X Encontro Nacional de Educação Matemática

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Transcrição:

IDENTIFICANDO O(S) OBJETO(S) EM ATIVIDADE(S) DE MODELAGEM MATEMÁTICA 1 Jussara Loiola Araújo 2 Madalena Santos 3 Teresa Silva 3 Resumo: Este trabalho se apoia em constructos teóricos da teoria da atividade para identificar (ou tentar se aproximar de) o objeto da atividade de um grupo de alunos ao desenvolver um projeto de modelagem matemática. Discutimos os conceitos de objeto e motivo nessa teoria e, por meio de uma abordagem metodológica qualitativa, concluímos que o objeto da atividade do grupo se configura como questionamentos em um espaço-problema compartilhado coletivamente. Palavras-chave: Educação Matemática; Teoria da Atividade; Modelagem Matemática; Educação Matemática Crítica. Introdução Modelagem matemática é um tema que tem atraído a atenção de educadores matemáticos brasileiros. Não é comum, entretanto, discuti-la por meio do referencial teórico da teoria da atividade (TA). Uma exceção é o trabalho de Almeida e Brito (2005), que se apoia na TA para analisar o sentido que alunos atribuem a atividades de modelagem. Neste artigo, entretanto, vamos lançar mão de outros aspectos da TA. Teoria da atividade se desenvolveu a partir da escola histórico-cultural da psicologia soviética, cujo principal representante é Vygotsky, e tem raízes filosóficas no trabalho de Karl Marx. Atividade é considerada como a unidade básica do desenvolvimento humano. Ela é uma forma específica de existência societal humana consistindo de mudanças propositais da realidade natural e social. (DAVYDOV, 1999, p. 39). A mediação dialética entre sujeito e objeto é a ideia chave do trabalho desenvolvido por Vygotsky. Como afirma Leont ev (1978), atividade aparece como um processo no qual são realizadas transferências mútuas entre os pólos sujeito-objeto. (p. 50). Atividade supera e transcende o dualismo entre o sujeito individual e as circunstâncias societais objetivas. (ENGESTRÖM & MIETTINEN, 1999, p. 3). 1 Para a realização desta pesquisa, a primeira autora contou com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) do MEC, Brasil (Processo no. 0799/08-4). A segunda e a terceira autoras são pesquisadoras do Projeto LEARN, financiado pela Fundação Ciência e Tecnologia, de Portugal, sob o contrato #PTDC/CED/65800/2006. 2 Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). 3 Universidade de Lisboa.

Com o desenvolvimento de pesquisas sobre TA, atualmente, grande parte dos trabalhos que nela se baseiam preveem algum tipo de intervenção no campo da pesquisa (HARDMAN, 2007), seja ela relacionada ao trabalho, design de produtos, estudos sobre criatividade, tribunal de justiça etc.. No entanto, como afirma Hardman (2007), a TA é também um rico quadro teórico para analisar, por meio de observações, sujeitos em ação nas complexas interações que ocorrem em ambientes educacionais. Este artigo se apoia nessa possibilidade e tem por objetivo identificar (ou tentar se aproximar de) o objeto da atividade de um grupo de alunos ao desenvolver um projeto de modelagem matemática em Matemática I: disciplina ofertada para alunos de graduação do curso de Geografia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A fim de compreender a complexidade da atividade em análise, é necessário identificar os elementos do sistema de atividades e um desses elementos é o objeto da atividade. Como afirma Hardman (2007), objetos definem atividades e, portanto, a identificação do objeto da atividade nos possibilita mapear os diferentes elementos do sistema de atividades. Entretanto, identificar o objeto de uma atividade é um esforço problemático (...). (HARDMAN, 2007, p. 111) (ênfase nossa). Para atingir o objetivo, começamos por apresentar alguns constructos teóricos relativos à teoria da atividade. Logo após, discutimos aspectos metodológicos da pesquisa aqui descrita para, em seguida, trazermos alguns excertos oriundos dos dados que ilustram a busca de identificação do objeto do sistema de atividades. Motivo e objeto na teoria da atividade Leont ev (1978) afirma que toda atividade tem um motivo, uma necessidade que a move. Para o autor, esse motivo é o objeto da atividade, e as ações do sujeito, dirigidas a esse objeto, são mediadas. O trabalho do finlandês Yrjö Engeström deslocou o foco da TA para sistemas de atividades coletivas. Ele amplia o campo de aplicação dessa teoria e utiliza uma nova representação para o sistema de atividades (Figura 1). Como descrito em Engeström (2001), a comunidade se junta a sujeito e objeto para compor o sistema de atividades e as interações entre sujeito, objeto e comunidade são mediadas culturalmente por ferramentas e signos, divisão do trabalho e regras.

