DETERMINAÇÃO DO PONTO DE CARGA ZERO EM SOLOS ( 1 )



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Transcrição:

DETERMINAÇÃO DO PONTO DE CARGA ZERO EM SOLOS ( 1 ) BERNARDO VAN RAIJ ( 2 ), Seção de Pedologia, Instituto Agronômico SINOPSE São apresentados os fundamentos e dois métodos de determinação do ponto de carga zero (PCZ) em solos. Por um dos métodos o PCZ foi determinado como sendo o ph do ponto de cruzamento de curvas de titulação dos solos em soluções de NaCl 1; 0.1; 0 01; c 0,001N. Pelo outro método o PCZ foi determinado por extrapolação ou interpolação da carga líquida dos solos, determinada por retenção de íons em soluções de NaCl 0,2N, CaCl 2 0,01N e MgSO 4 0,01N, ao valor de ph em que a carga líquida era nula. 1 INTRODUÇÃO O caracter anfótero de certos solos foi demonstrado por Mattson em 1927 (6). Contudo, como a observação desse autor não foi confirmada para a grande maioria de solos do clima temperado, o assunto não mereceu maiores atenções por muito tempo. Para Latossolos, admite-se que índices ph determinados em solução IN de KC1 maiores do que valores de ph obtidos em água indicam a existência no solo de carga elétrica líquida positiva (2). A possibilidade de reverter a carga superficial líquida de solos tropicais de negativa a positiva tem sido demonstrada por diversos ( 1 ) Recebido para publicação em 13 de agosto de 1973. ( 2 ) Com bolsa de suplementação do CNPq.

autores (3, 11, 12, 13). Nesses solos, em que a carga elétrica pode tornar-se positiva, pode ser determinado o ponto de carga zero (PCZ), definido como o ph da solução em equilíbrio com o solo no qual a carga elétrica líquida da superfície é nula. Recentemente van Raij (11) e van Raij e Peech (12) demonstraram a importância do PCZ na previsão de propriedades eletroquímicas de alguns solos do Estado de São Paulo. Neste trabalho são dados os fundamentos e a metodologia utilizada na determinação do PCZ. 2 FUNDAMENTOS DA DETERMINAÇÃO DO PONTO DE CARGA ZERO EM SOLOS Existem dois tipos de duplas camadas elétricas em interfaces sólido-liquido, dependendo do mecanismo de distribuição das cargas livres. Em se tratando de colóides, ocorrem: a) colóides de interface completamente polarizável ou de carga superficial constante na superfície da fase sólida; nesse caso as cargas livres localizam-se apenas na fase líquida; b) colóides de interface completamente reversível, nos quais a carga superficial da fase sólida é determinada pelos «ions determinadores de potencial», íons esses que podem cruzar a interface sólido-liquido, levando cargas de uma fase para a outra. Muito da teoria para os dois tipos de colóides foi derivada de estudos da interface sólido-liquido de «eléctrodos completamente polarizáveis» e de «eléctrodos completamente reversíveis» (5), que representam os dois casos extremos de comportamento de duplas camadas elétricas. Para colóides, inclusive solos, podem ser admitidos comportamentos intermediários, porém com predominância de um caso ou de outro (4). Solos e minerais de argila têm sido tratados como apresentando carga negativa constante (14). No caso específico de solos de clima temperado isso se deve ao fato de a carga negativa ser devida em grande parte a minerais de argila do tipo 2:1. A carga negativa permanente em minerais de argila tem origem em um deficit de carga ocasionado por substituições isomórficas na estrutura cristalina. Outrossim, em solos de clima tropical a variabilidade das cargas elétricas é pronunciada, o que é devido à composição mineralógica diferente da dos solos de clima temperado. Os principais materiais responsáveis pelas propriedades de superfície são a caulinita, a matéria orgânica, os óxidos de ferro e alumínio e os materiais amorfos. Recentemente, solos de São Paulo, que contêm matéria orgânica, caulinita, óxidos de ferro e gibbsita, foram tratados com sucesso pela adoção de modelo de dupla camada completamente reversível, para explicar a variação das cargas (11, 12). Suspensões de óxidos de ferro e alumínio têm sido tratadas como típicos colóides de interface reversível, com H+ e OH- funcionando como íons determinadores de potencial (1, 6, 7). A formação das cargas superficiais em óxidos de

