INTERNET DAS COISAS: PARA QUEM? TRANSIÇÃO NA EXPERIÊNCIA DE CONECTIVIDADE NO BRASIL 1. Polyana Inácio Rezende Silva 2

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1 INTERNET DAS COISAS: PARA QUEM? TRANSIÇÃO NA EXPERIÊNCIA DE CONECTIVIDADE NO BRASIL 1 Polyana Inácio Rezende Silva 2 Qual o estatuto de implantação da internet das coisas (IoT) no Brasil? Tal questão norteadora parte de matéria da BBC Brasil sobre a chegada da revolução industrial, pautada em sistemas ciberfísicos, mediados pela IoT e computação ubíqua. Como continuidade de pesquisa anterior sobre a midiatização e o estatuto de conectividade na internet brasileira e antes de se constatar a chegada da internet das coisas, esta proposta indaga novamente: como pensar a realidade de conexão e infraestrutura da internet brasileira? Como esta realidade se articula cotidianamente com os objetos inteligentes da IoT? Assim o trabalho visa comparar elementos trazidos pela temática da BBC com notícias sobre a transição do protocolo IPV4 para o IPV6 no Brasil. Partindo da noção de mundos midiatizados em Andreas Hepp e Sônia Livingstone (2014), as noções de rede e mediação híbrida pela Teoria Ator-Rede ancoram o desenvolvimento de um relato crítico, com base na quinta fonte de incerteza como apresentada por Bruno Latour (2012) na obra Reagregando o Social. Espera-se que este estudo contribua para investigações comunicacionais voltadas para a junção entre tecnologias digitais e processos comunicacionais contemporâneos. Palavras-chave: internet das coisas; IPV6; mediação híbrida; redes; conectividade. A busca pelas limitações e potencialidades da internet como mídia passa por considerá-la em sua materialidade, estar atento aos modos como a internet se presentifica no cotidiano, como integra-se ou confronta as lógicas de midiatização em meio a mundos midiatizados e a uma era da mediação de tudo (LIVINGSTONE apud HEPP, 2014). 1 Artigo apresentado ao Eixo Temático 02 - Movimentos Sociais, ciberativismo e resistência) do IX Simpósio Nacional da ABCiber. 2 Doutoranda em Comunicação pela UFMG e membro do Grupo de Pesquisa em Comunicação Nuccon/CCNM UFMG - Disponível em:< polyanainacio@gmail.com

2 Neste trabalho a internet é vista como ambiência midiática, atravessada pela midiatização de si mesma e parte da midiatização de outros processos que aciona. Deste ponto de vista, seus produtos, adeptos, mobilizações, narrativas, textos e modos de significar são elementos de importância. A ideia de inteligência, geralmente associada ao termo smart, remete a objetos programados para monitorar e, reagir à ação humana. Para Frederic Martel (2015) 3 ela a internet é um fenômeno distinto pelo mundo, assim como permeado por mediações técnicas, cognitivas, espaços ideológicos e caracterizado por forte proximidade com o cotidiano. Com o título O que é a 4ª revolução industrial - e como ela deve afetar nossas vidas, uma matéria 4 do canal de notícias da BBC Brasil, publicada em 22 de outubro de 2016, anuncia que a internet das coisas ecoa a chegada da quarta revolução industrial. Em uma busca rápida pelo termo no mecanismo de pesquisa do Google, surgem portais e colunas de tecnologia nos jornais, que reafirmam nossa direção de convergência para as tecnologias digitais, físicas e biológicas. No entanto como é pensar esta realidade no Brasil já que pelas notícias relacionadas ao tema, tal afirmação se confirma? Anunciada como um tipo de "expansão da internet", a Internet das Coisas (IoT) engendra um imaginário tecnológico articulado com a experiência contemporânea de conectividade que perpassa o consumo de objetos digitais e monitoramento em rede. Porém isto só torna-se viável em acordo a realidade tecnoeconômica. De acorco com o Centro Europeu de Pesquisas em Internet das Coisas 5, podemos defini-la assim: Uma infraestrutura de rede global, em que coisas físicas e virtuais têm identidade, atributos físicos e personalidades virtuais, utilizando-se para isto de interfaces inteligentes, sensores e etiquetas de rádio frequência (RFID). Na IoT é esperado que coisas se tornem participantes ativas dos 3 Hipótese do autor. Disponível em: < Acesso 29 out Disponível em: < Acesso: 23 out Strategic Research Agenda do Cluster of European Research Projects on the Internet of Things (CERP- IoT) de Esta definição engloba diversas perspectivas: rede global dinâmica, protocolos de comunicação para identificação de objetos físicos e virtuais, interfaces inteligentes, rede de informação, coisas em comunicação entre si e com o ambiente, serviços com ou sem intervenção humana. (LEMOS;RODRIGUES, 2014, p. 1031)