Nesta perspectiva, ações orientadas ao objeto são sempre, explícita ou implicitamente, caracterizadas por ambiguidade, surpresa, interpretação, atribuição de sentido e potencial para mudança. (ENGESTRÖM, 2001, p. 134). Figura 1: Representação do sistema de atividade humana (ENGESTRÖM, 2001). Kaptelinin (2005) discute as diferentes compreensões que Leont ev e Engeström têm do conceito de objeto da atividade. Segundo esse autor, para Leont ev, o objeto da atividade é o seu motivo e está relacionado com as necessidades do sujeito. Já para Engeström, o objeto está relacionado com a criação de um produto: objeto é definido como a matéria prima ou o espaço-problema para o qual a atividade é direcionada e é moldado e transformado em produtos (CENTER FOR ACTIVITY THEORY AND DEVELOPMENTAL WORK RESEARCH, s. d.). Mas como nos alerta Hardman (2007), Engeström não desconsidera o papel do motivo na constituição do objeto da atividade. Pelo contrário, ele enfatiza as complexidades envolvidas nos aspectos motivacionais da atividade coletiva (p. 116). Um outro problema apontado por Kaptelinin (2005) com relação à identificação entre objeto e motivo, como proposto por Leont ev, é o fato de uma atividade poder ter vários motivos simultaneamente. Para esse autor, o objeto da atividade é determinado cooperativamente por todos os motivos efetivos (p. 17). Levando em conta, então, a multiplicidade de motivos em uma atividade e a problemática envolvida em identificar seu objeto, nos propomos a tentar uma

aproximação ao objeto da atividade de um grupo de alunos de Matemática I, ao desenvolverem um projeto de modelagem matemática. Descrevemos, na próxima seção, o contexto e os aspectos metodológicos desta pesquisa. Aspectos metodológicos Contexto do estudo A experiência que descrevemos aqui aconteceu no primeiro semestre de 2006 em Matemática I, quando a primeira autora deste artigo era a professora. As outras autoras deste artigo não participaram dessa experiência. O conteúdo matemático previsto para a disciplina incluía funções, derivadas e noções de integral. As principais tarefas que ocorreram durante aquele semestre foram aulas expositivas, tarefas com computadores e o desenvolvimento de projetos de modelagem matemática. Os projetos de modelagem foram desenvolvidos ao longo do semestre e começaram com uma discussão sobre o que é modelagem matemática. Em termos gerais, modelagem pode ser entendida como o uso de matemática para resolver problemas reais. De acordo com a perspectiva de modelagem adotada (ARAÚJO, 2009), os alunos eram orientados a trabalhar em grupos e basear seu trabalho na educação matemática crítica (EMC). Para Skovsmose (1994), a principal preocupação da EMC é o desenvolvimento da matemacia, que é uma extensão, para a matemática, da concepção de educação problematizadora e libertadora proposta por Freire (1970). Na matemacia, o objetivo não é meramente desenvolver habilidades de realizar cálculos matemáticos, mas também de promover a participação crítica dos estudantes/cidadãos na sociedade, discutindo questões políticas, econômicas e ambientais nas quais a matemática funciona como suporte tecnológico. Nas aulas seguintes, os grupos e respectivos temas foram definidos por meio de um longo processo de negociação. Cada grupo elaborou um plano de trabalho que a professora avaliou. Ela os incentivou a descrever todos os passos a serem seguidos durante o desenvolvimento dos projetos, assim como a buscar uma melhor definição do foco de pesquisa. Ela também procurou levantar questões sobre como a matemática poderia ser usada no projeto. Depois que os projetos foram aprovados, os grupos

