A regulamentação sobre o comércio de carne bovina no contexto do Acordo SPS



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Transcrição:

A regulamentação sobre o comércio de carne bovina no contexto do Acordo SPS Fabrízio Galli Graduando Engenharia Agronômica ESALQ/USP Av. Pádua Dias, n. 11 Caixa Postal 132 CEP: 13.400-970 Piracicaba SP CPF: 319.218.788-35. Email: fgalli@esalq.usp.br Thalita Gomes R. da Silva Graduanda Engenharia Agronômica ESALQ/USP Av. Pádua Dias, n. 11 Caixa Postal 132 CEP: 13.400-970 Piracicaba SP CPF: 221.105.218-56. Email: thalita@esalq.usp.br Francine R. Rodrigues Economista pela Universidade Estadual de Campinas UNICAMP. Pesquisadora colaboradora CEPEA-ESALQ Av. Pádua Dias, n. 11 Caixa Postal 132 CEP: 13.400-970 Piracicaba SP CPF: 221.156.238-86 - Email: francinerr@yahoo.com.br Silvia H. G. de Miranda Professora Doutora LES-ESALQ/USP Pesquisadora CEPEA-ESALQ Av. Pádua Dias, n. 11 Caixa Postal 132 CEP: 13.400-970 Piracicaba SP CPF: 139.604.218-00. Email: smiranda@esalq.usp.br Número do grupo de pesquisa sugerido: Grupo 3 Comércio Internacional Forma de apresentação: sessão sem debatedor

A regulamentação sobre o comércio de carne bovina no contexto do Acordo SPS Resumo: O objetivo deste trabalho é analisar o instrumento de notificação de medidas sanitárias, do Acordo SPS/OMC, para o setor de carne bovina. Para tanto, fez-se uma revisão bibliográfica e uma análise de informações de um banco de dados desenvolvido no CEPEA/ESALQ, a partir das notificações de medidas sanitárias registradas junto ao SPS/OMC. Essas notificações compreendem o registro dos regulamentos sanitários adotados pelos países, e que devem ser comunicados a todos os membros da OMC. EUA e UE, que se destacam no comércio internacional de carne bovina e na regulamentação sanitária, foram selecionados para o estudo. Os aspectos relacionados a grau e natureza das restrições ao comércio geradas pelas notificações foram verificados. Nota-se uma atenção crescente com a segurança do alimento e a saúde animal e humana. As preocupações comerciais específicas dos países em termos de carne bovina estão relacionadas, em sua maioria, a doenças como vaca louca e febre aftosa. Concluiuse que o comércio de carne bovina é um dos mais afetados por exigências sanitárias. Algumas medidas têm efeito de impedir diretamente o comércio, como a suspensão de importações de carne em razão de problemas sanitários em países fornecedores. Outras notificações têm efeitos menos evidentes e, portanto, de difícil quantificação, como os procedimentos de quarentena. Palavras-chave: comércio internacional, Acordo SPS, carne bovina, medidas sanitárias 1. Introdução O comércio de carne bovina vem crescendo no total mundial, e em taxas ainda maiores para o Brasil, desde a desvalorização do real em relação ao dólar, em janeiro de 1999. Esse comércio é um dos mais afetados pelas barreiras sanitárias no mundo. No comércio de alimentos destinados ao consumo humano, aumentam as preocupações com a sanidade dos produtos. Nos últimos anos, o setor sofreu diversos choques devido aos focos de vaca louca (Bovine Spongiform Encephalopaty- BSE) e de febre aftosa (Foot and Mouth Desease FMD), verificados em diversos países. Dois grandes mercados se destacam no comércio mundial de carne bovina: o dos Estados Unidos da América, responsável por 24% das importações mundiais, mas, ao mesmo tempo, disputando o segundo lugar nas exportações mundiais do produto, em valor, com o Brasil; e a União Européia, com 10% das importações mundiais, e líder do mercado na orientação de futuros padrões de qualidade e sanidade. Sobretudo, é o maior mercado comprador de carne bovina do Brasil, considerada a última década. As medidas sanitárias que afetam o comércio foram contempladas em um acordo multilateral, estabelecido em 1994, ao final da Rodada Uruguai, o Acordo sobre Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (SPS), que passou a reger esse tema dentro da Organização Mundial do Comércio (OMC). No contexto do SPS, considerado como uma figura importante que visa a dar maior transparência às medidas sanitárias e preservar a saúde humana, animal e vegetal, além do território nacional, um dos instrumentos mais relevantes é o da notificação. Consiste em um mecanismo pelo qual os países devem comunicar à OMC e, portanto, aos seus demais membros, todas as medidas de natureza sanitária e fitossanitária adotadas, que possam afetar o comércio e que difiram daquelas já internacionalmente aceitas. É um instrumento que visa à transparência.

A principal proposta deste trabalho é analisar como o instrumento de notificação de medidas sanitárias, do Acordo SPS/OMC, referentes ao setor de carne bovina, vem sendo utilizado pelos Estados Unidos e pela União Européia. Há expectativa de que tal análise permita identificar as possíveis tendências deste mercado nos próximos anos, e até antecipar aquelas que poderão resultar em restrições comerciais ao Brasil. 2. Revisão Bibliográfica 2.1 Comércio internacional de carne bovina A produção mundial de carne bovina mantém-se constante nos últimos anos, cerca de 50 milhões de toneladas equivalente-carcaça (e.c), sendo os Estados Unidos (EUA) o maior produtor, com 23% do total mundial em 2004, segundo estimativas do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). O Brasil está na terceira colocação, tendo produzido 7,8 milhões de toneladas e.c., 15% do total. A descoberta de um único caso da doença da vaca louca (BSE) nos EUA, em dezembro de 2003, resultou no fechamento de mais de 70 mercados para os quais esse país exportava. As exportações norte-americanas para 2004 corresponderam a apenas 18% do total exportado em 2003, quando atingiu 1,1 milhão de toneladas e.c. (USDA). Segundo ainda a mesma fonte, o Brasil ficou com a segunda colocação como exportador mundial, atrás da Austrália, em 2003 e alcançou a primeira posição em 2004 (Figura 1), em volume. Em valores, a situação é um pouco distinta, já que a Austrália e os EUA exportam para mercados mais exigentes, como os do Japão, Coréia do Sul e Canadá, que pagam um preço melhor pelo produto. Os principais destinos da carne bovina brasileira em valor, até novembro de 2004, foram Rússia (12,4%), Países Baixos (10,8%) e Chile (9,8%), para carne in natura e EUA (44%) e Reino Unido (28%) para carne industrializada, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC-SECEX). Carne industrializada respondeu por 15% em valor e 18% em volume do total exportado até novembro de 2004. Assim, percebe-se que a maior parcela das exportações de carne bovina são as do tipo in natura. Destaca-se que os EUA não compram carne in natura do Brasil, sob justificativas relacionadas ao problema da aftosa no país. 1600 Mil ton e.c. 1400 1200 1000 800 600 400 200 0 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004p EUA Brasil Austrália Argentina UE - 15 Figura 1. Maiores exportadores mundiais de carne bovina Fonte: USDA (até outubro de 2004). 3

