saúde da população negra os quais, segundo a Comissão Nacional de Determinantes Sociais de Saúde (CNDSS), estão relacionados aos fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e seus fatores de risco na população, bem como ressaltar a importância de seu recorte na formulação e implementação das políticas de saúde. Cientes de que a conceituação de saúde desenvolvida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) 7 firma as bases para um novo olhar sobre a temática, encarada agora sob um prisma multidimensional que transcende os limites redutoramente biológicos e perpassa o âmbito psicossocial, tem-se o referencial a partir do qual esta pesquisa busca sustentar-se. - Objetivo Elencar, à luz do projeto Orun Aiyê, a importância dos determinantes sociais no contexto das políticas de saúde, considerando suas implicações na promoção e valorização da saúde da população negra, e, consequentemente, tecer recomendações políticas que visem contribuir no combate e superação dos entraves devidamente identificados. - Métodos e Materiais A metodologia da pesquisa que está se propondo neste estudo é de natureza qualitativa. De acordo com Minayo (1996:21/22) a pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares (...). Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. 7 O conceito da OMS, divulgada na carta de princípios de 07 de abril de 1948 desde então o dia mundial da saúde, implicando o reconhecimento do direito à saúde e da obrigação do Estado na promoção e proteção da saúde, diz que Saúde é o estado do mais completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de enfermidade (SCLAR,2007)

4 No primeiro momento, a aproximação acerca do tema, à luz do referencial teórico ora mencionado, se fez por meio de levantamento e seleção bibliográfica; em subseqüência, partindo deste arcabouço teórico indispensável ao conhecimento científico do fenômeno investigado, desenvolveram-se ciclos de debates e seminários na tentativa de problematizar criticamente categorias e conceitos norteadores do projeto, quais sejam: racismo, discriminação, exclusão, interseccionalidade, sistema de saúde, determinantes sociais em saúde, entre outros. Como instrumentos metodológicos estão sendo utilizadas entrevistas semi-estruturadas com profissionais de saúde, gestores e usuários dos serviços de saúde, no intuito de identificar e mapear as evidências da discriminação racial e seus efeitos no âmbito do sistema de saúde do Recôncavo da Bahia. A pesquisa ainda contemplará como proposta metodológica um Plano de Oficinas de Capacitação envolvendo os diferentes atores do sistema de saúde local, dentre eles: gestores, profissionais de saúde, usuários e lideranças para produzir uma sensibilização sobre a questão dos determinantes sociais da saúde e a importância do combate ao racismo institucional. Primeiramente, será feita uma divulgação sobre a importância dos determinantes sociais da saúde nos próprios serviços de saúde por meio de Rodas de Conversa, os sujeitos da pesquisa serão convidados para participarem de 4 (quatro) encontros no total, um encontro para cada segmento envolvido, onde também será disponibilizado um certificado de participação e material de trabalho. O resultado destas oficinas fará parte do relatório final da pesquisa. - Resultados Ainda que a pesquisa esteja em processo de execução, os dados preliminares obtidos nas suas duas primeiras etapas levantamento e seleção bibliográfica, bem como ciclos de debates e seminários com os temas norteadores são capazes de revelar, inicialmente, a precariedade relativa à abordagem nas pesquisas brasileiras dos efeitos étnico-raciais na situação de saúde, havendo uma tendência de superdimensionar a análise socioeconômica como um dos elementos centrais de seus modelos explicativos em detrimento daqueles. Como apontam Coimbra e Santos (2000:1), no Brasil, não há uma produção sistemática acerca do peso da dimensão étnico-racial na expressão

5 diferenciada dos agravos à saúde [...] minorias vivenciam situações de exclusão, marginalidade e discriminação que as colocam em posição de maior vulnerabilidade frente a agravos à saúde. Daí revela-se o principal desafio da pesquisa, o qual já é capaz de comprovar que dados superficiais da realidade geram políticas ineficientes e/ou incompatíveis. Frente a essas limitações teórico-conceituais, pôde ser constatada, quantitativa e qualitativamente, a dificuldade da população ora investigada no acesso aos serviços. Segundo os dados do DATASUS (abril de 2010) e trabalhando com a noção de Territórios de Identidade, a região do Recôncavo hoje conta com 279 estabelecimentos públicos de saúde, onde a rede assistencial com tipo de atendimento de internação corresponde a 10 (dez) hospitais somente públicos prestando atendimento à população. Verifica-se, contudo, que esta oferta de serviços ainda é bastante limitada, frente à área territorial e, em uma análise macroestruturada, é possível verificar no território brasileiro uma série de desigualdades no acesso e na utilização dos serviços de saúde, evidenciando a urgência na elaboração de estratégias pelo SUS, com a finalidade de superar este dilema, proveniente, sobretudo, da (des) articulação entre as principais esferas governamentais. Ao desenvolver a segunda etapa da pesquisa, constatou-se a necessidade de ampliar a capacitação dos profissionais de saúde, bem como dos gestores. Tal necessidade se fundamenta pela concepção de LOPES (2004), revelando que: No Brasil, a indesejabilidade da discriminação baseada na cor, raça, etnia, orientação sexual, classe, denominação religiosa, porte de alguma deficiência, estilo de vida ou outra situação, leva os indivíduos a organizar o seu referencial de símbolos e significados sociais de uma outra forma. Assim, embora não seja ético orientar sua ação de modo a discriminar, o profissional tende a não perceber as desigualdades ou a insistir em sua inexistência, contribuindo para a inércia do sistema frente às mesmas e, por conseqüência, para a sua manutenção e/ou ampliação. (LOPES, 2004, 70) Logo, esta necessidade baseia-se na urgência de estabelecer ações que priorizem os determinantes sociais da saúde concebendo os perfis étnico-raciais enquanto pertencentes a esta categoria e reconheça os seus rebatimentos no processo saúde x doença. - Conclusões

