As leituras designadas para este trabalho lidam com narrativas de desenvolvimento, histórias que indivíduos, organizações e comunidades em desenvolvimento como um todo,contam para dar sentido ao ambiente de incerteza em que o desenvolvimento se desenrola. Os artigos de Jain e Moore, Roe e Politt demonstram, cada um deles, como narrativas de desenvolvimento podem levar indivíduos e organizações a assumirem pressupostos equivocados sobre a causa de um problema, e a partir daí retirarem lições irrelevantes da experiência. Os trabalhos também apresentavam razões para o porquê do círculo de mal entendidos e falsas interpretações. O artigo de Jain e Moore discute a questão do microcrédito como meio de redução da pobreza. Dois pressupostos errados assumidos são que o modelo de Grameen de microcrédito pode ser aplicado a qualquer comunidade ou país, independente do contexto sócio-cultural, econômico ou político, tal como foi feito em Bangladesh. A conclusão de que o esquema do modelo de Grameen resultará no processo dos programas de microcrédito (MCPs, Micro-Credit Programs) é uma falsa lição. Na verdade, os elementos do modelo de Grameen desempenham um papel muito menor do que aqueles que lhes são atribuídos, ou simplesmente não são encontrados em MCPs bem-sucedidos. O suposto sucesso do modelo de Grameen de microcrédito persiste por sua popularidade entre doadores internacionais. Os MCPs que competem por fundos e suporte descobrem que, ao aplicar o modelo de Grameen, conseguem colocar o pé na porta de grandes doadores, independente de quão preciso seja o modelo a ser aplicado em suas específicas situações. Em um dos quatro casos de estudo apresentados no artigo de Roe é feita uma 1
comparação com Tragedy of Commons 1. Nessa história, o pressuposto assumido é que o excesso de pastagens e rebanhos em Botswana está gerando a desertificação de pastos e que a privatização de terras controlaria o problema. Descobriu-se mais tarde que não havia correlação entre privatização e melhores condições de pastos, mais precisamente que administração governamental e comunitária resultaram em melhores condições em melhores condições de pasto em estações secas. Porém, essa lição é falsa, já quem na realidade, vê-se que a desertificação dos pastos não é o resultado de administração comunitária ou privada, mas de mudanças climatológicas (como índice pluviométrico) e utilização intensiva do solo. Roe argumenta que a narrativa de The Tragedy of Commons persiste porque estabiliza e consagra pressupostos necessários para tomada de decisões ao fornecer um modelo através do qual projetistas podem entender o que está acontecendo, sem análises mais detalhadas da situação. Faltam aí descobertas negativas importantes a desaprovem, assim como falta uma narrativa franca que conte uma história melhor. Seria necessário criar um esquema igualmente óbvio ao qual projetistas aderissem, antes de ser eliminada a narrativa de desenvolvimento dominante atual de Commons (ou recursos públicos). O trabalho de Politt apresenta um caso em que os pressupostos subjacentes sendo assumidos ditavam existir oito regras básicas para uma estrutura e comportamento organizacional que resultariam em maior eficiência organizacional e em um aperfeiçoamento do setor público. Por terem esses oito princípios básicos, seja individualmente ou em combinações variadas, se mostrado bem-sucedidos, crê-se que 1 [N.T.] Tragedy of the Commons é uma metáfora que ilustra a subutilização, mesmo a destruição, de recursos públicos ( commons ) por interesses privados quando a melhor estratégia para indivíduos conflita com o bem comum. Essa metáfora é utilizada com freqüência como argumento em favor da propriedade privada e contra teorias libertárias socializantes, que buscam uma dotação comunitária de recursos. O termo foi popularizado por Garret Hardin em seu artigo The Tragedy of The Commons, de 1968 em Science. (apud www.encyclopedia.thefreedictionary.com). 2
