HISTÓRIA NATURAL DE UMA ESPÉCIE DE PROCERATOPHRYS (ANURA: ALSODINAE) DO BIOMA CERRADO
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- João Lucas Pereira Vilalobos
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1 CONVÊNIOS CNPq/UFU & FAPEMIG/UFU Universidade Federal de Uberlândia Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação DIRETORIA DE PESQUISA COMISSÃO INSTITUCIONAL DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA 2008 UFU 30 anos HISTÓRIA NATURAL DE UMA ESPÉCIE DE PROCERATOPHRYS (ANURA: ALSODINAE) DO BIOMA CERRADO Lucas Borges Martins 1 Universidade Federal de Uberlândia, rua Ceará s/n CEP: , Uberlândia, MG lucasborgesmartins@hotmail.com Ariovaldo Antonio Giaretta 2 Universidade Federal de Uberlândia, rua Ceará s/n CEP: , Uberlândia, MG thoropa@inbio.ufu.br Resumo: Poucos trabalhos tratam da história natural de espécies de Proceratophrys. Algumas se reproduzem em ambientes lóticos, no interior de matas, vocalizando principalmente à noite. No grupo ocorrem espécies fossoriais. Em Uberlândia (MG) ocorre uma espécie não descrita de Proceratophrys. Apresentamos aqui dados relativos à sua reprodução e fossorialidade. Trabalhamos em campo semanalmente durante a época chuvosa, e quinzenalmente nos demais meses. Dados adicionais foram obtidos com armadilhas (pitfalls) montadas entre Contamos e medimos ovos postos e ovócitos ovarianos; correlacionamos número e volume de ovócitos de cada fêmea com seu tamanho. A ocorrência de fossorialidade foi testada colocando-se machos adultos em baldes com areia úmida. Os machos cantam a até 30m de riachos, em Cerrado sensu strictu ou Veredas. Casais em amplexo e larvas foram encontrados em água corrente. Vocalizações ocorrem na estação chuvosa, no crepúsculo/noite ou durante o dia após chuvas. Esporadicamente vocalizaram na estação seca. Houve correlação positiva entre número de indivíduos ativos (pitfalls) e pluviosidade. Machos foram 25% menores que fêmeas. A razão sexual encontrada foi 5,4 machos/fêmea. A média de ovócitos foi 631/fêmea. Ovos mediram 2,1mm (porção vitelínica) e 3,1mm (cápsula gelatinosa). Não houve correlação entre o número de ovócitos e tamanho das fêmeas, mas houve com o volume de ovócitos. Em laboratório enterram-se usando os membros posteriores. A espécie estudada é uma das poucas do gênero restrita a áreas abertas. Seu turno de vocalização condiz com o de outras espécies, mas sua temporada reprodutiva é praticamente contínua ao longo do ano, como em Proceratophrys avelinoi. O dimorfismo sexual encontrado é similar ao de outras espécies. O maior tamanho das fêmeas mostrou relação com sua maior fecundidade. O comportamento de se enterrar de ré, é o mais usado pelos anuros, porém único dentre os vertebrados. Na espécie a fossorialidade provavelmente atua contra predação e dessecação. Palavras-chave: Odontophrynini, Cycloramphidae, amplexo espadual, fossorialidade. 1. INTRODUÇÃO As espécies do gênero Proceratophrys ocorrem em amplas regiões da América do Sul a leste dos Andes (Frost, 2008). Atualmente são reconhecidas 18 espécies (Frost, 2008) distribuídas em dois grupos (Lynch, 1971) sem definição filogenética formal (Giaretta et al., 2000):o grupo de Proceratophrys boiei, que compreende nove espécies, caracterizadas pela presença de apêndices palpebrais ceratóides e outro grupo, que abriga as demais espécies e não deve representar um grupo monofilético, caracterizado pela ausência de apêndices palpebrais ou presença de apenas pequenos tubérculos nas margens das pálpebras. São raros os trabalhos tratando de aspectos da história natural, comportamento e ecologia das espécies do grupo. Sabe-se que pós-metamorfoseados são terrestres, e em geral, habitam a 1 Acadêmico do curso de Ciências Biológicas; 2 Orientador; Docente do Curso de Ciências Biológicas
