EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) FEDERAL COMPETENTE POR DISTRIBUIÇÃO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO.34.04.0009/004-0 O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República que esta subscreve, em exercício na Procuradoria da República no Município de São José dos Campos, vem à presença de Vossa Excelência, com fundamento no artigo 9, V, da Constituição Federal, no art. 5º, I, da Lei 7.347, de 4 de julho de 985, nos arts. 5º, III, e, e 6º, VII, a e c, ambos da Lei Complementar 75, de 0 de maio de 993, mui respeitosamente, propor: AÇÃO CIVIL PÚBLICA em face de: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, autarquia federal, pessoa jurídica de direito público, podendo ser citado na pessoa do Sr. Procurador Seccional Federal em São José dos Campos (SP), no endereço conhecido da Secretaria desse DD. Juízo Federal; pelos fatos e direito a seguir expendidos:
I SÍNTESE DA DEMANDA/ ADEQUAÇÃO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA/ DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. A presente ação civil pública objetiva seja compelido o Instituto Nacional de Seguro Social nesta subseção judiciária a reconhecer o direito ao salário-maternidade às seguradas indígenas, independentemente da idade, da população Guarani do Ribeirão Silveira que exerçam trabalho peculiar à sua cultura.. De acordo com o artigo 9, III e V, da Constituição Federal de 988: Art. 9. São funções institucionais do Ministério Público: (...) III promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; (...) V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas; 3. A atribuição do Ministério Público Federal resulta não apenas do dispositivo constitucional, mas também de comando da Lei Complementar nº 75/93, em seu art. 6º, inciso VII, letra c, nos seguintes termos: Art. 6º - Compete ao Ministério Público da União: (...) VII promover o inquérito civil e a ação pública para: (...) c) a proteção dos interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos, relativos às comunidades indígenas, à família, à criança, ao adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor; (g.n.)
4. Constitui função institucional do Ministério Público da União, com base no artigo 5º, inciso II, alínea d, da Lei Complementar nº 75/93, zelar pela observância dos princípios constitucionais relativos à seguridade social, e inciso III, alínea e, a defesa dos direitos e interesses coletivos, especialmente das comunidades indígenas, da família, da criança, do adolescente e do idoso. II DOS FATOS 5. Fundamenta-se a ação civil pública no procedimento administrativo registrado e autuado na Procuradoria da República em São José dos Campos (SP) sob o número.34.04.0009/004-0, em anexo. 6. O Posto Indígena do Rio Silveira, da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), noticiou o indeferimento de pedido de saláriomaternidade a índias da população dos Guaranis do Ribeirão Silveira com fundamento na não comprovação do período de 0 meses de contribuição. 7. Juntou cópia de comunicação da decisão de indeferimento do pedido feita pelo INSS a três indígenas. 8. Entretanto, o chefe do posto signatário, Márcio José Alvim do Nascimento, fundamentou que o indígena é considerado segurado especial que exerce atividade rural em regime de economia familiar. A comprovação se dá por declaração fornecida pelo próprio órgão. Anotou que o salário-maternidade é devido. Porém, às menores de 6 anos a legislação não reconheceria esse direito. Assim, haveria o prejuízo da comunidade visto que é da cultura indígena a gravidez a partir dos anos. Tal situação iria de encontro à proteção constitucional do índio. Em face disso, solicitou requerer-se ao Instituto Nacional de Seguro Social a concessão de benefícios às índias nessas condições 3. Fls. a 6. Fls. 4 a 6. 3 Fls. a 6. 3