O Brasil destina suas exportações a um mercado muito pulverizado, são mais de 140 países (segundo dados do MDIC), com destaque para a União Européia e países do Oriente Médio. No entanto, 45% das exportações brasileiras totais de carne bovina, em valor, e 48%, em volume, destinaram-se aos cinco maiores mercados, nos onze primeiros meses de 2004, conforme evidencia a Figura 2 (Antoniolli, 2004). 100% 22,2 75% 50% 25% 0% 58,6 8,4 9,8 10,8 12,4 In natura 28,5 44,2 Industrializada EUA Reino Rússia Países Chile Egito Outros Figura 2 - Destino das exportações brasileiras de carne bovina até novembro de 2004. Fonte: MDIC Sistema Aliceweb. 2.2 O Acordo SPS A história da regulamentação sanitária no âmbito internacional é relativamente recente. Segundo Miranda et al. (2004), na Rodada Tóquio-GATT (1973-79) foi estabelecido o Standards Code (Código de Normas), de adesão voluntária, visando disciplinar o tema de regulamentos técnicos, incluindo os sanitários. Na Rodada Uruguai (1986-1993), esse Código foi substituído pelo Acordo sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (Sanitary and Phytosanitary Agreement-SPS) e o Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio (Agreement on Technical Barriers to Trade- TBT). O Acordo SPS aplica-se a todas as medidas sanitárias e fitossanitárias que possam afetar o comércio direta ou indiretamente, e estabelece que os países têm o direito de adotar medidas dessa natureza que sejam necessárias para a proteção da vida ou saúde humana, animal ou vegetal, desde que tais medidas não sejam inconsistentes com os princípios do Acordo. Segundo Thorstensen (1999), essas medidas compreendem leis, regulamentos, decretos, exigências e procedimentos, métodos de processamento e produção, testes, inspeção, certificação, tratamento de quarentena, transporte, métodos estatísticos, amostragem e exigências de empacotamento e embalagem, diretamente ligados à segurança do alimento. O Acordo SPS contém 14 artigos e três anexos. Resumidamente, suas principais disposições, segundo os textos legais na OMC, são apresentadas no Quadro I. Os membros signatários do SPS comprometem-se a seguir os procedimentos de avaliação de risco e as orientações estabelecidas internacionalmente, bem como a harmonizar as medidas adotadas individualmente. Harmonização esta, baseada nos 4

padrões internacionalmente reconhecidos, e estabelecidos por três organizações internacionais - o Codex Alimentarius (Codex) para medidas de segurança do alimento; a Organização Internacional de Epizootias (Office International des Epizooties - OIE) para as medidas de saúde animal; e a Convenção Internacional para Proteção Vegetal (International Plant Protection Convention - IPPC) para medidas relacionadas à fitossanidade. Quadro I Principais disposições do Acordo SPS/OMC Artigo 1 o. Disposições Gerais: 2 o. Disposições e direitos básicos: Conteúdo O Acordo aplica-se a medidas sanitárias e fitossanitárias que afetam o comércio. Artigo 2.1: Os países-membros têm o direito de adotar medidas SPS necessárias para a proteção da vida e saúde humana, animal e vegetal. Artigo 2.2: As medidas devem ser aplicadas somente no grau necessário para atender a seus objetivos, fundamentadas cientificamente, e aquelas já implementadas não devem ser mantidas sem evidências científicas suficientes. Artigo 2.3: As medidas SPS adotadas pelos países não devem discriminar entre os seus membros. 3 o. Harmonização Artigo 3.1: As medidas SPS serão baseadas em padrões internacionalmente aceitos (se existirem), estabelecidos pelo Codex, OIE ou pela IPPC. Artigo 3.3: Podem ser adotadas medidas SPS que resultem na adoção de níveis superiores aos estabelecidos internacionalmente para proteção ambiental e a saúde. 4 o. Equivalência O Acordo reconhece que diferentes medidas podem ser adotadas, resultando em níveis equivalentes de proteção ambiental e de saúde. 5º Avaliação de Risco e Determinação de nível apropriado de proteção SPS Artigo 5.2: A avaliação de risco considera os fatores evidência científica, métodos e processos de produção relevantes, inspeção, amostragem e testes. Artigo 5.5: Cada membro é obrigado a não distinguir arbitrariamente e injustificadamente níveis de proteção considerados apropriados, de tal forma que estas distinções possam resultar em uma forma disfarçada de restrição ao comércio internacional, de maneira a conseguir o objetivo de consistência na aplicação das medidas SPS. Artigo 5.7: Um membro pode adotar medidas temporárias para minimizar riscos desconhecidos enquanto coleta informações adicionais que permitam uma avaliação de risco objetiva e reavaliação do gerenciamento da medida temporária de risco. 6 O. Regionalização Adoção de condições regionais, incluindo áreas livres de febre aftosa, áreas de baixa incidência de doença ou prevalência de doenças. 7 o. Transparência Os membros notificarão mudanças em suas medidas SPS e fornecerão informações de acordo com as normas definidas na OMC. 9 o. Assistência Técnica 10 o. Tratamento especial ou diferenciados Fonte: Miranda et al. (2004). Artigo 9.1: países membros concordam em facilitar a promoção e assistência técnica de outros membros, de forma bilateral ou por meio de instituições internacionais apropriadas. Tratamento especial ou diferenciado aos países em desenvolvimento (PED) e menos desenvolvidos na aplicação e preparação de medidas sanitárias e fitossanitárias. No âmbito do SPS, foi criado um comitê técnico, para o qual os países-membros podem levar seus problemas de natureza sanitária e discutir, em primeira instância, 5

