INCLUSÃO E INTEGRAÇÃO ou CHAVES DA VIDA HUMANA. Prof Dr. Marcos José da Silveira Mazzotta



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Transcrição:

INCLUSÃO E INTEGRAÇÃO ou CHAVES DA VIDA HUMANA Prof Dr. Marcos José da Silveira Mazzotta Professor Titular da Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP) Livre-docente (da Universidade de São Paulo) Palestra proferida durante o III Congresso Ibero-americano de Educação Especial, Diversidade na Educação: Desafio para o Novo Milênio, realizado em Foz do Iguaçu, de 4 a 7 de novembro de 1998 Ao abordar o tema da inclusão e integração escolar, minhas reflexões conduziram-me até o mais simples e substancial sentido de tão discutidos termos. Assim, acabei deparando-me com lições já tão distantes que me recordaram o uso do latim, idioma dos romanos da antiguidade, que "empregava como sinônimas as expressões "viver" e "estar entre os homens" (inter homines esse) e, ainda, "morrer" e "deixar de estar entre os homens" (inter homines esse desinere)". Concordando com tal significado, também entendo que inclusão e integração são processos essenciais à vida humana ou à vida em sociedade. Com este pressuposto é que farei algumas considerações sobre um dos segmentos da população que, reiteradamente, tem sido alvo de mecanismos e procedimentos de segregação e até mesmo exclusão do sistema escolar. Tal segmento é composto pelos educandos que apresentam necessidades educacionais especiais. Dentre o variado e extenso grupo de alunos que assim têm sido classificados, focalizarei aqueles que são portadores de deficiências físicas ou mentais e no processo de ensino-aprendizagem apresentam necessidades educacionais muito diferentes das dos demais alunos da escola comum ou regular. Discutir a educação de "alunos com necessidades educacionais especiais" implica resgatar o sentido da "Educação Especial", ainda que isto possa desagradar aos que se colocam à frente das discussões sobre "Educação inclusiva", já que, diante de "necessidades educacionais especiais", a educação escolar deve responder com situações de ensino-aprendizagem diferentes das organizadas usualmente para a grande maioria dos educandos, ou seja, das situações comuns de ensino ou ensino regular. Na reflexão e estudo sobre a relação entre os educandos e a educação escolar, duas vias de análise podem ser utilizadas: a visão estática ou por dicotomia e a visão dinâmica ou por unidade. Pela primeira, os educandos são percebidos como comuns ou "especiais" (diferentes, deficientes, anormais, etc.) e a educação escolar, por sua vez, caracterizada como comum ou especial, visualizando-se aí uma correspondência necessária entre alunos comuns e escolas comuns, de um lado e, de outro, alunos "especiais" e escolas ou classes especiais. Pela segunda,