começaram a desenvolvê-los, reunindo-se durante as aulas e fora delas. Eles apresentaram relatos parciais de seus progressos mensalmente e, com base nesses relatos, cada grupo recebia orientações e sugestões da professora e dos demais colegas da turma sobre como dar continuidade ao projeto. A professora buscava levantar questões relacionadas com as ideias da educação matemática crítica. Ao final do semestre, todos os grupos fizeram uma apresentação oral de seus projetos para a turma (que foram videogravadas) e entregaram uma versão escrita do projeto. Neste artigo, vamos considerar o grupo que escolheu abordar o tema aspectos sócio-econômicos do projeto de construção da Linha Verde em Belo Horizonte 4. Coleta e análise de dados A abordagem metodológica foi qualitativa e os procedimentos utilizados para a coleta de dados foram observações de grupos de alunos nos ambientes de aprendizagem desenvolvidos em Matemática I, incluindo os projetos de modelagem e sua apresentação para a turma e a professora; e a produção de material escrito, tais como relatórios e trabalhos, por parte dos alunos, nos ambientes de aprendizagem. Algumas atividades observadas também foram filmadas e alguns vídeos foram transcritos para análise. Do conjunto de dados, construídos por meio desses procedimentos, consideraremos aqui o vídeo da apresentação do projeto Linha Verde e o relatório de trabalho do grupo. Para compreender o sistema de atividades do qual alunos e professora de Matemática I faziam parte eram necessárias informações mais detalhadas, que foram fornecidas pela primeira autora às demais autoras deste artigo. Além do vídeo da apresentação do projeto Linha Verde e do relatório de trabalho do grupo, os demais documentos considerados para análise foram: slides utilizados pelo grupo na apresentação do trabalho, cronograma de Matemática I, texto produzido pela professora contendo uma descrição detalhada da disciplina e seus alunos e uma versão preliminar de Araújo (2009), em que é discutida a perspectiva de modelagem na educação matemática pretendida para Matemática I. 4 Linha Verde é um projeto do governo do Estado de Minas Gerais que pretendia construir uma via de trânsito rápido ligando o centro de Belo Horizonte ao Aeroporto Tancredo Neves (Confins), cobrindo uma distância de 35,4 km

Outras informações foram concedidas oralmente e se referiam a i) detalhes relativos às tarefas desenvolvidas; ii) orientação dada ao longo do desenvolvimento dos projetos de modelagem; iii) relação dos alunos com a matemática; iv) postura crítica dos alunos diante de questões sociais; v) modo como as ideias próprias da educação matemática crítica foram incorporadas à disciplina; vi) comparação entre as expectativas da professora e o que foi realizado. Todas essas informações foram necessárias para compreender a complexidade do sistema de atividades e selecionar partes dos dados que ilustravam a nossa busca pelo objeto. Um estudo mais profundo da literatura (ENGESTRÖM, 2001; KAPTELININ, 2005; HARDMAN, 2007) nos mostrou que a identificação desse objeto não é uma tarefa fácil. Para a análise, lançamos mão do trabalho de Hardman (2007), que utiliza a TA na análise de espaços educacionais por meio de observações, ao contrário de grande parte dos trabalhos atuais em TA que realizam estudos intervencionistas. A análise que serve de suporte a este artigo foi iniciada procurando sintetizar informações obtidas na transcrição do vídeo e na leitura do relatório de trabalho do grupo, auxiliada pelas demais informações fornecidas pela professora, com base em alguns conceitos da teoria da atividade, e tentando seguir a pista do objeto da atividade. A seguir, nos apoiamos em excertos do relatório do grupo e de transcrições do vídeo da apresentação final para construirmos nossas reflexões. Em busca de motivos e objeto da atividade O objetivo do projeto de modelagem do grupo aqui focado era analisar os impactos sócio-econômicos do Projeto Linha Verde na Av. Cristiano Machado, trecho entre a Rua Jacuí e a Av. Silviano Brandão. (Relatório do grupo, p. 5). As intervenções do projeto Linha Verde neste trecho incluíam a construção de um viaduto por cima da pista original da avenida. Um dos objetivos específicos enunciados pelo grupo era verificar a veracidade dos argumentos e dados utilizados pelo governo através de cálculos matemáticos (Relatório do grupo, p. 5). A apresentação do projeto, pelo grupo, dividiu-se em duas partes, cujas principais características são as seguintes:

