EXPERIÊNCIA DO CÁRCERE COMO ELEMENTO DE ACESSO ÀS DIFERENTES ESPACIALIDADES DA CIDADE DE PONTA GROSSA PELOS HOMENS EX-DETENTOS
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- Benedita Marreiro Fidalgo
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1 EXPERIÊNCIA DO CÁRCERE COMO ELEMENTO DE ACESSO ÀS DIFERENTES ESPACIALIDADES DA CIDADE DE PONTA GROSSA PELOS HOMENS EX-DETENTOS 68 GONTAREK, Dimas Diego SILVA, Joseli Maria 1 Introdução Este trabalho tem por objetivo estabelecer uma discussão em torno da pesquisa sobre a experiência do cárcere como elemento de acesso às diferentes espacialidades da cidade pelos homens ex-detentos (egressos). A pesquisa envolve o levantamento de informações relacionadas ao grupo que se encontra constantemente em relatórios do DEPEN (Departamento de Execução Penal) e a realização de entrevistas em profundidade. A fase exploratória do processo investigativo permite estabelecer alguns apontamentos sobre o objeto de análise. O levantamento bibliográfico e principalmente a aproximação com o grupo estudado, na realização de duas entrevistas com egressos do sexo masculino, sugerem, tal como evidenciado nos estudos geográficos de Rossi (2009), Chimin Jr (2009), Gomes (2012) que o grupo mantém um perfil de masculinidade periférica, pois mesmo não contemplando o modelo ideal de masculinidade, como a do homem trabalhador, provedor e que cumpre com a lei, quando egressos, vivenciam as dificuldades de acesso à um processo de reintegração social após o cumprimento das penas. O espaço geográfico é aqui tomado por referência para evidenciar que as experiências humanas são também de caráter geográfico. Além disso, o estudo compartilha de uma temática já desenvolvida no contexto de produção geográfica de língua inglesa, que, entretanto, se constitui como desafio à produção geográfica brasileira. Objetivos O objetivo central da pesquisa é compreender a experiência do cárcere como elemento de acesso às diferentes espacialidades da cidade pelos homens ex-detentos. Para que este objetivo seja alcançado, três caminhos investigativos foram tomados por base. O primeiro é a identificação das significações que o ex-detento atribui a si mesmo no processo de vivência de suas masculinidades. O segundo, é a compreensão dos diferentes significados da experiência do cárcere e o terceiro, é o entendimento de como a experiência do cárcere institui diferentes formas de acesso à cidade. Metodologia A metodologia em andamento aborda três procedimentos. O primeiro corresponde a definição da amostra com a utilização do método de saturação, isto é, a seleção de um perfil do grupo a ser entrevistado e que contemple os eixos fundamentais do objeto de estudo a partir de seus discursos. O segundo procedimento diz respeito a realização de entrevistas semi-estruturadas com o grupo investigado. Por último, a sistematização dos dados será realizada a partir de análise de conteúdo, que implica a definição de categorias de análise a partir da frequência de evocações identificadas na transcrição das entrevistas. A análise de conteúdo será realizada com base nas proposições de Bardin (1970). 1 Orientadora
2 69 Discussão A introdução do conceito de gênero nas pesquisas geográficas ainda é precoce na geografia brasileira, sendo impulsionado a partir da década de 90 em nosso país. Entretanto, este conceito que surge do movimento feminista, vem contribuindo significativamente em torno das discussões sobre a dinâmica entre corpo, sexo, raça/etnia e as espacialidades particulares que cada grupo especifico vive, tendo de criar estratégias de sobrevivência a partir de valores desiguais criados pela sociedade hegemônica. A perspectiva de Connel (1995) aponta para a existência de um modelo hegemônico de vivencia masculina que se enquadra o homem provedor de sua família, heterossexual, branco, cumpridor de leis, etc., e que este irá se posicionar no centro das relações sociais, comparado com vários outros perfis de masculinidade 2 que foge desta regra, como por exemplo, o grupo de homens ex-detentos que por se posicionar dentro dessa posição periférica das relações sociais, encontram dificuldades na sua reinserção social, como expressado em um trecho da entrevista realizada 3 : a gente às vezes é enxergado