Ação Penal Pública Condicionada e a Lei Maria da Penha: algumas. considerações.



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Transcrição:

Ação Penal Pública Condicionada e a Lei Maria da Penha: algumas considerações. por Quintino Farias da Costa Júnior Promotor de Justiça da Comarca de Cametá/ Pa Resumo Esse artigo científico traz uma análise no que diz respeito ao conceito de representação e a mitigação do direito de seu exercício, nos crimes de ação penal pública condicionada, de que trata a Lei nº. 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha. A Lei nº. 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha- LMP, traz a lume diversos aspectos, dentre os quais, destacamos o que nos parece poderá causar embaraços na correta aplicação desta lei. A desconsideração da manifestação da vontade da vítima na fase policial, nos crimes de ação penal pública condicionada e a ampliação do conceito de representação, instituindo a figura da representação tácita, enquanto permissivo legal para a atuação ministerial. Dispõe a Lei Maria da Penha em seu artigo 16, o seguinte: Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público. As dificuldades começam com a utilização confusa, dos termos jurídicos, renúncia e retratação.

Conforme magistério de TOURINHO FILHO, renúncia é pois, a abdicação do direito de oferecer queixa- crime, de promover ação penal privada, enquanto que a retratação de que tratam o código penal em seu artigo 102 e o código de processo penal em seu artigo 25, no dizer de CAPEZ, é a abdicação da vontade de ver instaurado o inquérito policial ou oferecida a denúncia. Assim, deve-se entender na verdade o termo renúncia empregado pela lei, no sentido de retratação ao direito de representação o que, como veremos a seguir, também poderá causar problemas de interpretação ao aplicador do direito, pela forma como está posta, no dispositivo sob comento. Vejamos. Ao dispor sobre o exercício do direito de renúncia, que doravante passaremos a denominar de retratação, o legislador estabeleceu que tal só produzirá efeitos se exercido até o recebimento da denúncia. Admitiu com isso que, poderá haver um interregno razoável entre o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público e o seu efetivo recebimento pelo juízo, e que, se nesse lapso de tempo, a ofendida retratar-se, obstaculizada estará a persecução criminal, por falta de uma condição de procedibilidade- a representação-. Ocorre que, tal orientação não encontra lastro nem código de processo penal, artigo 25, e nem no código penal, artigo 102, com a redaue lhe foi dada pela Lei nº 7.209 de 11 de julho de 1984, (reforma penal- parte geral), redação esta aliás, que pôs fim a uma antiga discussão doutrinária e jurisprudencial, sobre o momento exato em que se inicia a ação penal. Estabelecem os diplomas legais referenciados, em seus respectivos artigos que, uma vez oferecida a denúncia, a representação é irretratável, não havendo mais que se distinguir os

dois momentos : oferecimento e recebimento da denúncia, como está a fazer a Lei Maria da Penha. Conforme ensina TOURINHO FILHO, não se deve confundir início da ação penal com o seu ajuizamento e muito menos com a instauração da relação processual. Aquele se dá com a oferta da peça acusatória [...] Assim, se o Promotor de Justiça já ofertou a denúncia, pouco importa tenha ocorrido ou não despacho liminar positivo. Ela se tornou irretratável com a simples oferta da denúncia. Acrescentamos que isto ocorre também, porque a partir desse momento passa a nortear a atuação do Ministério Público o princípio da indisponibilidade da ação penal, não permitindo a lei, uma vez deflagrada, o recuo do órgão acusador, como sugere a Lei Maria da Penha, ao determinar a outiva do Ministério Público, sobre a retratação da ofendida. Somos de entendimento que, uma vez oferecida a denúncia, e, não sendo o caso de rejeição da peça acusatória, nas hipóteses taxativas do artigo 43 do código de processo penal, somente caberá ao juiz, instruir o feito. A retratação, de que trata a lei sob comento, em verdade, só produzirá seus efeitos, se exercida entre a instauração do inquérito policial e a remessa ao Ministério Público, sendo o seu efeito imediato, impedir a oferta da denúncia, possibilitando com isso a realização da audiência judicial de que trata a Lei Maria da Penha, que terá por finalidade específica, apreciar àquela, enquanto causa extintiva de punibilidade, efeito mediato. Realizado o ato, com a presença das partes e do representante do Ministério Público, terá este, condições de avaliar, ante as peculiaridades do caso e na qualidade de dominus litis, pela extinção da punibilidade, ante a retratação da ofendida, ou, se for o caso, desconsiderá-la e oferecer a competente denúncia.

