Eritema multiforme em cão

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Transcrição:

RELTO DE CSO Eritema multiforme em cão Erythema multiforme in a dog Desydere Trindade Pereira - Médica Veterinária Residente do Hospital Veterinário Universitário da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). v. Roraima, 1000. airro Camobi, Santa Maria/RS/rasil, CEP 97105-900. E-mail: desydere@gmail.com Claudete Schmidt - Professora da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Hellen Fialho Hartmann - Médica Veterinária Residente do Hospital Veterinário Universitário da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Tatiana Mello de Souza - Pós-doutoranda do Laboratório de Patologia Veterinária da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Rogério Luizari Guedes - Especialização (Residência) em Cirurgia de Pequenos nimais UPF; Mestrando em Cirurgia Veterinária UFSM; Professor FI-SC. Pereira DT, Schmitd C, Hartmann HF, Souza TM, Guedes RL. Medvep Dermato - ; 2012; 2(3); 86-92. Resumo O eritema multiforme é uma doença incomum na prática dermatológica de pequenos animais e se manifesta como uma desordem inflamatória caracterizada por lesões de diferentes apresentações em pele e/ou mucosas. credita-se que esta dermatopatia em cães seja mais comumente associada à hipersensibilidade medicamentosa, e, em menor escala, relacionada a neoplasias, infecções e idiopática. O objetivo do presente artigo é relatar um caso de Eritema Multiforme (EM) num canino, fêmea, sem raça definida, com doze anos de idade, apresentando problemas na pele e conduto auditivo durante um período anterior de três meses. s lesões tinham aspecto de placas eritematosas com centro mais claro, em forma de alvo, envolvendo pele e mucosas; os condutos auditivos apresentavam secreção purulenta abundante. pós o diagnóstico clínico presuntivo de EM, foi realizado exame histopatológico que confirmou a suspeita. O animal recebeu corticoterapia sistêmica e medicação otológica tópica apresentando remissão significativa das lesões. Palavras-chave: canino, eritema multiforme, corticoide, doença auto-imune bstract Erythema multiforme is an uncommon disease in small animal dermatology practice and occurs as an inflammatory disorder characterized by different presentations skin and/or mucous membranes injuries.it is believed that this skin disease in dogs is usually drug hypersensitivity associated, and to a lesser extent, related to cancer, infections, and idiopathic. This paper aims to report an erythema multiforme case in a female, mixed breed, with twelve years old dog with skin and ear disorders for about three months. Lesions s appearance were erythematous plaques with central ligther-shaped target, involving skin and mucous membranes. The auditive canal had abundant purulent secretion. fter the presumptive clinical diagnosis of Erythema multiforme, histopathologic examination has performed which confirmed the suspicion. The animal received oral corticosteroids and topical ear medication that resulted in significant remission of the lesions. Keywords: canine, erythema multiforme, corticosteroids, autoimmune disease 86 Medvep Dermato - Dermatologia