A equa metais trivalentes pode ser explicada pelos mecanismos dados a seguir. ção 1 refere-se a superfícies de cristais, e a equação 2 a arestas. Uma carga positiva superficial seria, portanto, decorrência da adsorção de um próton, ao passo que uma carga negativa se formaria pela dissociação dos grupos hidroxilos da superfície. O último caso é equivalente e termodinamicamente indistinguível da adsorção simples de ions OH- e, por essa razão, é comum a referência à adsorção de íons OH _. A remoção de uma hidroxila superficial, para a formação de uma carga positiva, é improvável, já que isso deixaria o íon metálico com número de coordenação cinco. Analogamente, a adsorção de uma hidroxila sem liberação de uma molécula de água, para a formação de uma carga negativa, é igualmente impossível, já que isso deixaria o íon metálico com número de coordenação sete (7). A formação de cargas elétricas em superfícies de óxidos, da forma esquematizada nas equações 1 e 2, é baseada em regra de Pauling (9), que prevê que a carga 3 + do íon metálico de número de coordenação seis deve ser dividida igualmente pelos íons ou grupos adjacentes. Pode-se associar a formação de cargas na superfície dos óxidos de ferro e alumínio com a passagem dos íons determinadores de potencial de um lado para' outro da interface sólido-líquido. Admitindo-se uma superfície inicialmente desprovida de carga, o aumento da carga líquida devido à adsorção de íons determinadores de potencial é dado por cr = e (r H + IW) (3) onde a é a carga líquida da superfície, e representa a carga do electron, e r H + e r 0 H~ representam respectivamente as densidades de adsorção de íons H + e OH _. O valor de cr é função de fatores como ph e concentração e Valencia dos íons trocáveis (11, 12). O potencial da dupla camada elétrica de um colóide de interface reversível é dado pela expressão

onde R é a constante dos gases, T é a temperatura absoluta, F é o Faraday, (H+) é a atividade do íon hidrogênio da fase líquida da suspensão e (H>) é a atividade do hidrogênio da fase líquida no ponto de carga zero. A equação 4 é similar à equação de Nernst, aplicável a eléctrodos reversíveis. Pela introdução das constantes e substituição de log (H+) log (H + ) por PCZ, simplifica-se a equação 4 para por ph, c onde t/f 0 é dado em milivolts. O PCZ é o parâmetro mais importante para a descrição das propriedades decorrentes da dupla camada elétrica de interfaces reversíveis. Com ele é possível determinar o potencial da dupla camada elétrica (equação 5) e com o potencial é possível determinar a distribuição de cargas elétricas de solos (11, 12). Infelizmente não é possível medir diretamente o potencial da dupla camada elétrica de óxidos de ferro e alumínio, já que ainda não foram construídos eléctrodos de tais materiais. Contudo, a determinação experimental do PCZ. é possível através da determinação da adsorção de ions H+ e OH - pelos óxidos. Para determinar o PCZ é suficiente determinar o ph no qual as equações 3 e S reduzem a zero. Isso pode ser feito por curvas de titulação potenciométrica com ácido ou base, ou por determinação direta das cargas elétricas dos solos, como é explicado neste trabalho. Convém frisar que neste trabalho os solos são considerados como apresentando interface sólido-líquido completamente reversível. Dificuldades que podem existir pela presença de uma carga negativa permanente nos solos foram discutidas em outros trabalhos (11, 12). Além dos óxidos de ferro e alumínio, outros materiais podem comportar-se de forma similar, e o mecanismo de formação de cargas dado, estendido para eles. É o caso da caulinita e de matérias amorfos, considerando-se comportamento isolado de faces e arestas que apresentam grupos AlOH e SiOH (7). Para a matéria orgânica, em princípio, a teoria para interfaces reversíveis seria aplicável, considerando-se a formação de cargas negativas pela dissociação de grupos carboxilos e outros, e a formação de cargas positivas, provavelmente de importância restrita na matéria orgânica dos solos, pela adsorção de prótons por grupos amino. 3 MATERIAL E MÉTODOS As amostras de solos empregadas foram descritas em outros

