MUITO ALÉM DA CASA BRANCA: O APOIO NORTE-AMERICANO AO GOLPE CIVIL-MILITAR DE 1964 1



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MUITO ALÉM DA CASA BRANCA: O APOIO NORTE-AMERICANO AO GOLPE CIVIL-MILITAR DE 1964 1 Carlos César Higa 2 Resumo: A discussão sobre o apoio norte-americano ao golpe-civil militar de 1964 provoca constantes debates entre os historiadores que estudam este período. As cartas 3 recebidas e enviadas pelo governador Carlos Lacerda dias após o golpe apontam que tal apoio não ficou restrito ao governo norteamericano. Cidadãos residentes em várias partes dos Estados Unidos enviaram cartas de apoio ao golpe ressaltando a importância de se derrotar o perigo comunista na América Latina. Esta comunicação pretende analisar estas missivas buscando ampliar a compreensão do apoio norte-americano à deposição de João Goulart Palavras chave: Carlos Lacerda, golpe civil militar, Estados Unidos O apoio dos Estados Unidos ao golpe civil militar de 1964 é motivo de constantes debates entre pesquisadores do regime militar. Esta comunicação pretende analisar tal apoio a partir do epistolário do governador da Guanabara, Carlos Lacerda, nos meses que seguiram à deposição de João Goulart da Presidência da República. Estas cartas apontam o reconhecimento de vários cidadãos norte-americanos ou brasileiros residentes naquele país da atuação de Lacerda tanto no combate ao comunismo como no êxito do golpe. Por meio destas cartas, percebe-se que o apoio vindo dos Estados Unidos não ficou restrito à Casa Branca. A atuação dos Estados Unidos tanto na preparação como na execução do golpe está relacionada com a consolidação do capitalismo associado no Brasil bem como as tentativas do governo Goulart de realizar as reformas de base. Dois eixos que iam de encontro aos interesses norte-americanos no Brasil e que, para evitar a infiltração comunista que estaria por trás dessas 1 As cartas analisadas nesta comunicação encontram-se depositadas no Arquivo Carlos Lacerda, localizado na Seção de Obras Raras da Biblioteca Central da Universidade de Brasília (UnB). 2 Mestrando em História pelo Programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal de Goiás. É bolsista do CNPq. 3 As cartas em inglês citadas nesta comunicação foram traduzidas por nós.

duas propostas, a Casa Branca apoiou a desestabilização e a conspiração contra João Goulart. De acordo com TOLEDO (2004): Em síntese, as classes dominantes e suas elites ideológicas e repressivas, no pré-64, apenas enxergavam baderna, anarquia, subversão e comunização do país diante de legítimas iniciativas dos operários, camponeses, estudantes, soldados e praças etc. Por vezes, expressas de forma altissonante e retórica, tais demandas, em sua substância, reivindicavam o alargamento da democracia política e a realização de reformas do capitalismo brasileiro. (Grifos do autor). Carlos Lacerda era governador da Guanabara e forte opositor do presidente João Goulart. Em 1963, ele concedeu uma entrevista ao jornal Los Angeles Times afirmando que militares estariam articulando um golpe contra o governo federal. Como se verá mais abaixo quando o epistolário do governador for analisado, Lacerda já tinha a imagem de anticomunista construído no imaginário da população norte-americana e crítico da baderna acima citado. DREIFUS não cita Lacerda como um dos conspiradores do complexo IPES/IBAD, mas por ser governador de estado e opositor do presidente, provavelmente ele fora informado sobre as articulações 4 contra Goulart oriundas desse complexo. Os norte-americanos que escreveram para Carlos Lacerda enxergavam no governo Goulart uma porta aberta para a infiltração comunista. Assim que o golpe logrou êxito, as congratulações se concentravam não no fim da baderna, mas na derrota do comunismo no maior país da América Latina e que serviria de exemplo para outros países. As cartas apontam não apenas congratulações pelo êxito do golpe, mas também o envio de editoriais e matérias jornalísticas sobre o evento como aponta a missiva que Lacerda respondeu a Frederick L. Darnell em 20 de abril de 1964: Tenho sua singela carta de 9 de abril e desejo agradecer-te por enviar o editorial do Fort Lauderdale News. Ao enviar um editorial publicado em um jornal norte-americano, o missivista desejava compartilhar com aquele que era considerado o líder civil do golpe, as notícias e os comentários a respeito da deposição de Goulart que circulavam pelos Estados Unidos. Lacerda ressalta 4 Lacerda afirmou no seu Depoimento (1978) que a sua conspiração era pública como exemplo as reuniões com o governador mineiro Magalhães Pinto e propiciar a reaproximação de dois importantes donos de jornais, Assis Chateaubriand e Júlio de Mesquita Neto.