2 serapilheira (Heyer et al., 1990; Izecksohn et al., 1998; Giaretta et al., 2000; Kwet e Faivovich, 2001). São animais de difícil visualização em função da camuflagem e comportamentos associados (Sazima, 1978; Izecksohn e Peixoto, 1996). A reprodução da maioria das espécies é concentrada na estação úmida e quente (Weygoldt e Peixoto, 1985; Giaretta e Sazima, 1993; Kwet e Faivovich, 2001; Giaretta e Facure, 2008), aparentemente associada à ocorrência de chuvas fortes (Izecksohn e Peixoto, 1996; Kwet e Faivovich, 2001). Como exceção, Proceratophrys cururu pode vocalizar na estação seca (Eterovick e Sazima, 1998) e Proceratophrys avelinoi vocaliza ao longo de dez meses no ano (exceto maio e junho) (Bernarde e Anjos, 1999). Entre as poucas espécies conhecidas em termos reprodutivos, todas têm larvas aquáticas, principalmente em ambientes lóticos (mesmo que de correnteza fraca) no interior de matas, onde também são encontrados adultos em atividade reprodutiva (machos vocalizando e fêmeas ovíferas) (Izecksohn et al., 1979; Peixoto e Cruz, 1980; Izecksohn e Peixoto, 1981; Kwet e Faivovich, 2001; Boquimpani-Freitas et al., 2002; Giaretta e Facure, 2008). Presentemente, são reconhecidas formalmente no Cerrado apenas três espécies: Proceratophrys palustris (Poços de Caldas, MG), que vocaliza em áreas abertas, próxima a filetes de água com correnteza fraca e fundo lodoso (Giaretta e Sazima, 1993), Proceratophrys cururu, que ocorre em matas e poças temporárias em áreas abertas da Serra do Cipó, MG (Eterovick e Sazima 1998; 2000) e Proceratphrys goyana, que ocorre em matas do Triângulo Mineiro, Goiás e Distrito Federal (Brandão e Araújo, 2001; Bastos et al., 2003; observação pessoal). As espécies de Proceratophrys vocalizam principalmente à noite (Giaretta e Sazima, 1993; Kwet e Faivovich, 2001; Giaretta e Facure, 2008), porém, podem vocalizar durante o dia depois de chuvas fortes (Giaretta e Sazima, 1993; Izecksohn e Peixoto, 1996; Bernarde e Anjos, 1999; Kwet e Faivovich, 2001). A maioria das informações sobre comportamento reprodutivo são notas em trabalhos taxonômicos e, até o momento, nenhum trabalho detalhou a biologia reprodutiva de uma espécie de Proceratophrys. Algumas espécies de anuros apresentam o comportamento de se enterrar no substrato (fossorialidade), de onde saem após chuvas (Gallardo, 1963; Packer, 1963; Langone, 1994). Esse comportamento fossorial parece representar uma estratégia para evitar a dessecação, principalmente em regiões de clima árido e semi-árido (Packer, 1963; Cartledge et al., 2005; Booth, 2006) ou mesmo em localidades com estações de seca bem definidas, como as savanas (Laurent, 1964). Algumas adaptações morfológicas como corpo globoso, membranas interdigitais reduzidas ou ausentes, membros curtos e tubérculos metatarsais bem desenvolvidos (em forma de pá) estão relacionados a esse hábito (Laurent, 1964). O hábito fossorial pode ser observado em algumas espécies de Odontophrynus e Proceratophrys (ambos Odontophrynini (Lynch, 1971)) (Gallardo, 1963; Giaretta e