9. O Gerente-Executivo em São José dos Campos do Instituto Nacional de Segurança Social defendeu a legalidade dos indeferimentos. Ele atentou observar o princípio da legalidade do ato administrativo, pois ausentes os requisitos idade mínima e número mínimo de contribuições. 0. A FUNAI trouxe aos autos cópia de laudo antropológico sobre a tribo e parecer favorável à concessão do benefício de lavra da Procuradoria Federal Especializada-FUNAI. III - DO DIREITO. No inciso XXXIII do seu artigo 7º, a Constituição proíbe o trabalho a menores de 6 anos, salvo como aprendiz 3.. Por sua vez, a legislação previdenciária estabelece: Art.. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas: [...] VII - como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de: a) produtor, seja ele proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais;. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. º da Lei no 9.985, de 8 de julho de 000, e faça dessas atividades o principal meio de vida; Fls. a 6. Fls. 4 a 64. 3 Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; [...] 4
b) pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 6 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo. 3. O salário-maternidade é devido à segurada especial da Previdência Social, durante 0 (cento e vinte) dias, e tem como um dos seus requisitos a precedência de dez meses de exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua. 4. Assim, a segurada especial que exerce atividade rural em regime de economia familiar precisa ter a idade mínima de 6 anos além do tempo de exercício para fazer jus ao salário-maternidade. Essa é a regra, instituída no interesse da proteção integral da criança e do adolescente, destinada a coibir o trabalho infantil. 5. Entretanto, a Constituição da República reconhece aos povos indígenas sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens 3. 6. No plano infraconstitucional, o Estatuto do Índio 4 abre dizendo que Aos índios e às comunidades indígenas se estende a proteção das leis do País, nos mesmos termos em que se aplicam aos demais brasileiros, resguardados os usos, costumes e tradições indígenas, bem como as condições peculiares reconhecidas nesta Lei. 5 (g.n) Lei 8.3, de 4 de julho de 99. Artigos 7 da Lei 8.3, de 4 de julho de 99 e 93, parágrafo º, do Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 999. 3 Artigo 3 da Constituição da República 4 Lei nº 6.00, de 9 de dezembro de 973. 5 Artigo º, parágrafo único. 5
7. O estatuto fixa em seu artigo 4 que não haverá discriminação entre trabalhadores indígenas e os demais trabalhadores, aplicandose-lhes todos os direitos e garantias das leis trabalhistas e de previdência social. Em seguida, no parágrafo único, anota que é permitida a adaptação de condições de trabalho aos usos e costumes da comunidade a que pertencer o índio. 8. A Lei 6.00/73 ainda anota que se estende aos índios o regime geral de previdência social, atendidas as condições sociais, econômicas e culturais das comunidades beneficiadas. 9. Como se infere da Constituição e de todo o ordenamento jurídico, interpretado de forma sistemática e teleológica, o sistema de assistência social e previdenciária alcança a proteção aos índios respeitando sua organização social, suas tradições, costumes e práticas. Não se pode, administrativamente, aplicá-los de forma prejudicial, ainda que escudada na proibição do trabalho para os menores de 6 (dezesseis) anos. 0. Parece evidente que uma norma protetiva a que proíbe o trabalho do menor não pode resultar em prejuízo para aqueles a quem visa proteger, sobretudo quando o trabalho coletivo constitui um aspecto central da identidade do povo indígena a que o adolescente pertence. Nesse sentido, aliás, a jurisprudência tem aceito a contagem de tempo de serviço anterior à idade mínima laboral para fins previdenciários.. É posição tranqüila do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que comprovada a atividade rural do trabalhador menor, a partir dos seus anos, em regime de economia familiar, esse tempo deve ser computado para fins previdenciários. Princípio da universalidade da cobertura da Seguridade Social. A proibição do trabalho ao menor de 4 anos foi estabelecida em benefício do menor e não em seu prejuízo. (AR 3.69, 3ª Seção, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura). Artigo 55. 6