quaisquer divergências com parceiros comerciais. Mais além, o Comitê organiza e controla a implementação do Acordo, reunindo-se periodicamente. Dessas reuniões tem resultado o registro dos conflitos entre os países, os Specific Trade Concerns, que podem ser consideradas uma primeira aproximação para identificar medidas sanitárias usadas como barreiras comerciais. Um instrumento previsto no Acordo que requer atenção é o da notificação (Artigo 7). Sempre que um governo propõe uma nova regulamentação ou modifica uma já existente, deve notificar a decisão à OMC, principalmente se esta diferir de um padrão internacional ou se tiver algum efeito potencial sobre o comércio (Miranda et al, 2004). Uma vez notificado, o Secretariado da OMC circula esta notificação entre todos seus países-membros, visando a garantir a transparência do Acordo. 2.3 Questões sanitárias com impacto comercial Na atualidade, há intensa discussão a respeito do uso das medidas sanitárias como política comercial. Diversos autores têm afirmado que à medida que as barreiras tarifárias são equacionadas nas negociações multilaterais, as de natureza sanitária e técnica começam a despontar como importantes formas de restrição ao comércio. A distinção entre medidas legítimas de proteção à saúde pública e dos animais e medidas utilizadas com fins comerciais está relacionada, a princípio, a questões como existência de tratamento discriminatório entre fornecedores, exigências sanitárias sem respaldo científico, ou mais restritas do que o necessário para atingir o nível de segurança desejado, entre outros. Contudo, na maioria dos casos, tem sido difícil discriminar o uso legítimo das medidas sanitárias daqueles com algum interesse político ou econômico implícito. Alguns exemplos ilustram a relevância do tema em termos econômicos. Roberts & DeRemer (1997) 1, em estudo para o United States Department of Agriculture (USDA), verificaram perdas próximas de US$ 5 bilhões em exportações norteamericanas, devido a regulamentações técnicas (e sanitárias) consideradas duvidosas. O impacto estimado sobre o comércio de produtos animais destinados à Comunidade Européia (CE) foi de US$ 477,3 milhões. No Brasil, Miranda (2001) verificou que a restrição sanitária imposta pela UE sobre as exportações brasileiras de cortes de carne bovina, relacionada à febre aftosa, de janeiro a março de 1995, teve efeito depreciativo sobre o preço médio das exportações, e diante das alegações apresentadas, dificilmente teria respaldo científico. A autora utilizou um modelo de intervenção para identificar os efeitos de eventos sanitários e outros de natureza não-tarifária sobre as exportações brasileiras de carne bovina. O coeficiente significativo obtido para a intervenção observada em janeiro de 1995 foi interpretado como uma redução de 0,07% sobre o preço de exportação, ao longo dos três meses, em relação ao período sem a intervenção. Na análise dos impactos das medidas SPS adotadas pelos países, Kassum & Morgan (2002) constataram, dentre aquelas relacionadas à proteção humana e do território de doenças animais, 240 fechamentos de fronteira e 60 outras medidas restritivas. Nos anos de 2000 e 2001, tais medidas representaram o fechamento de 1 Roberts, D.; De Remer, K. Overview of foreign technical barriers to US agricultural exports. Commercial Agricultural Division, Economic Research Service, USDA, Staff Paper number AGES-9705, Washington, DC. 1997. 6

fronteiras para mais de 25% do comércio mundial de carne bovina. As proibições de importação sobre tais produtos originados da União Européia, Argentina, Uruguai, Coréia do Sul e Brasil, somadas aos controles aduaneiros mais restritos, afetaram exportadores de países oficialmente livres de doenças. Mais recentemente, em janeiro de 2001, o Brasil sofreu sanção comercial por parte do Canadá, sob alegação de risco da doença da vaca louca. A medida foi considerada injustificada do ponto de vista técnico e científico. Apesar da natureza estritamente sanitária e de saúde pública alegada pelo governo canadense, muitos entenderam que tal restrição teve um caráter essencialmente comercial. Miranda et al. (2004) ressalta, a complexidade deste tema e das interpretações que pode gerar, pois, se por um lado as questões sanitárias podem estar respaldadas pela legitimidade da proteção à saúde humana, animal e vegetal, por outro, essa mesma legitimidade pode ser utilizada de forma oportunista, como barreira comercial, configurando-se em protecionismo. Walker (1999) e Hufbauer et al. (1999) tratam do problema relacionado ao uso do SPS ou de padrões e regulamentações técnicas, intencionalmente ou inadvertidamente, para criar barreiras comerciais, limitar a competição comercial, aumentando custos para os consumidores e excluindo novos produtores do mercado. Hufbauer et al. (1999) mencionam que, com base em cálculos da União Européia, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estimou que mais de 80% de todo o comércio mundial é afetado por padronizações. Já Stanton (1999) discute que o Acordo SPS se propõe a promover o comércio internacional, limitando o uso de medidas SPS como uma forma disfarçada de barreira ao comércio. Henson et al. (1999) conduziram estudo de avaliação da implementação do Acordo SPS em países em desenvolvimento, concluindo que esses não têm participado ativamente desse Acordo. Isto contribui para a compreensão dos efeitos que a inserção, ou não, desses países em desenvolvimento, no contexto da normalização sanitária internacional, proporcionam para o comércio mundial e o bem-estar das nações. Diante disto, a proposta de analisar o perfil do que vem sendo notificado ao SPS/OMC é uma tentativa adicional de verificar a transparência do processo normativo sanitário no âmbito internacional, particularizando o caso da carne bovina. A evolução das notificações, desde a implantação do Acordo SPS, em 1995, permite observar que os países desenvolvidos têm tido uma participação mais intensa na normalização internacional do que os países em desenvolvimento. Pode-se inferir a partir disto que os padrões que vêm sendo preconizados em termos sanitários tendem a seguir o perfil das exigências e necessidades de países mais ricos. Os dados da Figura 3 evidenciam esse desnível. As curvas apresentadas na Figura 4 permitem notar que países desenvolvidos como os EUA e a União Européia (Fontes, 2002) estão voltando sua normalização basicamente para questões que envolvem a segurança dos alimentos, enquanto países em desenvolvimento como o Brasil ainda direcionam mais seus esforços para temas relacionados à saúde animal e vegetal. Essa diferença foi evidenciada também nos resultados de Barros et al. (2002) ao analisar as notificações para todos os países das Américas. Segundo Miranda et al. (2004), o maior volume de notificações feito pelos países desenvolvidos e, conseqüentemente, sua maior participação na normalização internacional, impõe aos países em desenvolvimento a adoção de regras, normas e procedimentos vinculados a padrões próprios dos primeiros. Estas normas não refletem, 7

