Reportagem de Capa sobre trabalhos em altura realizada pela Veja São Paulo. JUL 15 2009 TRABALHO Senhores das alturas Quem são os profissionais que trabalham pendurados a mais de 130 metros do chão VEJA SP VEJINHA Edição15.07.09 TRABALHO Por um fio Pendurados em fachadas de prédios, torres de transmissão elétrica e grandes construções, os operários das alturas se profissionalizaram. Eles agora têm equipamentos, formação, procedimentos e até salários melhores. Por Daniel Nunes Gonçalves Fotos Mario Rodrigues 15.07.2009
Foto da contracapa. Funcionários da h3 vertical realizando a limpeza da fachada do Icesp (Hospital do Câncer) em SP Dr. Arnaldo. Trabalho a 120 m de altura.
Do terraço no 23º andar do Instituto do Câncer, a 112 metros do chão, um homem observa o trânsito da Avenida Doutor Arnaldo. Sobe na mureta, vira-se de costas para a paisagem vertiginosa e pendura-se. Venta e faz frio na tarde de uma quarta-feira de junho. Suspenso por uma corda - e preso a outra, paralela, que entra em ação caso a primeira falhe -, Mauricio Gomes usa luvas, óculos e capacete semelhantes aos dos alpinistas. Contratado para fazer a manutenção da fachada, ele não é um limpador de vidraças qualquer. Conquista o cume de montanhas há 27 anos, já foi professor de escalada esportiva de mais de 3 000 alunos e gosta tanto de vãos-livres que ganha dinheiro montando circuitos de arvorismo em festas infantis. "Esse é meu ganha-pão, mas sempre que posso fujo para a natureza", diz. Na mesma quartafeira, ele exercitou sua habilidade fazendo a limpeza noturna de um frigorífico que funcionava a 10 graus negativos, suspenso a 40 metros de altura. "A única iluminação era a da lanterna do meu capacete", recorda. Longe do horizonte dos paulistanos do andar térreo, Gomes faz parte de um grupo de anônimos que tem mudado o perfil de quem trabalha nos pontos mais elevados da cidade. Responsáveis pela decoração de edifícios, construção de arranha-céus e instalação de cabos elétricos e torres de telefonia, os senhores das alturas têm se profissionalizado nos últimos cinco anos. "Há uma exigência maior de formação, de equipamentos de qualidade e de procedimentos de segurança, especialmente por parte das grandes empresas", afirma Gomes. Os populares cordeiros, operários que ficam atados a balancins e cordas gastas, podem estar com seus dias contados. É claro que os trabalhadores sem instrução ainda são maioria nas obras pequenas e médias que mancham os jornais com acidentes de seu cotidiano. Só a movimentada construção civil paulistana acumulou nove desastres fatais em 2009 - uma média maior que o 1,25 óbito mensal dos últimos cinco anos. O mais recente deles ocorreu na segunda (6), quando dois homens que limpavam uma caixa-d água em Itaquera sem equipamento de segurança viram ceder um andaime e caíram no poço vazio com 17 metros de profundidade. "Custa caro dar treinamento de acesso por corda e equipamento de primeira linha para todos os operários que hoje se apóiam em andaimes ou se penduram em cordas e balancins rústicos", admite Antonio Ramalho, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil, que representa 300 000 filiados. O Brasil perde anualmente 5 bilhões de reais com despesas de acidentes de trabalho. "Quem adia os gastos com prevenção paga o preço das indenizações", afirma o auditor fiscal Antonio Pereira, do Ministério do Trabalho. Segundo o Corpo de Bombeiros de São Paulo, que mobilizou onze homens no resgate com helicóptero na caixa-d água de Itaquera, quedas assim foram responsáveis por 179 ligações para o número 193 em 2008. Para prestarem socorro a tanta gente, os bombeiros formam, todos os anos, especialistas em técnicas verticais. No mês passado, treze oficiais selecionados por aptidão física entre mais de quarenta candidatos concluíram as sete semanas do Curso de Salvamento em Altura. Eles enfrentaram provas espetaculares. Na Avenida Paulista, usaram a técnica da tirolesa para percorrer 150 metros de corda a 75 metros de altura. No Brooklin, cruzaram 15 metros de um prédio a outro fazendo evoluções em um cabo a 95 metros do asfalto.