entende-se que cada educando, na relação concreta com a educação escolar, poderá demandar uma situação de ensino-aprendizagem comum, especial, uma situação combinada (comum e especial) ou, ainda, preferencialmente, uma situação compreensiva (inclusiva). Defendo a abordagem dinâmica como aquela que, baseada no princípio da não segregação, possibilita a melhor compreensão da relação entre o educando e a educação escolar e comporta a organização de situações de ensinoaprendizagem mais condizentes com as necessidades educacionais a atender. A educação dos alunos com necessidades educacionais especiais, é importante lembrar, tem os mesmos objetivos da educação de qualquer cidadão. Algumas modificações são, as vezes, requeridas na organização e no funcionamento da educação escolar para que tais alunos usufruam dos recursos escolares de que necessitam para o alcance daqueles objetivos. Em razão disso, são organizados auxílios e serviços educacionais especiais para apoiar, suplementar e, em alguns casos substituir o ensino comum ou regular como forma de assegurar o ensino para esse alunado. Tais auxílios e serviços educacionais são planejados e desenvolvidos para assegurar respostas competentes por parte do sistema e da unidade escolar, ainda que especiais, às necessidades educacionais especiais ou diferenciadas apresentadas por determinados alunos no contexto escolar em que se encontram. As necessidades educacionais especiais são definidas e identificadas na relação concreta entre o educando e a educação escolar, conforme já enunciado. Assim, os recursos educacionais especiais requeridos em tal situação de ensino-aprendizagem é que se configuram como Educação Especial e não devem ser reduzidos a uma ou outra modalidade administrativo pedagógica como classe especial ou escola especial. Outro aspecto relevante diz respeito à identificação das necessidades educacionais como especiais e as conseqüentes decisões e orientações sobre o atendimento dos alunos que as apresentem. Tais atividades requerem a avaliação criteriosa por parte dos profissionais envolvidos, bem como da família de cada aluno. Embora se saiba, não é demais lembrar, que grande parte das necessidades educacionais, mesmo dos alunos portadores de deficiências, poderão ser atendidas apropriadamente, sem o concurso de ações e recursos especiais, na própria escola comum com os recursos regulares. Todavia, a presença de necessidades educacionais especiais, cujo atendimento esteja além das condições e possibilidades dos professores e dos demais recursos escolares comuns, demandará a provisão de auxílios e serviços educacionais propiciados por professores especialmente preparados para atendê-las. Por outro lado, as necessidades educacionais especiais são, às vezes, acompanhadas de necessidades especiais de outras ordens e que requerem também a intervenção da escola no sentido de encaminhar, orientar ou viabilizar o atendimento necessário, ainda que do âmbito social, médico ou outro, de forma indireta, cooperativa e integrada à educação escolar.

Essas ponderações estão de acordo com a expectativa, mais freqüente em nossos dias, de que cada vez mais crianças com necessidades educacionais especiais estejam nas classes comuns e escolas comuns, sendo efetivamente atendidas em suas demandas escolares, ao mesmo tempo em que cada vez menos classes e escolas especiais sejam necessárias. Nesse movimento que, com ênfase crescente, objetiva descartar os serviços educacionais segregados e procura, para além da integração, garantir a inclusão de todas as crianças e jovens numa escola comum de qualidade "especial", é fundamental que atitudes de respeito ao outro como cidadão sejam concretizadas em ações de reestruturação da escola atual com vistas a tal propósito. É sabido que não são poucos os educandos que têm suas necessidades educacionais interpretadas como especiais ou muito diferentes por parte de professores mal preparados ou mal apoiados pelo sistema de ensino. Esta é outra circunstância que está a merecer atenção cuidadosa das autoridades educacionais. Para além das conveniências administrativo-pedagógicas, é imperioso que sejam eliminados os mecanismos e procedimentos dificultadores da integração e da inclusão de todos na escola pública e gratuita com a qualidade esperada pela sociedade, o que não implica a extinção sumária de serviços e auxílios especiais. É preciso que se tenha em mente, também, que em tal perspectiva, as diferenças entre as necessidades educacionais especiais e as necessidades educacionais comuns se tornem cada vez menores até o ponto em que as necessidades singulares de cada educando possam ser percebidas e atendidas pela escola comum de "especial" qualidade. Nas situações onde tal circunstância não esteja ocorrendo, será importante, ainda, propiciar aos alunos com necessidades educacionais especiais os recursos educacionais também especiais que venham a demandar para que sua escolarização ocorra satisfatoriamente e sejam evitados tantos outros mecanismos de discriminação negativa e exclusão sobejamente conhecidos pelos educadores brasileiros. E, aqui é oportuno lembrar que interpretada sob a ótica do movimento de pais, iniciado na Europa, com vistas a pressionar ou convencer a sociedade e as autoridades públicas a incluírem os portadores de deficiência nas escolas comuns, em situações comuns de ensino (certamente alteradas para fazer face à nova demanda), a inclusão escolar tem sido concebida como um processo peculiar, configurando-se, então, como idéia nova. Por essa razão tem se tornado alvo de debates, controvérsias e confusão. Tenho observado que a luta pela educação de qualidade para todos tem sido diluída na discussão da inclusão escolar como algo inusitado (movimento, teoria, filosofia ou política) que requer informação e explicação a cada cidadão, profissional da educação ou não, acadêmico ou não. E, mais que isto, tal esclarecimento tem sido proposto como tarefa de alguns poucos "experts" que

