O conforto térmico como um processo de adaptação ambiental: repensando os padrões da habitação em São Paulo Joana Carla Soares Gonçalves
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- Mariana Mirela Carvalhal Penha
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1 O conforto térmico como um processo de adaptação ambiental: repensando os padrões da habitação em São Paulo Joana Carla Soares Gonçalves O conceito mais atual de conforto térmico é aquele que relaciona a chamada temperatura de conforto com a temperatura externa, sendo a primeira sujeita às flutuações do clima. Essa relação foi demonstrada em várias pesquisas como Humphreys (1978) e De Dear & Brager (1998), introduzindo o conceito de conforto térmico adaptativo. A teoria de conforto adaptativo parte da premissa que os ocupantes de espaços internos têm o potencial de criar condições confortáveis por meio de uma série de ações de natureza distinta, como: mudanças na vestimenta, postura e atividade, além de agir sobre a abertura de janelas, o fechamento de componentes de sombreamento interno ou externo, o uso de ventiladores e outros recursos ligados ao ambiente térmico de um espaço interno. Vale destacar que o movimento do ar criado por ventiladores tem a capacidade de acrescer em 2,5 o C o limite superior de uma determinada zona de conforto. Com base nesse entendimento, o conforto térmico deixa de ser um produto do projeto ou do edifício, e um valor numérico absoluto, para se tornar um processo de adaptação, que obviamente tem seus limites. Com respeito ao efeito do movimento do ar como estratégia de adaptação ambiental, para o intervalo de temperatura do ar entre 25 O C e 30 O C, a convecção, ou seja, o movimento do ar) se torna a principal estratégia para o resfriamento do corpo humano (Szokolay, 2004), fala-se aqui de velocidades do ar de até 2,5 m/s. A discussão sobre conforto ganha especificidade quando falamos de um determinado contexto climático. Sendo assim, tomando a cidade de São Paulo com exemplo, pergunta-se: quais as estratégias arquitetônicas associadas às características definidoras do clima local? O clima subtropical de altitude de São Paulo (latitude 23º24 S e 850 metros acima do nível do mar) apresenta temperaturas amenas durante a maior parte do ano, com a ocorrência de dias quentes no verão e noites frias no inverno 1. No verão, verifica-se a 1 O diagnostico climático do clima da cidade de São Paulo foi realizado com base nos
2 necessidade de proteção solar durante o dia e da ventilação natural durante o dia e a noite. Por outro lado, no inverno, o alcance de condições de conforto térmico está atrelado a taxas mínimas de renovação do ar interno e ao acesso da radiação solar, em princípio. Embora o diagnóstico do clima típico da região mostre temperaturas médias anuais ao redor de 20ºC, acompanhadas por valores de umidade relativa média também elevada, é importante atentar para a influência da alta taxa de urbanização nos microclimas da cidade, com bairros inteiros marcados pela poluição sonora e a do ar, além da contínua dissipação de calor proveniente das atividades antropogênicas, dos edifícios e dos automóveis, fatores esses que afetam diretamente o clima de maneira negativa, elevando as temperaturas e baixando as taxas de umidade, ou seja, causando um processo de desertificação do clima natural, desfavorável para o conforto térmico dentro e fora dos edifícios. Olhando especificamente para os bairros centrais, ao mesmo passo em que a densidade construída oferece sombreamento e os gabaritos irregulares dos edifícios agem em favor de uma melhor ventilação urbana, o efeito ilha de calor é evidente nos bairros centrais da cidade. Voltando para a análise do clima, em São Paulo, a temperatura e a umidade relativa do ar apresentam variações diurnas significativas durante a maior parte do ano, com temperaturas mais baixas nas primeiras horas do dia, que chegam a ultrapassar a marca dos 30ºC no princípio da tarde, em dias típicos ensolarados de verão, ou mesmo durante o outono e a primavera. Dadas as variações típicas do clima de São Paulo, um mínimo de quatro dias distintos é necessário para caracterizá-lo, sendo: um dia de típico verão de céu nublado e outro de céu claro, ao lado de um dia típico de inverno de céu nublado e outro de céu claro, como apresentado na figura 1. Olhando a figura 1, observa-se que no dia nublado de verão a tendência das temperaturas é não subir dos 20 o C e a umidade relativa fica constante durante todo o dia acima dos 80%, já no dia ensolarado, o efeito da radiação eleva as temperaturas cruzando a marca dos 30 o C após as horas, o que significa um T de aproximadamente 10 o C, e baixando a taxa de umidade. Passando para os dias de inverno, no primeiro caso, tipicamente, as temperaturas ficam ao redor dos 15 o C, com dados climáticos extraídos do arquivo da ASHRAE (2009).
