A Gólgota, a Bola de Neve Church e as redefinições religiosas em Curitiba/PR (1990/2010)



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Transcrição:

A Gólgota, a Bola de Neve Church e as redefinições religiosas em Curitiba/PR (1990/2010) Maralice Maschio 1 Nas últimas duas décadas, as Igrejas Evangélicas Gólgota de Curitiba e a Bola de Neve Church emergem na cena pública contemporânea como duas instituições participantes de novas relações socioculturais urbanas, constituintes de práticas, valores e ressignificações no campo das disputas religiosas, entre identidades e sociabilidades diversas, não raro conflituosas. Nessa direção, é possível discutir o universo religioso evangélico no tecido urbano, investigando práticas e valores socioculturais da diferença e da alteridade, constitutivas do pertencimento desses fiéis no cotidiano da cidade. Existe uma necessidade de contextualização histórica das matrizes religiosas que engendraram as duas denominações religiosas em questão. O pentecostalismo e o neopentecostalismo são protestantes e a maioria viera do missionarismo americano. No Brasil, em meados do século XIX vieram os protestantes históricos, herdeiros da Reforma Protestante (presbiterianos, metodistas, congregacionais, episcopais, batistas, luteranos). Tendo em vista as dificuldades de situar igrejas alternativas contemporâneas como as duas em questão, estudos mais recentes como o de Magali do Nascimento Cunha, tem ajudado a redefinir o quadro das igrejas do protestantismo brasileiro, aproximando-se da construção da presente pesquisa. Cunha definiu o quadro protestante em: a) Protestantismo Histórico de Migração, b) Protestantismo Histórico de Missão, c) Pentecostalismo Histórico, d) Protestantismo de Renovação ou Carismático, d) Pentecostalismo Independente ou Neopentecostalismo e e) Pentecostalismo Independente de Renovação. (CUNHA, 2007, 14-15) O último grupo parece provavelmente ter engendrado as duas instituições. Para Cunha, o Pentecostalismo Independente de Renovação apareceu no final do século XX e ganhou força no início do XXI. Possui as características do neopentecostalismo como a ênfase no exorcismo, nos milagres e na guerra espiritual, mas difere dele por ter como público-alvo as classes médias e a 1 Doutoranda em História pela UFPR (Universidade Federal do Paraná). Bolsista pela CAPES.

juventude, estruturando seu modo de ser para alcançá-los, a exemplo da estética visual dos cultos e da membresia, dos estilos musicais, da linguagem utilizada, entre outros. A Gólgota foi fundada na cidade de Curitiba em julho de 2001, desmembrada de uma instituição anterior chamada Zadoque. Criada pelo pastor Pipe, jovem criado na Igreja Presbiteriana do Brasil, formado em teologia, fã de música heavy metal, que montou a comunidade alegando não encontrar espaço em sua igreja para atender ao público jovem metaleiro, hardcore e gótico. No início, o grupo era formado por apenas sete pessoas que se reuniam na casa de um deles para discutir a Bíblia e praticar louvores evangélicos. Ao longo da última década foi constituída a primeira igreja de Gólgota, por aproximadamente 30 membros, já ocupando um espaço físico maior. Há cinco anos foi transferida para a Avenida Visconde de Guarapuava, no centro da cidade, contando hoje com aproximadamente 180 membros. A instituição, em uma década, tem chamado a atenção dos meios de comunicação, travado embates com os meios evangélicos tradicionais em Curitiba e atraído jovens de diferentes tribos undergrounds. O pastor Pipe associou inclusão às diferenças, culto ao rock, imagem descontraída e linguagem informal como as grandes novidades da igreja. Os jovens participam de circuitos de motos e shows de heavy metal promovidos pela própria instituição. O templo parece uma garagem antiga, um barracão, bastante rústico, todo pintado de preto. O altar é um palco, que se assemelha ao de um show de rock. Os telões e as luzes completam o cenário. Nos fundos há uma espécie de cozinha, onde são vendidos refrigerantes, água e acessórios da comunidade como chaveiros, jaquetas, camisetas, cd s de bandas, entre outros. O espaço de pertencimento e construção de identidades representa parte do empreendimento construído pela comunidade na última década. Para o pastor, o sucesso se deve à liberdade que a igreja dá a uma geração que não encontra espaço nos meios tradicionais evangélicos e que tem na instituição, especialmente por intermédio de seus rituais, a expressão viva dessa nova forma de ser evangélico. Em entrevista ao programa Destaque, da emissora SBT, em julho de 2010, ele comenta: Hoje a gente vive um momento histórico em que as gerações têm mudado bruscamente as questões de cultura. Então há uma geração que não tem se adaptado mais a essa forma tradicional da igreja que vem caminhando durante o século. É uma geração que tem uma nova linguagem e uma nova forma de

