ERLIQUIOSE CANINA RELATO DE CASO



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Transcrição:

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO VERENA MORENO DE ASSIS TEIXEIRA ERLIQUIOSE CANINA RELATO DE CASO CURITIBA - PR 2009

VERENA MORENO DE ASSIS TEIXEIRA ERLIQUIOSE CANINA RELATO DE CASO Monografia apresentada à Universidade Federal Rural do Semi-Árido UFERSA, Departamento de Ciências Animais, como requisito parcial para obtenção do título de especialista em Clínica Médica de Pequenos Animais. Orientadora: Prof.ª Amanda Leite Bastos Pereira CURITIBA PR 2009

Dedico este trabalho ao meu pai, tendo a certeza que, de onde quer que ele esteja, vem me acompanhando e amparando a cada dia desta minha trajetória.

AGRADECIMENTOS Agradeço primariamente a Deus, pela dádiva da vida e por ter me concedido força e coragem para prosseguir em busca da realização dos meus sonhos; Agradeço em especial à minha mãe, por ter me oferecido estrutura de vida, amor e educação; Agradeço às minhas irmãs, que sempre me deram apoio e ajuda quando precisei; Agradeço ao meu namorado Rodrigo, pela paciência, companheirismo e, principalmente, pelo amor em todos os momentos da minha vida; Agradeço aos meus demais familiares e amigos, pelo apoio e compreensão devido às ausências e imprevistos; Agradeço aos meus mestres, pelo conhecimento, amizade e atenção dedicada; Agradeço aos profissionais da Equalis, pelo suporte e amizade ofertados; Agradeço à minha orientadora Amanda Leite Bastos Pereira, pela dedicação, paciência e incentivo prestados nos últimos meses; Agradeço também às minhas queridas meninas : Tequi, Chaça e Suzy, pelo amor, companheirismo e fidelidade; E finalmente agradeço a todos aqueles que de alguma maneira ou outra se fizeram presentes em minha vida muito obrigada!

O maior erro você comete quando, por medo de se enganar, erra deixando de se arriscar em seu caminho. Não erra o homem que tenta diferentes caminhos para atingir suas metas. Erra aquele que, por medo de se enganar, não caminha. Não erra o homem que procura a verdade e não a encontra; engana-se aquele que, por medo de errar, deixa de procurá-la. René Trossero

RESUMO O presente trabalho objetivou relatar um caso de erliquiose em um cão da raça Akita, de cinco meses de idade, pesando 11,7 kg, atendido na Clínica Veterinária Dog Gato. O animal chegou à clínica apresentando as mucosas conjuntivais e oral pálidas, normotermia, sons respiratórios de crepitação expiratória, hiperalgesia muscular generalizada, lesões em membros pélvicos por dermatite de contato com a urina, depressão de consciência, espasticidade de membros torácicos, ausência de propriocepção em membros torácicos e diminuição de propriocepção em membros pélvicos. Após a realização de diversos exames complementares, tais como hemograma, bioquímicos, imunofluorescência indireta para cinomose, urinálise, contagem de reticulócitos e pesquisa de hematozoários, diagnosticou-se a presença de mórulas de Erlichia spp. em linfócitos do paciente. Após obtido o diagnóstico, o tratamento foi instituído, sendo administrados Ceftriaxona, Prednisona e Doxiciclina. O paciente foi monitorado durante todo o tratamento e o proprietário recebeu orientações quanto às formas de prevenção da doença. Palavras-chave: Cão, erliquiose, tratamento, prevenção.

ABSTRACT The present report has as objective to describe a case of erlichiosis in a five months old Akita dog, with 11,7 kg of weight, attended in the Clínica Veterinária Dog Gato. The animal arrived at the clinic presenting pale mucous membranes, normothermia, respiratory sounds of expiratory crepitation, generalized muscular hyperalgesia, injuries in pelvic members from contact dermatitis from urine, depression of conscience, spasticity of thoracic members, absence of proprioception in thoracic members and reduction of proprioception in pelvic members. After the accomplishment of diverse complementary exams, such as blood tests, indirect immunofluorescence for distemper, urinalysis, reticulocyte count and blood parasite test, it had the diagnosis of Erlichia spp. morulae in lymphocytes of the patient. The treatment was done with Ceftriaxone, Prednisone and Doxycycline. The patient was monitored during all the treatment and the owner was oriented about the forms from prevention of the illness. Key-words: Dog, erlichiosis, treatment, prevention.

LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 Mórula intracelular de Erlichia cannis em monócito de cão...14 FIGURA 2 Aglomerado de microorganismos de Erlichia spp na periferia de linfócitos...14 FIGURA 3 O paciente Yuri...16 QUADRO 1 HEMOGRAMA...17 QUADRO 2 EXAMES BIOQUÍMICOS SÉRICOS...17 QUADRO 3 URINÁLISE...18 QUADRO 4 HEMOGRAMA...19 QUADRO 5 HEMOGRAMA...21 QUADRO 6 EXAMES BIOQUÍMICOS SÉRICOS...21 QUADRO 7 HEMOGRAMA...22 QUADRO 8 EXAME BIOQUÍMICO SÉRICO...22 QUADRO 9 URINÁLISE...23

LISTA DE ABREVIATURAS, SÍMBOLOS E UNIDADES b.i.d bis in die (duas vezes ao dia) dl decilitro et al e colaboradores g grama I.M. via intramuscular I.V. via intravenosa kg quilograma mg miligrama ml mililitro S.C. via subcutânea s.i.d. semel in die (uma vez ao dia) t.i.d. ter in die (três vezes ao dia) TPC tempo de preenchimento capilar VO via oral º C graus Celsius ALT Alanina Aminotransferase FA Fosfatase Alcalina