3 taxas de umidade bem similares as do verão, enquanto quando em um dia sol, as temperaturas chegam rapidamente a beirar os 25 o C, superando as temperaturas de um dia nublado no verão. Essa análise demonstra claramente o impacto determinante da radiação solar no clima de São Paulo. Com exceção dos horários críticos de verão, os perfis de temperaturas dos dias típicos de São Paulo apontam para a comunicação entre ambiente interno e externo, o que implica no uso da ventilação natural. Arquitetonicamente, o contato entre interior e exterior se reflete não só no projeto das aberturas, como também na introdução de espaços de transição, como varandas, terraços e pátios. Figura 1: Dias típicos do clima de São Paulo, incluindo um dia de céu nublado e outro de céu claro no verão, seguidos por um dia de céu nublado e outro ensolarado no inverno. Fonte: Morikawa (2012) Em climas como São Paulo, o fato das temperaturas máximas do ar não subirem, com freqüência, acima dos 32 o C faz com que a renovação do ar, ou seja, o uso da ventilação natural seja a principal estratégia para a remoção do calor interno. Também é importante considerar que, embora o denso contexto urbano possa mudar os padrões dos ventos, a orientação NE - SE das quadras favorece a exposição dos edifícios aos ventos predominantes do SE. No entanto, deve-se considerar que nos períodos mais críticos do verão, quando a temperatura do ar chega aos 30ºC, o
4 fechamento das janelas, combinado ao efeito da massa térmica interna da construção, é a melhor estratégia para o alcance de temperaturas internas mais amenas. Tudo isso, considerando que o calor proveniente da radiação solar ficou do lado de fora! Em outras palavras, foi barrado pelo sombreamento. Fora das horas críticas do verão, o acesso da radiação não significa necessariamente uma ameaça ao conforto térmico, desde que contrabalanceado pela ventilação natural. Além do clima, vale atentar para o fato que o aumento de eletrodomésticos e equipamentos nos ambientes compactos da habitação social nas últimas décadas, considerado nos estudos de Conceição (2010), que avaliou a demanda de energia elétrica em edifícios habitacionais no centro de São Paulo, incorre no incremento da carga térmica interna, fazendo da boa ventilação natural uma estratégia ainda mais importante para o conforto térmico. Com base no entendimento do clima local, quais os aspectos arquitetônicos e as estratégias de adaptação do espaço de morar, tendo em vista as restrições econômicas do projeto de habitação social, que definem um ambiente de qualidade do ponto de vista do conforto térmico? Nesse contexto, o projeto deve ser direcionado por dois objetivos: minimizar os ganhos de calor e maximizar as perdas. A redução dos ganhos de calor solar está no sombreamento externo eficiente das aberturas e na reflexão das pinturas de cores claras. Quanto ao sombreamento e ao projeto das janelas, exemplo da arquitetura tradicionalmente de climas quentes, aquelas com folhas externas de veneziana permitem diferentes graus de abertura para a comunicação visual (entre interior e exterior), a entrada da luz natural e do sol, além de oferecer a possibilidade do fechamento completo para o sombreamento, sem bloquear a renovação do ar interno, sendo, essencialmente, um meio eficiente para a adaptação ambiental dos ocupantes. No caso de unidades habitacionais em contato com o plano da cobertura, onde a incidência da radiação solar é mais intensa, o corte da mesma é obtido também com o sombreamento, ou o uso de cores claras e, ainda, por meio de uma resistência térmica maior do que a das paredes. Com o objetivo de minimizar os ganhos de calor pela cobertura e maximizar as perdas pelas paredes e aberturas, a Norma Brasileira de desempenho térmico das
5 edificações, para a habitação social (ABNT, 2005), recomenda soluções construtivas para a cobertura com coeficiente global de transmissão térmica (valor de U), que define a resistência térmica do componente menor ou igual a 2,00 W/m 2 o C, em que se enquadra a cobertura de telha de barro com laje de concreto de 20 cm (U = 1,84 W/m 2 o C) e a com forro de laje mista (U = 1,92 W/m 2 o C), mas não a comumente encontrada na construção informal, cobertura de telha de fibrocimento sem forro (4,60 W/m 2 o C) (ver figura 2). Para as paredes, a Norma sugere componentes com um valor de U menor ou igual a 3,60 W/m 2 o C, como a conhecida parede de tijolo maciço ou de solo cimento, com revestimento duplo (U = 3,13 W/m 2 o C ou 2,25 W/m 2 o C, no caso do tijolo deitado, com espessura de 25 cm). No caso dos fechamentos verticais, é importante lembrar que um valor de U mais baixo, próximo ao da cobertura, como o de