que a visão positiva que o jornal mostrava do golpe deveria ser a mesma dos outros jornais dos Estados Unidos, o que denota as variadas visões sobre o ocorrido no Brasil. Talvez Lacerda tenha ressaltado o conteúdo da matéria enviada para exaltar ainda mais o apoio recebido de um cidadão norteamericano. Outra carta também foi enviada juntamente com uma matéria sobre a deposição de Goulart e que foi agradecida pelo governador: Muito obrigado por enviar-me os clippings do Louisville Times, comentando o evento recente no Brasil. Estou profundamente em débito com você por pensar em nós nestes dias difíceis e fique com caloroso respeito pessoal. (Carta enviada por Carlos Lacerda para Henry M. Correa em 20 de abril de 1964) As duas cartas acima citadas mostram que o golpe civil militar foi noticiado por outros jornais, provavelmente de circulação regional, não ficando restrito aos jornais cuja circulação é mais ampla como o New York Times e Washington Post. Escrever uma carta pressupõe que o missivista guarde um determinado tempo da sua rotina para escrever a alguma pessoas distante, porém conhecida. Darnell, ao enviar um editorial a Carlos Lacerda desejava colaborar para o evento que aconteceu no Brasil. O missivista reconhecia a atuação do destinatário e desejava compartilha o que estava sendo veiculado a respeito nos Estados Unidos. Nessa mesma carta, Lacerda reconhece que a vitória dos conspiradores contra o governo Goulart foi uma vitória dos brasileiros, sem interferência externa. Talvez uma forma de reforçar a atuação dos líderes do golpe que trabalharam sem a ajuda de nenhum governo estrangeiro. Apesar do desejo expresso na carta de que os esforços para livrar o comunismo foram exclusivamente brasileiros, não se podem negar os vários estudos publicados a respeito do apoio do governo norte-americano. Como mostra FICO (2008), o governo Lyndon Johnson foi rápido ao reconhecer o novo governo mesmo que João Goulart ainda estivesse em território brasileiro. Deve-se levar em consideração ao ler estas missivas de cidadãos norteamericanos para Carlos Lacerda que o período aqui estudado refere-se ao

auge da Guerra Fria. Em 1959, Fidel Castro assumia o poder em Cuba após um golpe de estado e, em seguida, declarando-se aliado da União Soviética. Era uma ameaça aos EUA uma pequena ilha próxima do seu território se aliar ao principal inimigo mundial. A ascensão de Castro ao poder em Cuba fez com que a Casa Branca voltasse seus olhos para a América Latina. DREIFFOUS (1982) aponta os vários investimentos norte-americanos em centros de estudo, na imprensa e na formação militar no Brasil tanto para combater o comunismo como para desestabilizar o governo Goulart que estaria próximo da URSS. O embate ideológico entre capitalismo e comunismo deve ser considerado ao realizar a leitura do epistolário referente ao apoio de norte-americanos ao golpe. Os missivistas também apontam a presença de simpatizantes do comunismo na imprensa norte-americana e elogiaram as respostas do governador da Guanabara quando questionado por jornalistas que teria afinidades com o comunismo. A atuação de Lacerda era reconhecida nos Estados Unidos. Logo após a posse do Marechal Castello Branco na Presidência, Lacerda foi enviado ao exterior para explicar o que estava acontecendo no Brasil já que a imagem da deposição de João Goulart não foi bem recebida pela imprensa estrangeira. Como o nosso foco neste momento é a relação com os Estados Unidos, restringiremos a análise às cartas que o governador da Guanabara recebeu relativo a sua passagem por aquele país quando participou de programas televisivos no qual respondeu perguntas sobre o golpe. A despeito dos questionamentos sobre as primeiras notícias de tortura praticada contra opositores do novo governo, Lacerda recebeu cartas parabenizando sua atuação perante a imprensa norte-americana. Eu desejo parabenizar você e outros anti-comunistas do Brasil no magnífico sucesso ao derrubar o regime Goulart e prender os Reds e derrotar o aparato comunista no Brasil. Esta grande vitória do Brasil provou ao mundo inteiro que os Reds não são invencíveis e que o comunismo pode ser derrotado e destruído por homens corajosos e honrados. (Carta escrita por Vincent Godfrey Burns para Carlos Lacerda em 3 de maio de 1964). Ainda na carta acima citada, o missivista enviou um artigo escrito para o jornal Evening Capital publicado em Maryland. O golpe foi discutido entre os