Tabela 1: Características das duas partes da apresentação do Projeto Linha Verde Assunto tratado Primeira parte Discussão dos aspectos sociais, políticos e ambientais do projeto. Segunda parte Discussão dos aspectos matemáticos do projeto. Responsáveis Todo o grupo. Principalmente uma aluna a Cristina. A primeira parte da apresentação foi marcada por uma postura de desconfiança do grupo com relação aos argumentos do governo, sintetizada na fala de uma aluna: Gina: Diante dos argumentos positivos do governo face à Linha Verde (...) o grupo decidiu pesquisar quanto à veracidade (...). Busca-se analisar a pertinência dos argumentos governamentais. (Transcrição do vídeo). O assunto da primeira parte foi discutido e/ou questionado pelo grupo por meio de conceitos da geografia e de entrevistas com a população do local estudado: (...) é possível discutir de que forma o projeto mudará as relações dos pedestres [no] entorno da via (...) com base no conceito de não-lugar. A expressão não-lugar é utilizada para definir aqueles lugares onde o indivíduo não mantém nenhum laço afetivo. (Relatório do grupo, p. 7-8). Realizamos uma pesquisa de opinião pública (...) Os principais questionamentos foram a respeito da satisfação ou não dos pedestres com a obra e expectativas futuras quanto aos resultados da mesma. (Relatório do grupo, p. 10). Nessa primeira parte, dois alunos assumiram a apresentação formal do trabalho, mas todo o grupo interveio harmonicamente completando ou comentando as ideias. Entendendo então objeto de uma atividade como um espaço-problema compartilhado coletivamente sobre o qual os membros da comunidade agem e transformam durante o desdobramento da atividade (HARDMAN, 2007, p. 122), podemos dizer que o objeto do grupo, naquele momento, era verificar a veracidade dos argumentos do governo, dos quais desconfiavam. E seu motivo era dar voz à sua identidade de geógrafos. Mas esse não era o único motivo do grupo. O projeto fazia parte de Matemática I e, como ressaltado no objetivo específico já citado, a matemática deveria estar presente. Assim, um outro motivo do grupo era ter sucesso na disciplina. A segunda parte da

apresentação começa com Cristina explicitando a intenção de incluir a matemática, provocando uma quebra no tom crítico presente na primeira parte: Cristina: A partir desta exposição, nós pensamos então na parte da modelagem matemática. Onde utilizar matemática no nosso projeto sobre a Linha Verde? (Transcrição do vídeo). Esta quebra se assemelha muito a um episódio avaliativo: uma atividade coerente de sala de aula na qual o professor desenvolve os critérios avaliativos necessários para produzir um script legítimo. Esses episódios são marcantes porque representam rupturas no script pedagógico. (HARDMAN, 2007, p. 117). No nosso caso, Cristina assume o papel do professor (mencionado na citação) ao dar um novo rumo para o script legítimo, já que estavam desenvolvendo um trabalho para Matemática I. Segundo Hardman (2007), os episódios avaliativos dão pistas sobre o objeto da atividade. No caso em análise, ajudam a capturar o que Cristina vai trabalhar em sua apresentação e seu motivo para assim agir. A responsabilidade de dar visibilidade (na apresentação à turma) ao domínio do conteúdo matemático tratado na disciplina é totalmente assumida por Cristina, sem nenhuma participação de outros colegas: Cristina: Se está sendo feito um projeto que visa aumentar o fluxo de veículos e melhorar esse fluxo, em questão de velocidade, de rapidez no acesso ( ) vamos então pensar em cálculos que comprovem isso. (...) Para os cálculos de capacidade [da via] precisávamos de dados da população do local fizemos projeções populacionais para utilizar a capacidade de [fluxo] da via e também para utilizar as matérias da sala de aula. (Transcrição do vídeo). Ao final, o grupo concluiu que seriam necessários 27 anos para que ocorresse o saturamento do trânsito na nova via construída. Segundo informaram, esse resultado está dentro dos padrões de qualidade previstos pela Engenharia. Com uma mescla de insatisfação com o resultado encontrado por estarem de acordo com as previsões do governo e satisfação por terem realizado discussões matemáticas sofisticadas, Tomás coloca um questionamento final, que conecta as duas partes do trabalho: Tomás: Então nós temos aí 27 anos de via fluindo normalmente, pelas projeções que nós fizemos. Beleza! Mas aí Estes 27 anos compensam toda a intervenção no local? Compensam todo o impacto que eles estão tendo na área? Impacto com os comerciantes, impacto com os pedestres. Justifica todo o investimento financeiro do nosso bolso? (Transcrição do vídeo).

