SIMULAÇÃO DA QUALIDADE DA ÁGUA EM REGIME NÃO-PERMANENTE

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Transcrição:

SIMULAÇÃO DA QUALIDADE DA ÁGUA EM REGIME NÃO-PERMANENTE Introdução Renato Letíza Garcia Orientador: Carlos E. M. Tucci Instituto de Pesquisas Hidráulicas UFRGS Defesa em: dezembro de 1997. Durante o ciclo hidrológico, a água sofre alteração na sua qualidade. Tal fato ocorre nas condições naturais, como resultado das interrelações dos recursos hídricos e o ambiente. Porém, as alterações mais intensas advêm de sua utilização para o atendimento das demandas urbanas, industriais e agrícolas. Os rios são utilizados como o destino final dos resíduos resultantes das atividades humanas, os quais, na maioria das vezes, são lançados in natura em suas águas, ou seja, sem qualquer tipo de tratamento. Estes cursos d água possuem a capacidade de auto-depuração, desde que as cargas poluidoras respeitem o potencial depurador desse manancial e permitam a manutenção da vida biológica. Fora destes limites, a qualidade de suas águas encontra-se comprometida. O comportamento da poluição em cursos d água e o estudo dos mecanismos de transporte e auto-depuração da matéria orgânica são analisados através de indicadores - como os parâmetros de qualidade da água. Os principais parâmetros são: o oxigênio dissolvido, a demanda bioquímica de oxigênio e os coliformes totais. Os dois últimos estão relacionados com a contaminação das águas, e são os maiores responsáveis pelas doenças de veiculação hídrica. Os dois primeiros, por sua vez, estão diretamente ligados à manutenção das formas de vida aquática, ou seja, dizem respeito ao próprio equilíbrio do sistema hídrico. Em alguns sistemas hídricos, é interessante a quantificação das concentrações de nitrogênio e fósforo totais, uma vez que estes, estando em excesso em suas águas, contribuem consideravelmente para o processo de eutrofização. A poluição dos cursos d água e a eutrofização dos reservatórios constituem-se em importantes questões ambientais que integram o gerenciamento de uma bacia e geram a necessidade de monitoramento e simulação das substâncias associadas a estes problemas. O comportamento de um corpo d água, seja a partir da análise dos parâmetros de qualidade da água ou das variáveis associadas ao seu escoamento, é bastante complexo; e, conseqüentemente, deve ser utilizado na sua simulação um modelo adequado às suas características. Geralmente, esta simulação é feita através de modelos matemáticos que utilizam métodos numéricos para resolver as complexas formulações resultantes do equacionamento dos processos físicos, químicos e biológicos que ocorrem no meio aquático. A avaliação do nível de poluição de um curso d'água é, atualmente, uma atividade essencial para o controle e planejamento do uso dos recursos hídricos; bem como para a adoção de medidas de controle e tratamento de efluentes industriais e domésticos, visando, em última análise, a preservação do ecossistema aquático e a melhoria da saúde e qualidade de vida da população. A verificação e medição dos parâmetros de qualidade da água é a principal ferramenta utilizada nesta avaliação, onde os principais parâmetros anlisados são: OD, DBO e coliformes. Além destes parâmetros, poderá ser necessário a avaliação de outros parâmetros, nutrientes e substâncias, tóxicas ou não, que venham a ser importantes em um curso d'água ou em uma região específica. 1