norte-americanos não apenas entre si, mas na imprensa. Tal discussão era enviada para Carlos Lacerda o que nos sugere, mais uma vez, a necessidade do missivista residente nos Estados Unidos de informar sobre o que era publicado na imprensa norte-americana. A aparição de Lacerda nos programas televisivos norte-americanos foi bem recebida pelos missivistas como aponta uma carta escrita no dia 22 de junho de 1964 cuja remetente não foi possível até o momento ser identificada por rubricar o seu nome. Eu ouvi você no Meet the Press na outra noite e não posso resistir em te dizer o quanto admirei suas respostas enfáticas. Brasil tem feitos de uma grande nação e tudo que precisa para se tornar como tal é um líder bom, enérgico, inteligente, honesto, bem educado que ama o seu país mais do que a si mesmo e seus interesses. Eu acho que você tem essas qualificações e espero que você seja o próximo presidente. Possam as palavras Ordem e Progresso na sua bandeira logo se tornarem realidade. Como aponta FICO, o apoio mais explícito ao governo militar foi enfraquecendo ao longo dos anos quando tal governo dava claros sinais de ser uma ditadura, o que prejudicaria o governo norte-americano já que a opinião pública se voltava contra a Casa Branca por conta da sua interferência na política de outros países latino-americanos. Mas enquanto o novo governo era apenas uma reação à infiltração comunista no Brasil, o apoio foi irrestrito. Lacerda procurou responder as cartas recebidas de congratulações pelo êxito do golpe. Mesmo quando estava em viagem ao exterior, o Chefe da Casa Civil do Governo da Guanabara, Marcelo Garcia, se encarregava de responder as cartas recebidas. Como sua carta dirigida ao Governador Carlos Lacerda em 9-4-64, só chegou ao Rio depois que ele havia partido em viagem pela Europa e Estados Unidos venho trazer a V.S. os mais sinceros agradecimentos pelas felicitações que enviou pela recente vitória da revolução brasileira. A derrota dos agentes da subversão que desejavam implantar o domínio comunista em nosso país, por certo terá uma enorme repercussão e diminuirá o perigo da infiltração do regime marxista nos outros países da América Latina. Posso olhe assegurar que palavras animadoras como as suas, servirão de estímulo para que o incansável lutador que é Carlos Lacerda, continue a combater os comunistas, não só em nossa terra, mas em defesa da liberdade de todos os outros povos do continente.