Introdução e Revisão de Literatura Relato de Caso O estudo das dermatoses constitui, na atualidade, uma área de grande interesse científico, tendo em vista que as lesões cutâneas podem representar sinais prodrômicos ou co-existirem com outra enfermidade (1). Eritema Multiforme (EM) é incomum em cães e gatos e acomete somente 0,4% e 0,11%, respectivamente, de todos os casos examinados na prática dermatológica canina e felina (2). EM constitui um grupo raro de desordem inflamatória aguda caracterizada por erupções na pele e/ou mucosas com o aparecimento de máculas vermelhas (eritema) que evoluem para vesículas, bolhas e úlceras (multiforme). Ocasionalmente pode haver envolvimento sistêmico e comprometimento da vida, principalmente nos tipos mais severos da doença (1). Esta entidade foi primeiramente descrita por Ferdinand Von Hebra, na metade do século XIX, como uma doença cutânea autolimitante caracterizada por lesões polimórficas na pele (1). Em 1993, foi feita uma tentativa de padronizar a nomenclatura na dermatologia humana. Recentemente essa nomenclatura foi adaptada para a dermatologia veterinária (3). EM tem sido classificado de acordo com o envolvimento de mucosas e distribuição das lesões cutâneas em EM menor e maior, o menor sendo a forma mais comum, que afeta apenas uma mucosa, têm lesões simétricas nas extremidades e atinge menos de 10% de toda a superfície corporal; o EM maior é mais severo, afeta duas ou mais membranas mucosas e tem envolvimento da pele variável, podendo atingir 50% ou mais de toda a superfície corporal (4). credita-se que a lesão seja causada por hipersensibilidade mediada por células T. Nesta reação, o alvo seriam antígenos associados aos ceratinócitos, que, ao se ligarem aos linfócitos, desencadeiam a morte celular por apoptose (3). Grande parte dos casos não têm etiologia conhecida, no entanto, podem ser causados por medicamentos, infecções, imunoterapia ou outras enfermidades (4). credita-se que o EM em cães seja mais comumente associado à hipersensibilidade medicamentosa, e, em menor escala, a doenças neoplásicas e infecciosas. s drogas mais comumente associadas ao EM em cães são o trimetoprim, penicilinas, sulfonamidas e cefalosporinas. Raramente corantes, estabilizantes e conservantes presentes em rações podem estar entre as causas de EM (3), sendo que em um estudo, 22,8% dos casos de eritema multiforme canino foram considerados de etiologia idiopática (2). Por se tratar de uma desordem rara, o presente trabalho tem por objetivo relatar e discutir o caso clínico de um canino, fêmea de doze anos, atendido com lesões na pele e condutos auditivos. Foi atendido no Hospital Veterinário Universitário da Universidade Federal de Santa Maria (HVU UFSM), um canino, fêmea, SRD, com doze anos de idade, apresentando lesões na pele e otite há pelo menos três meses. Durante a anamnese a proprietária afirmou que as lesões surgiram após dois meses de uso contínuo de antibiótico (cefalexina), no entanto, uma semana antes da consulta, também havia sido utilizado sulfametoxazol com trimetoprima, corticoide e tratamento tópico para ouvido a base de gentamicina, betametasona e clotrimazol, prescritos em clínica veterinária particular. o exame físico, observou-se na pele da região abdominal, placas eritematosas com centro mais claro (forma de alvo) (Figura 1), lesões ulcero-crostosas nas axilas e coxins (Figura 1) e terço distal medial do membro torácico esquerdo. Os condutos auditivos apresentavam secreção purulenta abundante. Figura 1 - Região abdominal () com placas ulcero-crostosas, sendo a maior lesão uma placa eritematosa com centro mais claro (formato de alvo). No coxim () observa-se lesões ulcerocrostosas. Canino, fêmea, SRD, 12 anos de idade com diagnóstico de eritema multiforme. Medvep Dermato - Dermatologia 87

cultura bacteriológica do cerúmen revelou infecção por Pseudomonas aeruginosa e os exames sanguíneos revelaram resultados compatíveis com insuficiência hepática crônica, com diminuição dos valores séricos de albumina, ureia e valores dentro dos limites fisiológicos para as enzimas alanina aminotransferase e fosfatase alcalina. lém da suspensão dos medicamentos anteriormente recebidos pelo animal, foi prescrito medicamento otológico a base de cloridrato de ciprofloxacina, cetoconazol, acetonido de Fluocinolona e cloridrato de lidocaína; aerosol para as lesões dermatológicas a base de sulfato de gentamicina, miconazol e valerato de betametasona, a cada 12 horas, por 20 dias, associado ao uso do colar elizabetano. Em função das alterações nos exames de bioquímica sérica, foi indicado ração Hepatic (Royal Canin). No retorno da paciente, após 20 dias, notou-se melhora significativa da infecção otológica, no entanto, existiam crostas e eritema em ambos os pavilhões auriculares (Figura 2), na região perioral (Figura 2), aumento significativo de crostas nos coxins (Figura 2C) e pouca melhora das lesões já existentes (Figura 2D). C D Figura 2 - Presença de crostas e eritema no pavilhão auricular (), na região perioral (), aumento significativo das crostas nos coxins (C) e discreta melhora das lesões abdominais (D) após 20 dias de terapia aerosol a base de sulfato de gentamicina, miconazol e valerato de betametasona no canino, fêmea, SRD, 12 anos de idade com diagnóstico de eritema multiforme. 88 Medvep Dermato - Dermatologia Foi realizada biopsia de pele na região abdominal e coxim plantar, que revelou, ao exame histopatológico, espessamento da epiderme, provocado pela proliferação dos ceratinócitos (acantose), aumento da camada de ceratina, grande quantidade de ceratinócitos nucleados (hiperceratose paraceratótica), infiltrado inflamatório associado principalmente à junção dermo-epidérmica e anexos, composto de células mononucleares, principalmente linfócitos e plasmócitos. Por vezes, este infiltrado inflamatório invadia a epiderme. Na epiderme, foi observado um grande número de ceratinócitos isolados com citoplasma acentuadamente eosinofílico e núcleo picnótico (apoptose) (Figura 3), fornecendo o diagnóstico de eritema multiforme.