trabalhos (10, 11, 12). Consistiram dos horizontes A p e B 2 de um Latossolo Roxo (T 4108 e T 4109), de uma Terra Roxa Estruturada (P 1012a e P 1012c) e de um Latossolo Vermelho-Amarelo Húmico (T 4109 e T 4120). Curvas de titulação potenciométrica foram obtidas com amostras dessaturadas de solos em quatro concentrações de NaCl (11, 12). Foi utilizada uma amostra para cada ponto, adicionando-se HC1 0,1N ou NaOH 0,1N, água e cloreto de sódio, de forma a obter volume de 20 ml e concentrações em NaCl de 1, 0,1, 0,01 e 0,001N. O ph foi determinado após 72 horas de contacto, durante as quais as suspensões foram agitadas ocasionalmente. O PCZ foi obtido determinando-se, para cada solo, as curvas de titulação para as diferentes concentrações de NaCl. O cruzamento das curvas determinou o ph do PCZ, que reflete a condição de igualdade de adsorção de íons H + e OH-, bem como um potencial superficial devido a cargas igual a zero. O outro método de obtenção do PCZ foi baseado na determinação da carga líquida dos solos por retenção direta de íons. As cargas elétricas positivas e negativas dos solos foram determinadas com soluções de NaCl 0,2N, CaCl 2 0,01N e MgS0 4 0.01N (10). A carga líquida foi calculada pela soma algébrica da carga positiva com a negativa. O PCZ foi localizado cotando-se a carga líquida contra o ph e extrapolando ou interpolando para a condição de carga zero. 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO Inicialmente procurou-se estabelecer o tempo adequado de contacto da solução com o solo na determinação do ph para as curvas de titulação. Os resultados apresentados no quadro 1 indicam que com 24 horas obtêm-se condições razoáveis de equilíbrio, exceto para a solução mais diluída de NaCl, e os valores de ph mais elevados. Para este trabalho optou-se por um tempo de 72 horas, deixando-se, pois, uma margem de garantia. Maiores detalhes foram dados em outro trabalho (11).

A concentração da suspensão pode influenciar as leituras de ph. Contudo, para a amostra do horizonte B 2 do Latossolo Vermelho-Amarelo Húmico, a variação de ph para determinações em KC1 1, 0,1, 0,01 e 0,001N, em relações de solução para solo de 1:1, 2:1 e 5:1, não ultrapassou 0,15 unidades de ph, embora diferenças maiores tenham sido observadas para relações de solução para solo mais largas. Neste trabalho, optou-se por uma relação de solução para solo de 5:1, por questões de conveniência analítica (11). Na figura 1 são apresentadas as curvas de titulação dos solos em quatro concentrações de NaCl. O ponto de cruzamento das curvas é indicado, bem como o valor do PCZ.

FIGURA 1. Curvas de titulação de solos em diferentes concentrações de NaCl e determinação do ponto de carga zero. (LH Latossolo Vermelho-Amarelo Húmico, LR Latossolo Roxo, TE Terra Roxa Estruturada).

Há alguma incerteza na posição exata do PCZ, dentro de alguns décimos de ph. O mesmo problema foi observado por Parks e de Bruyn (8) e por Atkinson e outros (1), para óxidos metálicos puros, e não parece ser decorrência de erro analítico. Esses autores acharam diferenças da ordem de 0,2 unidade de ph para o cruzamento entre as curvas de titulação em soluções salinas mais concentradas e o cruzamento das curvas de titulação em soluções salinas mais diluídas. As curvas não interceptam no zero de titulação devido à presença de Al 3+ trocável nas amostras dessaturadas, sendo exceção apenas a amostra do horizonte B 2 do Latossolo Roxo, que não continha Al 3+ trocável. O efeito do Al 3+ trocável e da possível carga negativa permanente existente nos solos na posição do PCZ foi discutido em outros trabalhos (11, 12). O efeito do alumínio trocável na determinação do PCZ é evitado pela determinação direta de cargas elétricas dos solos, pelo método citado no capítulo 3. Na figura 2 é apresentada a determinação gráfica do PCZ a partir da carga líquida dos solos, determinada com soluções de NaCl 0,2N, CaCl 2 0,01N e MgS0 4 0,01N. A ausência de A1 3+ é refletida nos valores do PCZ determinados com NaCl, que são mais baixos do que os determinados por curvas de titulação. As diferenças entre os valores de PCZ determinados com NaCl e CaCl 2 são devidas à natureza diversa dos dois sais. O CaCl 2 não é um sal simétrico e o íon Ca 2+ é mais fortemente retido pelo solo do que o íon Cl~ devido à diferença de valências. Como no PCZ há coexistência de cargas positivas e negativas e a Valencia do íon trocável afeta as cargas elétricas (11, 12), há um deslocamento do PCZ determinado em CaCl 2 para um valor de ph mais baixo em relação ao determinado em NaCl. A diferença entre os valores de PCZ determinados em NaCl e MgS0 4 é mais difícil de explicar. Sendo o MgS0 4 não simétrico com relação ao tamanho dos íons, é possível que a carga positiva da superfície seja maior com o íon S0 4 2~, cujo raio hidratado é de o cerca de 4 A, do que a carga negativa que ocorre com o íon Mg 24,

