CONSIDERAÇÕES SOBRE O COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR E A TUTELA ESTATAL DIANTE DA PUBLICIDADE ABUSIVA



Documentos relacionados
Francisco José Soller de Mattos

CRIANÇA e CONSUMO. Publicidade dirigida à infância IMPACTOS E CONSEQÜÊNCIAS. Isabella Vieira Machado Henriques

Regime Republicano e Estado Democrático de Direito art. 1º. Fundamento III dignidade da pessoa humana e IV livre iniciativa

PUBLICIDADE DE BEBIDAS ALCOÓLICAS E OS JOVENS ALAN VENDRAME UNIFESP/EPM

ABUSO DO CONSUMO DE BEBIDAS ALCOÓLICAS, UMA QUESTÃO DE SAÚDE PÚBLICA. Senhor Presidente,

DIREITO DO CONSUMIDOR MARIA BERNADETE MIRANDA

A PUBLICIDADE NA LÓGICA DE UM. Adalberto Pasqualotto São Paulo, 12/08/2011

RESPONSABILIDADE CIVIL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


Juros - Aspectos Econômicos e Jurídicos

MIDIA KIT. Aqui você fica atualizado.

O CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO E O DIREITO DE AÇÃO EM FACE DE TERCEIROS

DIREITOS BÁSICOS DO CONSUMIDOR

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DOS PROFESSORES DE MATEMÁTICA DO ENSINO MÉDIO DA ESCOLA ORLANDO VENÂNCIO DOS SANTOS DO MUNICÍPIO DE CUITÉ-PB

O Amianto e a Ética na Propaganda

O COMÉRCIO ELETRÔNICO E O CÓDIGO DE DEFESA E PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR

PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº, DE 2014 (Do Sr. Moreira Mendes e outros)

Processo nº EMBDO: ELEKTRO, ANEEL E UNIÃO.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE SOROCABA/SP. RECOMENDAÇÃO nº 03, de 03 de novembro de 2009

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO

A origem dos filósofos e suas filosofias

DA LEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA A DEFESA COLETIVA DOS CONSUMIDORES

ATIVIDADE DE NEGOCIÇÃO

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O BINÔMIO ESTADO - FAMÍLIA EM RELAÇÃO À CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA NOS PROGRAMAS TELEVISIVOS

ASSESSORIA DE IMPRENSA 1 Felipe Plá Bastos 2

PROJETO DE RESOLUÇÃO Nº 22/2011

A presente prática tem sido aplicada nos Cursos de Direito e Administração.

CARTILHA SOBRE DIREITO À APOSENTADORIA ESPECIAL APÓS A DECISÃO DO STF NO MANDADO DE INJUNÇÃO Nº 880 ORIENTAÇÕES DA ASSESSORIA JURIDICA DA FENASPS

ASSESSORIA JURÍDICA. PARECER N 7/AJ/CAM/2002 Brasília (DF), 11 de junho de Senhora Presidente do Conselho Federal de Nutricionistas (CFN)

ORIENTAÇÕES PARA PRODUÇÃO DE TEXTOS DO JORNAL REPORTAGEM RESENHA CRÍTICA TEXTO DE OPINIÃO CARTA DE LEITOR EDITORIAL

Estratégias em Propaganda e Comunicação

TIPOS DE BRINCADEIRAS E COMO AJUDAR A CRIANÇA BRINCAR

Direito Processual Civil III

PRÁTICAS COMERCIAS. Oferta Princípios da publicidade Publicidade abusiva e enganosa

Situação-problema com enfoque CTS: planejamento e desenvolvimento nas escolas

RESOLUÇÃO Nº 41 DE 06 DE NOVEMBRO DE 2009

SORRISO: A CAPITAL NACIONAL DO AGRONEGÓCIO

Feira de troca: trocar é mais divertido do que comprar

Guia de Métricas. Quais métricas acrescentam para a diretoria da empresa?

está aqui! A solução para a sua marca Projeto gráfico Jornais Publicações customizadas Revistas

MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO PROCURADORIA-GERAL CÂMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÃO

APELAÇÃO CRIMINAL Nº

Vedação de transferência voluntária em ano eleitoral INTRODUÇÃO

Número 1 Violência no trânsito: o goianiense e a Lei Seca. Rua 1.145, 56 Setor Marista Goiânia GO Fone:

O DESPACHANTE, O AJUDANTE E A RFB. Domingos de Torre

PROJETO DE LEI N.º 1.006, DE 2015 (Do Sr. Takayama)

FUNDAMENTOS DE MARKETING

WALDILÉIA DO SOCORRO CARDOSO PEREIRA

Como mediador o educador da primeira infância tem nas suas ações o motivador de sua conduta, para tanto ele deve:

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO AGRAVO DE INSTRUMENTO N /GO (d) R E L A T Ó R I O

Divulgação do novo telefone da Central de Atendimento da Cemig: Análise da divulgação da Campanha

Bom Crédito. Lembre-se de que crédito é dinheiro. Passos

A PRÁTICA PEDAGÓGICA DO PROFESSOR DE PEDAGOGIA DA FESURV - UNIVERSIDADE DE RIO VERDE

Álcool e Saúde Pública nas Americas Dr Maristela G. Monteiro Assessora Principal Controle de Tabaco, Álcool e Outras Drogas OPAS/OMS

CONGREGAÇÃO DAS IRMÃS MISSIONÁRIAS DA IMACULADA CONCEIÇÃO COLÉGIO SANTA CLARA PROJETO: POR UM TRÂNSITO DE PAZ E BEM.