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO...10 2 REVISÃO DE LITERATURA...11 2.1 ERLIQUIOSE CANINA...11 3 APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICO...16 3.1 RELATO DE CASO...16 3.1.2 Discussão...24 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS...28 REFERÊNCIAS...29

10 1 INTRODUÇÃO A erliquiose canina é uma doença infecciosa relativamente comum nos cães, causada por bactérias gênero Erlichia spp. São microorganismos obrigatoriamente intracelulares, possuindo afinidade por células hematopoiéticas. Recentemente, a doença foi confirmada como zoonose. A transmissão da doença ocorre através de um vetor o carrapato Rhipicephalus sanguineus, que, ao se alimentar, acaba disseminando a bactéria para o sangue do cão. A doença se manifesta de diferentes formas, variando de acordo com a fase em que o paciente se encontra. Pode ocorrer anorexia, perda de peso, epistaxe, linfadenopatia, esplenomegalia e dores musculares generalizadas. As manifestações neurológicas relatadas são: ataxia, paraparesia, déficit de consciência proprioceptiva, opistótono e nistagmo. Além disso, sinais laboratoriais como trombocitopenia e linfadenopatia são bastantes característicos nesta enfermidade. A presente monografia tem por objetivo descrever um caso clínico de um paciente atendido na Clínica Veterinária Dog Gato, durante o período que data do dia 29 de agosto de 2008 a 22 de setembro do mesmo ano. O caso foi descrito devido à peculiaridade dos sinais clínicos apresentados pelo paciente e, conseqüentemente, pela dificuldade para obter o diagnóstico preciso.

11 2 REVISÃO DE LITERATURA 2.1 ERLIQUIOSE CANINA A erliquiose canina é uma doença infecciosa relativamente comum nos cães, confirmada como zoonose (COUTO, 1998). É causada pelas bactérias do gênero Erlichia spp., organismos intracelulares obrigatórios com tropismo por células hematopoiéticas (SKOTARCZAK, 2003). O gênero Erlichia pertence à família Anaplasmataceae e consiste em três genogrupos. O genogrupo I incorpora as espécies E. canis, E. chaffensise e a E. ewingii. O genogrupo II inclui a Anaplasma phagocytophila, Anaplasma platys e o agente da erliquiose humana. Já o genogrupo III é composto pelas espécies E. sennetsu e E. risticii (BREITSCHWERDT, 2004; SKOTARCZACK, 2003). O cão geralmente é acometido pela E. canis, mas infecções por outras espécies podem ocorrer. A E. canis causa uma doença chamada erliquiose monocítica canina que infecta as células mononucleares circulantes. Os neutrófilos são infectados pela E. ewingii, causando uma doença denominada erliquiose granulocítica canina (ANDEREG; PASSOS, 1999; BREITSCHWERDT, 2004). O vetor e reservatório da Erlichia spp. é o Rhipicephalus sanguineus, conhecido como carrapato castanho do cão. A infecção canina provavelmente ocorre quando as secreções salivares do carrapato contaminam o ponto de fixação durante o repasto sangüíneo (BREITSCHWERDT, 2004). Segundo Ristic; Holland (1993), todos os estágios de desenvolvimento do carrapato podem transmitir erliquiose (larvas, ninfas e adultos). No carrapato, a E. canis se multiplica nos hemócitos e nas células da glândula salivar, propiciando a transmissão transestadial, porém a transmissão transovariana provavelmente não ocorra (ANDEREG; PASSOS, 1999;). A distribuição da erliquiose está relacionada à distribuição do carrapato vetor, sendo esta doença relatada em grande parte das regiões tropicais e subtropicais de todo o mundo (BREITSCHWERDT, 2004). A doença é caracterizada por três fases: aguda, subclínica e crônica. A fase aguda inicia após um período de incubação de oito a 20 dias e essa fase dura de duas a quatro semanas. De acordo com Breitschwerdt (2004), durante esse período ocorre a multiplicação do microorganismo dentro das células mononucleares circulantes e dos tecidos fagocitários mononucleares do fígado, baço e linfonodos. Isso leva a linfadenopatia e à hiperplasia

12 linforreticular do baço e do fígado. As células infectadas são levadas pelo sangue para outros órgãos (pulmões, rins e meninges), e aderem-se ao endotélio vascular, induzindo vasculite e infecção tecidual subendotelial. A fase subclínica ocorre de 40 a 120 dias após a infecção, caracterizando-se pela persistência do microorganismo após a recuperação aparente da fase aguda (COUTO, 1998; SKOTARCZACK, 2003). Cães imunocompetentes eliminam o parasita e não desenvolvem a fase crônica da doença (BREITSCHWERDT, 2004). Os sinais clínicos irão depender da fase em que o animal se encontra. Na fase aguda, pode haver depressão, anorexia, perda de peso, febre, dispnéia, corrimento óculo-nasal, edema de membros ou de escroto, linfadenopatia generalizada e esplenomegalia (COUTO, 1998; RISTIC; HOLLAND, 1993; SKOTARCZACK, 2003). Uma variedade de sinais do sistema nervoso, incluindo hiperestesia, contração muscular e déficits dos nervos cranianos, pode ocorrer devido à inflamação ou ao sangramento no interior das meninges. Os sinais desta fase são transitórios e, em geral, resolvem-se em uma ou duas semanas sem tratamento (BREITSCHWERDT, 2004). Na fase crônica, sinais não específicos incluem letargia, anorexia, perda de peso e sensibilidade à palpação abdominal. Sinais atribuídos a tendências hemorrágicas, incluindo epistaxe, melena, hematúria, petéquias e equimoses, hifema e hemorragia retiniana ocorrem em 25% a 60% dos casos. Linfadenopatia, febre, mucosas pálidas e esplenomegalia são observados no exame clínico geral. Ataxia, paraparesia, déficit de consciência proprioceptiva, opistótono e nistagmo são as manifestações neurológicas relatadas (COHN, 2003). O quadro de poliartrite, caracterizado por uma resposta inflamatória predominantemente neutrofílica e em geral acompanhada com febre é a alteração mais freqüente associada à infecção pela E. ewingii (BREITSCHWERDT, 2004; SKOTARCZACK, 2003). Além dos sinais clínicos, existem alterações laboratoriais graves envolvendo infecção por Erlichia spp. As alterações hematológicas incluem a pancitopenia, anemia arregenerativa, trombocitopenia, linfocitose, hiper ou hipoplasia e plasmocitose de medula óssea, hiperglobulinemia e hipoalbuminemia. Dentre as alterações laboratoriais séricas incluem-se, com menor freqüência, a azotemia, aumentos de ALT e FA séricas e da bilirrubina total (BREITSCHWERDT, 2004). A trombocitopenia é a alteração hematológica mais consistente, tanto na fase aguda como na fase crônica da erliquiose. Na fase aguda, a trombocitopenia provavelmente resulta da destruição imunomediada das plaquetas circulantes, já na crônica, deve-se ao decréscimo

