HOMOAFETIVIDADE FEMININA NO BRASIL: REFLEXÕES INTERDISCIPLINARES ENTRE O DIREITO E A LITERATURA



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Transcrição:

HOMOAFETIVIDADE FEMININA NO BRASIL: REFLEXÕES INTERDISCIPLINARES ENTRE O DIREITO E A LITERATURA Juliana Fabbron Marin Marin 1 Ana Maria Dietrich 2 Resumo: As transformações no cenário social que ocorreram da segunda metade do século XX até o presente momento no Brasil foram de extrema relevância para a emancipação da mulher e para a aquisição por esta de maiores liberdades, especialmente no âmbito pessoal. Entretanto, o preconceito não é um pequeno resquício de épocas passadas; ele se encontra, muitas vezes, duplamente presente no cotidiano de grande parte das mulheres homossexuais, tanto em função do preconceito existente em relação ao gênero quanto ao preconceito relativo à homoafetividade. Neste projeto, será abordada essa dupla discriminação referente à mulher homossexual tendo como linha de pesquisa a História Cultural, bem como a análise interdisciplinar entre o Direito e a Literatura. Palavras-chave: mulher, história cultural, homoafetividade, direito, literatura. Muito embora vejamos em nosso cotidiano o aumento das liberdades individuais, promovendo aos sujeitos maiores possibilidades de escolha em sua vida pessoal, ainda encontramos demasiados obstáculos que impedem um indivíduo de buscar a concretização de seus desejos, sentimentos e emoções no que concerne às relações afetivas, mais especificamente as relações homoafetivas. Simultaneamente a esse aumento de liberdades e possibilidades, existe o preconceito, que faz as pessoas retrocederem nessa transformação da liberdade. As relações afetivas entre casais de mesmo sexo ainda é vista por muitos sujeitos como algo errado. Não é novidade falar em relação homoafetiva. Esta não existe desde apenas o século XX ou XXI; as relações homoafetivas são demasiado antigas, mas aos poucos a concepção dada a esta foi se transformando e adquirindo uma conotação extremamente negativa. Entretanto, no século XX vimos uma nova onda de liberdade. As pessoas 1 Graduanda em Bacharelado em Ciências e Humanidades pela Universidade Federal do ABC. julianafabbron@gmail.com. 2 Professora Orientadora - Universidade Federal do ABC. ana.dietrich@ufabc.edu.br.

começaram a lutar por seus direitos e por sua liberdade de escolha, de expressão e liberdade sexual. Não podemos dizer que a liberdade homoafetiva ganhou tanto espaço na sociedade, mas a homossexualidade deixou de ser considerada uma doença no final dos anos 1980 no Brasil, abrindo um espaço para a criação de uma nova visão quanto a esse modelo de relação. Aos poucos a relação entre pessoas do mesmo sexo vem ganhando maior espaço e respeito na sociedade, e esse fato ocorre por diversos fatores. Um dos mais importantes exemplos se refere ao ordenamento jurídico brasileiro. Como consta na Constituição Brasileira, em seu artigo 5º, caput, todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.... A análise deste importante artigo mostra a proteção dada pela legislação à liberdade e a igualdade; portanto, um sujeito não pode perante a legislação brasileira sofrer discriminação em função de sua orientação sexual. Todos os indivíduos devem ser tratados como iguais. Ainda no âmbito jurídico, vê-se uma profunda transformação na defesa das relações homoafetividades com a legalização da união estável entre casais homossexuais. Em 2011 foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal a união estável entre duas pessoas do mesmo sexo. Com essa legalização, casais homossexuais passaram a ter os mesmo direitos que têm os casais heterossexuais quanto à união estável, o que não acontecia antes da aprovação desse projeto de lei. A união entre casais de mesmo sexo era considerada como uma sociedade de fato 3 ; caso esta terminasse, o que dispunha a legislação era a separação dos bens de acordo com a contribuição de cada um deles relativa à questão patrimonial. Percebe-se que o direito tem se transformado e começado a ampliar os dispositivos atinentes à relação homoafetiva, mas sua abrangência ainda é pequena e pouco eficaz. Embora vejamos que os sujeitos possuem liberdades, quando estas se concretizam, não vemos a efetiva aplicação do direito para a proteção das liberdades. Esta breve explanação sobre homoafetividade e legalização da união homoafetiva mostra que ainda existe muito a ser discutido neste tema. Foram explicitadas acima questões atinentes à união homoafetiva em âmbito geral, mas este projeto pretende discutir uma questão mais específica, a união homoafetiva entre mulheres. 3 Código Civil de 1916, artigo 1363.