que tem um raio hidratado de cerca de 8 A. Esse aumento da carga superficial com a diminuição da distância do centro do íon opositor até à superfície do solo, nas mesmas condições de ph e concentração de eletrólito, é previsto pela teoria da dupla camada. Para cada um dos três solos estudados, a composição mineralógica não difere apreciavelmente, passando do horizonte A p para o B 2 (11, 12). Portanto, as diferenças do PCZ entre o horizonte A p e B 2 de cada solo podem ser atribuídas à matéria orgânica. De uma forma geral, óxidos de ferro e alumínio são responsáveis pela elevação do PCZ de solos, enquanto matéria orgânica e minerais de argila concorrem para o seu abaixamento (7, 11). o DETERMINATION OF THE ZERO POINT OF CHARGE IN SOILS SUMMARY The zero point of charge (ZPC) of soils was determined by the crossing point of acid-base potenciometric titration curves in different concentrations of NaCl. Alternatively, the ZPC was found by extrapolating or interpolating the net electric charge of soils, determined by direct adsorption of ions from solution of NaCl, CaCl 2 and MgSO 4, to the ph of charge zero. LITERATURA CITADA 1. ATKINSON, R. J.; POSNER, A. M. & QUIRK, J. P. Adsorption of potencial-determining ions at the ferric oxide-aqueous electrolyte interface. J. phys. Chem. 71:550-558, 1967. 2. E.U.A. Soil Survey Staff. Soil taxonomy (selected chapters of the unedited text). Washington, U.S.D.A. Soil Conservation Service, 1970. 3. FIELDES, M. & SCHOFIELD, R. K. Mechanisms of ion adsorption by inorganic soil colloids. J. Sci. 3:563-578, 1960. 4. HARKINS, W. D. The physical chemistry of surface films. New York, Reinhold, 1952. 5. KRUYT, H. R. Colloid science. Amsterdam, Elsevier, 1952. v.l. 6. MATTSON, S. Anionic and cationic adsorption by soil colloidal materials of varying SiO 2 /Al 2 O 3 + Fe 2 0 3 ratio. In: Trans. Intern. Congress Soil Sci., 1., Washington, 1927. v.2, p. 199-211.

7. PARKS, G. A. Aqueous surface chemistry of oxides and complex oxide minerals. Isoelectric point and zero point of charge. Adv. Chem. Ser. 67:121-160, 1927. 8.. & DE: BRUYN, P. L. The zero point of charge of oxides. J. phys. Chem. 66:967-973, 1962. 9. PAULING, L. The nature of the chemical bond. 3.ed. Ithaca, Cornell University Press, 1960. 644p. 10. RAIJ, B. van Determinação de cargas elétricas positivas e negativas em solos. Bragantia 31:171-183, 1972. 11.. Electrochemical properties of some Brazilian soils. Ph. D. thesis. Cornell University, 1971. 144p. 12. & PEECH, M. Electrochemical properties of some Brazilian soils. Proc. Soil. Soc. Am. 36:587-593, 1972. 13. SUMNER, M. E. & DAVIDTZ, J. C. Positive and negative charges in some Natal soils. Afr. J. agric. Sci. 8:1045-1050, 1965. 14. VAN OLPHEN, H. Introduction to clay colloid chemistry. New York, Interscience, 1963. 301p.