13 da produção de plaquetas. Outras causas também seriam a inflamação do endotélio vascular resultando em um maior consumo de plaquetas, e o seqüestro plaquetário pelo baço. A pancitopenia é comum em cães com erliquiose crônica (BREITSCHWERDT, 2004; WEISS, 2000). Segundo Breitschwerdt (2004), a anemia, quando presente, pode variar em gravidade. A formação de anticorpos eritrocitários pode contribuir para uma crise hemolítica aguda, resultando em uma anemia regenerativa. A anemia arregenerativa pode ser observada em cães cronicamente infectados. Na fase crônica, o exame da medula óssea revela uma medula hipocelular, com graus variados de supressão das séries eritróide, mielóide e megacariocítica. A hiperplasia medular ocorre na fase aguda da doença. A plasmocitose é um achado freqüente relatado na erliquiose. Segundo Weiss (2000), a erliquiose canina crônica á uma doença que resulta na proliferação e na expansão do pool sangüíneo de linfócitos circulantes. A linfocitose intensa, acompanhada de linfócitos atípicos ou reativos foi associada com a erliquiose (BREITSCHWERDT, 2004). A hiperglobulinemia tem sido associada à infecção e o quadro da hipoalbuminemia ocorre em associação à nefropatia, com perda de proteína ou diminuição recíproca na albumina associada com a hiperglobulinemia. A E. canis na fase crônica pode induzir a nefropatia grave com proteinúria, muito provavelmente relacionada à glomerulonefrite por deposição de imunocomplexos (BREITSCHWERDT, 2004). Os diagnósticos diferenciais incluem febre maculosa, trombocitopenia imunomediada, lupus eritematoso sistêmico, mieloma múltiplo e leucemia linfocitária crônica (BARR, 2003). O diagnóstico presuntivo pode ser feito através da combinação de indicadores clínicos apropriados e resultados laboratoriais positivos (COHN, 2003). A visualização das mórulas, inclusões intracelulares compostas de aglomerados de microorganismos riquetsianos, é um meio de diagnóstico (fig. 1 e 2). Geralmente estão presentes no citoplasma de neutrófilos, linfócitos, monócitos e eosinófilos, em um esfregaço de sangue periférico corado com Giemsa (ANDEREG; PASSOS, 1999).

14 FIGURA 1 Mórula intracelular de Erlichia cannis em monócito de cão. FONTE: International Veterinary Information Service Ithaca/NY (acessado em http://www.ivis.org). FIGURA 2 Aglomerado de microorganismos de Erlichia spp na periferia de linfócitos. FONTE: College of Veterinary Medicine Oklahoma State University (acessado em http://www.cvm.okstate.edu). A técnica de imunofluorescência indireta é altamente sensível na detecção de anticorpos contra as espécies de Erlichia. O título de 1:10 é indicativo de infecção porque a maioria dos cães torna-se soronegativa no período de seis a nove meses após tratamento eficaz, enquanto que os cães não tratados permanecem soropositivos (BREITSCHWERDT, 2004). Outro método de diagnóstico é a amplificação do DNA da E. canis por meio da reação em cadeia da polimerase (PCR) (BREITSCHWERDT, 2004). A infecção por E. canis não pressupõe imunidade protetora, portanto, a exposição subseqüente a carrapatos infectados após o tratamento resulta em recidiva da doença, geralmente de menor gravidade (BREITSCHWERDT, 2004). Atualmente, o tratamento recomendado para a erliquiose é a tetraciclina e a doxiciclina. A tetraciclina deve ser administrada na dose de 22 mg/kg, por via oral. A cada 8