Ao longo do tempo as mulheres sofreram muitos preconceitos em relação a sua posição de submissão imposta pelo sexo masculino e que foi se mantendo de acordo com o contexto social que elas estavam inseridas. A submissão se tornou algo tão intrínseco à mulher quando analisamos períodos passados que se nota facilmente a existência de resistências quanto à emancipação da mulher que vem se mostrando cada vez mais presente. No contexto brasileiro, no final da década de 1960, o movimento feminista ganhou muita força e as mulheres passaram a buscar direitos políticos, sociais e pessoais, podendo fazer escolhas quanto ao seu próprio corpo. Tanto esse movimento quanto a transformação da legislação brasileira, mais especificamente da Constituição Federal de 1988, permitiram que a mulher começasse a ocupar posição de maior destaque no cenário social, profissional, político e pessoal. É a partir do movimento feminista que surge a palavra gênero. Essa palavra passou a ser utilizada na busca pela legitimidade institucional dos estudos feministas na década de 1980 (SCOTT, 1990). Gênero remete ao entendimento de que as mulheres fazem parte do mundo dos homens, o que indica construções sociais que se estabelecem por meio das relações entre o feminino e o masculino. A palavra gênero se trata, também, de uma maneira de dar significado às relações de poder, pois indicaria identidades distintas entre o feminino e o masculino, de forma a atribuir a existência de poder permeando as relações. As mudanças que ocorreram da segunda metade do século XX foram de extrema relevância para a emancipação da mulher e para a aquisição de maiores liberdades, especialmente no âmbito pessoal. Entretanto, o preconceito não é um pequeno resquício de épocas passadas; ele se encontra duplamente presente no cotidiano das mulheres homossexuais, tanto por serem mulheres, quanto por serem homossexuais. Essa discriminação no que concerne à identidade de ser mulher e homossexual provém das diferenças, como uma negação ao seu oposto, o fato de não ser homem e não ser heterossexual. O preconceito ao outro surge por este possuir uma identidade divergente daquela considerada como a identidade. Identidade e diferença são inseparáveis, são criaturas do mundo cultural e social (SILVA, 2000). E onde existe a diferenciação, existe o poder, existe ele e nós, gerando uma oposição binária entre o feminino e o masculino, o heterossexual e o homossexual. Mas essa própria dita identidade é instável, contraditória, fragmentada, inconsistente e inacabada (SILVA, 2000). A identidade muda constantemente, portanto,