C Figura 3 - Exame histopatológico que revela espessamento da epiderme, provocado pela proliferação dos ceratinócitos nucleados (hiperceratose paraceratótica), infiltrado inflamatório na junção dermo-epidérmica e anexos e infiltrado inflamatório que invade a epiderme com um grande número de ceratinócitos isolados com citoplasma acentuadamente eosinofílico e núcleo picnótico, o que confirma o diagnóstico de eritema multiforme, canino, fêmea, SRD, 12 anos de idade. o final desses 90 dias obteve-se remissão considerável nas lesões do abdômen (Figura 4), face (Figura 4), pavilhão auricular (Figura 4C) e coxim (Figura 4D). No entanto, notaram-se lesões novas no dorso (Figura 5) e região medial dos membros pélvicos (Figura 5). D Figura 4 - Canino, fêmea, SRD, 12 anos de idade com eritema multiforme. figura demonstra melhora considerável nas lesões do abdômen (), face (), pavilhão auricular (C), coxim (D) após 90 dias de terapia com corticosteroide. Figura 5 - Canino, fêmea, SRD, 12 anos de idade com eritema multiforme, após 90 dias de terapia com corticosteroide, nota-se novas lesões alopécicas e eritematosas no dorso () e placas eritematosas na região medial ao membro pélvico direito (). Medvep Dermato - Dermatologia 89

Iniciou-se então redução progressiva da dose de corticoide. Utilizou-se 2mg/kg, a cada 24 horas, por 20 dias e, nesse momento (110 dias do início do tratamento), observou-se continuação da melhora nas lesões abdominais e perioral. redução da dose de corticosteroide foi mantida com 1,5mg/kg, a cada 24 horas, por mais 15 dias, juntamente com uso de suplemento em pó (a base de triptofano, proteína de soja, vitamina, biotina), para a pele e banhos com xampu fitoterápico. Não havendo novas lesões e nem piora das já em remissão, passou-se a utilizar 1mg/kg de prednisolona, a cada 24 horas, por mais 35 dias. o final desses 160 dias de terapia, a dose de 0,5mg/kg, a cada 24 horas, vem sendo mantida, pois quando tenta-se retirar ou aumentar o intervalo entre as doses, as lesões retornam. proprietária está satisfeita com o resultado e a paciente se mantém bem com o uso contínuo do corticosteroide, não apresentando sinais clínicos e nem bioquímicos dos efeitos colaterais do mesmo. té o presente momento, todas as lesões demonstraram boa recuperação, sendo que as lesões periorais (Figura 5), dos pavilhões auriculares (Figura 5), dos coxins (Figura 5C) e dorso (Figura 5D) foram consideradas com melhora de 100%. penas as lesões abdominais não obtiveram melhora total. C D 90 Figura 6 - Canino, fêmea, SRD, 12 anos de idade com diagnóstico de eritema multiforme após 160 dias de terapia com corticosteroide. figura demonstra excelente recuperação das lesões periorais (), pavilhão auricular (), coxins (C) e dorso com repilação (D). Medvep Dermato - Dermatologia