TERMO DE CADASTRO DE RECLAMAÇÃO

Empreendedorismo COMPETÊNCIAS HABILIDADES

Validade, Vigência, Eficácia e Vigor. 38. Validade, vigência, eficácia, vigor

RECURSOS IMPROVIDOS.

COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE CIDADANIA PROJETO DE LEI N o 652, DE (Apensos: PL s nºs 2.862/2011 e 2.880/2011)

CÂMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

GUIA DO CONSUMIDOR CONSCIENTE.

MBA MARKETING DE SERVIÇOS. Turma 19. Curso em Ambiente Virtual

Análise de propaganda comercial irregular promovida pela Kia e veiculada pela

Tópicos Abordados. Pesquisa de Mercado. Aula 1. Contextualização

UNIÃO DOS ESCOTEIROS DO BRASIL REGIÃO DO RIO DE JANEIRO 1º RJ/ Grupo Escoteiro João Ribeiro dos Santos

Manual de Atividades Complementares

DISCURSO DE SUA EXCELÊNCIA, O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

DEPARTAMENTO ESTADUAL DE TRÂNSITO DO RIO GRANDE DO SUL DIRETORIA TÉCNICA DIVISÃO DE HABILITAÇÃO RACHA

O que é Administração

Como estudar o SIPIA CT

Aula 28.2 Conteúdos: A estrutura de construção de um texto argumentativo Características do gênero Artigo de opinião LÍNGUA PORTUGUESA

ARTIGO: Efeitos (subjetivos e objetivos) do controle de

CONCORRÊNCIA AA 03/2015 QUESTIONAMENTO 12. Pergunta: No que tange ao Anexo II Critérios de elaboração e julgamento da proposta técnica:

Nº 4139/2014 PGR - RJMB

Programa de Palestras de Conscientização e Prevenção de Drogas da Comunidade Nascer de Novo

CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA CURSO SUPERIOR DE TECNOLOGIA EM ESTÉTICA E COSMÉTICA MANUAL DE ATIVIDADES COMPLENTARES

O USO DO ÁLCOOL ENTRE OS JOVENS: HISTÓRIA, POLÍTICAS GOVERNAMENTAIS, CONSEQÜÊNCIAS SOCIAIS E TRATAMENTO.

PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Divulgação da Ciência em Portugal

ACÓRDÃO. Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº , da Comarca de São Paulo, em que é apelante MINISTERIO

Supremo Tribunal Federal

PROCESSO N. 515/08 PROTOCOLO N.º PARECER N.º 883/08 APROVADO EM 05/12/08 INTERESSADA: SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, CULTURA E ESPORTES

A legitimidade da CNseg

Direito Penal III. Aula 07 21/03/ DA PERICLITAÇÃO DA VIDA E DA SAÚDE Introdução

Depoimento Sem Dano Porto Alegre, AGOSTO de 2009

Estratégias de Comunicação Ferramentas Utilizadas para Comunicação de Marketing

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA AD NOS PROGRAMAS DE PÓS- GRADUAÇÃO DA PUC/RS E DA UFRGS

O JOGO COMO INSTRUMENTO FACILITADOR NO ENSINO DA MATEMÁTICA

REGULAMENTO DE ESTÁGIO CURRICULAR DO CURSO DE PEDAGOGIA

A Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo

RESOLUÇÃO CNE/CEB Nº 1, DE 21 DE JANEIRO DE 2004.(*) CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA

Estudos bíblicos sobre liderança Tearfund*

CURSO: LICENCIATURA DA MATEMÁTICA DISCIPLINA: PRÁTICA DE ENSINO 4

PROPOSTA DE ATIVIDADE

ABCEducatio entrevista Sílvio Bock

CERTIFICAÇÃO PROFISSIONAL POR EXPERIÊNCIA DE ADMINISTRADORES

Transcrição:

CONSIDERAÇÕES SOBRE O COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR E A TUTELA ESTATAL DIANTE DA PUBLICIDADE ABUSIVA Elaborado em 10.2006 Vitor Vilela Guglinski Assessor de juiz, especialista em Direito do Consumidor em Juiz de Fora (MG). Diariamente, e há várias décadas, assistimos a campanhas publicitárias de lançamentos de veículos, principalmente aqueles que apelam para o público jovem, onde os motoristas são expostos dirigindo veículos em alta velocidade, seja no trânsito urbano ou em terrenos acidentados, em meio à natureza, porém, em sua quase totalidade, realizando manobras radicais como: derrapagens, saltos etc., de forma a demonstrar o desempenho de determinados veículos, bem como o suposto status que os mesmos potencialmente podem proporcionar aos seus proprietários. Esse tipo de publicidade mereceu amplo debate na primeira turma de pós-graduação em Direito do Consumidor da Faculdade de Direito da Universidade Estácio de Sá de Juiz de Fora MG, dividindo opiniões, o que me levou a elaborar o presente artigo, pois penso ser tal tema de suma relevância, levando-se em conta as estatísticas das respectivas autoridades em relação às causas de morte de jovens no trânsito em nosso país.