A procura por cursos como o de acesso por cordas é um bom medidor dessa tendência. Criada dez anos atrás, a primeira escola dessa área, a Vertical/PRO, já treinou 10 000 alunos, 2 500 só no ano passado. Com a certificação, os especialistas em altura passam a ter salários valorizados, como no exterior. "Alguns ex-alunos meus ganham 5 000 reais para trabalhar por quinze dias pendurados nas plataformas de petróleo em alto-mar", conta o proprietário Marcello Vazzoler, escalador que chegou a passar oito dias em um paredão e galgou neste ano os 5 895 metros do Monte Kilimanjaro, na Tanzânia. Com oito anos de experiência em cordas e estruturas metálicas como cordeiro, Girlândio Francisco da Silva, o Gil, participou de um curso bancado pela empresa que o contratou para limpar fachadas, a H3 VERTICAL. "Meu salário passou de 700 para mais de 2 000 reais", diz. "Cheguei a cair de 5 metros de altura no emprego anterior, e lembro de colegas que bebiam para conseguir encarar a altura e pintar prédios." Além de aprender a reconhecer cordas e mosquetões distintos, Gil se inspira hoje em companheiros com excelência técnica, como o escalador Mauricio Gomes. Além de fazerem cursos específicos, os eletricitários seguem normas obrigatórias para evitar acidentes, algo impensável para a maioria dos 3 500 trabalhadores de acesso por corda no Brasil. Para reverterem o quadro, desde o ano passado representantes de oitenta companhias do ramo - 21 delas paulistas - reúnem-se mensalmente para estudar como devem ser os procedimentos mais seguros para esse tipo de atividade. "Criamos duas normas e esperamos que elas se tornem obrigatórias", diz Erick Lage, da Associação Brasileira de Ensaios Não Destrutivos e Inspeção (Abendi), instituição certificadora credenciada à Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Por enquanto, grandes empresas adotam regras estrangeiras. Mais que um limpador de vidraças Foto: Gomes (h3 vertical) limpando a fachada do Icesp. "Descobri meu amor pela altura escalando montanhas, aos 22 anos. Cheguei a topos como os do Pão de Açúcar e do Dedo de Deus, no Rio. Dez anos atrás me chamaram para montar decorações natalinas em locais de difícil acesso na cidade. Não parei mais. Trabalhei, por exemplo, na manutenção dos 1 600 metros de dutos de gás que descem a Serra do Mar e na pintura do topo da Ponte Estaiada, a 138 metros da Marginal do Rio Pinheiros. Também faço limpeza de fachadas. A do Instituto do Câncer (112 metros acima da Avenida Doutor Arnaldo, foto) levou vinte dias, com as quatro faces dos 23 andares sendo lavadas por quatro homens (cada um ganha 150 reais por dia). Mas minha rotina é bem variada. No mesmo dia em que limpei a fachada do hospital, eu me pendurei a 40 metros de altura para fazer a limpeza de um frigorífico, que fica num galpão gigante. Detalhe: o termômetro marcava 10 graus negativos e estava completamente escuro. Nada de paisagem. A única iluminação era a lanterna do meu
capacete." Mauricio Gomes da Silva, 49 anos, alpinista industrial Notas da h3 vertical: - A h3 vertical realizou a limpeza das fachadas do prédio Icesp (Instituto do Câncer de São Paulo). As fotos foram registradas na própria fachada do prédio. - O outro trabalho citado na matéria foi realizado no Frigorífico da Perdigão, em Embu. A h3 vertical realizou a limpeza de todas as estruturas internas do Galpão, a 40 m de altura. A temperatura interna chegou a -18ºC. O funcionário Gomes só fez jornada dupla neste dia para atender a reportagem da Veja São Paulo. - Maurício Gomes e Gil, profissionais citados na matéria, são Colaboradores da h3 vertical. - A h3 vertical é membro e participa do comitê de estudo da ABENDI e ABNT, citadas na matéria. Fotógrafo da Veja SP registrando os serviços da h3 vertical no prédio do Icesp A foto foi publicada na revista. Foto: acervo h3 vertical.