Sazima, 1993; Langone, 1994; Eterovick e Sazima, 1998). Em áreas úmidas da periferia da cidade e nas zonas rurais de Uberlândia (MG) ocorre uma espécie de Proceratophrys (sem apêndices palpebrais e sem protuberância pós-ocular) que deve representar uma espécie nova para a ciência. A espécie (população de Uberlândia) tem sido referida na literatura em trabalhos que tratam de amplitude de nicho (Araújo, Bolnick et al., 2007) e dieta (Araújo, Reis et al., 2007). No presente trabalho apresentamos dados relativos à história natural, ecologia reprodutiva e fossorialidade dessa espécie. 2. MATERIAL E MÉTODOS Os trabalhos de campo foram realizados nos locais de ocorrência da espécie no município de Uberlândia (MG) (aprox. 18º 55 S; 48º 17 W), principalmente no Clube de Caça & Pesca Itororó (C&P) e Estação Ecológica do Panga (EEP). A vegetação original da região era o Cerrado (Oliveira e Marquis, 2002), a qual ainda pode ser encontrada em alguns pontos na periferia da cidade. O clima local é do tipo tropical chuvoso, com uma precipitação média anual em torno de 1500 mm. O inverno é seco, estendendo-se de maio a setembro. A pluviosidade do mês mais seco (julho) é em torno de 60 mm. No inverno, podem ocorrer geadas. O período chuvoso vai de outubro a abril e apresenta altos índices de pluviosidade. As médias anuais de temperaturas máximas ficam em torno de 28 ºC (Giaretta e Kokubum, 2004). 2
3 As visitas ao campo ( ) foram semanais durante a época chuvosa (setembro março), e quinzenal nos demais meses. A permanência em campo foi de 1 2 dias e/ou noites. As observações se iniciaram no fim da tarde (17:00h) e se estenderam por quatro oito horas. Esporadicamente os locais de reprodução também foram visitados em diferentes horas do dia a fim de determinar o turno da atividade de vocalização. Dados adicionais também foram obtidos a partir de armadilhas de queda (pitfall) colocadas nos locais de estudo entre os anos de (dados originais de Giaretta e Kokubum, 2004; Giaretta e Menin, 2004) e do caderno de campo de A. A. Giaretta, de 1999 até o presente. Os comportamentos executados durante a noite foram acompanhados sob luz de lanterna fraca. Casais em corte ou amplexo foram procurados pela varredura dos ambientes de reprodução e, uma vez encontrados, os comportamentos de interesse foram acompanhados pelo método animal focal, com registro contínuo dos eventos relevantes (Martin e Bateson, 1986). Uma desova foi obtida de um casal encontrado em amplexo e mantido a noite toda em saco plástico; o casal foi liberado no local de coleta no dia seguinte. As medidas dos exemplares foram tomadas com paquímetro (0,05 mm) e as de óvulos com ocular micrométrica (0,01 mm) acoplada a estéreo-microscópio. O número de prole por evento reprodutivo foi determinado através da contagem do número de ovos em desovas e de ovócitos ovarianos maduros extraídos de fêmeas (com ovidutos convolutos e hipertrofiados). O volume da desova de cada fêmea foi estimado multiplicando-se o volume médio de ovócitos ovarianos pelo seu número total. A fim de se testar a presença de fossorialidade na espécie, machos adultos foram colocados em baldes (20 l) preenchidos até a metade com areia úmida. Todos os testes foram feitos em laboratório durante o dia, sob temperatura ambiente. Cada indivíduo foi acompanhado por uma hora. Foi usada uma filmadora digital (Sony Handcam) para registro e descrição dos comportamentos mais