6 No rol das considerações supramencionadas, cabe salientar a complexidade do fenômeno investigado, o qual não se limita a análises superficiais, mas se faz as bases de macrodeterminações construídas historicamente. Nesta perspectiva, com a tentativa de despir-se de qualquer postura imediatista e com a certeza de que o conhecimento é fruto de um processo inacabado, se abstrai aqui do intuito de esboçar qualquer nota conclusiva, visto que, ainda que a pesquisa estivesse completamente encerrada, os dados se mostrariam inconclusos frente a uma realidade em permanente movimento. A partir destas premissas, pode-se, contudo, direcionar uma ênfase à relevância do papel dos determinantes sociais em saúde nas análises relativas ao projeto Orun Aiyê, uma vez que uma das propostas desse estudo consiste, justamente, na valorização dessa categoria enquanto fundamental ao processo formulação e implementação da política pública de saúde. Logo, reiteramos a necessidade inadiável da reorientação da formação profissional em saúde, embasados na certeza de que a realidade delineada nas considerações deste trabalho clama por novas atitudes, comportamentos e visões, a fim de respaldar novas práticas políticas e sociais sensíveis a percepção de que a saúde neste caso, com o recorte étnico-racial vincula-se a múltiplos fatores, os quais não podem ser desconsiderado, sob pena de incoerência entre a proposta de intervenção e as necessidades reais. - Referências BADZIAK, Rafael P. F.; Moura, Victor E. V. Determinantes Sociais da Saúde: Um Conceito para Efetivação do Direito à Saúde. Revista Saúde Pública- Santa Catarina. ISSN: , Florianópolis, Santa Catarina - Brasil, v. 3, n. 1, jan./jun BRASIL, Ministério da Saúde. Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL SEPPIR, BUSS, Paulo M.; FILHO, Alberto P. A Saúde e seus Determinantes Sociais. PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 17(1):77-93, CNDSS- Comissão Nacional sobre os Determinantes Sociais da Saúde. As Causas Sociais das Iniqüidades em Saúde no Brasil. Relatório Final da Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS). Abril 2008

7 COIMBRA JR., Carlos Everaldo Álvares; SANTOS, Ricardo Ventura. Health, minorities and inequality: some webs of inter-relations, emphasizing indigenous peoples in Brazil. Ciência e saúde coletiva, v.5, n.1, p , DATASUS, Tecnologia da Informação à Serviço do SUS. Dados sobre informações em Saúde- Estabelecimentos por Tipo- Bahia. Disponível em com acesso em 3 de junho de LOPES, Fernanda. Experiências desiguais ao nascer, viver, adoecer e morrer: tópicos em saúde da população negra no Brasil. Brasília: Convênio Funasa/MS e Unesco, dez MINAYO, Maria Cecília de Souza (org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 6. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, O Desafio do Conhecimento: Pesquisa Qualitativa em Saúde. São Paulo: Hucitec, MIRANDA, Valéria dos Santos Noronha. A Interseccionalidade nas Políticas de Saúde: O Desafio do Projeto Orun Aiyê. Caderno de Programação e Resumos do II Seminário Enlaçando Sexualidades: direito, relações etnorraciais, educação, trabalho, reprodução, diversidade sexual, comunicação e cultura. Salvador, Bahia, ISSN SANSONE & PINHO (orgs). Raça: novas perspectivas antropológicas. 2ª. ed. rev. Salvador: Associação Brasileira de Antropologia: EDUFBA, (p ). SCLIAR, Moacyr. História do Conceito de Saúde In Bahia. Secretaria de Saúde. Superintendência de Recursos Humanos da Saúde. Escola Estadual de Saúde Pública. Estágio de Vivência no SUS: o cotidiano do SUS enquanto princípio educativo, coletânea de textos. 5ª. Ed. versão ampliada. Secretaria de Saúde. Superintendência de Recursos Humanos da Saúde. Escola Estadual de Saúde Pública. Salvador: SESAB/ EESP 20,12. SOUZA, Herbert José de, Como se faz análise de conjuntura / Betinho, Herbert José de Souza. 31. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, SOUZA, Jessé, A Ralé Brasileira: Quem é e como vive; Belo Horizonte: UFMG, 2009.