não existe uma identidade correta, uma identidade que deve ser seguida. Aceitar que os seres humanos se expressam de maneiras diferentes e que todas elas são legítimas, devendo ser respeitadas e toleradas pelo outro é aceitar a multiplicidade, as diferenças, é questionar as oposições binárias. A discussão sobre os conceitos de identidade, cultura e representação são de extrema importância para a análise da identidade de ser mulher e homossexual. Stuart Hall, Bauman e Chartier são alguns autores que promovem uma discussão sobre esses tema. Stuart Hall, ao discutir o conceito de identidade, enquadra os sujeitos em três tipos diferentes: o sujeito do iluminismo, o sujeito sociológico e o sujeito pósmoderno. O sujeito do iluminismo, segundo o autor, possui uma identidade centrada, unificada e individualizada; o sujeito sociológico, embora possua uma essência, um eu real, a sua identidade dá-se pela interação entre o interno e o externo, entre o pessoal e o público; o sujeito pós-moderno, em função da multiplicidade de culturas e da globalização que acaba por diminuir as distância, promovendo troca de informação de um espaço a outro, por um tempo curto possui uma identidade fragmentada, descentrada e deslocada. A identidade na pós-modernidade, portanto, não seria fixa, e sim repleta de incertezas e mudanças (HALL, 1992). Bauman defende uma ideia semelhante a Hall, pois, para ele, a identidade seria líquida, as coisas sólidas se desmanchariam no ar. Assim como o sujeito pós-moderno de Hall, o sujeito descrito por Bauman acredita possuir uma identidade sólida quando se apega à tradição, a conceitos aparentemente sólidos, como a família e a religião; o sujeito inventa uma narrativa do eu (BAUMAN, 2005). Segundo Chartier, que discorre sobre o tema representação, isto permitiria ao sujeito ver um objeto ausente através da substituição por meio de uma imagem que seja capaz de reconstituir o objeto e de o figurar como ele é. A representação pode expressar valores, crenças, medos, visões pessoais, não condizendo, necessariamente com a realidade (CHARTIER, 1991). Esse projeto visa discutir e analisar a luta das mulheres após a segunda metade do século XX e as transformações relativas ao preconceito referente à homoafetividade. Pretende também analisar representações da narrativa literária sobre o cotidiano desse grupo de mulheres visando refletir sobre esta dupla discriminação. Paralelamente visa compreender as pequenas alterações cotidianas perceptíveis nessas narrativas por meio da perspectiva jurídica.

A análise do cotidiano de casais homossexuais será feita pela obra Lua de Prata da escritora Valéria Melki Busin, com o intuito de compreender as representações dos casais homossexuais na literatura e as problemáticas que acompanham essa união. Tendo como base deste estudo o âmbito da História Cultural será possível analisar as transformações que ocorreram no cenário brasileiro no que concerne à homoafetividade, por meio da análise da linguagem, representação e as práticas. As práticas e representações são sempre resultado de determinadas motivações e necessidades sociais (BARROS, J., 2003). A História Cultural se compõe justamente por essas práticas e representações que se transformam de acordo com as necessidades dos sujeitos. Os objetivos principais deste projeto são circunstanciar a questão da homoafetividade feminina no Brasil do ponto de vista da História Cultural que envolveu tal movimento social com o intuito de entender a dupla discriminação em relação à mulher homossexual. Assim, a partir de tal histórico, analisar, principalmente, a atual decisão sobre a união estável visando entender as consequências desta para a realidade dos casais homossexuais. E, também a partir da análise da História Cultural, analisar, por meio da obra da escritora Valéria Melki, Lua de Prata, o cotidiano de casais homossexuais e as principais problemáticas apontadas como preconceito e ausência de uma legislação específica para tal grupo. Entende-se que a partir de tais obras ficcionais, podemos entender questões relacionadas ao imaginário coletivo desse grupo no tempo presente. Para a concretização desses objetivos será necessário o levantamento bibliográfico sobre problemáticas relacionadas à história da mulher no Brasil, direitos da mulher, homossexualidade e homoafetividade feminina; análise da legislação brasileira com o objetivo de compreender a atual decisão sobre a união estável homoafetiva; o levantamento bibliográfico em literatura específica da área de Direito do histórico das lutas desse grupo no Brasil e a análise do conteúdo do livro Lua de Prata, de Valéria Melki Busin, sobre a questão da homossexualidade feminina com o intuito de se observar como os casais de mulheres são representados. Referências Bibliográficas BAUMAN, Z. Identidade. Rio dejaneiro: Jorge Zahar Editor, 2005.

CHARTIER, R. O mundo como representação. Estudos Avançados.Vol. 5, no. 11. São Paulo: jan. abril de 1991. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade, DP&A Editora, Rio de Janeiro, 1ª edição em 1992. SCOTT, Joan Wallach. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade. Porto Alegre, 16(2):5-22, jul/dez, 1990. SILVA, Tomaz Tadeu da. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. BARROS, José D Assunção. História Cultural um panorama teórico e historiográfico. Textos de História, UNB, volume 11 n 1 e 2, 2003. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%c3%a7ao.htm último acesso: 10.05.2012. BRASIL, Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil.. Revogado. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm - último acesso: 10.05.2012