Política Nacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência



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Transcrição:

MINISTÉRIO DA SAÚDE Secretaria de Atenção à Saúde Política Nacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência Série E. Legislação em Saúde 1.ª edição 1.ª reimpressão Brasília DF 2008

2007 Ministério da Saúde. Todos os direitos reservados. É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte e que não seja para venda ou qualquer fim comercial. A responsabilidade pelos direitos autorais de textos e imagens desta obra é da área técnica. A coleção institucional do Ministério da Saúde pode ser acessada na íntegra na Biblioteca Virtual em Saúde do Ministério da Saúde: http://www.saude.gov.br/bvs O conteúdo desta e de outras obras da Editora do Ministério da Saúde pode ser acessado na página: http://www.saude.gov.br/editora Série E. Legislação em Saúde Tiragem: 1.ª edição 1.ª reimpressão 2008 2.000 exemplares Elaboração, distribuição e informações: MINISTÉRIO DA SAÚDE Secretaria de Atenção à Saúde Departamento de Ações Programáticas Estratégicas Coordenação da Área Técnica Saúde da Pessoa com Deficiência Esplanada dos Ministérios, Bloco G, Edifício Sede, sala 619 CEP: 70058-900, Brasília DF Tel.: (61) 3315-2271 Fax: (61) 3315-2223 / 3315-3422 E-mail: pessoacomdeficiencia@saude.gov.br Home page: http://www.saude.gov.br Coordenadora: Sheila Miranda da Silva Colaboradores: Amaro Luiz Alves Ministério da Saúde Ana Rita de Paula Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo Aristel Gomes Bordini Fagundes Ministério da Saúde Carlos Alberto Herrerias de Campos Santa Casa de Misericórdia de São Paulo Fátima Regina de Souza Oliveira Universidade Federal da Bahia Izabel Maria de Loureiro Maior Universidade Federal do Rio de Janeiro Linamara Rizzo Battistella Universidade de São Paulo Maria Angela Sena Gomes Teixeira Universidade de Salvador Maria de Lourdes Ribeiro Gaspar Sociedade Pestalozzi do Rio de Janeiro Maria Izabel de Paiva Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo Silvia Veitzman Santa Casa de Misericórdia de São Paulo Impresso no Brasil / Printed in Brazil Ficha Catalográfica Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2008. 72 p. (Série E. Legislação em Saúde) ISBN 978-85-334-1399-3 1. Política Nacional de Saúde. 2. Deficiência. I. Título. II. Série. NLM WA 525-546 Catalogação na fonte Coordenação-Geral de Documentação e Informação Editora MS OS 2008/0872 Títulos para indexação: Em inglês: National Health Policy on Disabled Persons Em espanhol: Política Nacional de Salud de las Personas con Discapacidad EDITORA MS Documentação e Informação SIA trecho 4, lotes 540/610 CEP: 71200-040, Brasília DF Tels.: (61) 3233-1774 / 2020 Fax: (61) 3233-9558 E-mail: editora.ms@saude.gov.br Home page: www.saude.gov.br/editora Equipe editorial: Normalização: Valéria Gameleira da Mota Revisão: Paulo Henrique de Castro Capa, projeto gráfico e diagramação: Alisson Albuquerque

Sumário 1 Introdução 5 2 Propósitos 27 3 Diretrizes 29 3.1 Promoção da qualidade de vida das pessoas portadoras de deficiência 29 3.2 Assistência integral à saúde da pessoa portadora de deficiência 31 3.3 Prevenção de deficiências 35 3.4 Ampliação e fortalecimento dos mecanismos de informação 37 3.5 Organização e funcionamento dos serviços de atenção à pessoa portadora de deficiência 39 3.6 Capacitação de recursos humanos 43 4 Responsabilidades Institucionais 45 4.1 Articulação intersetorial 46 4.2 Responsabilidades do gestor federal do SUS (Ministério da Saúde) 50 4.3 Responsabilidades dos gestores estaduais de saúde (secretarias estaduais de saúde) 52 4.4 Responsabilidades dos gestores municipais de saúde (secretarias municipais de saúde ou organismos correspondentes) 54 5 Acompanhamento e avaliação 57 Referências 59 Glossário 65