relevantes e para quantificações em termos de duração de cada ato comportamental. Foram realizadas as seguintes análises estatísticas (Zar, 1999): Análise de Variância (ANOVA), para parâmetros morfológicos sexualmente dimórficos (comprimento rostro-cloacal); qui-quadrado, para se determinar a razão macho/fêmea (dados das armadilhas); Coeficiente de Correlação de Spearman para parâmetros relativos à fecundidade (os dados de volume da desova foram transformados em seus logaritmos naturais, e sua correlação com o CRC (comprimento rostro-cloacal) das fêmeas foi avaliada usando-se o coeficiente de correlação de Pearson) e à relação entre pluviosidade e atividade da espécie. Valores numéricos são dados em média ± desvio padrão, menor e maior valores observados. Análises estatísticas foram feitos no software SYSTAT v RESULTADOS Indivíduos pós-metamorfoseados são terrestres, e podem ser encontrados em ambientes de Vereda (EEP e C&P) e Cerrado Strictu Sensu (C&P). Os machos vocalizam do chão, a até 30 metros da água (riachos, figura 1), em meio à vegetação herbáceo-graminosa ou sob folhas mortas. Nesses corpos d água também foram encontrados casais em amplexo e larvas. Machos foram ouvidos do início (agosto/setembro) ao fim (março/abril) da estação chuvosa, principalmente à noite; no entanto, após chuvas fortes, também ocorriam vocalizações durante o dia, inclusive nos horas mais quentes. Os machos normalmente cantam em coro (>5 indivíduos) com os indivíduos normalmente bem espaçados entre si (> 2 m). Foram observados indivíduos vocalizando em junho (seca), após ter chovido na noite anterior (25/06/08, n = 2 indivíduos) e também indivíduos recém-metamorfoseados (n = 2) logo no dia da primeira chuva depois da seca (14/10/07). Dados das armadilhas e de campo mostram que os indivíduos podem se movimentar ou vocalizar durante o ano todo, com exceção de julho. Um indivíduo foi ouvido vocalizando durante o dia (13:00 h, 18/06/00), após geada na noite anterior. 3
4 Fig. 1: Riacho às margens do qual foram encontrados casais em amplexo de Proceratophrys sp.. Clube Caça & Pesca Itororó, Uberlândia, MG, Brasil. Após um incêndio (Setembro/2004) também foram ouvidos macho cantando em meio às cinzas recentes (< 2 dias). Na estação chuvosa sua atividade locomotora é aumentada (figura 2). Fêmeas com ovócitos maduros (n = 8) caíram nas armadilhas principalmente em dezembro/janeiro; apenas uma foi coletada fora da estação chuvosa (22/06/2000). Foi observada uma correlação positiva entre o número total de indivíduos ativos e pluviosidade (r s = 0,45; p < 0,05; n = 20), porém não entre machos adultos ativos e pluviosidade (r s = 0,34; p > 0,1; n = 20). No amplexo o macho segura a fêmea pelas espáduas (espadual) (n = 2). Um casal (figura 3) foi encontrado às margens de um riacho permanente (1,5 m largura x 1 m profundidade) em meio à vegetação baixa. Havia chovido forte naquela noite. A liberação de ovos (em saco plástico) ocorreu na manhã seguinte (aprox. 8:00 h). Nessa mesma madrugada (aprox. 