finalmente descobriram a importância da inclusão de todos e até mesmo uma nova denominação para a educação que tem sido chamada inclusiva. De qualquer modo, se nos propomos a discutir as perspectivas da inclusão de pessoas portadoras de deficiências ou que apresentam necessidades especiais, é fundamental que nossa análise contemple dois planos distintos e interdependentes: o real ou a realidade tal como se apresenta e o ideal ou a esperança de realização do desejado. Enquanto cidadãos de uma sociedade que se pretende democrática, temos que propugnar por uma educação de qualidade para todos. E essa busca não comporta qualquer exclusão, sob qualquer pretexto. No entanto, é preciso também que, para além dos ideais proclamados e das garantias legais, procuremos conhecer o mais profundamente possível as condições reais de nossa educação escolar, especialmente a pública e obrigatória. A partir daí poderemos identificar e dimensionar os principais pontos da mudança necessária para o alcance da qualidade que se espera da educação escolar. Alguns aspectos desta temática foram por mim abordados em seminário nacional realizado em maio de 1993. Retomo aqui parte das reflexões apresentadas naquela oportunidade. Acredito que construir uma educação que abranja todos os segmentos da população e cada um dos cidadãos implica uma ação baseada no princípio da não segregação, ou, em outras palavras, da inclusão de todos, quaisquer que sejam suas limitações e possibilidades individuais e sociais. Todavia, para a conquista da educação escolar que não exclua qualquer educando, particularmente os portadores de deficiência, é preciso que se entenda que a inclusão e a integração não se concretizam pela simples extinção ou retirada de serviços ou auxílios especiais de educação. Para alguns alunos tais recursos continuam a ser requeridos no próprio processo de inclusão e integração, enquanto para outros eles se tornam dispensáveis. O ponto fundamental é a compreensão de que o sentido de integração pressupõe a ampliação da participação nas situações comuns para indivíduos e grupos que se encontravam segregados. Portanto, é para os alunos que estão em serviços de educação especial ou outras situações segregadas que prioritariamente se justifica a busca da integração. Para os demais portadores de deficiência, deve-se pleitear a educação escolar baseada no princípio da não segregação ou da inclusão. O entendimento, já exposto, de que nem todo portador de deficiência necessita de educacionais especializados, devendo, neste caso, estar na escola comum em situação comum de ensino, desde o início de sua escolarização, reflete a aplicação do principio da inclusão ou da não segregação. Nessa abordagem se propõe que somente quando estiverem esgotadas todas as possibilidades de ensino comum é que se deverá dispor ou lançar mão de serviços e auxílios especiais. E, isto não é novidade para os profissionais que atuam em Educação especial. Por isso mesmo, é importante que não se entenda a Educação especial