A carta recebida em 9 de abril de 1964 reforça a rapidez com que as notícias da deposição de Goulart chegaram aos Estados Unidos bem como a prontidão com que as congratulações foram enviadas ao Palácio da Guanabara. Mesmo ausente do governo, Lacerda incumbiu seu Chefe da Casa Civil de responder as cartas. Provavelmente, a temática das respostas estivesse pronta, mas esta resposta chama a atenção por dois detalhes: 1) Foi escrita em português ao destinatário de nome George R. Rinhart da Universidade do Estado da Flórida. Não encontramos a carta enviada no dia 9 para verificarmos se foi escrita na língua portuguesa. Acreditamos que tenha sido escrita na nossa língua já que outras cartas de agradecimentos enviadas por Lacerda aos Estados Unidos foram escritas na língua inglesa. 2) A caracterização de marxista ao regime que estava infiltrado na América Latina, mas que fora derrotado no Brasil. Talvez o destinatário tenha se referido ao regime marxista em sua carta de congratulação o que sugere a repetição de tal termo na resposta de Marcelo Garcia. Lacerda, ao responder as congratulações, procurou mostrar que o combate ao comunismo não terminou com a vitória do golpe contra Goulart. Muito trabalho ainda teria que ser feito. O governador pode até não ter participado da conspiração feita por militares e empresários desde 1962, mas a sua atuação fora reconhecida pelos norte-americanos como um líder anticomunista que ajudava de forma significativa a acabar com as influências soviéticas do Brasil. Era importante defender o Brasil do comunismo. Muito obrigado pelo seu simpático telegrama de 3 de abril. Somente metade do nosso trabalho de limpar o Brasil da infiltração comunista foi completada, mas suas palavras de coragem devem certamente nos dar forças para prosseguir em nossa luta. As cartas que Lacerda recebeu dos cidadãos norte-americanos não mostram a preocupação com a formação de um novo governo, mas sim com a importância dada à limpeza da infiltração comunista do Brasil. Vale ressaltar também as datas com que essas missivas foram escritas. Como no telegrama acima citado, no dia 3 de abril, o golpe estava em processo de conclusão apesar de haver resistências principalmente no Rio Grande do Sul, para onde o já ex-presidente João Goulart viajou depois de Brasília e de onde saiu para o exílio no Uruguai. Mesmo antes da conclusão da deposição do governo, os

cidadãos norte-americanos já enviaram congratulações a Lacerda pelo êxito do mesmo. O líder anticomunista é exaltado e reconhecido por esses missivistas que apoiaram a deposição de João Goulart em 1964 enxergando em tal evento a possibilidade de se derrotar o comunismo na América Latina. O epistolário de Carlos Lacerda relativo ao apoio norte-americano ao golpe permite perceber que tal apoio não se restringiu apenas a Casa Branca ou a Embaixada dos Estados Unidos no Brasil via Lincoln Gordon. O uso dessas fontes possibilita visualizar a discussão dentro do território norte-americano a respeito do golpe civil militar de 1964 e a necessidade do cidadão daquele país de compartilhar com um dos principais líderes de tal evento a satisfação em ver vencido o perigo comunista que não fora vencido pelos EUA logo após a tomada do poder em Cuba por Fidel Castro. Logo após a consolidação dos militares no poder e a ampliação da repressão contra os opositores do novo regime bem como a marginalização das lideranças civis que apoiaram o golpe, a quantidade de cartas vindas dos Estados Unidos de apoio à queda de João Goulart cessaram de chegar ao Palácio da Guanabara. Tal diminuição pode ser justificada pela crescente notícia de torturas contra pessoas ligadas ao governo anterior ou pelas dificuldades que os Estados Unidos estavam enfrentando no Vietnã fazendo com que a opinião pública desviasse sua atenção da América Latina para a Ásia. Podemos concluir que o apoio dos Estados Unidos ao golpe civil militar foi muito além da Casa Branca. Não ficou apenas restrito às articulações feitas entre os presidentes John Kennedy e Lyndon Johnson com o embaixador Gordon, mas também de cidadãos norte-americanos que viam o perigo comunista se alastrar pela América Latina podendo lograr êxito no maior país do continente. Esses cidadãos estavam atentos aos acontecimentos no Brasil que, como vimos, fora amplamente divulgado e debatido pela imprensa norteamericana tendo a participação de Carlos Lacerda nesse debate. Como escritas de si, o missivista coloca no papel os seus sentimentos, a sua visão de mundo. O sentimento vindo dos Estados Unidos compartilhados com Carlos Lacerda era de alívio, de que a infiltração comunista poderia ser derrotada. Poderiam até não se saber como seria formado o próximo governo

ou quais eram os primeiros passos dos novos governantes, mas o essencial era a derrota e a limpeza da infiltração comunista do Brasil que serviria de exemplo para outros países. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DREFUSS, René. A conquista do Estado. Editora Vozes. Rio de Janeiro. 1981 FICO, Carlos. O Grande Irmão: da Operação Brother Sam aos Anos de Chumbo. Editora Civilização Brasileira. Rio de Janeiro. 2008. TOLEDO, Caio Navarro de. 1964: o golpe contra as reformas e a democracia. Rev. Bras. Hist. [online]. 2004, vol.24, n.47 [cited 2013-11-04], pp. 13-28. Available from: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s010201882004000100 002&lng=en&nrm=iso>. Visto em 01/11/2013.