entender essa questão do divino, é uma forma mais descolada de entender as questões de Deus. Não é contestação, é liberdade de expressar o seu louvor e a sua devoção a Deus dentro daquilo que o contexto cultural deles hoje dá liberdade para isso. E as igrejas emergentes têm dado liberdade para essa geração que está aí. (http://www.youtube.com/watch?v=eeukoiyd81k 10 jun. 2012) Diferentemente da Gólgota, que possui apenas um templo, em Curitiba, a Bola de Neve Church conta com cerca de 3000 templos espalhados pelo país e mais duas filiais no Peru e na Austrália. Fundada por um ex-membro da Igreja Renascer em Cristo, o apóstolo Rina, a Bola de Neve teve seu início em 1993, em São Paulo, com uma reunião de oração. Para os primeiros cultos não havia um lugar apropriado, então um empresário do mercado de surfwear 2 abriu o espaço no auditório de sua empresa para a realização dos cultos. Em Curitiba a igreja surgiu em 2004 com uma junção de aproximadamente 15 pessoas, que era realizada em uma sala de um apartamento. Com o tempo, o lugar começou a ficar pequeno, com isso houve uma mudança para um auditório de uma livraria cristã e hoje, com aproximadamente 3000 membros, encontra-se sediada na Avenida Marechal Floriano Peixoto, no Boqueirão. A fim de cativar surfistas, skatistas, fisiculturistas, lutadores de jiu-jítsu e esportistas de modo geral, a Bola de Neve associou cuidado com a saúde, culto ao corpo, imagem descontraída e linguagem informal. Por isso, os fieis que dela fazem parte possuem visual despojado, usam tatuagens e piercings, vestem roupas descontraídas, aderem a acessórios da moda, pertencem a diferentes tribos e apresentam os mais diversificados perfis estéticos. Do mesmo modo que a Gólgota, a Bola de Neve Church já foi alvo de inúmeras críticas de outras igrejas, mas com uma proposta de atrair os jovens tem investido energia em cultos atrativos, músicas alternativas e linguagem diversificada. Um dos blogs da igreja apresenta o seguinte comentário sobre a instituição: A decoração parece mais uma balada do que uma igreja. Não existem desenhos, esculturas ou quadros de santos, e sim muitos telões, iluminação de festas e som alto e potente. Mas, assim como em todas as igrejas, eles lêem a Bíblia, discutem passagens importantes e oram. As músicas são bem mais animadas do que o 2 Surfwear é um estilo popular de vestuário casual, inspirada pela cultura do surfe. Muitas marcas relacionadas ao surfe surgiram de indústrias artesanais, suprindo surfistas com bermudas, roupas de mergulho, pranchas de surfe e outros acessórios.

normal e os jovens parecem se soltar mais, eles cantam e dançam juntos. Os jovens que freqüentam os cultos dizem que entraram para a igreja porque eles são mais liberais, sem deixar de acreditar em Deus e na Bíblia. (http://www.blog.maisestudo.com.br/bola-de-neve 10 jun. 2012) O fragmento explicita características que diferenciam as igrejas alternativas das evangélicas tradicionais. Ao mesmo tempo, ajuda a caracterizar alguns dos motivos pelos quais a Bola de Neve em menos de uma década conquistou prestígio social e visibilidade pública, tornando-se um empreendimento religioso de expressividade, visitado a cada culto por inúmeros jovens, atraídos pela publicidade que anuncia a igreja como a grande novidade do mercado de bens simbólicos. A maioria dos jovens pratica esportes radicais e participa de torneios esportivos promovidos pela própria igreja. Os eventos de evangelização luau e festivais musicais -, assim como campeonatos esportivos organizados pela igreja, ocorre na praia, o que contribui para reforçar a imagem e a identidade descontraída e informal do empreendimento. O templo é decorado com artefatos praianos para reproduzir o ambiente litorâneo. Espalhadas pela igreja há barracas de praia, pranchas de surfe e fotos de surfistas fazendo manobras radicais. Esse é o cenário contemporâneo que tem redefinido perfis interessantes não apenas das novas igrejas, como também denota embates com outras instituições. Num país caracterizado pela forte presença católica, mas que tem se configurado como a nação mais evangélica do planeta, é importante perceber os conflitos religiosos, as intolerâncias, os preconceitos, as construções identitárias, as pertenças culturais, as representações e simbologias. Nessa direção, tanto a Gólgota quanto a Bola de Neve são igrejas que se colocam alicerçadas no campo do pentecostalismo independente de renovação, igrejas alternativas que se destacam e atuam diferentemente das igrejas tradicionais do segmento evangélico. Pelo modo como circulam no meio evangélico, criam estratégias de inserção entre a juventude e difundem valores, princípios e condutas, por isso abre-se a possibilidade de abordá-las comparativamente em se tratando de produção histórica. Porém, entre elas também existem diferenciações que devem ser identificadas, investigadas e problematizadas. O fato de pertencerem a uma mesma vertente, por exemplo, não permite que historicamente sejam definidas como iguais.