1 Introdução Na conformidade do ideário democrático, ao longo da Constituição Federal de 1988, estão assegurados os direitos das pessoas portadoras de deficiências nos mais diferentes campos e aspectos. A partir de então, outros instrumentos legais foram estabelecidos, regulamentando os ditames constitucionais relativos a esse segmento populacional, destacando-se as Leis n.º 7.853/89, n.º 10.048/00, n.º 10.098/00 e n.º 8.080/90 a chamada Lei Orgânica da Saúde, bem como os Decretos n.º 3.298/99 e n.º 5.296/04. Em seu artigo 23, capítulo II, a Constituição determina que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidar da saúde e assistência públicas, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiências. Já a Lei n.º 7.853/89, que dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiências e a sua integração social, no que se refere à saúde, atribui ao setor: (1) a promoção de ações preventivas; (2) a criação de uma rede de serviços especializados em reabilitação e habilitação; (3) a garantia de acesso aos estabelecimentos de saúde e do adequado tratamento no seu interior, segundo normas técnicas e padrões apropriados; (4) a garantia de atendimento domiciliar de saúde ao deficiente grave não internado; e (5) o desenvolvimento de programas de saúde voltados para as pessoas portadoras de deficiências e desenvolvidos com a participação da sociedade (art. 2.º, inciso II). 5

No conjunto dos princípios que regem o Sistema Único de Saúde (SUS), constantes da Lei Orgânica da Saúde, destacam-se o relativo à preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral, bem como aqueles que garantem a universalidade de acesso e a integralidade da assistência (art. 7.º, incisos I, II, III e IV). Esta Política Nacional, instrumento que orienta as ações do setor Saúde voltadas a esse segmento populacional, adota o conceito fixado pelo Decreto n.º 3.298/99, que considera deficiência toda perda ou anormalidade de uma estrutura e/ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano; deficiência permanente aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere apesar de novos tratamentos; e incapacidade uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida. O conceito relativo a essa população tem evoluído com o passar dos tempos, acompanhando, de uma forma ou de outra, as mudanças ocorridas na sociedade e as próprias conquistas alcançadas pelas pessoas portadoras de deficiência. O marco dessa evolução é a década de 60, em cujo período tem início o processo de formulação de um conceito de deficiência, no qual é refletida a estreita relação existente entre as limitações que experimentam as pessoas portadoras de deficiências, a concepção e a estrutura do meio ambiente e a atitude da população em geral com relação à questão, conforme definição estabelecida pela Coordenadoria para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (Corde) (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 1996, 6

p. 12). Tal concepção passou a ser adotada em todo o mundo a partir da divulgação do documento Programa de Ação Mundial para Pessoas com Deficiência, elaborado por um grupo de especialistas e aprovado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1982. A Declaração da ONU que fixou 1981 como o Ano Internacional da Pessoa Deficiente colocou em evidência e em discussão, entre os países membros, a situação da população portadora de deficiência no mundo e, particularmente, nos países em desenvolvimento, onde a pobreza e a injustiça social tendem a agravar a situação. A principal conseqüência daquele Ano Internacional foi a aprovação na assembléia geral da ONU, realizada em 3 de dezembro de 1982, do Programa de Ação Mundial para Pessoas com Deficiências, referido anteriormente (Resolução n.º 37/52). Tal documento ressalta o direito dessas pessoas a oportunidades idênticas às dos demais cidadãos, bem como o de usufruir, em condições de igualdade, das melhorias nas condições de vida resultantes do desenvolvimento econômico e do progresso social. Nesse programa, foram estabelecidas diretrizes nas diversas áreas de atenção à população portadora de deficiência, como a de saúde, de educação, de emprego e renda, de seguridade social, de legislação, etc., as quais os estados membros devem considerar na definição e na execução de suas políticas, seus planos e programas voltados a tais pessoas. Outro marco importante foi o Decreto n.º 3.956/01, que promulgou a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (OEA/ 1999). Conforme o texto do referido decreto, o termo deficiência significa uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social. 7