15 horas, durante 14 dias. A doxiciclina deve ser administrada na dose de 5 mg/kg, via oral, a cada 12 horas, durante 21 dias ou 10 mg/kg a cada 24 horas (BREITSCHWERDT, 2004). Outra alternativa é o dipropionato de imidocarb, hemoparasiticida usado na dosagem de 5 mg/kg, injetável via subcutânea ou intramuscular por dose única e repetido em 14 dias. É efetivo no tratamento de erliquioses graves, crônicas ou supostamente refratárias (COUTO, 1998). Terapias de suporte devem ser realizadas, com o emprego de glicocorticóides, para atenuar a destruição imunomediada das plaquetas associada com a infecção. Fluidoterapia é indicada para animais com desidratação e insuficiência renal, e a transfusão sangüínea pode ser necessária em animais com anemia severa (COHN, 2003). O prognóstico para a erliquiose geralmente é bom. Uma melhora clínica comumente ocorre dentro do período de 24 a 48 horas após a administração de tetraciclina em cães na fase aguda ou crônica moderada da doença. Muitas vezes, uma rápida melhora pode ser observada em cães cronicamente infectados, contudo, pode ser necessário até um ano para a completa recuperação hematológica (BREITSCHWERDT, 2004). A profilaxia está associada ao controle da infestação de carrapatos de cães. Esse controle pode ser feito com banhos de imersão ou sprays que contenham diclorvós, clorfenvilós, dioxationa, propoxur ou carbaril (BAAR, 2003). O uso profilático da tetraciclina ou oxitetraciclina de reposição em regiões endêmicas durante a estação de carrapatos está sendo indicado como prevenção da infecção. A indicação é tetraciclina na dose de 6,6 mg/kg, VO, SID; e oxitetraciclina de reposição na dose de 200 mg IM, duas vezes por semana (COHN, 2003; BREITSCHWERDT, 2004). Atualmente não há vacinas disponíveis no mercado (BREITSCHWERDT, 2004).

16 3 APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICO 3.1 RELATO DE CASO Um cão, de nome Yuri, da raça akita com cinco meses de idade e pesando 11,7 kg, foi levado à Clínica Veterinária Dog Gato no dia 29 de agosto de 2008. FIGURA 3 O paciente Yuri. Segundo a proprietária, o animal encontrava-se hiporético/anorético e com dificuldade respiratória há aproximadamente um mês. Foi tratado para pneumonia por um colega que prescreveu penicilina. Relata que após o tratamento estabelecido, houve pouca melhora do quadro e que o animal começou a apresentar diarréia líquida e com coloração clara. O veterinário também prescreveu ferro e um suplemento alimentar devido ao quadro de anemia que o animal apresentava. Após a remissão da diarréia, o paciente apresentava-se com impossibilidade de se manter em estação, passando a urinar e defecar em decúbito lateral. Passados alguns dias, voltou a se alimentar, mas continuou muito debilitado e perdendo peso. De acordo com a proprietária, o cão alimentava-se apenas de ração comercial e coabitava com outro cão saudável que tinha acesso à rua. O animal possuía três doses de vacina óctupla e uma da anti-rábica, e estava com a desverminação atualizada. Ao exame clínico geral, constatou-se que o cão apresentava as mucosas conjuntivais e oral pálidas, normotermia (38,5 ºC), TPC 3 segundos, sons respiratórios de crepitação expiratória, hiperalgesia muscular generalizada, lesões em membros pélvicos por dermatite de contato com a urina, depressão de consciência, espasticidade de membros torácicos, ausência

17 de propriocepção em membros torácicos e diminuição de propriocepção em membros pélvicos. Analisando o histórico do animal e o exame clínico, sugeriram-se as suspeitas clínicas de: encefalite por cinomose, toxoplasmose, neosporose ou criptococose; dirofilariose ou ainda narcolepsia. O animal foi internado para aguardar o resultado dos exames laboratoriais solicitados (hemograma, ALT e Creatinina). Neste mesmo dia, no internamento, foi administrado meloxicam 0,2 mg/kg, S.C.; Tramadol 2 mg/kg, S.C.; Tribrissen (sulfadiazina 400 mg/ml + trimetoprim 80 mg/ml), 30 mg/kg, S.C.; Luftal (dimeticona), 20 gotas por VO. O animal permaneceu internado recebendo fluidoterapia com solução fisiológica, I.V. Exames complementares (29/08): QUADRO 1 HEMOGRAMA ERITROGRAMA RESULTADOS VAL. REFERÊNCIA Eritrócitos (/ L) 3.340.000 5.500.000 8.500.000 Hemoglobina (g/dl) 8,7 12 a 18 Hematócrito (%) 18 37 a 55 VGM ( 3) 54,60 60 a 77 CHGM (%) 37,30 32 a 36 PROTEÍNA PLASMÁTICA (g/dl) 5,8 6 a 8 Observações: anisocitose + ; poiquilocitose + LEUCOGRAMA RESULTADOS VAL. REFERÊNCIA Leucócitos totais (/ L) 12.000 6.000 17.000 Neutrófilos Segmentados (/ L) 7.800 3.000 a 11.500 Neutrófilos Bastonetes (/ L) 2.210 0 a 300 Linfócitos (/ L) 130 1.000 a 4.800 Eosinófilos (/ L) 260 100 a 1.250 Basófilos (/ L) 0 Raros Monócitos (/ L) 2.600 150 a 1.250 QUADRO 2 EXAMES BIOQUÍMICOS SÉRICOS EXAME RESULTADOS VAL. REFERÊNCIA ALT (UI/L) 49,73 10 a 88 Creatinina (mg/dl) 0,55 0,5 a 1,5