todos os oito princípios possam ser aplicados simultaneamente como diretrizes para uma administração organizacional (o que se chama de Nova Administração Pública ou NPM, New Public Management). Neste caso, a lição errônea aprendida é que tal conjunto de diretrizes (NPM) é universalmente aplicável a todas as organizações. O poder duradouro da narrativa NPM reside na dificuldade de refutar seu sucesso. A avaliação de reformas organizacionais onde os oito princípios de NPM foram aplicados é difícil, uma vez que requer a desagregação da NPM e a avaliação do impacto de implementação de cada princípio de NPM separadamente, demandando grande quantidade de pessoal para efetivamente realizar a avaliação. Da mesma forma, em situações onde avaliações são feitas, a narrativa NPM é tão poderosa que pode ocultar os resultados reais. Sucessos são atribuídos à NPM sem menção aos marcos de referência contra os quais medir mudanças incrementais, presumindo toda alteração como resultado de uma implementação NPM e ignorando a existência de forças de mudança pré-existentes. Neste caso, os resultados de avaliação são mal interpretados ou alterados para se adequarem às conclusões e descobertas desejadas. O segundo conjunto de leituras designadas aborda questões de corrupção e clientelismo e como essas práticas causam impacto no desenvolvimento. A narrativa de desenvolvimento dominante afirma, primeiro, que clientelismo e corrupção prevalecem mais em nações em desenvolvimento do que em nações desenvolvidas e, segundo, que clientelismo e corrupção inibem programas de desenvolvimento progressivo progressivos e bem-sucedidos. Vários artigos que lemos oferecem um conjunto de traços genéricos que, quando presentes em organizações ou projetos de desenvolvimento, os torna menos vulneráveis a tal comportamento ilícito. Os traços genéricos identificados por esses trabalhos podem ser resumidos 3
(mais ou menos nestas palavras) como: 1) monitoração e vigilância antagônica, 2) poucas oportunidades de troca colaborativa, 3) medo da redistribuição e suas conseqüências e 4) confiança. Os artigos de Bunker, Tendler, Wade e Ehrenhardt oferecem, cada um deles, casos em que pelo menos um dos traços genéricos está presente. O artigo de Tendler identifica a importância da responsabilidade final e da monitoração nos projetos estruturais de Bangladesh. O envolvimento dos habitantes locais como vigilância comunitária pode proporcionar o tipo de vigilância antagônica necessária em campo. Uma vez instruídos sobre as particularidades de operação do projeto, os aldeões podem servir para denunciar apropriação indevida ou má conduta. O artigo de Bunker destaca como a distância entre trabalhadores, tanto física quanto social, diminuiu oportunidades para trocas colaborativas. Aqui, a diminuição da dependência entre agências foi vista como proteção contra um comportamento corrupto entre trabalhadores. O trabalho de Ehrendhart aborda a importância da conseqüência. No artigo do New York Times, Ehrendhart aponta que, no século 21, a mídia jornalística e os sistemas burocráticos de verificação criam um medo significativo da humilhação pública e da perseguição legal. Tais conseqüências são suficientes para desencorajar líderes políticos atuais e futuros de virem a se envolver ou dar apoio a um comportamento ilícito que era mais típico de lideranças políticas passadas dos EUA. Por fim, o artigo de Wade enfoca o elemento confiança, que é definido como a crença de que o uso do poder por parte de uma figura de autoridade não será predatório ou egoísta, advogará o bem-estar de todos. Similar ao trabalho de Tendler, Davis discute a importância da vigilância comunitária na redução da corrupção na elaboração e implementação de um projeto. Contudo, de modo interessante, o trabalho de Davis coloca juntas questões de 4