3 negócios e dos processos informacionais e sociais [...] (LEMOS apud CERP-IoT, 2013, p. 254). Para o pesquisador Samuel Greengard (2015) do MIT, no ano de 2020, existirão 21 bilhões de dispositivos conectados à IoT, em uso em todo o mundo. Por isto, não se trata de uma internet exclusiva das coisas ou das pessoas ou de apenas coisas que se conectam à internet. A IoT é uma rede ampliada por outro protocolo de internet (IPV6) e por objetos que hoje não se conectam à internet ou não geram informações. Neste sentido sensores são responsáveis pela identidade de objetos e mediadores fundamentais na troca informacional (ou comunicação) entre máquinas conectadas à internet. Um operador conceitual importante para este trabalho é a noção de mediação híbridacomo apresentada pela Teoria Ator-rede (TAR), especialmente por Bruno Latour na obra Jamais Fomos Modernos (1994) e no texto On technical mediation (1994). Ou seja: não há um binômio sujeito e objeto. Ambos podem agir e diferir. Considerando que a matéria da BBC repercuta o termo quarta revolução industrial e que internet das coisas seja um processo atrelado à alterações sociotécnicas em curso, como a transição para o protocolo IPV6 6, indagamos: como pensar a experiência de conectividade à internet no Brasil? Sobretudo em uma fase de internet das coisas? A questão pode sugerir um contrasenso, já que o acesso à internet não é homogêneo. Tal informação é demonstrada no documentário Freenet 7, lançado em maio de A produção chega com uma indagação que cabe destacar: "internet para todos?". Ao analisar o uso da internet pelo mundo, passando por países como Quênia, Índia, Estados Unidos, China, Brasil e Uruguai, o filme mostra iniciativas e obstáculos para a democratização do acesso à internet, discutindo a liberdade de acesso, o compartilhamento de conteúdo e privacidade. A a temática de Freenet foi de encontro ao debate provocado pela anúncio de que a internet fixa no Brasil funcionaria sob um esquema de franquia de dados 8. Algo que em muitos casos inviabilizaria o consumo de serviços por streaming, como o 6 O IPv6.br engloba uma série de iniciativas do NIC.br para disseminar o IPv6 no Brasil. Entre elas o presente sítio Web. Disponível em: < Acesso 29 out Filme completo disponível em: < Acesso 29 out Disponível em: < Acesso 15 ago

4 Netflix, a produção/compartilhamento de vídeos pelo YouTube, e muitas ações cotidianas na internet que exigem um tráfego de dados contínuo e com uma alta taxa de transferência de dados. Tal anúncio de cobrança por parte das operadoras foi encarada como um retrocesso por ativistas e parte da sociedade civil organizada. Como a conexão em banda larga no Brasil é tratada na perspectiva de mercado, a infraestrutura de telecomunicações está concentrada nas mãos de poucas corporações. Elas controlam a oferta de serviço e limitam as opções de acesso. A discussão, até outubro de 2016 ainda não foi concluída e mobilizou entidades ligadas à internet no Brasil. Em abril de 2016 a hashtags #internetjusta 9 e #InternetSobAtaque deram visibilidade ao "Movimento Internet Sem Limites",, aos protestos de internet, pesquisadores e da sociedade organizada em redes como Facebook 10 e de integrantes do do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) 11 no VI Fórum da Internet no Brasil, realizada nos 12 e 13 de julho de 2016, em Porto Alegre. Metodologicamente, o trabalho se pautará nos pressupostos téoricos e metodológicos assumidos por autores como Bruno Latour (2012) e Michel Callon (2013), no que tange a noção de rede e a tática metodológica proposta na obra Reagregando o Social, especificamente na Quinta Fonte de Incerteza 12 que convida o pesquisador a elaborar relatos críticos e detalhados daquilo a que se propõe investigar. A partir da leitura de Michel Callon (2013), vimos que o texto é objeto, é capaz de definir e associar desempenhos e habilidades de entidades heterogêneas. Para o autor, há uma equivalência entre texto e rede, especialmente quando pensamos a ação de intermediários 13 e 9 Disponível em: < %23internetjusta&aqs=chrome..69i57j69i61j69i60.817j0j9&sourceid=chrome&ie=UTF-8>. Acesso 30 jul Disponível em: < Acesso 31 jul Disponível em: < Acesso 30 jul Para Bruno Latour, o laboratório das ciências sociais e humanas está no texto, na produção do conhecimento que não deveríamos descartar. Ou seja, notas, leituras, esboços e insights que formulamos ao longo de uma pesquisa. O gesto de compor relatos é detalhado e trabalhoso e apenas se explica no fazer. A elaboração de relatos implica na produção de boas perguntas pois a diferença entre quem escreve maus textos de quem escreve bons textos, para Latour (2012) é aquele que tece uma rede, permitindo ao pesquisador estabelecer relações imprevistas.