assim sabe, as pessoas não dão confiança pra não ter perigo, sei lá. Sempre com um pé atrás. Os mais chegados da gente são os cara da rua, que tão junto, vendo a humildade da gente e que a gente não quer mais aquilo lá. Esta pesquisa visa analisar a experiência de homens ex-detentos com o cárcere como elemento de acesso às diferentes espacialidades da cidade. As experiências de sujeitos que passaram pelo cárcere e que tentam sua reinserção social é tema ainda inexplorado na Geografia como também os temas que envolvem as prisões. Os estudos de Arruda (2006), Zomighani (2009), Vasconcelos (2010) e Fiovarante (2011) sobre prisões compartilham a ideia de que o tema ainda é pouco explorado na Geografia brasileira e que se constitui como emergente. Além do pequeno interesse científico por parte da Geografia brasileira como evidenciado anteriormente, é importante deixar claro que a existência dessas pessoas tem sido pouco valorizada em função do estigma (GOFFMAN, 1980) com que a experiência do cárcere marca a vida dessas pessoas. A partir de suas práticas ilícitas a sociedade elabora representações pejorativas que dificultam o acesso de egressos do sistema penitenciário às diferentes espacialidades do urbano. O espaço carcerário pode ser entendido a partir dos argumentos de Foucault (1996) de que a prisão, como é um aparelho institucional que visa transformar os sujeitos, ao mesmo tempo em que é reconfigurado constantemente pelas relações e normas constituídas pelos detentos. Esta abordagem dialoga com as discussões sobre o conceito de espaço enquanto palco de lutas entre diversos atores. Para Corrêa (1993) o espaço urbano pode ser entendido como reflexo e condição da existência da sociedade e caracterizado pela constante disputa entre agentes que o produzem, a saber, os proprietários dos meios de produção, proprietários fundiários, especulação imobiliária, Estado e grupos sociais excluídos. Na Geografia, são importantes pontos de apoio à reflexão sobre a violência e espaço urbano, os textos de Chimin (2009), Rossi (2010), Gomes (2012) e Rocha (2012) que exploraram a vivência 2 Para conhecer melhor o conceito de masculinidade e gênero ver: Doreen Massey; Judith Butler; Marcio José Ornat; Janice Monk; Robert W. Connell; Peter Jackson; Joseli Maria Silva; Gill Valentine. 3 Entrevista realizada com Tostão (nome fictício para preservar a identidade do entrevistado) no dia 12 de Setembro de Entrevistador: Dimas Gontarek e Rodrigo Rossi.
3 espacial de adolescentes em conflito com a lei em Ponta Grossa. Estes geógrafos identificam uma forte relação entre a vulnerabilidade, masculinidades, juventude e espaços de pobreza. Nesse sentido, o grupo estudado compõe uma parcela da população urbana marginalizada, haja visto que a desigualdade em relação ao direito à cidade constitui um dos fatores de vulnerabilidade à vida ilícita. Segundo dados fornecidos pelo DEPEN (Departamento de Execução Penal) a população prisional masculina do Estado do Paraná no ano de 2013 ultrapassa o numero de homens, em diferentes condições penais que vai desde o regime fechado ao regime semiaberto, se enquadrando também nessa estatística detentos com medidas provisórias que somados ultrapassam homens, como pode ser visualizado no gráfico Gráfico 1: Numero total de detentos no Estado do Paraná Org. GONTAREK, D. D. (2014) Fonte: Ministério da Justiça Departamento Execução Penal Infelizmente, estima-se o crescimento da população carcerária em 7% ao ano, o que demanda a construção futura de novas instalações para que a estrutura prisional de nosso Estado consiga suportar a demanda necessária para uma vivencia digna dessa população prisional que tende a crescer. As características dessa população não são homogêneas, mas em grande parte é constituída por homens de origem pobre que se encontram ou se encontraram em algum momento de suas vidas vulneráveis a praticas ilícitas, exercendo estratégias de sobrevivência no tocante de sua posição de marginalidade nas relações de poder, como afirma Rossi (2006). Os dados evidenciam que o grupo de homens que coloca-se como detento e que muito provavelmente irão regressar a comunidade não se apresenta como pequeno. Se analisarmos o grupo de homens que vivenciam a espacialidade carcerária, pode-se