necessariamente, a sua adequação às condições peculiares dos países em desenvolvimento. 300 250 200 150 100 50 0 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 UE Brasil EUA A rgentina Figura 3 - Notificações totais anuais por país (1995-2001). Fonte: Organização Mundial do Comércio (OMC), extraído de Fontes (2002). Contudo, apesar dos problemas na implementação do SPS, seus princípios são importantes e trabalham para uma maior clareza e solidez nas regras de comércio internacional. Um deles, o da regionalização, permitiu, por exemplo, dividir regiões brasileiras em circuitos pecuários, de acordo com seu status em relação à febre aftosa de suínos e bovinos e a necessidade de aplicar medidas de fiscalização, controle e erradicação diferenciadas, com cronogramas adequados a suas características. A partir do reconhecimento da OIE do status de livre de febre aftosa, com ou sem vacinação, alcançado após anos de aplicação desses cronogramas para erradicação da doença e dos seus resultados, o país pode exportar para regiões mais exigentes em termos sanitários. 100,0 90,0 80,0 70,0 60,0 % 50,0 40,0 30,0 20,0 10,0 0,0 UE A rgentina Brasil USA Food safety Fitossanidade Saúde animal Proteção humana Food safety/saúde animal Food safety/fitossanidade Outros Figura 4 Participação das notificações, por objetivo (1995-2001). Fonte: Organização Mundial do Comércio (OMC), Fontes (2002). A febre aftosa afeta o comércio de carne dentro do hemisfério ocidental (das Américas). Países livres da doença (Canadá, Estados Unidos e México) restringem a importação de carne dos países que não têm sido capazes de erradicar totalmente a doença de seus territórios (Brasil e Paraguai). Os Estados Unidos, por exemplo, importam somente carne industrializada do Brasil. Embora o princípio de regionalização seja aceito pelos EUA, ainda não está autorizada a importação de carne 8

resfriada da região brasileira declarada como livre de febre aftosa sem vacinação - circuito Sul (Miranda et al, 2004), atualmente apenas o Estado de Santa Catarina. Em Kassum & Morgan (2002), verificou-se uma análise do Acordo SPS para o comércio de rebanhos e suas carnes. De um total de 2.785 notificações SPS aplicadas, entre 1995 a 2001, 875 (31%) se relacionavam a rebanhos e carnes, incluindo alimentação animal e excluindo lácteos. Dessas notificações, quase metade eram originárias de seis países EUA, Nova Zelândia, México, União Européia, Chile e Canadá. Além disso, cerca de 60% (534) delas alegavam objetivo de saúde animal (animal health). Ademais, 60% foram submetidas em 2001, quando ocorreram casos de febre aftosa e vaca louca na União Européia. Cerca de 300 notificações neste período referiam-se à preocupação com risco de transmissão de doenças entre fronteiras no comércio de produtos de carne originados de países com risco. Ainda com base no estudo de Kassum & Morgan (2002), dentre as notificações SPS com objetivo de segurança do alimento (food safety), as medidas mais freqüentes encontradas foram aquelas relacionadas a resíduos, controles oficiais e dioxinas, o que sugere a forte preocupação com problemas sanitários em a animais e seus produtos, nas notificações de medidas com alegação de segurança do alimento (Figura 5). Other Residues Food N otification Hygiene Dioxine Official Control A dditives 0 10 20 30 40 50 60 70 Figura 5 - Natureza das notificações SPS/OMC relacionadas ao setor de carnes, com objetivo de food safety (1995-2001). Fonte: Kassum & Morgan (2002). Segundo o mesmo estudo, analisando mais cuidadosamente as notificações que resultaram em fechamento de fronteira e sérias restrições, conforme citado mais acima, desde 1995 até 2001, os autores contabilizaram cerca de 105 notificações proibindo importações devido à vaca louca e 113, à febre aftosa. A distinção entre medidas legítimas de proteção à saúde pública e dos animais e medidas utilizadas com fins comerciais não é óbvia na maioria dos casos. Diferentemente dos casos de fechamento de fronteiras, os efeitos das medidas relacionadas à regulamentação de alimentos são de difícil mensuração. É interessante observar que, de 1995 a 2001, só 10% das medidas cuja alegação era food safety resultaram em claro fechamento de fronteiras, tendo dioxina como a mais freqüente em 1997 e 1999. Por volta de 20% apresentaram efeitos sobre o acesso a mercados, com medidas especificando quarentenas, inspeções e requisitos sanitários gerais para importação. Algumas destas, mesmo sem serem diretamente discriminatórias, podem constituir uma forma disfarçada de proteger os mercados domésticos de carne. Dentre as medidas relacionadas a controles oficiais e práticas de higiene, outra categoria estudada pelos autores, encontram-se as inspeções aduaneiras e os requisitos 9

sanitários para importação, cujos impactos são também muito difíceis de serem quantificados. Para a produção de carnes, vale apontar para as várias notificações dos Estados Unidos sobre a implementação do Hazard Analysis and Critical Control Points (HACCP), programa requerido de todos os fornecedores de produtos cárneos desse país. Atenta-se para o caso dos países em desenvolvimento, que, com restrições de acesso a laboratórios, inspeção e infra-estrutura de certificação, enfrentam problemas sérios para sua adequação, inclusive pela dificuldade de mensurar os custos de adequação. Segundo Kassum & Morgan (2002), nas medidas sobre aditivos alimentares e limites máximos de resíduos, as regras mais rígidas podem criar uma barreira ao comércio para países com padrões mais baixos. Uma vez que alguns países continuam reduzindo os níveis permitidos de substâncias, exigem-se cada vez mais técnicas sofisticadas e caras para identificá-las, prejudicando países com defasagem tecnológica. Sugere-se que as notificações neste caso possam melhorar a transparência e prevenir rejeições infundadas nas fronteiras. Conforme os mesmos autores, desde 1995, só 55 notificações (6% das relacionadas a carnes e rebanhos) registraram abertura ou medidas facilitadoras de comércio a maioria revertendo notificações de proibição. Este número é conservador, uma vez que normas que abrem comércio do ponto de vista sanitário são sub-reportadas. É possível que a interpretação do Acordo aponte para a obrigação dos países-membros notificarem só as medidas com efeito restritivo sobre comércio. Devido aos altos custos de adequação, falta de base científica, infra-estrutura, e recursos financeiros, os países menos desenvolvidos parecem perder com a implantação do SPS. Contudo, uma revisão das suas normas evidencia que, sendo em geral bilaterais, os países desenvolvidos são o alvo, na maioria das vezes, das medidas sanitárias, reflexo do predomínio dos países desenvolvidos no mercado global de carne, como maiores importadores e exportadores mundiais. Barros et. al (2002) também realizaram estudo com base nas notificações ao Acordo SPS, abrangendo os países da ALCA para o período de 1995 a 2001. Os autores constataram que os países mais ricos do bloco (EUA e Canadá) concentraram suas regulamentações sanitárias em temas relacionados a produtos químicos, como inseticidas, herbicidas e aditivos alimentares, entre outros, e freqüentemente voltados a regulamentações sobre resíduos. Por outro lado, os demais países da região têm concentrado suas notificações em questões de saúde animal e vegetal e, principalmente, para carnes e frutas. 2.4 Principais problemas sanitários para o setor de carne bovina O Escritório Internacional de Epizootias (OIE), responsável pela determinação dos padrões internacionais para sanidade animal, respaldado cientificamente, classifica as doenças animais com base na significância relativa sócio-econômica e/ou de saúde pública. Segundo esse Escritório, a febre aftosa (Foot and Mouth Disease - FMD) é uma doença pertencente à lista A, ou seja, é uma doença transmissível possuindo um potencial de difusão muito grande, sem levar em consideração as fronteiras nacionais. A febre aftosa traz conseqüências sócio-econômicas ou de saúde pública graves, relevantes no comércio internacional de animais e produtos de origem animal. Por isto, recebe prioridade de exclusão, e sua presença dita o fechamento das exportações. 10