uma parede de tijolo cerâmico com furos (U = 2,02 W/m 2 o C), pode dificultar as perdas de calor por diferença de temperatura entre interior e exterior, prejudicando o desempenho térmico do cômodo (ver figura 3). Obviamente, as recomendações da Norma são apenas um começo e devem ter sua aplicação avaliada caso a caso. Figura 2: À esquerda, cobertura de telha de barro com laje de concreto de 20 cm (U = 1,84 W/m 2 o C). À direita, cobertura de telha de fibrocimento sem forro (4,60 W/m 2 o C). Figura 3: À esquerda, tijolo maciço com revestimento duplo (U = 3,13 W/m 2 o C). À direita, tijolo cerâmico de 6 furos (U = 2,02 W/m 2 o C). Fonte: ABNT (2005). Para as perdas de calor, com já mencionado anteriormente, vale reforçar que a estratégia principal é a ventilação natural, essencialmente pelos vãos de janela. Com diretriz de projeto, a Norma Brasileira (ABNT, 2005) recomenda que a área total de
6 ventilação seja entre 15% e 25% da área de piso do cômodo. A esse respeito, cabe a crítica à janela padrão de 1,20 por 1,20 metros, de esquadria de alumínio, adotada na produção nacional da habitação social, em que, apenas metade da área da janela (0,72 m 2 ) é vão efetivo de ventilação, sendo esse um vão insuficiente para qualquer cômodo de uma habitação, minimizando o potencial de remoção de calor. Além dos vãos de janela, a presença do elemento vazado nos fechamentos verticais, como amplamente utilizado na arquitetura moderna bioclimática brasileira, realizada entre os anos 30 e 60, garante uma ventilação constante e a criação de espaços de transição entre interior e exterior, além de servirem de filtro para a radiação solar e a luz natural, como visto nas figuras 4 e 5. Figura 4: Fachada principal do complexo residencial Louveiras, em São Paulo, do arquiteto Vila Nova Artigas, mostrando o uso da janela com a proteção solar externa do tipo veneziana, que permite uma ventilação mínima constante, mesmo com o componente externo fechado. Além da proteção externa, pode ser vista a presença da cortina, certamente como um outro elemento de controle da luz e da privacidade. Vale notar também a eficiência do vão da janela para a ventilação natural. Foto: Joana Carla Soares Gonçalves
7 Figura 5: Elevação de um dos edifícios residências do Parque Gingle, no Rio de Janeiro, projeto do arquiteto Lúcio Costa. Destaca-se aqui o uso de diferentes tipologias do elemento vazado, criando um efeito de sombreamento sem barrar o fluxo da ventilação. O uso do elemento vazado nesse projeto define espaços de transição entre exterior e interior. Foto: Joana Carla Soares Gonçalves. Como consequência do déficit habitacional da cidade de São Paulo, 50% das habitações construídas nos últimos 20 anos são informais ou ilegais 2. Essa realidade nos mostra que ações em prol da habitação social na cidade de São Paulo estão associadas tanto a construção de novos edifícios, como a melhoria da habitação informal, para as quais o entendimento do clima local, como exposto acima, é condição fundamental para a qualidade do espaço de morar, repensando criticamente os padrões atuais de projeto e construção, como no caso das janelas e coberturas, e porque não com inspiração no período auge da arquitetura brasileira? Sendo esse definido entre as décadas de 30 e 60 do século Em 1991 a população que morava em favela era de cerca de 9,24% da população total ( ) e em 2000 esta população cresceu para cerca de 11,12% da população total ( ), (PMSP, 2008).
8 Referências bibliográficas ABNT, Associação Brasileira de Normas Tecnicas. NBR Desempenho Térmico de Edificações Parte 3: Zoneamento Bioclimático Brasileiro e Diretrizes Construtivas para Habitações Unifamiliares de Interesse Social. ABNT, ASHRAE (2009) Climate Design Data, ASHRAE Handbook, ASHRAE, Atlanta, GA. CONCEIÇÃO, J. P. (2010). Environmental Retrofit for Residential Buildings in São Paulo. MSc Dissertation, AA School of Architecture, Environment and Energy Programme, Sustainable Environmental Design. London. De Dear, Richard; Brager, G.; Cooper, D. Developing an adaptive model of thermal comfort and preference. Final Report, ASHRAE RP-884, Macquire University, MORIKAWA, S. M. (2012). Refurbishment of Underused Buildings in Central São Paulo. MSc Dissertation, AA School of Architecture, Environment and Energy Programme, Sustainable Environmental Design. London. PMSP - Prefeitura do Município de São Paulo. Secretaria de Planejamento. Infocidade. Estimativas de População e Domicílios em Favelas, Disponível em: Acessado em: 30 de junho de SZOKOLAY, S. (2003). Introduction to Architectural Science. The basis of sustainable design. Architectural Press.
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