5 atores (actantes) 14.Podemos supor que as redes podem ser vistas na dinâmica de seus intermediários e atores e nas operações de tradução (mediação) que eles viabilizam. Ao abordar sobre as redes, Callon (2013) fala das redes tecno-econômicas (RTE), para indicar associações coordenadas de atores heterogêneos. Ou seja, laboratórios públicos, centros de investigação técnica, organizações financeiras, usuários e governos, participantes da concepção, desenvolvimento, produção e distribuição de procedimentos de bens e serviços, como transações de mercado." (CALLON, 2013, p. 148). Assim, o trabalho visa estabelecer tal relato após um comparativo entre um corpus coletado de notícias sobre a quarta revolução industrial no Brasil e outro sobre notícias relativas ao processo de transição do protocolo IPV6. Tal corpus será coletado no período de cinco dias, no mês de novembro, entre os dias 11 e 15 de novembro. Em cada um destes dias, os termos Ipv6 Internet das Coisas e Quarta revolução industrial serão pesquisados no mecanismo de busca do Google. Os links das primeiras 2 páginas, de cada dia, serão armazenados em uma planilha e as notícias serão analisadas de modo a possibilitar a escrita de um relato aos moldes latourianos, descrevendo não apenas o que seja cada termo mas atentando para o estatuto da discussão assim como para a rede de instituições, tecnologias e grupos envolvidos na implantação de outra protocolo (IPV6) de internet no Brasil. Considerando que tal alteração no protocolo viabilizaria a Internet das Coisas no Brasil e que a realidade socioeconômica e as barreiras cognitivas são fatores importantes para pensar a presença dos sistemas ciberfísicos da IoT. O percurso metodológico se prolonga na tentativa de justapor termos e questões enunciadas em ambos os corpus. Referências bibliográficas CALLON, Michel. La dinamica de las redes tecno-economicas. In: THOMAS, Hérnán, BUCH, Alfonso. Actos, actores y artefactos Sociologia de la tecnologia. Bernal: Universidade Quilmes, 2013, p Intermediários são tomados como unidades estáveis, "caixas-pretas". Eles apenas transportam significado ou força sem transformá-los (LATOUR, 2012, p. 65), atuando como conectores, "pontes" a interligar mediadores. 14 Ator é o que produz efeitos na rede (actante). Segundo Latour (1999, p. 346) define-se o ator com base em suas ações para posteriormente detectar seu potencial de agenciamento. A palavra ator se limita a humanos e actante (atuante), termo da semiótica e pode se referir conceitualmente à não-humanos também.

6 CERP IoT INTERNET OF THINGS EUROPEAN RESEARCH CLUSTER (2009). Internet of Things : Strategic Research Roadmap. disponível em : < >. Acesso em: 18 ago HEPP, Andreas. As configurações comunicativas de mundos midiatizados: pesquisa da midiatização na era da mediação de tudo. MATRIZes, v. 8, n. 1, p , HEPP, Andreas & HASEBRINK, Uwe. Interações humanas e configurações comunicativas: transformações culturais e sociedades midiatizadas. Parágrafo. Jun/Dez. 2015, V.2, No P LATOUR, Bruno. Reagregando o Social: uma introdução à Teoria do Ator-Rede. Salvador: Edufba, 2012; Bauru, SP: Edusc, LATOUR, Bruno. On technical mediation. Common Knowledge, v. 3, n. 2, p , Disponível em: < Acesso em: 27 fev LEMOS, André. A comunicação das coisas: teoria ator-rede e cibercultura. São Paulo: Annablume, MARTEL, Frédéric. Smart - o que você não sabe sobre a internet. Trad. Clóvis Marques, 1a ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, SANTAELLA, Lucia. Comunicação ubíqua: Repercussões na cultura e na educação. São Paulo: Paulus, 2013.