como um mal a ser evitado. Pelo contrário, acredito que para um significativo segmento da população escolar ela constitui o único recurso que lhe possibilita a Educação em organizações escolares comuns ou especiais. Vale lembrar que os auxílios e serviços educacionais especiais representam conquista que custou muito tempo e muito luta para que sejam levianamente descartados por autoridades escolares e outros profissionais. O que é preciso evitar, sempre que possível, é a segregação dos educandos pela simples má vontade ou pelo desentendimento dos responsáveis pelo ensino comum. Como se vê, é na relação concreta entre o educando e a Educação escolar que se localizam os elementos que possibilitam decisões educacionais mais acertadas, e não somente no aluno ou na escola. O sentido especial da educação consiste no amor e no respeito ao outro, que são as atitudes mediadoras da competência ou de sua busca para melhor favorecer o crescimento e desenvolvimento do outro. Em razão disso, é oportuno destacar que para se viabilizar efetivas mudanças de atitudes no contexto escolar com vistas à inclusão e à integração do portador de deficiência, é preciso que se deixe de apenas inferir ou assinalar a existência de preconceito e discriminação negativa na escola e se procure conhecer os principais obstáculos e suas justificativas. Além dos valores e crenças das pessoas envolvidas na educação escolar, outros fatores internos, tais como a organização (administrativa e disciplinar), o currículo, os métodos e recursos humanos e materiais da escola comum são os principais determinantes das condições para a inclusão ou não-segregação, para a integração ou até mesmo para a segregação de alunos portadores de deficiências. Entretanto, é importante observar que a escola é apenas uma dentre as instituições sociais. Ela pode até desencadear internamente mudanças para a obtenção de resultados mais imediatos, mas, isoladamente pouco poderá fazer ou mesmo mudar de fato, enquanto as atitudes do meio circundante permanecerem não problematizadas e continuarem se exercendo como já instaladas. O que não significa ignorar a "potencialidade dinâmica da educação escolar como impulsionadora das mudanças estruturais". O conhecimento da atuação da escola com relação à inclusão e à integração exige uma abordagem holística do portador de deficiência que revele seu contexto de vida (da família, da escola e da sociedade). Apenas a título de ilustração deste enfoque, serão apontados, a seguir, alguns aspectos importantes para o desenvolvimento de atitudes favoráveis à inclusão escolar e à integração. No âmbito da sociedade é importante destacar a necessidade de se rever a concepção sobre o portador de deficiência e o papel da escola, seja pelas pessoas individualmente, por grupos organizados para defesa da cidadania, pelos serviços estruturados, pelas campanhas de esclarecimento da população, etc, e, ainda, é preciso redimensionar as diretrizes norteadoras da ação dos órgãos públicos, da ação governamental global, dos investimentos financeiros, etc, a partir da visão dinâmica das condições do portador de deficiência.

Quanto à escola, duas dimensões devem ser focalizadas: o sistema de ensino e a unidade escolar. Assim, é oportuno ressaltar que "um conjunto de indicações, de instruções coerentes e precisas, se faz necessário para permitir que as ações educativas, seja em situações comuns ou especiais, se desenvolvam de modo a preservar a organicidade e coerência que caracterizam um sistema escolar e ao mesmo tempo assegurar ao professor as condições necessárias ao desenvolvimento de seu trabalho, de tal modo que o seu papel de educador não seja diminuído. Ao educador não cabe o papel de mero executor de currículos e programas predeterminados, mas sim de alguém que tem condições de escolher atividades, conteúdos ou experiências que sejam mais adequadas para o desenvolvimento das capacidades fundamentais do grupo de alunos, tendo em conta seu nível e suas necessidades." O Sistema de Ensino deve definir diretrizes para uma organização abrangente (autonomia financeira, administrativa e didática) de modo a incluir o atendimento de alunos portadores de deficiências nos serviços comuns e se necessário com recursos especiais; orientar as escolas sobre procedimentos didáticos e administrativos para favorecer a integração de alunos portadores de deficiências nas classes comuns; reconhecer a validade dos serviços e auxílios de educação especial como recursos que apóiam e suplementam a educação escolar regular. A Unidade Escolar ou a Escola deve ser estruturada de modo a compor um conjunto de recursos que garantam a atividade-meio coerente com a atividade-fim. "Atualmente, o pensamento educacional tem apontado para a direção da elaboração de um currículo "especial" para cada escola, no sentido de que cada uma configura uma realidade específica, determinada pela combinação dos fatores internos e externos que atuam na sua organização e funcionamento. Tal currículo deve ser "especial", no sentido de que deve ser elaborado para atender às necessidades únicas de cada escola do sistema de ensino, em função das reais necessidades de seus alunos, e não para atender categorias ou tipos idealizados de alunos À medida que essa idéia for, de fato, sendo concretizada, é possível que as diferenças entre educação comum e educação especial irão também diminuindo. E, nessa tendência, poder-se-á chegar ao ponto em que o que há de especial na "educação especial" e, conseqüentemente, no "currículo especial" se converta em um dos elementos de uma ação sócio-educacional global, que assegure, na medida necessária, o interesse por cada membro da comunidade, seja qual for sua condição e o tipo de auxílio que necessite". A organização administrativa, didática e disciplinar deve ter a maior amplitude possível a fim de contemplar a maior diversidade possível das condições dos alunos a atender. Para tanto é importante observar e criar condições físicas favoráveis no prédio escolar; definir a gestão democrática da escola contemplando o interesse por alunos com necessidades educacionais especiais; propiciar dignas