Não fosse assim, nenhum sentido teria a realização da audiência prevista no artigo 16 da LMP, cabendo ao juiz, se discordar das razões invocadas para o não oferecimento da denúncia, submeter à consideração da procuradoria geral de justiça, por analogia do artigo 28 do código de processo penal, que por sua vez é aplicável subsidiariamente à espécie, por força do artigo 13, visto que, o magistrado não tem o poder de obrigar o promotor de justiça a deflagrar a ação penal, ainda que entenda seja esse o caso. Outro aspecto a merecer considerações, diz respeito ao conceito de representação, adotado pela Lei 11.340/2006-LMP. A mudança em torno da idéia de representação, nas ações penais públicas condicionadas de que trata a Lei Maria da Penha, ou seja, a efetiva participação da parte ofendida na persecução criminal, pode ser vista já no artigo 10, caput da LMP: Art. 10. Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis. Pelo dispositivo suso, constata-se que, a autoridade policial tomando conhecimento da notitia criminis, terá o poder/ dever de agir de ofício, como ocorre nas ações penais públicas incondicionadas. Sua atuação não está atrelada à manifestação expressa da vítima, podendo ser inclusive preventiva, se os fatos lhe chegarem ao domínio com a devida antecedência, ainda que de forma imediata. Da mesma forma, ao tratar das providências preliminares que deve a autoridade policial adotar, ao tomar conhecimento da ocorrência de fatos delituosos, abrangidos pela Lei Maria da Penha, dispõe o artigo 12, inciso I que : Art. 12. OMISSIS

I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada; A interpretação gramatical da locução, se apresentada, depois da vírgula, só ratifica a idéia da prescindibilidade da representação, nos moldes em que é concebida no código de processo penal artigo 39. Essa facultatividade, porém, como se pode depreender do texto legal suso mencionados, nenhum prejuízo acarretará para a apuração dos crimes de violência doméstica e/ou familiar na esfera policial, ou mesmo para a futura atuação ministerial, já que, em razão da flexibilização do conceito de representação, pode-se entender como tal, não só o documento assim denominado e assinado pela vítima ou seu representante legal, como também: o registro da ocorrência, (LMP: artigo 12, caput); o pedido de concessão de medidas protetivas de urgência, (LMP: artigo 18 e ss.), etc... É o que denominamos de representação tácita, construída à imagem e semelhança da renúncia tácita de que trata o código penal artigo 104. Assim, se até o oferecimento da denúncia, respeitado o prazo decadencial previsto no código de processo penal, artigo 38, a ofendida não apresentar sua retratação, convalidado estarão todos os atos até então já praticados em desfavor do agressor, autorizando com isso, ao Ministério Público, ingressar em juízo com a competente ação penal. Deixa de ser assim, portanto, a representação da vítima, em sua acepção estrita, uma conditio sine qua non, para adoção das medidas legais cabíveis, quando se tratar de crimes relacionados com a violência doméstica e/ou familiar, seja na fase que antecede a ação penal, como por exemplo, instauração de inquérito policial, seja para sua própria deflagração, com o oferecimento da denúncia, o que não ocorre nos demais delitos, verbi gratia, desentendimento entre um homem e uma mulher em uma fila de cinema, e que importe um delito de ação penal