Numa das aulas do curso acima mencionado, foi indagado ao insigne professor e magistrado do TJRJ, Werson Rego, se esse tipo de publicidade não afronta o disposto no art. 37, 2º do CDC, que diz o seguinte: Art. 37 É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. 1º - (omissis) 2º - É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança (grifei). Na oportunidade, o professor ponderou que publicidades dessa natureza não ferem a regra acima transcrita, porquanto geralmente se apresentam em circunstâncias especiais como, por exemplo, a realização de manobras perigosas em locais distantes da área urbana, portanto não oferecendo riscos à coletividade. Posteriormente, em aula ministrada pelo eminente professor José Geraldo Brito Filomeno, um dos autores do anteprojeto do C.D.C., foi abordada a mesma questão, sendo que este, por sua vez, manifestou-se em sentido contrário, entendendo que tais publicidades atentam contra a segurança do consumidor, lembrando que o dispositivo sob análise não fala em perigo à segurança pública, mas do próprio consumidor, pouco importando se este se encontre no meio de um deserto, ou em uma avenida movimentada, motivo pelo qual grifei a última parte do dispositivo transcrito. É notória a constância com que jovens vêm se acidentando no trânsito brasileiro, muitas vezes pagando com as próprias vidas, e as

estatísticas revelam que a maioria dos casos está relacionada ao excesso de velocidade, à realização dos populares rachas e pegas, enfim, a comportamentos que nos levam a refletir acerca da influência da publicidade no comportamento do consumidor. Até que ponto anúncios dessa natureza são capazes de induzir aquele a se comportar de forma prejudicial à sua saúde ou segurança? Para Paulo Valério Dal Pai Moraes o questionamento se resolve à luz dos direitos difusos. Em brilhante palestra proferida no 1º Seminário Internacional de Direito do Consumidor, promovido pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) 1, o ilustre representante do MP do Estado do Rio Grande do Sul mencionou o caso de veiculação publicitária que se enquadrava na hipótese do art. 37, 2º. Na oportunidade, narrou que uma consumidora, mãe de uma menina, buscou auxílio junto ao MP, objetivando a proibição de determinado anúncio. Tratava-se de um calçado promovido por uma famosa apresentadora de TV, onde uma criança se dirigia até a cozinha de sua casa, e depositava seu calçado velho no liquidificador, triturando-o, a fim de que sua mãe lhe comprasse um novo par, no caso aquele da propaganda. Depois de instaurado o inquérito civil para a apuração do fato, a mesma senhora que antes havia recorrido ao órgão ministerial procurou o Dr. Paulo Valério, requisitando ao mesmo que desistisse da ação, uma vez que a mentora da publicidade havia lhe oferecido considerável soma em dinheiro para que abandonasse a empreitada. Em resposta o eminente jurista lhe explicou que tal seria impossível, uma vez que se tratava de um direito difuso, ou seja, uma situação onde não é possível determinar quantos consumidores foram atingidos pela publicidade em questão, enfim, pessoas indeterminadas e ligadas por 1 Promovido pela EMERJ, em parceria com a OAB/RJ, entre 09 e 12 de agosto de 2004.

uma circunstância de fato, a teor do que dispõe o art. 81, I, do C.D.C, in verbis: Art. 81 A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vitimas poderá ser exercida em juízo individualmente ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I Interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. No caso acima, levou-se em conta que a publicidade se aproveitava da deficiência de julgamento e experiência da criança, que se comportava de forma perigosa à sua segurança, ao fazer uso do liquidificador de forma indevida, não se sabendo quantas crianças foram ou poderiam ser atingidas pelo anúncio. Note-se, então, que não é necessária a comprovação de um dano efetivo para que determinada publicidade seja tirada de circulação. Basta o simples perigo de que o consumidor venha a se comportar de maneira prejudicial à sua saúde ou segurança para que os legitimados elencados no art. 82 do C.D.C. exerçam a defesa daqueles em juízo. Ademais, recorde-se que o diploma consumerista destina-se não só à defesa do consumidor, mas também à sua proteção (grifei). E ainda, nunca é demais lembrar o que dispõe o art. 5º da LICC: Art. 5º - Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. É indubitável que o tema de que tratamos aqui é de suma relevância, e comporta ampla discussão, não cabendo, portanto, em um singelo artigo. Trouxemos à baila apenas alguns aspectos,

suficientes a promover a reflexão do consumidor acerca de seu comportamento diante do massacre publicitário cotidiano, a fim de que eleja valores a seguir, bem como, da mesma forma, atentar as autoridades competentes, notadamente o Ministério Público e o Poder Judiciário no exercício de suas funções, a fim de que promovam a concretização destes valores, como medida necessária a atingir o tão almejado bem comum.