4:00 h), foi encontrado outro casal em amplexo que logo desapareceu da vista. Os machos (CRC = 28,9 ± 1,9; 26,5 32,5; n = 10) foram em média 25% menores que as fêmeas (CRC = 38,4 ± 2,3; 35,6 42,0; n = 8) (Kruskal-Wallis, Mann-Whitney U test statistic = 77; p = 0,001). Outros caracteres sexualmente dimórficos, como a presença de calos nupciais nos machos, não foram observados. A razão sexual (armadilhas) foi de 5,4 machos por fêmea (X ² = 24,0; p < 0,001; n = 51 indivíduos). Os ovos são enegrecidos no pólo animal e creme no vegetal. A desova obtida em saco plástico apresentou 740 ovos com diâmetro médio de 3,15 mm (±0.19, n = 10); considerando-se só a porção vitelínica mediram 2,06 mm (±0.1) (n = 10). Ovócitos ovarianos maduros (n = 8 fêmeas, 10 ovócitos de cada) mediram 1,65 mm (± 0,12; 1,3 2,0) de diâmetro. O seu número médio por fêmea foi 631 (± 164,4; ). O comprimento rostro-cloacal das fêmeas não teve correlação significativa com o número de ovócitos (r s = 0,47; p > 0,1), porém teve correlação positiva com o volume (log) total de ovócitos (r p = 0,766; p = 0,027). 4
5 Foram realizadas seis observações comportamentais laboratoriais (três indivíduos, duas vezes cada). Quando colocados na areia, eles normalmente começavam a se enterrar logo (< 1 min.). Fig. 2: Relação entre pluviosidade (mm³) e número de indivíduos de Proceratophrys sp. capturados em armadilhas (pitfall) no Clube Caça & Pesca Itororó e Estação Ecológica do Panga, entre novembro de 1999 e junho de Dados pluviométricos da Estação Meteorológica da Universidade Federal de Uberlândia, MG. Fig. 3: Casal de Proceratophrys sp. em amplexo. Macho = 29 mm; fêmea = 39 mm de CRC. Os indivíduos usaram os membros posteriores para enterrar-se, movendo a areia em direção postero-lateral através de seqüências de movimentos pedais com a mesma perna (1 5), podendo alternar a perna usada na seqüência seguinte. Os movimentos repetiam-se, dentro de uma seqüência, numa taxa de 71 por minuto (± 16); os períodos de descanso entre seqüências variaram bastante, chegando a oito minutos. Movimentos dos membros anteriores (empurrando-se contra o substrato) e 5
6 pequenos giros em torno do próprio eixo (< 45 ), tanto no sentido horário quanto no anti-horário também foram observados. Nas seis observações, apenas uma vez o animal enterrou-se completamente (em 11min20s), nas outras vezes, permaneceram com a cabeça desenterrada. 4. DISCUSSÃO A espécie que estudamos parece estar geograficamente isolada das outras espécies de Proceratophrys do Cerrado: Proceratophrys cururu tem sua distribuição restrita a Serra do Cipó (MG), e Proceratophrys palustris é uma espécie endêmica de Poços de Caldas, MG (Giaretta e Sazima, 1993). Proceratophrys goyana ocorre em regiões mais próximas a Uberlândia (Araguari, MG, aprox. 30 km a oeste), porém é uma espécie restrita a matas de galeria (Brandão e Araújo, 2001; observação pessoal) e facilmente diagnosticada de Proceratophrys sp., tanto em relação a adultos e larvas quanto à vocalização (observação pessoal). O turno de vocalização da espécie que estudamos é similar ao encontrado para Proceratophrys avelinoi (Bernarde e Anjos, 1999) e Proceratophrys palustris (Giaretta e Sazima, 1993): predominantemente noturno, mas também diurno após chuvas. Vocalizações diurnas também já foram observadas para Proceratophrys laticeps, que aparenta ser uma espécie preferencialmente diurna (Izecksohn e Peixoto, 1996), Proceratophrys brauni, que vocaliza durante o dia e início da noite (Kwet e Faivovich, 2001), Proceratophrys moehringi, que pode vocalizar de manhã e a tarde, porém com uma maior atividade à noite (Weygoldt e Peixoto, 1985) e Proceratophrys appendiculata em que a atividade é a mesma tanto durante o dia quanto à noite (Boquimpani-Freitas et al., 2002). Menos comum é a temporada reprodutiva