No âmbito específico do setor, cabe como registro a Classificação Internacional de Deficiências, Incapacidades e Desvantagens (Cidid), elaborada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1989, que definiu deficiência como toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica; a incapacidade como toda restrição ou falta devida a uma deficiência da capacidade de realizar uma atividade na forma ou na medida que se considera normal para um ser humano; e a desvantagem como uma situação prejudicial para um determinado indivíduo em conseqüência de uma deficiência ou uma incapacidade, que limita ou impede o desempenho de um papel que é normal em seu caso (em função da idade, do sexo e dos fatores sociais e culturais). A OMS, quase dez anos depois em 1997, reapresentou essa Classificação Internacional com um novo título e novas conceituações. Agora com a denominação de Classificação Internacional das Deficiências, Atividades e Participação: um manual da dimensão das incapacidades e da saúde (CIDDM-2), o documento fixa princípios que enfatizam o apoio, os contextos ambientais e as potencialidades, em vez da valorização das incapacidades e das limitações. A CIDDM-2 concebe a deficiência como perda ou anormalidade de uma parte do corpo (estrutura) ou função corporal (fisiológica), incluindo as funções mentais. Já a atividade está relacionada com o que as pessoas fazem ou executam em qualquer nível de complexidade, desde aquelas simples até as habilidades e as condutas complexas. A limitação da atividade, antes conceituada como incapacidade, é agora entendida como uma dificuldade no desempenho pessoal. A raiz da incapacidade é a limitação no desempenho da atividade que deriva totalmente da pessoa. No entanto, o termo incapacidade não é mais utilizado porque pode ser tomado como uma desqualificação social. Ampliando o conceito, a CIDDM-2 inclui a participação, definida como a interação que se estabelece entre a 8

pessoa portadora de deficiência, a limitação da atividade e os fatores do contexto socioambiental. Essa abordagem representa outro marco significativo na evolução dos conceitos, em termos filosóficos, políticos e metodológicos, na medida em que propõe uma nova forma de se encarar as pessoas portadoras de deficiência e suas limitações para o exercício pleno das atividades decorrentes da sua condição. Por outro lado, influencia um novo entendimento das práticas relacionadas com a reabilitação e a inclusão social dessas pessoas. Na raiz de tal abordagem está a perspectiva da inclusão social, entendida como o processo pelo qual a sociedade se adapta para incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade. A inclusão social constitui, então, um processo bilateral no qual as pessoas, ainda excluídas, e a sociedade buscam, em parceria, equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de oportunidades para todos (SASSAKI, 1997, p. 3). A prática da inclusão social vem aos poucos substituindo a prática da integração social e parte do princípio de que, para inserir todas as pessoas, a sociedade deve ser modificada de modo a atender às necessidades de todos os seus membros: uma sociedade inclusiva não admite preconceitos, discriminações, barreiras sociais, culturais e pessoais. Nesse sentido, a inclusão social das pessoas portadoras de deficiências significa possibilitar a elas, respeitando as necessidades próprias da sua condição, o acesso aos serviços públicos, aos bens culturais e aos produtos decorrentes do avanço social, político, econômico e tecnológico da sociedade. Em maio de 2001, a Assembléia Mundial da Saúde aprovou a International Classification of Functioning, Disability and Health 9

Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), da Organização Mundial da Saúde (OMS), que apresenta uma evolução da abordagem e traz significados sobre as mudanças em termos conceituais, filosóficos, políticos e metodológicos, na medida em que a concepção leva em conta a capacidade de pessoas com deficiência, não a incapacidade ou a questão da doença ou a situação que causou a seqüela, mas outros fatores, como a capacidade do indivíduo em se relacionar com o seu ambiente de vida. A CIF analisa a saúde dos indivíduos a partir de cinco categorias: funcionalidade, estrutura morfológica, participação na sociedade, atividades da vida diária e o ambiente social de cada indivíduo. Tal percepção traz maior clareza sobre a qualidade do funcionamento das ações específicas e dos efeitos sobre a inserção das pessoas com deficiência, permitindo descrever situações relacionadas com a funcionalidade do ser humano e suas restrições. A deficiência passou a ser compreendida como parte ou expressão de uma condição de saúde, mas não indica necessariamente a presença de uma doença ou que o indivíduo deva ser considerado doente (CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE FUNCIONALIDADE, 2003). A Classificação Internacional faz referência à participação, definida como a interação que se estabelece entre a pessoa com deficiência, a limitação da atividade e os fatores do contexto socioambiental. Tal conceito significa uma mudança fundamental, que altera profundamente o perfil do tratamento dado pelos governos de todo o mundo às questões que envolvem as pessoas com deficiência, constituindo-se em um guia de orientação que organiza e padroniza as informações sobre a funcionalidade das pessoas com deficiência, segundo uma nova abordagem, a da sua capacidade efetiva. Serão cinco categorias de verificação adotadas por cerca de 200 países, o que representa uma nova forma de avaliação. 10

Além de representar um excepcional avanço na compreensão deste complexo universo, a nova metodologia fornece diretrizes mais precisas para as futuras políticas públicas dos países que a adotarem, permitindo, assim, ações mais específicas e detalhadas no atendimento das necessidades da população. A CIF contribui com o aperfeiçoamento da avaliação de potenciais, inserindo dados no contexto da gestão da saúde pública e em associação com a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID), que considera as condições de saúde relacionadas às doenças, aos transtornos ou às lesões, fornecendo um modelo baseado na etiologia, na anatomia e nas causas externas das lesões. Dessa forma, constitui-se em um instrumento útil para as estatísticas de saúde, tornando possível monitorar as diferentes causas de morbidade e de mortalidade em indivíduos e populações, tornando-se uma ferramenta gerencial capaz de aproximar a realidade das informações dos gestores governamentais. Os dados sobre deficiências no Brasil indicam que, até a última década do século XX, o país ressentia-se da inexistência de dados oficiais sobre a população com deficiência. Os estudos, as pesquisas e os projetos voltados para essa população tomavam como referência a estimativa da OMS segundo a qual 10% da população de um país, em tempos de paz, possui algum tipo de deficiência. A Lei n.º 7.853, de 24 de outubro de 1989, faz referência à obrigatoriedade da inclusão de questões específicas sobre a população com deficiências nos censos nacionais como condição essencial para o conhecimento da realidade brasileira e indispensável para sustentar a definição de políticas específicas. Atendendo ao que preconiza a lei, o Censo Demográfico de 1991, pela primeira vez, incluiu questões referentes a essa população, atestando a presença de 2.198.988 deficientes numa população total de 146. 815. 750 11

habitantes, o que representa 1,49% de deficientes (JANNUZZI; JANNUZZI, 1999). Tomando-se como referência a distribuição percentual por tipos de deficiência, os dados levantados em 1991 apontaram: 0,45% de deficientes mentais; 0,41% de deficientes físicos; 0,11% de deficientes auditivos; 0,09% de pessoas com deficiência visual; 0,05% de portadores de deficiências múltiplas. Com relação ao gênero dos portadores de deficiências, os dados apontaram 44,4% de deficientes do sexo feminino e 55,6% do sexo masculino (IBGE, Censo Demográfico de 1991). O Censo Demográfico de 2000 avançou no sentido de superar as dificuldades conceituais com relação às deficiências, o que provocou um impacto positivo no sentido de aproximação com a realidade e com os dados internacionais. Adotou um conceito ampliado de deficiência, que inclui a percepção que as pessoas pesquisadas têm em relação às alterações provocadas pela deficiência na capacidade de realização, no comportamento e na participação social. Tal conceito é compatível com a International Classification of Functioning, Disability and Health, divulgada em 2001 pela Organização Mundial da Saúde, conforme citado anteriormente. As questões relativas ao levantamento de dados sobre a população portadora de deficiências, adotadas pelo questionário de coleta de dados do Censo de 2000, privilegiam as incapacidades como ponto de partida para a identificação das deficiências e do grau de comprometimento das condições físicas e mentais das pessoas pesquisadas (Sicorde), 2002. Os resultados do Censo de 2000, no que se referem à população com deficiências, refletem essa nova abordagem conceitual-metodológica. Foram identificadas 24,5 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, o equivalente a 14,5% da população brasileira. A maior proporção se encontra na Região Nordeste (16,8%) e a menor na Região Sudeste (13,1). Os estados do Rio Grande do Norte (17,6%), da Paraíba (18,0%) e do Piauí (17,6%) são os que apresentam, pro- 12