Como se vê, determinados grupos têm explicitado amplas transformações sociais e levado em conta exigências dos sujeitos que parecem não se enquadrar mais em dados meios tradicionais, nem tampouco resolverem sozinhos seus problemas e anseios cotidianos reais e não apenas espirituais; daí o fato de algumas instituições evangélicas, em alguns casos, estabelecerem uma espécie de fascinação pela mundanidade que os envolve. Parece ser nesse quadro de desinterdição de áreas da mundanidade provada pelos evangélicos brasileiros, que se apresenta o movimento cultural evangélico da Gólgota e da Bola de Neve, direcionando-se para a juventude. Um blog da UOL traz o seguinte comentário sobre a Bola de Neve em um de seus cultos, exemplificando esse cenário: No palco, bateria, guitarra, baixo, piano elétrico e percussão. À frente, uma prancha apoiada em cavaletes. O ambiente de um show de reggae se modifica quando entra quem deveria ser o cantor. De jeans e camiseta, coloca uma Bíblia na prancha. Começa o culto na igreja evangélica Bola de Neve. O pastor Rinaldo Luiz de Seixas Pereira, o Rina, como gosta de ser chamado, diz: Sou surfista desde criança e sei que os dogmas da igreja tradicional afastam a moçada da religião. Criei um local em que todos se sentissem à vontade e tivessem contato com a palavra do Senhor. Não há ofensa à religião. Nós procuramos celebrar a vida e aproximar os jovens de Deus, afastando-os das drogas, da podridão do mundo. Difundimos o conforto que Jesus Cristo dá e a resposta está sendo maravilhosa. (http://www.bnc.zip.net 10 jun. 2012) Trechos como o citado acima, elucidam inúmeras razões pelas quais Magali Cunha denomina igrejas como a Bola de Neve o que também pode ser aplicado à Gólgota - de tribos evangélicas (roqueiros, motoqueiros, cabeludos, tatuados, surfistas, regueiros, entre outros), que formaram as igrejas ou ministérios alternativos, voltados especialmente para pessoas com faixa etária de 20 a 45 anos. Nessas congregações os cultos são caracterizados pela informalidade, com comunicação muito marcada por gírias, com louvores em ritmo de rock e reggae e rituais em forma de espetáculo. As tribos resultam da diversidade étnica, religiosa, de situação financeira, de escolaridade e do estilo de vida urbana contemporânea. São organizadas a partir do compartilhamento de modos de vida, formados por atitudes, padrões de consumo, gostos, crenças e vínculos de sociabilidade. Nas palavras de Cunha: São agrupamentos de pessoas organizados a partir da identidade evangélica pessoas que se converteram ou aderiram a uma agremiação

