O dia que eu fiz um empreendedor imobiliário chorar

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Bárbara Azevedo Cipriano
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1 O dia que eu fiz um empreendedor imobiliário chorar Por Natália Garcia* João ocupa um cargo importante em um dos órgãos sindicais de construtoras, corretoras e imobiliárias do Brasil. Seu nome é fictício e não sou mais clara nos detalhes porque não quero expô-lo. Mas a história que contarei abaixo é real. João está no grupo dos profissionais mais felizes do mundo, segundo a pesquisa Career Blis divulgada ontem pela revista americana Forbes. Corretor de imóveis é o número um do ranking. E outras profissões ligadas ao setor também aparecem em boas posições. O quarto lugar ficou para a superintendência de construção. Em sétimo, está o gerente de construção. Talvez por isso João tenha exibido um sorriso tão reluzente quando nos conhecemos. Na ocasião, eu fiz uma palestra sobre o Cidades para Pessoas em um encontro de empresários da indústria da construção. Em meio a outras apresentações sobre o lucro e desempenho do setor imobiliário, lá fui eu contar sobre minha jornada pelo mundo em busca de boas ideias para melhorar as cidades para as pessoas. Ao término da minha fala, fui surpreendida por diversos presidentes de incorporadoras e construtoras, que me procuraram com seu cartão na mão, querendo estabelecer um diálogo. Um deles, que trabalha em São Paulo, me disse que estava se aposentando e ia se mudar em breve para o interior. Tenho que reconhecer que nosso setor não deixou um bom legado para a cidade, tanto é que estamos nos aposentando e nos mudando dela, mas a verdade é que não sabemos como trabalhar de maneira diferente, só sabemos fazer

João está no grupo dos profissionais mais felizes do mundo, segundo a pesquisa Career Blis divulgada ontem pela revista americana Forbes. Corretor de imóveis é o número um do ranking.

2 a conta fechar atuando da forma como fazemos hoje. Claro que meu olhar sobre esse discurso não era ingênuo, mas fiquei intrigada com aquelas palavras. O setor imobiliário está no topo dos financiadores de campanhas políticas pelo Brasil, como se vê nos gráficos abaixo, produzidos pela Folha de S. Paulo e pelo Estado de S. Paulo.

4 É ele o principal beneficiado por grande parte das decisões tomadas pelo poder executivo na maioria das cidades brasileiras. E é o setor imobiliário também que se beneficia com o lucro a partir de investimentos públicos. Por exemplo: uma nova linha de metrô ou ônibus automaticamente valoriza os imóveis da região, que são vendidos para as incorporadoras. Aí, elas derrubam quarteirões inteiros de pequenas casinhas e constroem arranha-céus de luxo, mudando as características, a história e a cultura de todo um bairro. Quantas vezes não vimos essa história se repetir. Aí me aparece um empresário reconhecendo que essa dinâmica não é boa para a cidade, demonstrando a intenção de agir de uma maneira nova, só que sem saber como. Qual o caminho dessa nova maneira de atuar? Fiquei pensando após o evento e fui encontrar todos os participantes em um coquetel de confraternização. Talvez eu fosse a única mulher sem salto, quilos de maquiagem e um vestido longo. Esse figurino definitivamente não me cai bem.

Por exemplo: uma nova linha de metrô ou ônibus automaticamente valoriza os imóveis da região, que são vendidos para as incorporadoras.

5 Diante de poucas opções de canapés vegetarianos e uma performance de música ao vivo que deixava a desejar, fui tomar uma cerveja na área externa do buffet, para espairecer. E aí João se aproximou. Já tinha tomado algumas cervejas, o que deixava seu sorriso reluzente ainda mais fácil. Segurava a long neck de Stela Artrois com a mão esquerda, a mesma que exibia um anelão dourado no mindinho, temoisamente levantado a cada gole. Muito lindo tudo isso que você disse, falou João. Sabe, eu já morei em São Paulo, contou-me ele. Cursou engenharia civil na capital paulistana, onde tinha uma namorada que amava muito. Passava o dia inteiro trabalhando que nem um condenado, indo de carro de uma obra para outra. Chegava a dirigir por 5 horas em um único dia. Ao final do experiente, corria para ficar com ela. Tinha planos para o futuro. Casar, comprar uma pequena casinha, ter filhos Mas recebeu uma proposta para sair da cidade e trabalhar em uma empresa construtura de outro estado. Foi aí que o destino me pregou uma peça: ela não quis vir comigo. Uma tímida lágrima escorreu e João tentou disfarçar. Deu mais um gole na cerveja e respirou fundo. Desculpe se estou te amolando com as minhas besteiras. Eu não sabia muito bem o que responder. Tudo bem, pode falar, respondi, meio sem jeito. Daí João desabou de vez em um choro copioso. Eu vim para cá e quando vi, já estava nesse cargão, precisando construir mais, mais e mais podia ter sido diferente. Ele começou a soluçar e foi difícil continuar a entendê-lo. Eu podia ter comprado uma bicicleta e ter ficado em São Paulo, como você, não podia? Estaria com ela até hoje. João se casou com outra mulher, teve filhas, uma delas prestes a fazer 18 anos. Pergunta o que ela quer de presente? Claro que é um carro. Um Carro! E chorava sem cessar. Acho que João é uma mistura de Sr. Burns com Pateta.

Segurava a long neck de Stela Artrois com a mão esquerda, a mesma que exibia um anelão dourado no mindinho, temoisamente levantado a cada gole. Muito lindo tudo isso que você disse, falou João.

6 Ele está no meio do caminho entre um empresário obcecado pela eficiência lucrativa e um homem atrapalhado tentando fazer as coisas direito. Qual será o caminho do meio? Já me parece um belo avanço a abertura para o diálogo e a consciência de que novas dinâmicas precisam ser inventadas. Nesse sentido, tenho me impressionado com a abertura de todos os empresários do setor que conheci. Mas o funcionamento do mercado imobiliário está estabelecido de um jeito que, hoje, deixa mais gente perdendo do que ganhando. Me parece que boa parte dos participantes desse jogo reconhece que precisam conversar e pensar em um jeito novo de agir. Polarizar o debate entre os do bem e os do mal é um desserviço, acho eu. Afinal, também precisamos do mercado imobiliário e, abrindo mais o debate, da iniciativa privada, não é? Abrir para diálogos e conexões soa bem mais interessante. É exatamente sobre como o mercado imobiliário poderia agir para deixar um bom legado para a cidade que vou conversar no evento Huma Reflexões, no próximo sábado.

Nesse sentido, tenho me impressionado com a abertura de todos os empresários do setor que conheci.

7 *Natália Garcia é jornalista especializada em planejamento urbano e tem como principal ferramenta de trabalho uma bicicleta dobrável, que usa para explorar as cidades. Criadora do projeto Cidades para Pessoas, ela percorreu 12 cidades pelo mundo (Copenhague, Amsterdam, Londres, Paris, Estrasburgo, Friburgo, Lyon, São Francisco, Portland, Cidade do México, Nova Iorque e Barcelona) em busca de boas ideias e boas práticas de planejamento urbano que pudessem inspirar cidades brasileiras. Esse blog compila ideias apuradas durante essa experiência e reflexões sobre suas possíveis aplicações às cidades brasileiras. O Cidades para Pessoas é o primeiro projeto jornalístico do Brasil a ser financiado colaborativamente pela plataforma Catarse.me. Fonte original da notícia

Nova Iorque e Barcelona) em busca de boas ideias e boas práticas de planejamento urbano que pudessem inspirar cidades brasileiras.

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