18 Devido aos resultados do hemograma, o animal foi submetido a uma transfusão sangüínea, recebendo 250 ml de sangue total de um cão doador, I.V. No dia 30/08/2008, a medicação continuou sendo administrada como no dia anterior, sem indícios de melhora clínica, mesmo após a transfusão sangüínea. Foi solicitado um exame coproparasitológico para pesquisa de parasitas intestinais, tendo resultado negativo, ou seja, ausência de ovos ou larvas de nematódeos ou cestódeos na amostra de fezes colhida. Neste mesmo dia, também foi enviada uma amostra de soro para a realização de exame sorológico de imunofluorescência indireta para cinomose, dando resultado de titulação >1:50, que indica evidência de imunização ou contato viral anterior, não sendo considerada infecção viral ativa ou atual. No dia 31/08/2008, continuou-se administrando a mesma medicação. Observou-se a coloração escura da urina e efetuou-se a colheita por sondagem para envio ao laboratório de análises clínicas para urinálise. Também foi efetuada nova colheita de sangue para novo hemograma. Exames complementares (31/08): QUADRO 3 URINÁLISE EXAME FÍSICO Cor Marrom avermelhado Aspecto Turvo Volume (ml) 8,5 Densidade 1.060 EXAME QUÍMICO PH 6,5 Glicose +++ Nitrito Negativo Urobilinogênio Negativo Corpos Cetônicos Negativo Sangue +++ Bilirrubina Negativo Ácido Ascórbico Negativo Proteínas +++ EXAME DE SEDIMENTO Eritrócitos +++ Leucócitos + Células epiteliais 2/campo

19 QUADRO 4 HEMOGRAMA ERITROGRAMA RESULTADOS VAL. REFERÊNCIA Eritrócitos (/ L) 3.450.000 5.500.000 8.500.000 Hemoglobina (g/dl) 7,5 12 a 18 Hematócrito (%) 18 37 a 55 VGM ( 3) 55,90 60 a 77 CHGM (%) 39,50 32 a 36 PROTEÍNA PLASMÁTICA (g/dl) 5,0 6 a 8 Observações: anisocitose + ; poiquilocitose + LEUCOGRAMA RESULTADOS VAL. REFERÊNCIA Leucócitos totais (/ L) 7.300 6.000 17.000 Neutrófilos Segmentados (/ L) 3.723 3.000 a 11.500 Neutrófilos Bastonetes (/ L) 1.533 0 a 300 Linfócitos (/ L) 365 1.000 a 4.800 Eosinófilos (/ L) 0 100 a 1.250 Basófilos (/ L) 0 Raros Monócitos (/ L) 1.179 150 a 1.250 Observações: presença de neutrófilos tóxicos + ; macroplaquetas. No dia 01/09/2008, foram solicitados novos exames laboratoriais: contagem de reticulócitos de plaquetas e nova bioquímica sérica para avaliar a função renal (uréia e creatinina). A contagem de reticulócitos revelou uma resposta leve da medula óssea à anemia, mostrando a presença de 2,0% de reticulócitos. O resultado da contagem de plaquetas foi de 9/campo, indicando uma discreta trombocitopenia, visto que os valores de referência situam-se entre 10 e 25/campo. Os valores de creatinina e uréia mostraram-se dentro dos valores de referência para a espécie canina, tendo como resultados 0,47 mg/dl e 20,47 mg/dl, respectivamente. Levando-se em consideração a discreta resposta da medula óssea à anemia e ao reduzido número de plaquetas, solicitou-se a pesquisa de hematozoários, e iniciou-se a terapia medicamentosa com antibióticos mais específicos aos possíveis parasitas sangüíneos. A suspeita clínica principal passou a ser Erliquiose. Além da terapia medicamentosa que já vinha sendo empregada ao paciente, devido à forte suspeita de hemoparasitismo iniciou-se a terapia com os seguintes medicamentos: 1) Ceftriaxona 1g/3 ml 1,5 ml s.i.d., I.M., por 10 dias (40 mg/kg); 2) Doxiciclina 100 mg ½ comprimido b.i.d., VO por 21 dias (5mg/kg); 3) Prednisona 20 mg ½ comprimido, s.i.d., VO por 15 dias (1 mg/kg). O animal teve alta e continuou recebendo o tratamento medicamentoso em casa.

20 No dia 05/09/2008, por telefone, a proprietária relatou que o animal estava mais ativo e responsivo. Mantendo-se com as funções fisiológicas normais (normofagia, normoquesia, normúria e normodipsia), ainda apresentava muita dificuldade em se levantar e sustentar o peso. No dia 06/09/2008, o resultado da pesquisa de hematozoários revelou a presença de inclusões citoplasmáticas em linfócitos compatíveis com mórulas do hemoparasita Erlichia spp. No dia 08/09/2008, o paciente retornou à Clínica Veterinária para reavaliação: segundo informações da proprietária, o animal apresentava-se mais alerta e disposto, alimentando-se com mais facilidade e urinando espontaneamente. A coloração da urina ainda continuava escura, mas sem presença de sangue. A defecação mantinha-se normal. O animal ainda apresentava dificuldade em se levantar e andar, mas esboçava atitude de movimentação. Ao exame físico, observou-se mucosas normocoradas, ausculta pulmonar límpida, hiperalgesia em coluna toracolombar, ausência de propriocepção em membro torácico esquerdo, diminuição de propriocepção em membro torácico direito e também presença de propriocepção em membros pélvicos. Manteve-se a medicação (doxiciclina, prednisona e ceftriaxona), previamente prescrita. No dia 12/09/2008, em nova reavaliação, o animal mostrava leve diminuição na prostração, porém com diminuição do apetite e da ingestão de água. Já conseguia se movimentar, mas com certa dificuldade de andar. Continuava sendo administrada doxiciclina 100 mg e prednisona 20 mg. Ao exame físico observou-se mucosas normocoradas, linfonodos normais à palpação, mialgia presente, porém mais discreta, melhora na propriocepção dos quatro membros, e melhora no nível de responsividade ao chamado. Observou-se aumento das articulações. Devido ao possível desenvolvimento de gastrite medicamentosa, prescreveuse ranitidina 15 mg/ml, 1,6 ml (2 mg/kg), duas vezes ao dia por 10 dias. Foi colhido sangue para novo hemograma e mensuração das enzimas ALT e Creatinina séricas. Exames complementares (12/09):