conseqüência, incentivo e monitoração nessa discussão. O projeto para favelas SNP Slum Networking Projectcs, é um exemplo de como descuido crescente aumenta o custo moral da corrupção. Da mesma forma, o estabelecimento de monitores com interesses próprios em vizinhanças SNP não somente apresenta um mecanismo para que a comunidade expresse descontentamento ou relate má-conduta, mas oferece à equipe um senso de orgulho e realização vindos de um trabalho bem feito, para que a comunidade manifeste também seu agrado e apreciação. Tal incentivo de orgulho e reconhecimento acrescenta um toque interessante ao mecanismo de vigilância comunitária, no sentido de não somente reduzir a oportunidade para o comportamento ilícito, mas por realmente aumentar a probabilidade da equipe desempenhar bem seus papéis. Esta certeza de um melhor serviço para a comunidade pode realmente ser ligado ao elemento confiança ao ser determinado o sucesso de um programa. Em seu exemplo de administração de sistemas de irrigação, Wade sugere que a estrutura organizacional ou de um programa pode afetar o grau em que a confiança real se desenvolve. Ele identifica regras claras de fornecimento de água, uma maneira de comparar fornecimentos reais e esperados, ligando incentivos promocionais a treinamento em serviço de fábricas que aumentarão a probabilidade de um comportamento por parte da equipe de irrigação que gera confiança. Apesar dos esforços para reduzir ou eliminar episódios de clientelismo e corrupção em organizações e programas de desenvolvimento, existem situações em que tal comportamento ilícito pode colher resultados positivos. Os cinco trabalhos de Piattoni, Gibson, Nelson, Krishna e Pur abordaram situações em que o clientelismo e a corrupção trouxeram progresso e mudança positiva de programas de desenvolvimento. O trabalho de Piattoni apresenta o conceito de clientelismo 5
virtuoso em que um patrono virtuoso pode promover uma reestruturação econômica progressiva a fim de obter apoio e influência em nível local. Um detalhe interessante do argumento de Piattoni é que, em alguns casos, a capacidade de clientes de barganhar alianças com outros patronos requer que cada patrono invista mais na comunidade a fim de poder competir com outras figuras políticas. O relacionamento é similar ao dos representantes eleitos (GPs) e líderes tradicionais (CPs) no trabalho de Pur em Karnataka e o relacionamento entre os partidos políticos da Índia e a liderança de aldeia fora de casta 2 do trabalho de Krishna. Em ambas as situações, contudo, um sistema político de dois níveis vigora onde um corpo político de nível mais alto acomoda políticos tradicionais locais pelo bem da manutenção de uma hegemonia, ao invés da relação direta patrono (figura política) e cliente (cidadãos locais) no caso do sul da Itália, apresentado por Piattoni. A presença de competição é a ligação entre os trabalhos. Em cada um dos casos, há diversos partidos políticos ou líderes que precisam competir uns com os outros pelo apoio público. Os artigos de Gibson e Nelson abordam situações de clientelismo em que patronos (partidos políticos e/ou líderes políticos individuais) satisfazem as necessidades de clientes (o público, comunidades locais) para ganharem votos. Todavia, o que afasta esses trabalhos de Pur e Krishna é que o aumento de amplitude de clientes (coalizões regionais, o pobre rural, classes trabalhadoras e elites de negócios) resulta em uma maior base votante. O clientelismo entre classes, nesses casos, pode resultar em maior oferta de serviço público, promoção de desenvolvimento econômico em comunidades e outros benefícios sociais para clientes, ao mesmo tempo em que assegura apoio a partidos políticos. Neste caso, 2 [N.T.]: O autor faz referência, no original, a non-caste village leadership, ou seja, uma liderança comunitária fora do tradicional esquema de liderança por castas familiares. 6
os princípios do clientelismo tradicional colhem benefícios não somente para os pobres, mas também para outros grupos sócio-econômicos. De modo geral, as leituras proporcionaram uma visão em perspectiva da irrealidade das narrativas de desenvolvimento prevalecentes, bem como as razões de persistirem em campo. Além disso, ao observar mais de perto a narrativa envolvendo corrupção e clientelismo, podemos realmente ver como tais características, consideradas negativas e danosas ao desenvolvimento, podem na verdade resultar em mudanças progressistas. 7