Discussão Eritema multiforme é uma alteração de pele rara, aguda e que geralmente se manifesta por erupções na pele e mucosas, caracterizada por lesões graves e uma sequência de alterações patológicas (2). patogênese exata dessa doença é desconhecida, mas pode representar uma reação de hipersensibilidade induzida por vários antígenos, como produtos químicos, fármacos, agentes infecciosos e neoplasias, que alteram os ceratinócitos, fazendo com que sejam alvos de uma resposta imune aberrante (5). De acordo com o relato do proprietário, o animal havia recebido antibioticoterapia anterior ao aparecimento das lesões, no entanto, não se pode afirmar que seja esta a causa do desenvolvimento do EM nesse paciente. O EM caracteriza-se por máculas, pápulas ou placas eritematosas ligeiramente salientes, que se propagam perifericamente mostrando um centro claro que evidencia lesões anulares ou serpinginosas em forma de alvo ou olho de touro, as lesões se assemelham à queimadura por calor (colchão térmico) ou química. Em geral são multifocais ou difusas e se manifestam de forma aguda, podendo atingir pele e junções mucocutâneas (6), conforme o que pôde ser percebido nesse paciente. Os diagnósticos diferenciais para essa enfermidade são as queimaduras (por calor ou química), urticária, infecções cutâneas profundas (bacteriana ou micótica), penfigoide bolhoso, pênfigo vulgar, lúpus eritematoso sistêmico, lúpus eritematoso cutâneo vesicular, vasculite, linfoma epiteliotrópico e reação cutânea à medicamento (5). síndrome hepatocutânea foi também cogitada como diagnóstico diferencial nesse caso, devido às alterações laboratoriais compatíveis com doença hepática crônica e sinais dermatológicos semelhantes, como eritema, descamação, crostas, erosões e ulcerações na parte distal dos membros, perioral, periocular, pavilhões auriculares e região ventral (7). dermatite necrolítica superficial, como pode também ser chamada essa síndrome, é uma doença cutânea que acomete animais com doença hepática crônica ou com tumor pancreático que sintetiza glucagon, pois se acredita que a maior gluconeogênese ativada pelo tumor pancreático ou o maior catabolismo hepático de aminoácidos em decorrência da doença hepática crônica, resulte em baixa concentração plasmática de aminoácidos e depleção das proteínas na epiderme, causando assim lesões cutâneas (7). O diagnóstico definitivo foi obtido pelo laudo do exame histopatológico, que revelou lesões na epiderme compatíveis com EM. poptose e inflamação da junção dermo-epidérmica são características, podendo afetar inclusive os folículos pilosos. Neutrófilos, eosinófilos e plasmócitos podem estar presentes, principalmente se houver ulceração. É importante diferenciar EM de lúpus eritematoso, pois esse pode também cursar com inflamação e apoptose, no entanto, a apoptose do EM é mais proeminente em nível da epiderme e no lúpus eritematoso é mais concentrada nas células da camada basal (3). Pela classificação do EM em Medicina Veterinária (4), o presente caso pode ser considerado como Eritema Multiforme Maior, pois houve comprometimento de mais de uma membrana mucosa e envolvimento de mais de 10% da superfície corporal. terapia utilizada está de acordo com a recomendada pela literatura, ou seja, uso de imunomoduladores, visto que se trata de uma doença de fundo imunológico. Nesse caso optou-se pelo uso da prednisolona, devido sua boa taxa de resposta e baixo custo, além de não necessitar de metabolização hepática, visto que havia sinais de alterações laboratoriais compatíveis com enfermidade hepática. lternativas seriam a ciclosporina (custo elevado) isolada ou associada ao corticoide e a azatioprina, que possui bom potencial de resposta, porém, com toxicidade maior quando comparada aos corticoides. No protocolo terapêutico com corticoides utiliza-se doses elevadas por período de tempo prolongado, podendo associá-los ou não a outros fármacos (ciclosporia, azatioprina) (2). Devido à infecção secundária dos condutos auditivos foi necessária a utilização de antimicrobiano tópico. O prognóstico para essa desordem varia de favorável a reservado, especialmente na impossibilidade de identificação da causa primária, como no presente caso. Contudo, apesar do período prolongado de terapia, o resultado final foi satisfatório. Conclusão s alterações dermatológicas apresentadas nesse paciente podem mimetizar diversas enfermidades. O eritema multiforme é uma doença rara em medicina veterinária, e esse artigo demonstra que a suspeita para essa enfermidade deve ser incluída na lista de diagnósticos diferenciais para lesões que apresentem máculas, pápulas e ulcerações na pele e junções muco- Medvep Dermato - Dermatologia 91

cutâneas. O diagnóstico definitivo deve ser realizado através do exame histopatológico da pele. terapia, apesar de longa em alguns casos, pode apresentar bom resultado. Referências 1. LUN, D. M. N.; CRVLHO,.. T, Eritema multiforme uma revisão. Int. J. Dent, v.7, n.1, p.63-68, 2008. 6. MEDLEU, L.; HNILIC, K.. Doenças cutâneas autoimunes e imunomediadas. In:. Dermatologia de pequenos animais: atlas colorido e guia terapêutico. Trad. Gabriela Scuta Fagliari. São Paulo: Roca, 2009. cap. 8, p. 187-226. 7. MEDLEU, L.; HNILIC, K.. Distúrbios seborreicos e de ceratinização. In:. Dermatologia de pequenos animais: atlas colorido e guia terapêutico. Trad. Gabriela Scuta Fagliari. São Paulo: Roca, 2009. cap. 12, p. 295-326. Recebido para publicação em: 10/02/2012. Enviado para análise em: 02/03/2012. ceito para publicação em: 11/06/2012. 2. SCOTT, D.W.; MuLLER, JR.W.H.; GRIFFIN, C.E. Immune-Mediated Disorders. In:. Small animal dermatology. 6.ed. Philadelphia: Elsevier, 2001. chap. 9, p. 667-779. 3. LEE GROSS, T.; IHRKE, P. J.; WLDER, E. J.; FFOLTER, V. K. Interface diseases of the dermal epidermal junction. In:. Skin diaseases of the dog and cat: clinical and histopathologic diagnosis. 2.ed. Hong Kong: lackwell, 2006. chap. 3, p. 49-74. 4. ISIK, S. R.; KRKY, G.; ERKIN, G.; KLYONCU,. F. Multidrug-induced erythema multiforme. J. Investig llergol Clin. Immunol, v.17, n.3, p.196-198, 2007. 5. HNILIC, K.. utoimmune and immune-mediated skin disorders. In:. Small animal dermatology: a color atlas and therapeutic guide. 3ed. St Lowis: Mosby Elsevier, 2011. chap. 8, p. 227-282 92 Medvep Dermato - Dermatologia