21 QUADRO 5 HEMOGRAMA ERITROGRAMA RESULTADOS VAL. REFERÊNCIA Eritrócitos (/ L) 5.760.000 5.500.000 8.500.000 Hemoglobina (g/dl) 12,6 12 a 18 Hematócrito (%) 33 37 a 55 VGM ( 3) 57,90 60 a 77 CHGM (%) 38,20 32 a 36 Observações: anisocitose + LEUCOGRAMA RESULTADOS VAL. REFERÊNCIA Leucócitos totais (/ L) 16.500 6.000 17.000 Neutrófilos Segmentados (/ L) 13.695 3.000 a 11.500 Neutrófilos Bastonetes (/ L) 330 0 a 300 Linfócitos (/ L) 990 1.000 a 4.800 Eosinófilos (/ L) 165 100 a 1.250 Basófilos (/ L) 0 Raros Monócitos (/ L) 1.320 150 a 1.250 EXAME RESULTADOS VAL. REFERÊNCIA PROTEÍNA PLASMÁTICA (g/dl) 6,8 6 a 8 QUADRO 6 EXAMES BIOQUÍMICOS SÉRICOS EXAME RESULTADOS VAL. REFERÊNCIA ALT (UI/L) 13,03 10 a 88 Creatinina (mg/dl) 2,70 0,5 a 1,5 No dia 19/09/2008, em nova visita ao Hospital Veterinário, a proprietária referiu que o animal estava se alimentando normalmente, ingerindo pouca quantidade de água e ainda com dificuldades de se locomover, apresentando-se com as articulações edemaciadas. Relatou ainda normoquesia e normúria, negando vômitos ou diarréia. Ao exame físico o paciente apresentou os membros torácicos espásticos, sem outras alterações dignas de nota. Foi solicitada outra colheita de sangue para acompanhamento do hemograma e da bioquímica renal. Também se solicitou a colheita de urina para realização de nova urinálise, bem como colheita de líquido sinovial das articulações para análise laboratorial. Exames complementares (19/09):

22 QUADRO 7 HEMOGRAMA ERITROGRAMA RESULTADOS VAL. REFERÊNCIA Eritrócitos (/ L) 6.100.000 5.500.000 8.500.000 Hemoglobina (g/dl) 13,8 12 a 18 Hematócrito (%) 34 37 a 55 VGM ( 3) 56,70 60 a 77 CHGM (%) 40,60 32 a 36 LEUCOGRAMA RESULTADOS VAL. REFERÊNCIA Leucócitos totais (/ L) 30.800 6.000 17.000 Neutrófilos Segmentados (/ L) 27.720 3.000 a 11.500 Neutrófilos Bastonetes (/ L) 308 0 a 300 Linfócitos (/ L) 924 1.000 a 4.800 Eosinófilos (/ L) 308 100 a 1.250 Basófilos (/ L) 0 Raros Monócitos (/ L) 1.540 150 a 1.250 EXAME RESULTADOS VAL. REFERÊNCIA PROTEÍNA PLASMÁTICA (g/dl) 7,2 6 a 8 PLAQUETAS/CAMPO 9 10 a 15 QUADRO 8 EXAME BIOQUÍMICO SÉRICO EXAME RESULTADOS VAL. REFERÊNCIA Creatinina (mg/dl) 0,70 0,5 a 1,5

23 QUADRO 9 URINÁLISE EXAME FÍSICO Cor Amarela Aspecto Límpido Volume (ml) 25 Densidade 1.044 EXAME QUÍMICO PH 5,5 Glicose Negativo Nitrito Negativo Urobilinogênio Negativo Corpos Cetônicos Negativo Sangue Negativo Bilirrubina Negativo Ácido Ascórbico Negativo Proteínas Traços EXAME DE SEDIMENTO Eritrócitos 5/campo Leucócitos 2/campo Bactérias raras Células epiteliais 5/campo Cilindros hialinos 0-2/campo Cilindros granulosos 0-2/campo Neste dia (19/09), o animal foi internado para a colheita de líquido sinovial, recebendo fluidoterapia I.V. com solução fisiológica. No dia 21/09/2008, o resultado do exame de cultura microbiológica do líquido sinovial acusou ausência de crescimento de microorganismos (bactérias e fungos). No dia 22/09/2008, por contato telefônico, a proprietária relatou que o animal apresentava-se em bom estado geral e com todos os parâmetros fisiológicos normais. Segundo a proprietária, o animal ainda apresentava dificuldades para se locomover, mas já apresentava melhora gradativa do quadro. Nesta ocasião, a cliente comunicou que levaria o paciente para uma reavaliação em data futura a combinar.