condições de trabalho aos professores comuns e especializados; entender que nem todos os professores têm condições psíquicas e profissionais adequadas ao trabalho com portadores de deficiência requerendo orientação, preparo e apoio; elaborar um currículo suficientemente amplo para atender as necessidades dos alunos e da sociedade, incluindo as adaptações que forem necessárias; rever critérios de agrupamento dos alunos, bem como critérios de avaliação e promoção; garantir a infra-estrutura de recursos materiais necessários; envolver os pais e a comunidade no trabalho escolar; identificar e corrigir atitudes de desvalorização e/ou discriminação de alunos e professores por quaisquer razões (raça, cor, classe social, idade, sexo, deficiência, etc.); entender que as escolas, como a sociedade são espaços de choques de interesses e que o avanço da participação de um grupo implica a reavaliação do outro; valorizar a integração do professor especializado no corpo docente da escola, como elemento precedente e essencial à integração do aluno deficiente que esteja apresentando necessidades educacionais especiais; desenvolver ações práticas de respeito aos membros da comunidade escolar (alunos, pais, funcionários, professores, direção). Muitos outros pontos deveriam aqui figurar, entretanto, parece-me importante, neste momento, reiterar que as atitudes da escola frente à inclusão, à integração e à segregação do portador de deficiência e dos educandos com necessidades educacionais especiais dependem, essencialmente, da concepção de homem e de sociedade que seus membros concretizam nas relações que estabelecem dentro e fora do ambiente escolar. É na convivência com outros e com o meio ambiente que as necessidades de qualquer ser humano se apresentam. Em razão disso, é importante questionar os critérios que têm sido utilizados para distinguir as necessidades especiais das necessidades comuns e vice-versa, em particular no contexto escolar. Sabemos, de há muito, que o homem se distingue de tudo o mais no mundo pela palavra e pela ação. E, como nos ensina Hannah Arendt, "esta inserção no mundo humano, por palavras e atos, é como um segundo nascimento, no qual confirmamos e assumimos o fato original e singular do nosso aparecimento físico original". É fundamental, pois, a compreensão de que a inclusão e integração de qualquer cidadão, com necessidades especiais ou não, são condicionadas pelo seu contexto de vida, ou seja, dependem das condições sociais, econômicas e culturais da família, da escola e da sociedade. Dependem, pois, da ação de cada um e de todos nós. 1. Palestra proferida no dia 05/05/1993, no Seminário Nacional de Integração da Pessoa Portadora de Deficiência no Contexto Educacional, promovido pela Fundação Catarinense de Educação Especial (SC). Publicada nas Revistas: VIVÊNCIA, FCEE, n. 13, 1993 e INSIGHT Psicoterapia, n. 40, Ano 4, 1994. 2. MAZZOTTA, Marcos J. da S. Educação Escolar: Comum ou Especial?. São Paulo, Pioneira, 1986, p.117.

3. Idem,p. 118