porcionalmente, o maior número de pessoas com deficiências. As menores proporções foram encontradas nos estados de São Paulo (11,3%), Paraná (13,0%) e no Distrito Federal (13,4%). Do total de 24,5 milhões de pessoas com deficiências no Brasil, 48,1% são portadoras de deficiência visual; 22,9% de deficiência motora; 16,7% de deficiência auditiva; 8,3% de deficiência mental e 4,1% de deficiência física. Quando houve a divulgação desses dados, causou certo estranhamento o alto índice de deficiências visuais, o que pode ser explicado pela combinação de dois fatores: o envelhecimento populacional ocorrido na década de 90 e a própria ampliação do conceito de deficiência, que não se restringe apenas à cegueira (incapacidade de enxergar), inclui também grande ou alguma dificuldade permanente de enxergar, desde que não corrigida pelo uso de órtese. Esse dado reflete, também, a dificuldade de acesso da população ao sistema de saúde, principalmente no que diz respeito aos serviços ambulatoriais especializados ou mesmo à aquisição de óculos. As principais causas das deficiências são: (1) os transtornos congênitos e perinatais, decorrentes da falta de assistência ou da assistência inadequada às mulheres na fase reprodutiva; (2) as doenças transmissíveis e crônicas não-transmissíveis; (3) as perturbações psiquiátricas; (4) o abuso de álcool e de drogas; (5) a desnutrição; e (6) os traumas e as lesões, principalmente nos centros urbanos mais desenvolvidos, onde são crescentes os índices de violências e de acidentes de trânsito. O aumento da expectativa de vida da população brasileira nas últimas décadas tem possibilitado que as causas das deficiências estejam cada vez mais relacionadas a males crônico-degenerativos, como a hipertensão arterial, a diabetes, o infarto, os acidentes vásculo-encefálicos, a doença de Alzheimer, o câncer, a osteoporose e outros. As doenças cerebrovasculares são a terceira causa de morte no Brasil, com prevalência de 5,8 casos por mil habitantes com mais 13

de 25 anos de idade, o que significa algo em torno de 100 mil óbitos anuais (DATASUS, 2006). Por outro lado, foram 426.679 internações por acidentes vasculares cerebrais no período de 2003 a 2006. As doenças cerebrovasculares têm potencial altamente incapacitante. Sendo assim, os números sugerem que existe um grande contingente de indivíduos portadores de hemiplegia e ou outras seqüelas decorrentes de AVC. A faixa etária produtiva, como indicam os dados, também é atingida por acidente vascular encefálico, trazendo assim uma importante perda para o setor produtivo. A crescente urbanização e industrialização, sem os devidos cuidados com a preservação da vida e do meio ambiente, gera o aumento de incapacidades. Há indícios de correlação entre o aumento de incapacidades e a incidência de neuroses, doenças psicossomáticas, alcoolismo, vício de drogas, acidentes de trânsito e violência urbana. Analisando-se o problema em relação às deficiências que são o foco desta política deficiências motora, visual, auditiva, mental e múltipla cabe assinalar inicialmente que a deficiência motora assume maior relevo a partir dos 25 anos de idade, refletindo a importância dos acidentes, das violências e de certas doenças na gênese desta deficiência. As pessoas portadoras de deficiência motora ressentem-se de uma variedade de condições neurossensoriais que as afetam em termos de mobilidade, de coordenação motora geral ou da fala, como decorrência de lesões nervosas, neuromusculares e osteoarticulares ou, ainda, de má-formação congênita ou adquirida. Dependendo do caso, as pessoas que têm problemas de locomoção conseguem movimentar-se com a ajuda de próteses, cadeiras de rodas ou outros aparelhos auxiliares. Ao desenvolver determinadas habilidades, essas pessoas podem ter condições de ir de um lugar para outro, manipular objetos, trabalhar, ser autônomas e independentes. 14