24 3.1.2 Discussão O animal foi levado à Clínica Veterinária Dog Gato com sinais inespecíficos como apatia hiporexia/anorexia, episódios de diarréia e emagrecimento. Ao exame físico, constatouse presença de mucosas hipocoradas, depressão de consciência, espasticidade de membros torácicos, ausência de propriocepção em membros torácicos e diminuição de propriocepção em membros pélvicos. Sinais como apatia, anorexia e perda de peso estão presentes tanto na fase aguda como na fase crônica da infecção por E. canis (BREITSCHWERDT, 2004; COHN, 2003; COUTO, 1998; RISTIC; HOLLAND, 1993; SKOTARCZAK, 2003). Déficits de consciência proprioceptiva e demais manifestações neurológicas também são relatados por COHN (2003). Inicialmente, não havia suspeita de erliquiose. Esta suspeita surgiu depois, devido às alterações observadas em exames sangüíneos. As suspeitas iniciais foram de cinomose, toxoplasmose, neosporose ou criptococose, dirofilariose ou narcolepsia. Analisando-se os resultados de primeiro hemograma (29/08), observou-se uma anemia severa através do baixo valor do hematócrito (18). Havia, entretanto, sinais de regeneração dos eritrócitos, constatados devido à presença de anisocitose e poiquilocitose que podem indicar uma anemia hemolítica. No leucograma observou-se desvio dos neutrófilos à esquerda regenerativo, que poderia ser explicado pela instalação de um processo infeccioso no organismo do animal, embora não se constatasse leucocitose e/ou neutrofilia. Contudo, a presença de monocitose reforçava esta hipótese. A linfopenia pode ocorrer em situações de estresse, inflamações, doenças debilitantes ou infecções virais. Ainda pode-se observar presença de leve hipoproteinemia. Segundo Breitschwerdt (2004), na fase aguda da erliquiose pode ocorrer a formação de anticorpos eritrocitários, que contribuem para uma crise hemolítica aguda, resultando em uma anemia regenerativa. Devido ao baixo valor de hematócrito, foi efetuada transfusão sangüínea, conforme recomendado por Cohn (2003). Com relação aos exames bioquímicos realizados na mesma data, observaram-se resultados dentro dos valores normais, não indicando comprometimento renal ou hepático, em primeira análise. Mesmo após a realização de transfusão sangüínea, o valor do hematócrito permaneceu baixo, o que pode indicar que a causa da anemia permanecia atuando, fazendo com que o animal continuasse a perder eritrócitos. Observou-se, então, um aumento do desvio nuclear

25 dos neutrófilos à esquerda que veio a reforçar a hipótese de um processo infeccioso atuante, também reforçado pela monocitose. Ainda observou-se presença de linfopenia. A urinálise revelou presença de eritrócitos no sedimento urinário, indicando hematúria. A significativa presença de proteínas encontradas na urina pode indicar uma lesão renal por glomerulonefrite em virtude da deposição de imunocomplexos devidos à infecção por Erlichia spp. (BREITSCHWERDT, 2004). A glicosúria observada reforçava a hipótese de lesão glomerular. De acordo com Thompson (1992), proteinúria e anemia regenerativa são comumente observadas em quadros de erliquiose. Observou-se também uma leve hipoproteinemia, possivelmente em decorrência da proteinúria observada na urinálise anteriormente realizada. De acordo com Breitschwerdt (2004), o quadro de hipoalbuminemia ocorre em associação à nefropatia, com perda de proteínas ou diminuição recíproca na albumina associada com a hiperglobulinemia. Foram então solicitados exames de contagem de reticulócitos e plaquetas, além de dosagem de uréia e creatinina para avaliar a função renal. Novamente foram observados sinais de anemia regenerativa (presença 2% de reticulócitos), reforçando os sinais presentes na fase aguda da doença (BREITSCHWERDT, 2004). Observou-se também a presença de trombocitopenia. Segundo Breitschwerdt (2004), a trombocitopenia é a alteração hematológica mais consistente na erliquiose aguda ou crônica. Entretanto, ao contrário do citado pela literatura (WEISS, 2000), não foi observada linfocitose, e sim, linfopenia. Após análises destes dados, passou-se a suspeitar de erliquiose. Solicitou-se pesquisa de hematozoários, e deu-se início ao tratamento contra esta doença. Segundo Cohn (2003), cães com sinais clínicos sugestivos e anormalidades laboratoriais compatíveis podem iniciar com o tratamento mesmo sem a realização de exames específicos. O tratamento instituído (doxiciclina 5 mg/kg, b.i.d., por 21 dias) em substituição ao anterior corresponde ao mesmo preconizado pelo autor Breitschwerdt (2004). Segundo o mesmo autor, poder-se-ia também administrar tetraciclina 22 mg/kg, t.i.d., por 14 dias. Outra alternativa (COUTO; NELSON, 1998) seria o dipropionato de imidocarb 5 mg/kg, em dose única e repetido em 14 dias. Prescreveu-se também a ceftriaxona e a prednisona. É recomendado o uso de glicocorticóides a fim de atenuar a destruição imunomediada das plaquetas associadas com a infecção (COHN, 2003). A pesquisa de hematozoários revelou presença de inclusões citoplasmáticas em linfócitos, compatíveis com mórulas de Erlichia spp., estabelecendo-se o diagnóstico