A existência dessa doença em algumas regiões do território brasileiro consiste em uma barreira sanitária à exportação de carne para mercados como EUA, Japão e Coréia do Sul, que têm regras rígidas quanto à qualidade e sanidade de importados e que não têm claramente implementado o princípio da regionalização do SPS e sua regulamentação. Outra doença que tem representado uma barreira sanitária às exportações de carne no mundo é a vaca louca. A OIE a classifica como doença da lista B, uma doença transmissível, que gera conseqüências sócio-econômicas e de saúde pública, sendo a sua ausência essencial para o comércio de animais e produtos derivados. Essa doença gera grande impacto mercadológico, conforme se verificou na UE (desde 1996, principalmente) e nos EUA (a partir de final de 2003), com efeitos de queda no consumo doméstico e nas exportações de carne bovina que, em maior ou menor grau são recuperados, mas que acabam causando mudanças na conformação do comércio mundial de carne bovina, não só em termos de realocação de parcela desse comércio para outros países fornecedores de carne, mas também em termos de novas regulamentações técnico-sanitárias visando a um melhor controle da qualidade e sanidade nos países que comercializam. 3. Material e Métodos Para o estudo da regulamentação sobre o comércio de carne bovina no contexto do Acordo SPS/OMC, foram coletadas e analisadas as notificações, de 1995 a outubro de 2004, referentes a bovinos e seus derivados, para dois dos mais importantes agentes no mercado internacional de carne bovina: os Estados Unidos e a União Européia. O Acordo SPS utiliza as notificações como um instrumento pelo qual os países informam aos demais membros da OMC sobre as medidas sanitárias e fitossanitárias propostas em seu aparato legal doméstico e que possam afetar o comércio e/ou difiram daquelas já internacionalmente aceitas. É um instrumento de transparência, como já foi dito. Além disto, é importante ressaltar que pelas regras do GATT/OMC de nãodiscriminação entre países e entre produtos nacionais e importados, qualquer regulamentação que incida sobre um produto doméstico deve ser exigida também daqueles produtos importados. Uma notificação contempla os seguintes aspectos: país notificador, país notificado quando a notificação for específica, datas de circulação, vigência e adoção, agência responsável, produto-alvo, descrição do conteúdo, objetivo alegado, guia/padrão internacional, base legal, além de informações adicionais de onde se buscar o regulamento (indicação do órgão responsável pela interface com os agentes de mercado e governos o Enquiry point). Um exemplo de notificação consta no Anexo 1. Para fins desta análise, o objetivo alegado e produto(s)-alvo foram os campos estudados. As notificações dos EUA foram obtidas de um banco de dados de notificações SPS e TBT atualmente em construção no Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada CEPEA/ESALQ/USP. O Banco reúne a série de notificações de vários países, referentes às mais diversas categorias de produtos. Para União Européia, as notificações foram coletadas na página de internet da OMC através de pesquisa direcionada em documentos online 2. Para a União Européia, foram consideradas apenas as notificações comunitárias, regulamentadas como um bloco, considerando que elas 2 http://docsonline.wto.org/gen_search.asp?searchmode=advanced 11

reflitam a política sanitária perseguida pelos países-integrantes e não foram incorporadas aquelas notificadas individualmente por seus países-membros. As notificações analisadas contemplavam aquelas referentes a bovinos e seus produtos, incluindo: carne bovina, animais, ração, resíduos empregados na produção de alimentos para bovinos, produtos veterinários, entre outros. Primeiramente, as informações contidas nas notificações foram armazenadas em tabelas em formato excel para visualização dos dados obtidos. Posteriormente, esses dados foram reorganizados e categorizados por produto e por objetivo, utilizando uma nova agregação funcional, estabelecida pelos autores. Nas notificações dos Estados Unidos, foram agrupados os seguintes produtos: carne bovina, animais vivos, ração para bovinos, produtos veterinários, risco de doença, resíduos utilizados na produção de alimentos para bovinos e outros. Já nas da União Européia, foram agrupados os produtos: carne bovina, animais vivos, ração para bovinos e outros. Num segundo momento, as notificações foram reagrupadas em categorias por objetivos alegados, ou seja, considerando as justificativas os países propuseram a adoção das legislações ou medidas notificadas. No caso das notificações dos Estados Unidos, foram encontrados os seguintes objetivos: segurança do alimento; saúde animal; proteção humana contra pestes ou doença de plantas; segurança do alimento e saúde animal, e outros. Para a União Européia, os objetivos foram agrupados da seguinte forma: segurança do alimento; saúde animal; segurança do alimento e saúde animal,e outros. Essa categorização baseou-se nos próprios objetivos declarados pelos países nas notificações, sendo importante atentar para o fato de muitas notificações usualmente trazerem mais de um produto e mais de um objetivo. Atenta-se que a classificação proposta neste trabalho para os objetivos alegados nas notificações contém, em alguns casos, mais de um objetivo. Isso se deve à ocorrência de notificações originais com mais de um objetivo e até mesmo mais de um produto-alvo. A categorização por objetivos procurou ser fiel às justificativas apresentadas nos documentos pelos países e, assim sendo, teve o intuito de representar o número exato de notificações para evitar a dupla contagem. Para fins de comparação e de identificação do peso das notificações de bovinos nas notificações totais dos países analisados, foram contabilizadas as notificações totais norte-americanas e européias ao Acordo SPS. 4. Resultados e Discussão Pela natureza das medidas encontradas nas notificações estudadas, salienta-se que sua aplicação está intrinsecamente associada ao Artigo 2.2 do Acordo. O Artigo norteia a posição de um país-membro da OMC, garantindo a possibilidade de aplicação das medidas. A idéia de justificativa científica respalda a atuação desse país enquanto notificador de medidas que podem representar novas restrições comerciais, sustentadas pelos objetivos do Acordo. Considerando a consolidação das notificações a partir de 1995, aquelas relacionadas à carne bovina respondem por uma larga parcela do total recebido pela OMC até 2004. Segundo Kassum & Morgan (2002), cerca de metade dos Membros notificaram com referência à carne bovina, em que se destacam EUA, UE, Nova Zelândia, México, Chile e Canadá. Esses países situam-se entre os grandes players 12