afirmar que em um prazo de tempo estes estarão vivenciando a liberdade, que muitas vezes se coloca como interdita pelo estigma que esses homens carregam consigo, o que os privarão de exercer certas atividades básicas de sobrevivência. Considerando-se que, em grande parte, esses homens geralmente são responsáveis pelas suas famílias, podendo essas ser constituídas de esposas, filhos (as), irmãos (ãs), mães, etc., após sua reinserção na comunidade essas pessoas necessitam encontrar uma maneira de colaborar com o sustento básico de seus entes, e para isso procuram se reintegrar em atividades econômicas que muitas vezes lhes são impedidas de alguma forma. Assim sendo, esses indivíduos sem alternativas, voltam a cometer atividades ilícitas para que consigam de alguma maneira a obtenção de renda para sua sobrevivência e de seus familiares e, novamente correm o risco que os levaram anteriormente a perder suas liberdades. O envolvimento com o uso de drogas também faz movimentar essa dinâmica de retorno a vida ilícita, já que quando encarcerado esse sujeito não encontra nenhum acompanhamento médico
4 por parte do Estado para que consiga se livrar do vicio e do uso continuo de drogas e que quando em liberdade, encontram facilmente acesso a esses produtos. Sabendo que os sujeitos marcados pela experiência do cárcere não são homogêneos, mas dependentes de uma série de diferentes elementos como a classe social, a religiosidade, etnia e gênero, este trabalho visa identificar esses elementos e as maneiras pelas quais a masculinidade é construída e reconstruída a partir dos significados atribuídos pelos ex-detentos à vida carcerária e a si mesmos, bem como os efeitos da experiência com a prisão à vida de egresso no espaço urbano. Portanto, a relevância da pesquisa está em construir a visibilidade de experiências ainda marginalizadas e pouco difundidas socialmente e cientificamente, mas que revelam a complexidade espacial da vivência masculina nas periferias. 71 Considerações Finais Entre 2002 e 2012 a população carcerária do Brasil saltou de pouco mais de mil detentos para , o que representou um crescimento de 129,61% em uma década, sendo que 42% dessa população são de detentos provisórios, ou seja, aquele recolhido em razão de prisão em flagrante, prisão temporária, por decretação de prisão preventiva, pronúncia ou sentença condenatória recorrível, mas que convivem em conjunto com os detentos já sentenciados. Esses dados coletados evidenciam o grande crescimento da população carcerária brasileira acompanhada com a falta de organização e subsídios para a regulação dessa estrutura, podendo ser citado também as superlotações, a falta de segurança, a alta violência interna do presídio, o pouco poder de controle sobre os internos, a falta de atividades internas que leva os detentos ao ócio gerando a conhecida escola do crime. Enfim, são muitos os problemas existentes na atualidade que cercam essa temática, mas que por outro lado é pouco discutido nas ciências sociais e políticas. Por essa ausência temática e também pela situação desprovida de estudos que se encontra a situação de egressos do sistema carcerário brasileiro, é que se revela a importância e sequência desse estudo, que visa compreender e contribuir para transformar a realidade carcerária brasileira, que suporta grande parcela de cidadãos em conflito com a lei, mas que juntamente com toda a outra parcela da sociedade compõem e transformam cotidianamente a espacialidade social. Referências Bibliográficas BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa. Edições 70, Tradução: Luís Antero e Augusto Pinheiro. CONNELL, R. W. Políticas da masculinidade. In: Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 20, nº 2, jul./dez., 1995, p FOUCAULT, M.Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1996, 13a ed. 277p. GOFFMAN, E. Estigma: Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. 3a Ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores p. ROSSI, R. Malucos da Quebrada : Territórios urbanos na complexidade espacial cotidiana dos adolescentes homens em conflito com a lei em Ponta Grossa-PR. Universidade Estadual de Ponta Grossa. Dissertação de Mestrado. 233p.
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