26 definitivo. Apesar de Breitschwerdt (2004) relatar que as mórulas são observadas ocasionalmente durante a fase inicial da infecção e raramente em infecções crônicas, neste caso as mesmas puderam ser visualizadas. Após 14 dias de tratamento, pode-se observar uma grande melhora no quadro de anemia do paciente. Sugere-se que essa melhora deveu-se à terapia medicamentosa empregada, com uso de antibióticos específicos contra o parasita encontrado no sangue do animal (Erlichia spp.). O leucograma mostrou uma neutrofilia com linfopenia, provavelmente em decorrência da terapia medicamentosa com glicocorticóide. O valor de creatinina mostrou-se aumentado, provavelmente em decorrência do catabolismo das proteínas musculares do próprio animal, em virtude da diminuição da ingestão de alimentos. Outra hipótese seria devido ao prejuízo na filtração glomerular ou função renal comprometida pela ação de glomerulonefrite por deposição de imunocomplexos, comum nas infecções por Erlichia spp. (BREITSCHWERDT, 2004). Realizaram-se outros exames para acompanhar a evolução do caso. Observando-se o resultado do hemograma, constatou-se uma boa resposta da medula óssea na recomposição do hematócrito, que passou a se aproximar ainda mais dos valores mínimos de referência para a espécie canina. De acordo com o leucograma, pode-se notar uma característica marcante de estresse: a presença de leucocitose com neutrofilia sem desvio à esquerda e com linfopenia, que se deve à ação dos hormônios glicocorticóides, tanto de origem endógena como exógena (como se observa no paciente, que vem recebendo corticoterapia há alguns dias). O resultado da bioquímica renal (creatinina), com valor de 0,70 mg/dl, sugere restabelecimento da função renal do paciente, ou reforça a hipótese de que a elevação anterior do valor deste composto se devesse à ação do catabolismo muscular do animal. Os resultados da urinálise não indicaram nenhum sinal de comprometimento na função renal do paciente, e demonstraram o restabelecimento dos parâmetros que se apresentaram anteriormente alterados. Devido ao edema nas articulações e dificuldade de locomoção, realizou-se colheita e cultura microbiológica do líquido sinovial, não apresentando alterações. O edema de membros e os sinais neurológicos ainda apresentados também são associados à fase aguda da doença (RISTIC; HOLLAND, 1993). O tratamento e o acompanhamento clínico realizados condizem com a literatura revisada, revelando, portanto, uma conduta apropriada neste caso. Também poderia ter sido utilizado, como outro método diagnóstico, a técnica da imunofluorescência indireta (BREITSCHWERDT, 2004).

27 Além disso, devido ao fato da infecção não pressupor imunidade protetora (BREITSCHWERDT, 2004), o proprietário do animal receberá orientações quanto à prevenção de novas infestações por carrapatos no paciente. A prevenção consiste em limpeza e desinfecção do meio que o animal habita, através do uso de carrapaticidas; bem como a aplicação de produtos acaricidas tópicos.

28 CONSIDERAÇÕES FINAIS A erliquiose, bem como as demais hemoparasitoses, é uma patologia que deve ser sempre considerada no diagnóstico diferencial de sinais como palidez de mucosas, hiperalgesia generalizada e sinais neurológicos. Devido à baixa incidência de casos como este em Curitiba, e a falta de estudos sobre a distribuição epidemiológica do parasita e do seu vetor na região, muitas vezes ocorre certa demora para que se suspeite tratar de um caso de hemoparasitose. Neste caso específico, o paciente apresentava sinais multisistêmicos, com envolvimento respiratório, dermatológico, neurológico e articular. Considerando-se o histórico do animal e o exame clínico, as suspeitas clínicas estabelecidas foram de encefalite por cinomose, toxoplasmose, neosporose ou criptococose; dirofilariose ou ainda narcolepsia. Inicialmente não houve suspeita de se tratar de um caso de erliquiose. Tal fato se deve, principalmente, à baixa incidência de carrapatos observada no dia-a-dia na época do ano do ocorrido. Além disso, o fato do quadro neurológico do paciente estar avançado direcionou a linha de raciocínio do clínico para uma afecção do SNC, como o vírus da cinomose. Os exames complementares constituíram uma importante ferramenta para obtenção do diagnóstico, eliminado as demais suspeitas, até que foi possível constatar a presença de mórulas do parasita sangüíneo em linfócitos do paciente. Geralmente, estas inclusões citoplasmáticas só são encontradas em casos iniciais (agudos) da doença. O tratamento estabelecido baseou-se na administração de antibióticos próprios para o caso, por um longo período de tempo, além da corticoterapia, a fim de atenuar a destruição imunomediada das plaquetas associada com a infecção. Neste caso, não foi utilizado o dipropionato de imidocarb, porém este hemoparasiticida poderia tranqüilamente ter sido usado no tratamento da erliquiose. Infelizmente, a infecção pela bactéria do gênero Erlichia spp. não pressupõe imunidade protetora, estando o animal passível de se infectar novamente com o hemoparasita. Por este motivo, deve-se dar uma atenção especial às formas de controle e prevenção de carrapatos no meio e no animal, através de produtos acaricidas tópicos (spray, shampoo, soluções pour on).

29 REFERÊNCIAS ANDEREG, P.I.; PASSOS, L.M.F. Erliquiose canina revisão. Clínica Veterinária, São Paulo, ano IV, n 18, jan/fev 1999. BARR, S.C. Erliquiose. In: SMITH, F.W.K.; TILLEY, L.P. Consulta Veterinária em 5 minutos: espécie canina e felina. 2.ed. São Paulo: Manole, 2003. BREITSCHWERDT, E.B. Riquetsioses. In: ETTINGER, S.J.; FELDMAN, E.C. Tratado de Medicina Interna Veterinária: doenças do cão e do gato. 5.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004 v. 1. COHN, L.A. Erlichiosis and related infections. The Veterinary Clinics Small Animal Practice, n 33, p. 863-884, 2003. COUTO, C.G. Doenças rickettsiais. In: BIRCHARD, S.J.; SHERDING. R.G. Manual Saunders: clínica de pequenos animais. 1 ed. São Paulo: Roca, 1998. COUTO, C.G.; NELSON, R.W. Small Animal Internal Medicine. 2.ed. St. Louis: Mosby Inc., 1998. RISTIC, M.; HOLLAND, C.J. Canine Ehrlichiosis. In: WOLDEHIWET, Z.; RISTIC, M. Rickettsial and Chlamydial Diseases of Domestic Animal. Nova York: Pergamon Press, 1993. SKOTARCZACK, B. Canine Erlichiosis. Ann Agric Environ Med, n 10, p. 137-141, 2003. THOMPSON, R. G. Patologia geral veterinária. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1992. WEISS, D.J. In: FELDMAN, B.F.; ZINKE, J.G.; JAIN, N.C. Schalm s Veterinary Hematology. 5 ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2000.