. As características culturais e sociais do povo indígena em questão levam as indígenas menores de 6 anos a trabalhar em regime de economia familiar e a ter filhos. Exatamente por essas particularidades, seus direitos previdenciários devem ser respeitados. Interpretar de modo diverso os dispositivos constitucionais, descaracterizando seu caráter protetivo, seria a negação de sua identidade cultural e uma subversão do sistema de proteção social estabelecido no direito brasileiro. 3. Assim também, a corroborar esse entendimento, o Grupo de Trabalho de Saúde Indígena, da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal se manifestou sobre o tema: Às crianças e adolescentes indígenas são garantidos todos os direitos sociais estabelecidos na Constituição, tal como o salário maternidade, independentemente de sua idade, devendo os órgãos públicos responsáveis observar os costumes e tradições de cada comunidade, com a utilização de estudos antropológicos adequados, sugerindo aos Procuradores da República que promovam ações judiciais e extrajudiciais visando a concretização desses direitos. 4. Acha-se acostado aos autos laudo antropológico que atesta as características da comunidade em apreço. III DA TUTELA ANTECIPATÓRIA 5. Estão presentes os requisitos para a concessão de tutela antecipatória no caso vertente. Há prova inequívoca da verossimilhança da alegação, consistente na negativa do INSS, fartamente documentada nos autos do procedimento administrativo, e na análise antropológica realizada pela FUNAI, que atribui à cultura do povo indígena que vive na Terra Indígena Guarani do Ribeirão Silveira o trabalho das adolescentes, em regime de economia familiar, Fls. 0 a 04. Fls. 44 a 57. 7
com idade inferior a 6 (dezesseis) anos, bem como o hábito de procriarem também nessa faixa etária. 6. Há o risco de ineficácia do provimento final, na medida em que outras seguradas indígenas da comunidade podem engravidar e adquirir o direito à percepção do benefício no curso do processo, mas o INSS, sem razão plausível, indeferirá o requerimento administrativo, negando a pretensão que se busca tutelar nesta ação civil pública. 7. Desse modo, incide o art. 46, 3º, do Código de Processo Civil, devendo esse DD. Juízo, observado o disposto no art. º da Lei 8.437, de 30 de junho de 99, conceder a tutela antecipatória para determinar ao INSS que se abstenha de indeferir os benefícios de salário-maternidade das seguradas indígenas residentes da Terra Indígena Guarani Ribeirão Silveira exclusivamente por motivo de idade, ou com ele relacionado. IV DOS REQUERIMENTOS FINAIS 8. Ante o exposto, requer o Ministério Público Federal: a) a citação do demandado para, querendo, responder à presente demanda e acompanhá-la em todos os seus termos, até final procedência, sob pena de revelia e confissão quanto à matéria de fato; b) a intimação da FUNAI, na pessoa de seu Procurador Federal Especializado, para que manifeste interesse em integrar o pólo ativo desta demanda, na qualidade de litisconsorte do Ministério Público Federal. c) sejam julgados procedentes os seguintes pedidos: I) condenar o Instituto Nacional do Seguro Social em obrigação de não fazer consistente em abster-se de indeferir por motivo de idade, ou com ele relacionado, os requerimentos administrativos de benefícios de salário- 8
maternidade das seguradas indígenas que residem na Terra Indígena Guarani do Ribeirão Silveira, no Município de São Sebastião (SP), devendo observar, nos procedimentos administrativos, os costumes e tradições do povo indígena, com a utilização de estudos antropológicos adequados à realidade da comunidade da Terra Indígena Guarani Ribeirão Silveira, produzidos pela FUNAI ou com sua participação e consentimento; II) condenar o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ao pagamento, com os consectários legais devidos (juros e atualização monetária) pelos índices legais, incidentes desde a data do requerimento administrativo ou do parto (o que tiver ocorrido antes), dos benefícios de saláriomaternidade das seguradas indígenas residentes na Terra Indígena Guarani do Ribeirão Silveira, no Município de São Sebastião (SP), indeferidos na via administrativa por motivo de idade, ou com esse motivo relacionado, e que não tenham sido objeto de ações individuais, liquidando-se posteriormente os valores nos termos do art. 97 do Código de Defesa do Consumidor c/c art. 90 do mesmo diploma legal e art. da Lei 7.347/85. d) sendo a questão de mérito unicamente de direito, seja julgada antecipadamente a lide, nos termos do art. 330, I, do Código de Processo Civil, ou, se outro o ilustrado entendimento desse DD. Juízo Federal, seja deferida a produção de todos os meios de prova admitidos em direito. 9. Dá-se à causa o valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais). São José dos Campos, 08 de dezembro de 009. ANGELO AUGUSTO COSTA Procurador da República 9