da espécie de Uberlândia, uma vez que machos podem ser ouvidos vocalizando durante 11 meses do ano (exceto julho), porém, como nas outras espécies, com maior densidade de indivíduos na estação chuvosa. Machos de Proceratophrys reprodutivamente ativos fora da estação chuvosa, até onde se sabe, ocorre em P. cururu (Eterovick e Sazima, 1998) e P. avelinoi, que pode vocalizar durante 10 meses, exceto nos meses mais frios (Bernarde e Anjos, 1999). A temporada reprodutiva de Proceratophrys sp. pode ser considerada prolongada (Wells, 1977). Apesar da dependência, em geral, de chuvas para a reprodução, a presença de machos vocalizando, fêmeas portando ovos, larvas e recémmetamorfoseados fora da estação chuvosa (mesmo aparentemente em menor número), mostra que a espécie tem potencial de se reproduzir o ano todo. Em geral, é sugerido para as espécies de Proceratophrys que a ovoposição ocorra principalmente em corpos d água corrente, onde são encontrados adultos em atividade reprodutiva (machos vocalizando e fêmeas grávidas) e larvas (Izecksohn et al., 1979, Peixoto e Cruz, 1980; Izecksohn e Peixoto, 1981; Giaretta e Sazima, 1993; Kwet e Faivovich, 2001; Boquimpani-Freitas et al., 2002; Giaretta e Facure, 2008). Proceratophrys cururu, a única espécie em que realmente se conhece o ambiente de ovoposição, confirma essa tendência do grupo, liberando ovos separadamente ou em pequenos grupos, aderidos ao fundo rochoso de regatos (Eterovick e Sazima, 1998); Proceratophrys sp. também parece confirmar essa tendência, uma vez que larvas, recémmetamorfoseados e adultos foram encontrados associados a riachos, nas bordas dos quais aparentemente ocorre a ovoposição (onde foram encontrados casais em amplexo); no entanto, difere de Proceratophrys cururu por utilizar riachos de fundo arenoso, e não rochoso. O tipo de dimorfismo sexual encontrado em Proceratophrys sp. (fêmeas maiores que machos) é comum dentre os anuros, e já foi demonstrado para outras espécies de Proceratophrys (Boquimpani-Freitas et al., 2002; Giaretta e Facure 2008). Woolbright (1983) sugere que a seleção deve favorecer o aumento do tamanho das fêmeas, por levar ao aumento da fecundidade, e também que o tamanho menor dos machos em algumas espécies pode ser devido ao alto custo energético associado à reprodução, como defesa de território e vocalização, e também por diferentes pressões de predação entre os sexos, nos casos em que machos são mais ativos. Essas idéias parecem plausíveis para a espécie de Proceratophrys estudada neste trabalho, uma vez que os resultados mostram uma correlação positiva entre o tamanho (CRC) da fêmea e o volume da sua desova e que os machos são mesmo mais ativos que as fêmeas, provavelmente porque os machos devem procurar 6
7 pelos ambientes mais adequados para vocalização, enquanto as fêmeas realizam menores percursos por apenas seguirem o som da vocalização dos machos coespecíficos (Giaretta e Menin, 2004), portanto, estariam menos sujeitas a serem predadas. Dados relativos à fecundidade de Proceratophrys boiei (Pombal e Haddad, 2005; Giaretta e Facure, 2008) e Proceratophrys appendiculata (Boquimpani-Freitas, et al., 2002), mostram que o tamanho dos ovócitos ovarianos (tamanho = 1,8 e 1,68 mm, número = 1296 e 842, respectivamente) é similar aos de Proceratophrys sp.