evangélica e da adoção de um modo de vida gospel (inserção na modernidade e liberalização de costumes). (CUNHA, 2007, 167) Valorizando o argumento de que o campo religioso é marcado por turbulências e pluralismos, as igrejas alternativas disputam espaços e constroem sentidos religiosos diversos, utilizando para tanto inúmeras estratégias para que isso aconteça. Exemplificando a presença da juventude como público-alvo e ferramentas como a internet como símbolos de construção identitária, ao mesmo tempo em que denota a disputa por sentidos e afirmações, uma integrante da Bola de Neve, num blog da igreja, assim se refere à instituição: Essa igreja, a Bola de Neve, é da hora, porque as igrejas tradicionais são muito é das chatas, são cabeças quadradas, mentes vazias, cheias de preconceitos. A Bíblia mesmo diz que serão muitos chamados, e poucos escolhidos. Esses que fazem tudo certinho e juram que vão para o céu, mas ficam julgando os outros, esses sim que não vão, porque roupa e placa [de igreja] não salvam ninguém. (http://www.blog.maisestudo.com.br/bola-de-neve 10 jun. 2012) A fala da integrante revela um cenário de tensões entre concepções religiosas tradicionais e modernas. Tais elementos caracterizam novos tempos, redefinições no campo religioso, novas expectativas dos fieis quanto à sua fé, o que acarreta em investimento, expansão, representatividade e visibilidade das igrejas perante a sociedade. Percebe-se, com isso, que igrejas alternativas apesar de sofrerem críticas das mais tradicionalistas, têm apoio suficiente para se manterem e ampliarem sua presença no cenário evangélico; pois, como admite Cunha, num mundo cheio de pecados, ser um cristão verdadeiro é um dever de quem pretende se salvar. Agir como um maluco de Cristo talvez seja uma forma de não se perder. (CUNHA, 2007, 168) Num contexto de expansão dos segmentos evangélicos, as duas instituições religiosas incorporam o discurso pós-moderno da diferença às suas práticas e a seus discursos identitários. Cedem espaço aos de fora não somente de outras igrejas, mas da própria sociedade, outsiders que não se encaixariam nos padrões mais convencionais, especialmente na apresentação estética de si na vida cotidiana. Existe o preconceito que sofreriam as tribos quando adotam um determinado estilo comportamental tido como alternativo; o que tem provocado conflitos no meio evangélico quando

os convertidos se vêem obrigados a mudar o estilo para que não se sintam desconfortáveis num meio onde devem apresentar-se como um novo ser em Cristo. Tais questões são percebidas por vários integrantes das igrejas. Os discursos são, por vezes, absorvidos, vividos, simbolizados ou, ainda, lançados pelos próprios fieis. Um dos entrevistados, Paulo Roberto Benedito Júnior, membro da comunidade Gólgota, em entrevista concedida no dia 27 de julho de 2010, referiu-se à instituição como uma igreja fruto do seu tempo, entendendo que ela se adequou aos estilos das pessoas que não se enquadravam nos meios tradicionais. Ele comenta: Não há como transformar todas as igrejas naquilo que a gente quer. (...) Então, eu vejo que a Gólgota surgiu por causa dessas pessoas que, impossibilitadas de mudar os outros, viram na Gólgota um lugar onde elas poderiam ser aceitas. Na verdade, essa é a diferença da Gólgota pra outras igrejas. É a questão do respeito. (...) Eu não culpo a massa. É difícil uma senhora da Assembléia de Deus... Ela não é obrigada a aceitar você porque você é diferente. Ela já vem daquele contexto cultural, certo? E cultura é isso. (...) No culto você vê ali o cara de preto e uma menina de rosa, muito feliz no culto, sem ser discriminado. Então é porque a Gólgota é uma igreja de pessoas que acabaram indo pra lá pela cultura, porque eram discriminadas e também pelo refúgio. Então, elas não têm problemas com o outro. Ela já tá em confronto com o mundo, todo dia, que é diferente dele. (...) Então, eu vejo que a igreja é fruto do seu tempo. A narrativa de Paulo aponta para o fato de que as igrejas alternativas se apresentam como instituições que respeitam o diferente, em meio às mais tradicionais que adotam costumes e culturas enraizadas no puritanismo evangélico, especialmente os segmentos pentecostais clássicos. O preconceito sofrido pelo meio underground, é o que levaria esses diferentes à identificação religiosa com igrejas alternativas. Porém, é preciso investigar se, na prática cotidiana, as instituições efetivamente realizam tão bem os seus discursos religiosos. Daí a necessidade de reconhecer que as ações/relações constituintes do campo são vividas por trajetórias e experiências de exclusão/inclusão. E, justamente por isso, precisam ser problematizadas historicamente, podendo revelar os sentidos da afirmação dessas diferenças entre os discursos e ações pautadas pelas instituições em relação aos valores, significados e vivências dos sujeitos integrantes. Afinal, são eles quem praticam a fé e constroem culturalmente o seu universo religioso.