A deficiência visual compreende uma situação irreversível da função visual, mesmo após tratamentos clínicos e ou cirúrgicos pertinentes e uso de óculos convencionais. A pessoa com deficiência visual, cegueira ou baixa visão tem sua funcionalidade comprometida, com prejuízo na sua capacidade de realização de tarefas. Tal deficiência é classificada pela Décima Revisão da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1993) em categorias que abrangem desde a perda visual leve até a ausência total de visão. A adoção dessa classificação é recomendada para que se possa ter maior uniformidade de dados estatísticos e estudos epidemiológicos comparativos entre os diferentes países. Entretanto, é apenas quantitativa, baseada em valores de acuidade e de campo visual. A OMS, de acordo com dados baseados na população mundial do ano de 2002, estima que mais de 161 milhões de pessoas sejam portadoras de deficiência visual, das quais 124 milhões teriam baixa visão e 37 milhões seriam cegas. De maneira geral, para cada pessoa cega há uma média de 3,7 pessoas com baixa visão, com variações regionais de 2,4 a 5,8 (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2004; RESNI- KOFF et al, 2004). Estima-se que 90% dos casos de deficiência visual estejam nos países em desenvolvimento e a maior parte poderia ser evitada por prevenção ou tratamentos existentes (WEST; SOMMER, 2001). Na ausência de ações globais de prevenção à deficiência visual, a cegueira poderá atingir 76 milhões de pessoas no mundo no ano de 2020, em conseqüência do crescimento e do envelhecimento da população mundial (PIZZARELLO et al., 2004). As principais causas de cegueira na população adulta mundial são: a catarata, o glaucoma e a degeneração macular relacionada à idade (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2004; RESNIKOFF et al., 2004). A prevalência da cegueira na infância é maior nos países em desenvolvimento em decorrência de fatores nutricionais, infecciosos e 15

falta de tecnologia apropriada. Nos países com renda per capita intermediária, as causas são variadas e observa-se a retinopatia da prematuridade como causa emergente de cegueira nos países da América Latina e do leste europeu. Causas não evitáveis como distrofias retinianas, doenças do sistema nervoso central e anomalias congênitas são observadas nos países desenvolvidos (GILBERT; AWAN, 2003). A deficiência múltipla (presença de duas ou mais deficiências no mesmo indivíduo) tem importância crescente na população infantil cega ou com baixa visão e é mais prevalente nos países em desenvolvimento (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1992). As afecções associadas podem ser: motoras, sensoriais, cognitivas ou doenças crônicas que afetam o desenvolvimento, a educação e a vida independente. Crianças com deficiência múltipla geralmente requerem atendimento oftalmológico, mas também acompanhamento multidisciplinar de longa duração (KEEFFE, 2004). O conhecimento da magnitude e das causas da deficiência visual é fundamental para o planejamento, a provisão e a avaliação de programas de prevenção, de serviços de saúde e educacionais. Pesquisas realizadas em 55 países, subdivididos em 15 subregiões, possibilitaram a obtenção de dados globais de deficiência visual no ano de 2002. O Brasil compõe o grupo América B, no qual os dados de prevalência da deficiência visual são: cegueira na população menor de 15 anos de idade 0,062%; cegueira na população entre 15 e 49 anos 0,15%; população com mais de 50 anos de idade 1,3%; prevalência de cegueira na população geral de 0,3% e prevalência de baixa visão na população geral de 1,7% (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2004; RESNIKOFF et al., 2004). Na América Latina, estudos de Kara-José et al. (1988), Moreira et al. (1991), Leal et al. (1995), Carvalho et al. (1996), Haddad et al. (2000) e Muñoz et al. (2002) têm contribuído para o reconhecimento do perfil da deficiência visual no nosso meio. 16