( 1,65 mm), mesmo as fêmeas dessas espécies sendo maiores (CRC = 38 em Proceratophrys sp.; P. appendiculata = 67; P. boiei = 65 mm), contrariando o padrão mais comum (Salthe e Duellman, 1973), de que entre espécies com o mesmo modo reprodutivo (ver definição dos modos reprodutivos em Haddad e Prado, 2005), o tamanho dos ovos e das fêmeas estão correlacionados. Para Proceratophrys boiei se analisou a correlação entre CRC da fêmea e número de ovócitos, a qual não foi significativa, como também ocorreu para Proceratophrys sp., porém nossos dados mostraram uma correlação positiva entre o CRC da fêmea e o volume da sua desova, e essa é considerada uma medida mais confiável, por considerar em conjunto o diâmetro e número de ovos na desova, devendo demonstrar mais realisticamente o investimento da fêmea (Pombal e Haddad, 2005). Apesar da citação de fossorialidade em Proceratophrys cururu, que pode até mesmo vocalizar enterrado (Eterovick e Sazima, 1998), e Odontophrynus americanus (Gallardo, 1963; Langone, 1994), esse comportamento nunca foi estudado em detalhes. Os dados apresentados nesse trabalho mostram um comportamento semelhante com o citado por Emerson (1976) para Glyphoglossus molossus (Microhylidae), enterrar-se a partir dos membros posteriores, utilizando os tubérculos metatarsais internos, muito desenvolvidos, como uma pá. Esse comportamento é único dentre os vertebrados, mas muito difundido entre os anuros. Porém, considerando-se a distância filogenética entre essas espécies pode-se afirmar que trata-se de comportamentos convergentes. A fossorialidade é útil em ambientes sazonalmente secos, sendo um mecanismo que pode atenuar a desidratação (Packer, 1963; Laurent, 1964; Cartledge et al., 2005, Booth, 2006), assim, é provável que Proceratophrys sp. passe a estação seca enterrada, como fazem Odontophrynus americanus, que se mantém enterrado durante o ano todo, saindo ocasionalmente, a noite, para alimentar-se, e na estação chuvosa, para reproduzir-se (Gallardo, 1963) e também Leptopelis bocagii (Arthroleptidae), que evita as secas da savana africana mantendo-se enterrado durante o dia, saindo apenas a noite para reprodução e alimentação (Laurent, 1964). Isso pode explicar o fato de que a maioria das espécies de Proceratophrys sejam tão dependentes de chuvas para reprodução (Izecksohn e Peixoto, 1996; Kwet e Faivovich, 2001), pois o aumento da umidade do solo deve ser percebido, incentivando-as a se desenterrarem. Adicionalmente, sugerimos que esta espécie também se enterre durante a estação chuvosa, e inclusive vocalize enterrada, assim como Proceratophrys cururu (Eterovick e Sazima, 1998), o que deve ser um importante mecanismo contra predação. 5. AGRADECIMENTOS: Apoio financeiro CNPq e FAPEMIG. Bolsas CNPq (LBM e AAG). Kátia G. Facure ajudou nas análises estatísticas. Luciano E. Oliveira ajudou nas análises laboratoriais e Renata Migliorini nos trabalhos de campo. 6. REFERÊNCIAS Altig, R. and Mcdiarmid, R. W., 1999, Body Plan: Development and Morphology. In: Mcdiarmid, R. W. and Altig, R. (Ed.). Tadpoles: The Biology of Anuran Larvae. Chicago: The University Of Chicago Press, pp Araújo, M. S.; Bolnick, D. I.; Machado, G.; Giaretta, A. A. and Reis, S. F., 2007, Using δ13c Stable Isotopes to Quantify Individual-Level Diet Variation, Oecologia, v. 152, pp