desse comércio internacional, sejam como fortes exportadores, ou como importantes mercados consumidores do produto. A Figura 6 mostra que nos países selecionados para a pesquisa, é confirmado o grande número de notificações relacionadas à carne bovina também para os anos de 2000 e 2001, conforme já havia sido apontado por Kassum & Morgan (2002). Entre 1995 e 2004, os EUA tiveram 11% das suas notificações totais SPS referentes à carne bovina. A Figura 7 mostra que para a UE, 23% do total notificado se refere ao produto, embora se observe um menor número total de notificações. 200 180 160 Notific. EUA para bovinos Notific. total EUA 140 120 100 80 60 40 20 0 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004* Figura 6 - Evolução das Notificações SPS dos EUA. 1995 2004 (até outubro). Fonte: Organização Mundial do Comércio (OMC). Entre as principais preocupações encontradas nas notificações norte-americanas em 2000, destaca-se a doença da febre aftosa. Nesse período, vários países foram notificados pelos EUA devido à preocupação sanitária causada pela presença dessa doença. Japão e Coréia do Sul tiveram suas exportações de animais vivos limitadas para aquele país; as exportações argentinas foram submetidas a inspeções do APHIS (Serviço de Inspeção de Saúde Animal e Vegetal dos EUA), de modo a garantir máxima proteção do rebanho norte-americano; a importação de ruminantes e derivados do Uruguai também foi restringida devido à febre aftosa. Em 2001, é possível notar na Figura 6 que a participação de notificações para bovinos sobre o total SPS continuou significativa. A febre aftosa manteve o posto de destaque. Neste ano, passou a ser exigida da Argentina a garantia de que a carne destinada aos EUA não procedesse de regiões de fronteira do Brasil com o Paraguai. A África do Sul foi excluída da relação de países livres de febre aftosa e peste bovina do APHIS, resultando na restrição de suas exportações. Ainda em 2001, a febre aftosa constatada na Grã-Bretanha acarretou não só no prejuízo às exportações de seus países, como também na dispersão da doença para a Europa continental. Alemanha, Itália e Espanha tiveram decretada, pelo APHIS, restrição contínua das suas exportações, pelo risco permanente de vaca louca, confirmado na região. Na Figura 6, para 2003, a parcela de notificações sobre carne bovina no total foi 3% maior que em 2000. Nesse ano, o USDA reconheceu a Grã-Bretanha como região livre de febre aftosa, atendendo aos padrões estabelecidos pela OIE. Outra concessão do 13

UDSA nesse ano foi permitir a importação de carne bovina fresca do Uruguai, com base em uma análise de verificação de riscos promovida no país. Um fato relevante que sustenta um número significativo de notificações para bovinos em 2003, pelos EUA, foi a descoberta de um foco de vaca louca no Canadá em maio do ano referido. Como os EUA estão entre os principais destinos da carne bovina canadense, com o imediato fechamento das fronteiras norte-americanas determinado pelo USDA, a indústria cárnea do Canadá passou a acumular prejuízos diários de cerca de US$ 20 milhões de acordo com o Meat and Livestock Australia (MLA). A lentidão para o restabelecimento comercial entre os países obrigou o governo do Canadá a liberar mais de US$ 100 milhões para evitar que a indústria beirasse a falência (MLAAté o final de 2004, o comércio entre os dois países praticamente voltou ao nível praticado antes da descoberta do caso da vaca louca. Outro fator protagonista na promoção de uma intensa regulamentação sanitária sobre a carne bovina, em relação ao total notificado ao Acordo SPS pelos EUA (Figura 6) é que em 2003, o comércio internacional de carne bovina foi marcado também pelo surgimento do primeiro caso de vaca louca nos EUA. Os principais destinos da produção norte-americana, como Japão e México, fecharam suas fronteiras aos produtos. Note-se que de abril a outubro de 2003, período anterior à descoberta do caso da vaca louca, o Japão importou cerca de 333 mil toneladas de carne bovina, sendo mais de 40% atendidos pelos EUA. Tradicionalmente conhecido pela preocupação com a segurança do alimento, o Japão proibiu as importações de carne e animais vivos dos EUA e passou a fazer uma série de exigências do USDA, sendo a principal delas a realização de testes instantâneos para a doença da vaca louca em todo seu rebanho. A implementação de novas medidas sanitárias, seja pelo atendimento aos pedidos do Japão, seja por motivação interna, através do instrumento de notificações do Acordo SPS da OMC, condiz com o maior número daquelas relacionadas a bovinos, sobre o total SPS estudado. É interessante observar diante de todo este contexto, que as notificações dos países no caso do Acordo SPS têm relação direta com os eventos sanitários, como foi o caso nestes últimos anos em que a vaca louca e a febre aftosa marcaram o mercado de carne bovina. Uma parte das medidas aplicadas pelos EUA relaciona-se diretamente como resposta a estes eventos enquanto o restante versa sobre regulamentações diversas, ou seja, sobre temas que vão se constituindo em propostas de referências internacionais para a legislação sanitária animal. Na Figura 7, referente às notificações da UE ao Acordo SPS, também o ano de 2001 reúne o maior número de notificações relacionadas ao setor de carne bovina. De modo geral, após 2001, observa-se uma intensificação na proporção de notificações sanitárias do setor cárneo sobre o total SPS, refletindo também nos países da União Européia reações para proteção de seu território e consumidor dos problemas sanitários. Nesse período, o Brasil foi um dos principais fornecedores de carne bovina para o mercado europeu. O Rio Grande do Sul era considerado livre de febre aftosa sem vacinação até maio de 2001 pela OIE, quando se confirmaram dois focos da doença na região. Por conseqüência, a UE anunciou a necessidade de suspender as importações de carne bovina fresca, porém, ao mesmo tempo, considerando a possibilidade de manter os pedidos do produto desossado, ingresso na cadeia produtiva antes de maio de 2001. Essa postura da UE reforça seu reconhecimento do princípio da regionalização, previsto no Artigo 6 do Acordo SPS, segundo o qual a descoberta de certa doença em 14