condicionada, pois que, nesses casos, a representação da vítima stricto sensu, permanece como condição de procedibilidade, nos termos do código de processo penal artigos 5º, 4º e 24 caput. E, é assim, penso, por dois motivos. O primeiro, por uma questão de política criminal. Sabe-se que muitas das vezes, por de trás de uma decisão aparentemente espontânea da vítima de não prosseguir na responsabilização de seu ofensor, escondem-se ameaças e pressões de toda ordem, atento a isso, o legislador então transferiu à Justiça, avaliação da conveniência ou não da persecução criminal, diante do caso concreto. Depois, com bem esclarece TOURINHO FILHO, a razão de ser das ações penais públicas condicionadas, é que determinados crimes afetam imediatamente interesses particulares e só mediatamente, o interesse geral, e, nesses casos, o Estado deixa ao alvedrio do particular a conveniência da reprimenda, até mesmo pela tenuidade do bem jurídico violado. Não é definitivamente, o caso das condutas praticadas nas circunstâncias delineadas pela Lei Maria da Penha, cujas práticas, são consideradas formas de violação aos direitos humanos, LMP: artigo 6º. Prevalece, portanto, o interesse geral a justificar a interferência imediata do Estado em tais ocorrências, daí porque, ter o legislador retirado da esfera de apreciação da vítima, a adoção das providências preliminares de responsabilização do autor, na fase policial, nos crimes de ação penal pública condicionada, como seria de praxe. É nesse diapasão que entendemos, com a devida venia de respeitáveis posicionamentos contrários, que a retratação da ofendida, nesses casos, só mediatamente

poderá ser causa extintiva de punibilidade, isto, depois de apreciada judicialmente, em audiência previamente designada para tal fim, em razão da sistemática adotada pela LMP. Melhor andaria o legislador, se tivesse expressamente declarado de ação pública incondicionada, as condutas típicas previstas no código penal, quando relacionadas com a violência doméstica e/ou familiar, pois na verdade, foi o que fez de forma oblíqua. Enfim, a conseqüência prática disto é a seguinte : Recebendo o inquérito policial, e desde que não tenha havido a retratação, o promotor de justiça, avaliando, pelos elementos constantes dos autos, a viabilidade da ação penal, e diante do conceito amplo de representação, firmado pela Lei Maria da Penha, está autorizado a oferecer a denúncia, independentemente de ratificação expressa por parte da ofendida, isto porque entendemos que o seu silêncio implica uma concordância, (representação), tácita com as medidas até então adotadas, contra o seu agressor. Havendo a retratação expressa documentada ou reduzida a termo, cumpre ao órgão ministerial requerer a designação de competente audiência, para os fins do artigo 16 da Lei Maria da Penha. Conclusões: Deve-se entender o termo renúncia, na verdade como retratação ao direito de representação, emprestando-lhe os contornos que atendam o espírito da lei. A retratação, só será apta a produzir algum efeito, se exercida antes do oferecimento da denúncia, posto que, a partir desse momento, deflagrada estará a ação penal, não podendo mais dela dispor, o Ministério Público. Ante o conceito mais amplo de representação, abraçado pela Lei 11.340/ 2006-LMP, é a mesma prescindível, enquanto documento autônomo assinado pela vítima, ou mesmo reduzido a termo no bojo do inquérito policial, a legitimar a atuação do Ministério Público na

persecução criminal do autor de delitos de violência doméstica e familiar contra a mulher, caso esta pretenda desistir das providências até então encaminhadas, o instrumento adequado para tal desiderato é a retratação pessoal expressa ou por seu representante legal, dirigida ao juiz, ou ao próprio órgão ministerial, desde que, frisamos, ainda não tenha sido oferecida denúncia, o que possibilitará ao magistrado de ofício ou a requerimento do representante do Ministério Público, designar a competente audiência de que trata o artigo 16, momento próprio para avaliarem as circunstâncias que determinaram a vítima assim proceder. Referências Bibliográficas BRASIL. Decreto-Lei n o 2.484 de 07 de Dezembro de 1940. Código Penal. Brasília, DF: Senado Federal. BRASIL. Decreto-Lei n o 3.689 de 03 de Outubro de 1941. Código Processo Penal. Brasília, DF: Senado Federal. BRASIL. Lei nº. 11.340 de 07 de agosto de 2006. Lei da Violência Domestica e Família contra Mulher. Brasília, DF: Senado Federal. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Processo Penal. 12ª. edição.revista e atualizada., principalmente em face das Leis nº. 7.209/84 (Parte Geral do CP), 7.210/84 (Lei de Execução Penal) e Constituição de 1988.São Paulo.Saraiva.1990. págs.295; 339 e 510. CAPEZ, Fernando, Curso de Processo Penal. 2ª. edição, atualizada e ampliada. São Paulo.Saraiva.1998. pág.106.