8 Araújo, M. S.; Reis, S. F.; Giaretta, A. A.; Machado, G. and Bolnick, D. I., 2007, Intrapopulation Diet Variation in Four Frogs (Leptodactylidae) of the Brazilian Savannah, Copeia, v. 2007, n. 4, pp Bastos, R. P.; Motta, J. A. O.; Lima, L. P. and Guimarães, L. D, 2003, Anfíbios da Floresta Nacional de Silvânia, Estado de Goiás, Goiânia: Stylo Gráfica e Editora, 82 pp. Bernarde, P. S. and Anjos, L., 1999, Distribuição Espacial e Temporal da Anurofauna no Parque Estadual Mata dos Godoy, Londrina, Paraná, Brasil (Amphibia: Anura), Comunicações do Museu de Ciências da PUCRS Série Zoologia, v.12, pp Booth, D. T., 2006, Effect of Soil Type on Burrowing Behavior and Cocoon Formation in the Green-Striped Burrowing Frog, Cyclorana Alboguttata. Canadian Journal of Zoology, v. 84, n. 6, pp Boquimpani-Freitas, L.; Rocha, C. F. D. and Van Sluys, M., 2002, Ecology of the Horned Leaf- Frog, Proceratophrys Appendiculata (Leptodactylidae), in an Insular Atlantic Rain-Forest Area of Southeastern Brazil. Journal of Herpetology, v. 36, n. 2, pp Brandão, R. A. and Araújo, A. F. B., 2001, A Herpetofauna Associada às Matas de Galeria no Distrito Federal. In: Ribeiro, J. F., Fonseca, C. E. L. and Sousa-Silva, J. C. (Eds), Caracterização e Recuperação de Matas de Galeria, Planaltina: Embrapa, pp Cartledge, V. A.; Withers, P. C.; Thompson, G. G. and Mcmaster, K. A., 2005, Water Relations of the Burrowing Sandhill Frog, Arenophryne Rotunda (Myobatrachidae). Journal of Comparated Physiology, v. 176, pp Crump, M. L., 1974, Reproductive Strategies in a Tropical Anuran Community. Miscelaneous Publication of Museum of Natural History (University of Kansas), v. 61, pp Cruz, C. A. G., Prado, G. M. and Izecksohn, E., 2005, Nova Espécie de Proceratophrys Miranda- Ribeiro, 1920 do Sudeste do Brasil (Amphibia, Anura, Leptodactylidae). Arquivos Do Museu Nacional, v. 63, n. 2, pp Duellman, W. E., 1990, Alternative Life-History Styles in Anuran Amphibians: Evolutionary and Ecological Implications. In: Bruton, M. N. (Ed.), Alternative Life-History Styles of Animals. Dordrecht: Kluwer, pp Duellman, W. and Trueb, L., 1986, Biology of Amphibians. New York: Mcgraw-Hill, 670 pp. Emerson, S., 1976, Burrowing In Frogs. Journal of Morphology, v. 149, pp Eterovick, P. C. and Sazima, I., 1998, New Species of Proceratophrys (Anura: Leptodactylidae) From Southeastern Brazil. Copeia, v. 1998, n. 1, pp Eterovick, P C. and Sazima, I., 2000, Structure of an Anuran Community in a Montane Meadow in Southeastern Brazil: Effects of Seasonality, Habitat, and Predation. Amphibia-Reptilia, v. 21, pp Frost, D. R. Amphibian Species of the World: An Online Reference. Versão 5.2. New York: American Museum of Natural History. Disponível Em: < Acesso em: 17 Jul Gallardo, J. M., 1963, Observaciones Biológicas Sobre Odontophrynus Americanus (D. Et B.) Ciencia e Investigación, v. 19, pp Giaretta, A. A.; Bernarde, P. S. and Kokubum, M. N. C., 2000, A New Species of Proceratophrys (Anura: Leptodactylidae) From The Amazon Rain Forest. Journal of Herpetology, v. 34, n. 2, pp Giaretta, A. A. and Facure, K. G., 2008, Reproduction and Habitat of ten Brazilian Frogs (Anura). Contemporary Herpetology, v. 2008, n.3, pp Giaretta, A. A. and Kokubum, M. N. C., 2004, Reproductive Ecology of Leptodactylus Furnarius Sazima and Bokermann, 1978, a Frog That Lays Eggs in Underground Chambers (Anura, Leptodactylidae). Herpetozoa, v. 16, n. 3, pp Giaretta, A. A. and Menin, M., 2004, Reproduction, Phenology and Mortality Sources of a Species of Physalaemus (Anura: Leptodactylidae). Journal of Natural History, v. 38, pp
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