determinada região do país exportador não implica que todo seu território fique, automaticamente, proibido de enviar seu produto ao país importador. Há, porém, uma importante diferença entre acatar esse princípio e praticá-lo in loco. Uma vez signatário do Acordo, cabe a cada país internalizar, por meio de sua legislação e regulamentações, ou seja, e aplicar os princípios preconizados pelo Acordo. Contudo, ainda há um grande desconhecimento e uma falta de transparência sobre o posicionamento dos países diante do princípio de Regionalização. 50 45 40 Notific. UE para Notific.total 35 30 25 20 15 10 5 0 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004* Figura 7 - Evolução das Notificações SPS da UE e proporção das notificações do setor de carne bovina no total (1995-out 2004). Fonte: OMC. Na Figura 8, constam as notificações dos EUA relacionadas a bovinos e produtos, por objetivos, de 1995 a outubro de 2004. A maior parte das medidas dos EUA ao Comitê SPS refere-se à saúde animal e segurança do alimento. Segurança do alimento 19% 13% 27% Saúde animal Outros 7% 35% Segurança do alimento; prot. humana de pestes ou doenças de plantas Segurança do alimento e saúde animal Figura 8 - Notificações dos EUA para carne bovina por objetivo (1995-out 2004*). Fonte: Organização Mundial do Comércio (OMC). Na comparação entre EUA e UE, a maioria das notificações desta última apresenta como objetivo alegado a segurança do alimento e não a saúde animal como nos EUA, conforme ilustra a Figura 9. Uma das razões dessa diferença é o fato de os EUA importarem carne e animais vivos, por exemplo do Canadá, e acabarem por reenviá-los, principalmente, ao Japão e Coréia do Sul. Já a UE tem, a princípio, a característica de importar e destinar o produto ao próprio consumo. Embora, seja 15

importante destacar a existência de um comércio de animais vivos entre os paísesmembros da União Européia. 14% 29% Segurança do alimento Saúde animal 39% 18% Outros Segurança do alimento e saúde animal Figura 9 - Notificações da UE para carne bovina por objetivo (1995-out 2004). Fonte: Organização Mundial do Comércio (OMC). A partir do desmembramento das notificações de bovinos em categorias de produtos, constatou-se que no caso dos EUA, a maior parcela das medidas notificadas para o setor de bovinos se reportava à sua produção. Conforme a Figura 10, a carne bovina, responde por quase 50% das notificações do setor, concentrando parte significativa das regulamentações e normas nessa área. Produtos veterinários, resíduos na produção de ração e animais vivos somam juntos, outros 40% das notificações relacionadas a bovinos. 3% 12% 3% 48% Carne bovina Animais vivos 20% 5% 8% Ração para bovinos Produtos veterinários Risco de doenças Pesticidas utilizados na alimentos para bovinos Outros Figura 10 - Notificações dos EUA para carne bovina por produtos (1995- out 2004*) Fonte: Organização Mundial do Comércio (OMC). No agrupamento por produto das notificações relacionadas a bovinos da UE verificou-se que a carne bovina representa uma parcela ainda maior das notificações totais relacionadas a bovinos na UE, frente ao que foi constatado para os EUA. Mais de 60% das notificações do Bloco são referentes a bovinos e continham medidas afetando 16

especificamente as carnes. Com 25% de participação, as rações ocupam a segunda posição em termos de tipos de produtos mais citados nas notificações SPS da UE para bovinos. Esses resultados são apresentados na Figura 11. 25% 5% 7% 63% Carne bovina Animais vivos Ração para bovinos Outros Figura 11 - Notificações da UE para carne bovina por produtos (1995-out 2004) Fonte: Organização Mundial do Comécio (OMC). Cabe detalhar um pouco no que consistem medidas cujo objetivo é a segurança do alimento, a saúde animal, segurança do consumidor entre outras, bem como discriminar o conteúdo de tais regulamentações que vêm sendo registradas nas notificações dos países. No Quadro 2, há um resumo das descrições mais comuns encontradas nas notificações para os objetivos apontados. Nota-se que nos EUA, há uma intensa regulamentação dos procedimentos de inspeção norte-americanos que afetam os países fornecedores de produtos derivados do boi. Tanto para EUA quanto para UE, sob o argumento (objetivo de proteção humana e segurança do alimento) aparecem diversas notificações incidindo sobre produtos químicos usados em alimentos para gado ou na própria alimentação humana, particularmente no que tange a resíduos. Quadro 2 Principais conteúdos descritivos das notificações dos EUA e da UE, para bovinos e derivados, dentro das principais categorias de objetivos notificadas Principais Objetivos das Notificações 1º Saúde animal 2º Segurança do alimento Principais descrições Notificações dos EUA O Serviço da Inspeção de Saúde do Animal e da Planta (APHIS) está emendando as regulamentações governamentais relacionados à carne bovina, regiões afetadas e possíveis importações de carne bovina. O Serviço da Segurança e da Inspeção do alimento (FSIS) propõe medidas de inspeção de carne (que devem conter as e exigências equivalentes a todas as provisões no ato federal da inspeção da carne), regularização de países exportadores de carne bovina, freqüência requerida de visitas para supervisão do sistema estrangeiro de inspeção dos estabelecimentos estrangeiros certificados, a fim de alinhar exigências da importação de FSIS com as aquelas para estabelecimentos domésticos, entre outras. 3º Segurança do Regulamentos que estabelecem restrições na tolerância de 17

alimento, Segurança Humana de pragas ou doenças em plantas 1º Segurança do Alimento 2º Saúde Animal resíduos (Por exemplo, pesticidas) utilizados na produção de alimentos tanto para humanos como para bovinos que posteriormente servirão como fonte de alimento para humanos. Principais descrições Notificações da União Européia Grande parte das regulamentações visam a ajustar limites máximos de resíduos utilizados na preparação de alimento para bovinos, que possam vir causar problemas de contaminação ao consumidor pela ingestão de carne bovina. Tratam de medidas adotadas que afetam as verificações veterinárias e zootécnicas aplicáveis no comércio intracomunitário, e na prevenção da entrada de doenças contagiosas em países do bloco, como por exemplo a febre aftosa. Medidas de suspensão da importação de produtos derivados de bovinos. 4. Conclusão Diante do crescimento do comércio internacional da carne bovina e outros produtos da mesma origem, e da ocorrência de diversos casos de doenças em rebanhos é possível afirmar que as barreiras sanitárias tendem a se fortalecer como instrumento de restrição do comércio nesse mercado. Essas ocorrências sanitárias agem como verdadeiros choques sobre o mercado de carne bovina. Isto pode ser confirmado pelos impactos comerciais já apontados em literatura, como no caso da febre aftosa nos países do Hemisfério Sul e da vaca louca nos países da Europa, Japão e da América do Norte. Estes impactos se verificam desde os fechamentos de fronteira, queda nos preços internacionais, afastamento temporário de países desse mercado, com perda de marketshare, até custos adicionais de adequação para as indústrias às novas regulamentações de proteção sanitária. A partir do instrumento de transparência do Acordo SPS/OMC - as notificações, pelas quais se têm uma indicação a respeito da regulamentação dos países - constatou-se que efetivamente a carne bovina é um dos produtos mais sujeitos a medidas sanitárias. Isto leva a que normas e regulamentos sobre a produção e a comercialização de carne bovina proliferem em ritmo acelerado, em especial no que se refere aos Estados Unidos e a União Européia, dois dos mais importantes agentes no mercado internacional do setor. Mais além, observa-se que os compradores de produtos animais têm se voltado para a exigência de produtos certificados, o que envolve não só a observância das legislações, mas também a utilização de outros instrumentos e procedimentos que garantam a inocuidade e qualidade dos alimentos ao consumidor. Dentre todas as notificações SPS dos Estados Unidos, de 1995 a 2004, 11% referiram-se a bovinos e produtos relacionados. O objetivo alegado mais freqüente para justificar as medidas foi o de saúde animal, o que condiz com o fato de os EUA importarem carne e animais vivos e na seqüência, a segurança do alimento. Demonstrou-se perceptível, no caso dos Estados Unidos, que a crescente legislação sobre controle de produtos veterinários e de pesticidas utilizados na produção de alimentos para bovinos podem se tornar um possível novo desafio na área sanitária para os países exportadores que deverão cumprir tais legislações se quiserem comercializar com esse país. No caso da União Européia, 23% das suas notificações totais sanitárias são voltadas ao setor de carne bovina. Como justificativa mais freqüente, foi encontrada a 18