De modo geral, as duas instituições religiosas são lugares de práticas e representações socioculturais que devem ser investigadas numa perspectiva histórica. Apresentam-se (e seus membros se autorrepresentam), pelo menos parcialmente, como instituições assentadas numa série de pautas diferenciais em relação às outras igrejas do campo evangélico; mas, ao mesmo tempo, mantêm-se marcadas pela pertença ao mundo dos evangélicos, suas raízes espirituais e teológicas. A própria noção sociológica de tribo, marca uma novidade identitária em meio a outras igrejas; inclusive, contrastando com a concepção de tantas outras, afirmando, no discurso e nas práticas, que a aparência (vestimentas e adornos) não é determinante para a santidade na vivência da fé. É preciso não perder de vista, entretanto, que, ao defender o visual underground, é como se deixassem o caminho livre para a própria doutrina cristã. O seguinte argumento do pastor Pipe, em entrevista ao site Curitiba Gospel em junho de 2009, afirma a fusão entre a cultura underground e o Evangelho: A fusão acontece naturalmente, uma vez que viemos desse meio. Nós somos roqueiros que se converteram a Cristo. Portanto, não estamos nos fazendo de loucos para ganhar os loucos. Nós somos loucos! (Risos)... Os valores que permanecem são os mesmos universalmente aceitos pela fé cristã como absolutos de Deus. Diferenciamos apenas o que é cultura nociva à fé e à vida, daquilo que é cultura passiva e que não necessariamente agride a minha fé em Cristo. Nós acreditamos que a música rock, roupa preta, piercings, tatuagens, cabelos compridos, etc., não agridem nossa fé. Não há nenhuma imposição cultural sobre os membros da comunidade. Ninguém é obrigado a nada neste aspecto. Agora, quando estamos falando de absolutos na ética cristã, o assunto é outro. E, portanto, funcionamos como qualquer outra igreja neste mundo funciona. Não negociamos valores cristãos! (http://attitudejc.blogspot.com/2009/07/conheca-melhorcomunidade-gólgota.html 10 jun. 2012) Os discursos dos líderes religiosos valorizam o diferente na prática litúrgica e no modo de ser igreja; posicionam-se como evangélicos no sentido da prática da fé, da valorização de sentidos cristãos inalteráveis; deixam claro que o espaço é o de prática da fé e qualquer indivíduo, independentemente de sua aparência, poderia frequentar igrejas sem se sentir discriminado, o que não aconteceria em outras instituições evangélicas. Assim, tanto os discursos de lideranças religiosas e as reportagens oficiais legitimam uma determinada ideia de expansão religiosa do segmento evangélico; no bojo desse processo, as igrejas surgiriam como igrejas modernas, não-

preconceituosas e mais atentas ao espírito do tempo, às mudanças identitárias e culturais do mundo contemporâneo. Por isso a necessidade e a importância de estudar essas duas instituições, nas duas últimas décadas. Afinal, elas têm acompanhado as novas dinâmicas religiosas, criando estratégias de direcionamento ao público jovem, especialmente por intermédio das mídias, travando embates com outros grupos evangélicos, demonstrando laços de pertença cultural e identidades individuais e coletivas entre fieis, incorporando outras linguagens e representações a seus rituais. Todas as considerações realizadas até aqui tiveram o objetivo de demonstrar, sobretudo através das fontes citadas, embora se trate de uma sondagem prévia, que se trata de uma investigação que busca melhor conhecimento não somente da história religiosa brasileira, bem como compreender outros aspectos a ela relacionados, suas performances nos mundos social, econômico e cultural. O objetivo é o de contribuir na busca por respostas a problemas atuais do cenário religioso brasileiro, podendo ser vislumbrada a partir de algumas reflexões sobre o próprio significado de ser evangélico. Até porque, ao longo das últimas décadas, ele tem adquirido novos sentidos, aproximando e permitindo o diálogo entre diferentes instituições religiosas desde as mais tradicionais, até as mais alternativas e o próprio universo acadêmico que lhe empresta uma atenção cada vez mais merecida. Fontes e Referências Bibliográficas CUNHA, Magali do Nascimento. A explosão gospel Um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 2007. Entrevista concedida por Paulo Roberto Benedito Júnior em 27 de julho de 2010. Acervo da pesquisadora. Entrevista programa SBT Destaque, julho de 2010. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=eeukoiyd81k Acesso em: 10 jun. 2012 Entrevista concedida pelo Pastor Pipe ao Curitiba Gospel, junho de 2009. Disponível em: http://attitudejc.blogspot.com/2009/07/conheca-melhor-comunidade-gólgota.html Acesso em: 10 jun. 2012 URL: www.blog.maisestudo.com.br/bola-de-neve Acesso em: 10 jun. 2012 URL: www.boladenevecuritiba.com.br/sobre-a-igreja/ Acesso em: 10 jun. 2012

URL: http://www.bnc.zip.net Acesso em: 10 jun. 2012