Como não houve, nesta segunda parte, uma apresentação conjunta do grupo, nos moldes ocorridos na primeira parte, não podemos dizer que mostrar o domínio do conteúdo matemático era um objeto compartilhado por todo o grupo. Parece que estamos, portanto, perante uma atividade multimotivacional (KAPTELININ, 2005), mas motivos e objetos não chegaram a ser reconceitualizados: Uma transformação expansiva é realizada quando o objeto e o motivo da atividade são reconceitualizados para alcançar um horizonte de possibilidades radicalmente mais amplo do que no estágio anterior da atividade. (nossa ênfase). (ENGESTRÖM, 2001, p. 137). Considerações finais O grupo focado neste trabalho tinha, no mínimo, dois motivos para a atividade no qual estavam engajados: dar voz à sua identidade de geógrafos e ter sucesso em Matemática I. Embora o grupo tivesse um objeto compartilhado na primeira parte de sua apresentação, não foi possível detectar um objeto compartilhado na segunda parte. Havia, portanto, dois motivos da atividade e seu objeto permaneceu em aberto, como questionamentos em um espaço-problema compartilhado coletivamente. Explicitar o processo de identificação do objeto de uma atividade é um passo chave para alargar o horizonte de possibilidades e promover uma transformação expansiva na atividade (ENGESTRÖM, 2001), o que está diretamente ligado com a compreensão de aprendizagem nessa perspectiva teórica. Nesse sentido, trabalhos com modelagem na educação matemática podem usufruir do acontecimento de atividades multimotivacionais, desencadeadas quando novas práticas são inseridas nas aulas em que os alunos estão acostumados. Acreditamos, portanto, que são necessários mais estudos sobre modelagem na educação matemática na perspectiva da teoria da atividade, buscando focar na aprendizagem como compreendida por essa teoria. Referências ALMEIDA, L. M. W; BRITO, D. S. Atividades de modelagem matemática: Que sentido os alunos podem lhe atribuir?. Ciência & Educação, v.11, n.3, p. 483-498,

2005. Disponível em < http://www.scielo.br/pdf/ciedu/v11n3/10.pdf >. Último acesso em: 13 mar. 2010. ARAÚJO, J. L. Uma abordagem sócio-crítica da modelagem matemática: A perspectiva da educação matemática crítica. Alexandria Revista de Educação em Ciências e Tecnologia, v.2, n.2, p. 55-68, 2009. Disponível em <http://www.ppgect.ufsc.br/alexandriarevista/numero_2_2009/jussara.pdf>. Último acesso em: 02 mar. 2010. CENTER FOR ACTIVITY THEORY AND DEVELOPMENTAL WORK RESEARCH. The activity system. (s. d.). Disponível em <http://www.edu.helsinki.fi/activity/pages/chatanddwr/ activitysystem/>. Último acesso em 06 jan. 2010. DAVYDOV, V. V. The content and unsolved problems of activity theory. In ENGESTRÖM, Y.; MIETTINEN, R.; PUNAMÄKI, R. (Eds.) Perspectives on activity theory. Cambridge: Cambridge University Press, 1999. p. 39-52. ENGESTRÖM, Y.; MIETTINEN, R. Introduction. In ENGESTRÖM, Y.; MIETTINEN, R.; PUNAMÄKI, R. (Eds.) Perspectives on activity theory. Cambridge: Cambridge University Press, 1999. p. 1-16. ENGESTRÖM, Y. Expansive learning at work: Toward an activity theoretical reconceptualization. Journal of Education and Work, v.14, n.1, p. 133-156, 2001. Disponível em <http://www.informaworld.com/smpp/title~content=t713430545>. Último acesso em 22 jan. 2010. FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1970. HARDMAN, J. Making sense of the meaning maker: Tracking the object of activity in a computer-based mathematics lesson using activity theory. International Journal of Education and Development using Information and Communication Technology, v.3, n.4, p. 111-130, 2007. Disponível em <http://ijedict.dec.uwi.edu//viewarticle.php?id=423&layout=html>. Último acesso em 04 mai. 2009. KAPTELININ, V. The object of activity: Making sense of the sense-maker. Mind, Culture and Activity, v.12, n.1, p. 4-18, 2005. Disponível em <http://www.informaworld.com/smpp/title%7econtent=t775653674>. Último acesso em 04 mai. 2009. LEONT EV, A. N. The problem of activity and psychology. In LEONT EV, A. N. Activity, consciousness, and personality. Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall, 1978. p. 45-74. Disponível em <http://communication.ucsd.edu/mca/paper/leontev/leontev3.pdf.> Último acesso em 15 jun. 2009. SKOVSMOSE, O. Towards a philosophy of critical mathematics education. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, 1994.