A deficiência auditiva, caracterizada pela perda total ou parcial da capacidade de ouvir, manifesta-se como surdez leve e moderada e surdez severa ou profunda. Assim como na visual, as pessoas portadoras de deficiência auditiva podem ser afetadas na sua aprendizagem e no seu desenvolvimento integral. A estimativa da OMS, em 1993, era de que 1,5% da população brasileira cerca de 2.250.000 habitantes seria portadora dessa deficiência. As causas de deficiência auditiva (de moderada a profunda) mais freqüentes em crianças são a rubéola gestacional e outras infecções pré-natais. Contudo, em cerca de 33% dos casos não se consegue estabelecer uma etiologia para essa afecção. Nos casos de deficiência auditiva de leve a moderada, a otite média é a causa mais freqüente na infância, com uma incidência em torno de 33%. Os resultados do Censo 2000, realizado pelo IBGE, indicam que 3,3% da população declarou ter algum problema auditivo, sendo que pelo menos 1% dessas declarações foram de pessoas que disseram sentir grande dificuldade ou relataram ser incapazes de ouvir. Na literatura internacional, a presbiacusia perda auditiva devido à idade é apontada como a principal causa de deficiência auditiva nos idosos, com uma incidência de cerca de 30% na população com mais de 65 anos de idade. O ruído, principalmente no ambiente de trabalho, é apontado como a segunda principal causa de perda auditiva neurossensorial entre os adultos. Dados semelhantes foram reportados por Silveira em 1992. Diante desse quadro, o Ministério da Saúde, por meio da Portaria GM n.º 2.073/04, de 28 de setembro de 2004, instituiu a Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva. A implantação da referida política irá beneficiar um número significativo de pessoas com a citada deficiência. Crianças, trabalhadores e idosos que hoje deixam de freqüentar a escola, o trabalho e as atividades sociais poderão, a partir do diagnóstico, da aquisição 17

de aparelhos auditivos e da terapia para reabilitação, exercer o seu papel social. Para a operacionalização da Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva, a Secretaria de Atenção à Saúde (SAS) publicou as Portarias n.º 587, de 7 de outubro de 2004, e n.º 589, de 8 de outubro de 2004, que regulamentam a organização das Redes Estaduais de Serviços de Atenção à Saúde Auditiva. A elaboração dessa normatização contou com a participação de gestores estaduais e municipais de saúde responsáveis por sua execução, bem como da sociedade civil e científica. O parâmetro para a distribuição dos serviços no Brasil é a implantação de um serviço de saúde auditiva para cada 1.500.000 habitantes. Para garantir a assistência às pessoas portadoras de deficiência auditiva nos estados cuja população esteja entre 2.000.000 e 3.000.000 habitantes, devem existir dois serviços. A implantação integral das Redes Estaduais de Saúde Auditiva corresponde ao total de 126 serviços de atenção à saúde auditiva distribuídos pelo território nacional. O início da implantação da Rede ocorreu nos anos de 2005 e 2006, com previsão de ampliação gradual nos anos seguintes de acordo com as necessidades locais de organização de novos serviços. Com relação ao atendimento hospitalar em saúde auditiva, a Portaria MS/GM nº 1.278, de 20 de outubro de 1999, estabelece normas e critérios para a realização da cirurgia de implante coclear, procedimento hospitalar de alta complexidade para pessoas portadoras de deficiência auditiva. A Portaria n.º 584, de 21 de outubro de 1999, inclui as próteses para implante coclear na Tabela de Órteses, Próteses e Materiais Especiais e na Tabela de Compatibilidade do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS). Em 2006, no Brasil, o gasto total com saúde auditiva ambulatorial, de janeiro a dezembro, foi de R$ 167.351.182,00. Com re- 18