segurança do alimento. Este resultado é coerente com o fato da União Européia ser uma grande importadora de produtos alimentícios para consumo próprio e por ter, reconhecidamente, uma das sociedades consumidoras mais conscientes e exigentes quanto à qualidade e inocuidade dos alimentos. A análise dos princípios do Acordo SPS e da natureza das notificações mostra que as medidas adotadas pelos países poderiam ser mais positivas no sentido não de restringir comércio, mas, sim de promover a abertura de mercados. O que se verifica, de fato, é um grande número de medidas visando a restringir ainda mais a entrada e saída dos produtos. Parte significativa dessas medidas ainda evidenciam a reação dos mercados aos eventos sanitários (aftosa e vaca louca), e esta reação envolve a criação dos novos regulamentos sanitários, procedimentos de fiscalização e inspeção mais caros e demorados, quarentenas mais estendidas, maior número de amostragens etc. Mais do que uma visão histórica, é possível adotar a análise das notificações como indicadora de tendências. Neste trabalho, pode-se verificar que uma das perspectivas mais certas da regulamentação sanitária dos países ricos relaciona-se ao uso de defensivos agrícolas, produtos veterinários e aditivos alimentares, e sobre a presença de seus resíduos nos alimentos. 5. Referências bibliográficas Antoniolli, D.B. Diagnóstico das Exigências para Exportação de Carne Bovina para os Estados Unidos: A Inspeção dos Frigoríficos Brasileiros. Relatório de estágio profissionalizante (LES-ESALQ). Nov/2004. p. (mimeo, versao preliminar). Barros, G.S.C.; Burnquist, H.L.; Miranda, S.H.G.; Cunha Filho, J.H. SPS Issues of Agricultural Trade in the Western Hemisphere. Piracicaba. Report BID/CEPEA- ESALQ/USP. May/2002. 66p. Fontes, B. Medidas sanitárias e fitossanitárias: uma análise aplicada à União Européia. Monografia apresentada na ESALQ/USP. Piracicaba, dez./2002. 45p. (mimeo). Galli, F; Miranda, S. H. G. Mercado Internacional de Carne Bovina. Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada) ESALQ/USP, Piracicaba. Disponível em www.cepea.esalq.usp.br/internacional. Acesso em 21 jan. 2004. Henson, S. et al. The impact of sanitary and phytosanitary measures on developing countries exports of agricultural and food products. In The Conference on Agricultural and The New Trade Agenda in the WTO 2000 Negotiations. Geneve: World Bank/WTO, Oct. 1999. 21 p. (Draft for Discussion). Hufbauer, G.; Kotschwar, B.; Wilson, J. Trade policies, standards, and development in Central Amer-ica. Geneve: World Bank. 1999. 50 p. Kassum, J. & Morgan, N. The SPS Agreement: Livestock and Meat Trade. 2002. 16p. (Draft: not for dissemination) Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. SISTEMA ALICE (www.mdic.gov.br). Data de Acesso (janeiro/2005) Miranda, S.H.G. Quantificação dos efeitos das Barreiras Não-Tarifárias sobre as exportações brasileiras de carne bovina. Piracicaba. Tese Doutorado Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Universidade de São Paulo. 2001. 237p. 19

Miranda, S.H.G.; Cunha Filho, J.H.; Burnquist, H.L.; Barros, G.S.A.C.. Normas sanitárias e fitossanitárias: proteção ou protecionismo. Informações Econômicas, v.34, n.2, p.25-35. Fev. 2004. Organização Mundial do Comércio. OMC. WTO, G/SPS/GEN/204/Rev.1 (http://www.wto.org, April 2002). Stanton, G. Review of the operation of the SPS Agreement. In: Conference of Agriculture and The New Trade Agenda in the WTO 2000 Negotiations. Genève: World Bank/WTO, Oct./1999. 9 p. (Draft for Discussion). Thorstensen, V. OMC Organização Mundial do Comércio: As regras do comércio internacional e a Rodada do Milênio. 1a. Edição. São Paulo: Aduaneiras, 1999. 406p. Walker, K. D. Overview of problems and actors, public and private roles, interest groups in developing and developed countries. In: Conference World Bank Rural Week, Virginia, USA, 24-26 March 1999. ANEXO 1 WORLD TRADE ORGANIZATION G/SPS/N/EEC/235 9 February 2004 (04-0488) Committee on Sanitary and Phytosanitary Measures Original: English NOTIFICATION OF EMERGENCY MEASURES 1. Member to Agreement notifying: EUROPEAN COMMUNITIES If applicable, name of local government involved: 2. Agency responsible: Commission of the European Communities. Health & Consumer Protection Directorate-General Directorate E Food Safety: Plant Health, Animal Health and Welfare, International questions 3. Products covered (provide tariff item number(s) as specified in national schedules deposited with the WTO; ICS numbers should be provided in addition, where applicable): Live poultry and live bird other than poultry (HS 0105); fresh meat of poultry, ratites, farmed and wild feathered game (HS 0207); meat preparations and meat products consisting of or containing meat of those species (HS 0209, 0210, 1601, 1602); raw pet food and unprocessed feed material containing any part of those species (HS 1501, 2309); eggs for human consumption (HS 0407, 0408); unprocessed feathers (HS 0505.10) 4. Regions or countries likely to be affected, to the extent relevant or practicable: Cambodia; Indonesia; Japan; Laos; Pakistan; the People's Republic of China; Hong Kong, China; South Korea; Thailand; and Vietnam 5. Title, language and number of pages of the notified document: Draft Commission Decision concerning protection measures relating to avian influenza in Thailand (2 pages) 6. Description of content: Temporary measures suspending imports of fresh meat of poultry, ratites, farmed and wild feathered game, poultry meat products and meat preparations consisting or containing meat of the above mentioned species, of raw 20