lação aos procedimentos hospitalares, foram realizadas, de janeiro a dezembro, 171 cirurgias de implante coclear e foram gastos R$ 9.298.433,15. De acordo com a Associação Americana de Deficiência Mental (AAMD), na deficiência mental observa-se uma substancial limitação da capacidade de aprendizagem do indivíduo e de suas habilidades para a vida diária. Assim, o portador dessa deficiência caracterizase por apresentar um déficit na inteligência conceitual, prática e social. Já a deficiência múltipla é a associação, no mesmo indivíduo, de duas ou mais deficiências primárias mental, visual, auditiva e motora, com comprometimentos que acarretam atrasos no desenvolvimento global e na capacidade adaptativa. Em relação a essas deficiências, existem poucos estudos no Brasil que apresentam um perfil mais abrangente dos agentes etiológicos envolvidos na sua determinação. Uma pesquisa realizada pela Sociedade Pestalozzi do Estado do Rio de Janeiro, por intermédio de um estudo retrospectivo de 850 casos de portadores de deficiência, num período de 10 anos (1981 1990), detectou que 654 casos (76,94%) eram de portadores de deficiência mental, 106 casos (12,47%) de portadores de deficiência motora (paralisia cerebral) e 90 casos (10,58%) de deficiência múltipla (mental e motora). Nesse estudo, a análise da parcela de pessoas portadoras de deficiência motora e deficiência múltipla 196 casos no total levou a concluir que múltiplos fatores foram os agentes etiológicos mais freqüentemente envolvidos, dado que corresponde a 32 casos ou 16,3% da amostra. Esses resultados apontam para um somatório de agressões envolvendo o sistema nervoso nos períodos pré e perinatais e ou nos primeiros dias de vida. Os fatores ignorados 31 casos ou 15,8% aparecem em segundo lugar, o que pode estar refletindo o pouco acesso da população aos meios diagnósticos. A anóxia perinatal figura como a terceira causa de deficiências nesse grupo estudado, com 29 casos ou 14,7%, destacando-se como 19

o agente isolado mais freqüente. Isso demonstra a importância de medidas preventivas eficientes para evitar ou amenizar as lesões neurológicas ou físicas que podem ser evitadas, sobretudo durante os períodos pré e perinatal. Vale ressaltar, no entanto, que vários autores questionam a anóxia isolada como causadora de paralisia cerebral e que um índice de Apgar baixo necessariamente não determina quadros de paralisia cerebral. Estes três agentes múltiplos fatores, agentes ignorados e anóxia perinatal atuam de vários modos e com diversas intensidades e os seus mecanismos de ação podem determinar desde agressões leves até graves. Como agentes infecciosos pré-natais estão a rubéola e a toxoplasmose, com 10 casos (5,10%) entre 196. De qualquer forma, há que se considerar a precariedade do atendimento pré-natal em algumas regiões, o que impossibilita o diagnóstico de muitos casos de doenças infecciosas. No conjunto dos fatores pósnatais, as infecções meningite e meningoencefalites têm nítido predomínio como fator isolado entre os demais: com 14 casos, correspondem a 7,14% do total de 196 analisados, sendo que, das causas pós-natais (25 casos), respondem por 56% dos casos. Por não ser patologia de notificação compulsória, a paralisia cerebral apresenta-se como de difícil avaliação em termos de incidência, até mesmo nos países do primeiro mundo, como na Inglaterra e nos Estados Unidos, onde a incidência, na década de 50, apontava para 1,5 caso por 1.000 nascidos vivos e entre 1,5 e 5,9 respectivamente. A morbidade aumentou nos países industrializados em função da redução da mortalidade perinatal, decorrente do aumento do índice de sobreviventes prematuros e com baixo peso. Pesquisas realizadas na Califórnia (EUA) também apontam o baixo peso como fator associado à paralisia cerebral: de 192 casos, 47,4% eram de crianças que nasceram com menos de 2.500g. Vale mencionar, ainda, a existência de doenças que, embora não estejam enquadradas como deficiência na classificação da OMS, produzem, 20