Objetivo O escoamento de um rio tem um papel importante na avaliação de um parâmetro de Qualidade da Água. Os modelos existentes, em geral, partem dos seguintes princípios: o escoamento é permanente e as condições hidráulicas são conhecidas. No entanto, nem sempre é possível estabelecer essa condição em rios sujeitos a variabilidades temporais importantes tanto no escoamento do sistema como nas cargas. Além disso, as condições hidráulicas devem ser calculadas com uma certa precisão para se evitar tendenciosidades nas concentrações. Tucci e Milano (1981) utilizaram um modelo em regime não-permanente para simular o rio dos Sinos, desenvolvido por Tucci (1978) que o aplicou ao Delta do Jacuí. O modelo simula apenas DBO, OD, coliformes e substâncias conservativas. Neste trabalho, o objetivo foi o de ampliar o referido modelo introduzindo vários parâmetros, representando os ciclos de nitrogênio e fósforo. O modelo foi utilizado no Rio dos Sinos na análise das suas condições ambientais. Modelo matemático de qualidade da água A simulação usualmente é realizada para um evento ou para um período crítico. A condição crítica mais comum de qualidade da água ocorre durante a estiagem, quando a vazão é pequena e o regime é próximo de uma condição permanente, quando não existem efeitos de jusante. Desta forma muitos modelos adotam a condição de regime permanente para a simulação (Brown e Barnell, 1985). O escoamento permanente pode ser uniforme e não-uniforme. No primeiro caso, a velocidade é adotada constante ao longo do rio e na segunda varia de acordo com as condições físicas do mesmo. Nos rios a condição de regime uniforme praticamente não existe, mas pode-se utilizá-la desprezando-se os erros inerentes. As condições críticas em que o escoamento não é permanente podem ser: (i) eventos de cheia com grande quantidade de poluição, que ocorre em áreas urbanas, pela drenagem do pluvial; (ii) quando existe oscilações a jusante devido a seiche ou maré; (iii) pelo transporte ou inundação de grande quantidade de nutrientes, gerando grande demanda de oxigênio devido as condições de fluxo como na inundação de áreas florestadas, erosão do fundo dos rios, entre outras. Nas condições citadas o escoamento é não-permanente e necessita de uma abordagem adequada para que seja possível representar bem o transporte de massa. Tucci (1978) utilizou um modelo hidrodinâmico que discretiza as equações de Saint Venant por um esquema de diferenças finitas para representar o escoamento nãopermanente. Este modelo, associado a equação de transporte, foi utilizado para simular a qualidade de uma rede de rios com resultados adequados. No que se refere à dispersão de poluentes em um corpo hídrico, a variação da concentração de uma substância num sistema hídrico depende da advecção, difusão e dispersão que ocorre no fluxo, representados na equação de transporte. Geralmente a equação de transporte unidimensional longitudinal é utilizada num rio. Esta é uma equação diferencial parcial usualmente resolvida por esquemas numéricos de diferenças finitas. No modelo de Streeter e Phelps o termo de dispersão é desprezado, o escoamento é uniforme e a solução obtida é analítica, representando grande simplificação. No modelo QUAL2E, a equação de transporte unidimensional é resolvida com todos os seus termos por um esquema implícito de diferenças finitas regressivo. Esta solução utiliza condições de contorno constante, praticamente desprezando as variações temporais das concentrações. Neste estudo são reunidas a formulação hidrodinâmica e da equação de transporte apresentada por Tucci (1978) com a formulação das diferentes substâncias no modelo QUAL2E, desta forma permitindo a simulação da qualidade da água de várias substâncias em regime não-permanente. Tal metodologia determina que o modelo matemático adotado neste trabalho apresente dois módulos característicos: o módulo hidráulico e o módulo de qualidade de água. 2

O modelo matemático busca descrever o escoamento em rios e canais e é descrito pelas equações Saint Venant de continuidade e quantidade de movimento, as quais foram resolvidas por um esquema full implicit progressivo apresentado por Chen (1973). Aplicando-se um esquema numérico nas equações obtidas, resultam duas equações que são aplicadas a cada trecho de rio, resultando 2(N-1) equações. Utilizando as 2 condições de contorno, resulta um sistema de equações de 2N equações a 2N equações, onde N é o número de seções do rio. Este sistema de equações é resolvido em cada intervalo de tempo por um método de resolução de matriz que considera os termos nulos da matriz de coeficientes. No que se refere ao módulo de qualidade da água, a equação de transporte unidimensional é aplicada em cada trecho do rio, resultando num sistema de N-2 equações. As condições de contorno de montante e jusante são fornecidas pelo usuário, resultando em mais duas equações. Desta forma serão N equações a N incógnitas, representado pelos pelas concentrações em cada seção. Cabe salientar que a equação inicial contempla os termos de perdas e ganhos, apresentados por Brown e Barnwell (1985) e relativos às diferentes substâncias simuladas Resultados A bacia do rio dos Sinos situa-se a Nordeste do Rio Grande do Sul e escoa para o Delta do Jacuí, um complexo de braços, confluências e ilhas fluviais de pequeno porte próximo da cidade de Porto Alegre. A bacia tem área de 3.700 km 2, comprimento de rio de 190 km, com desnível de cerca de 900 m entre suas cabeceiras e sua foz. Fig. 1 Localização geográfica das seções transversais do modelo ao longo do rio dos Sinos A bacia do seu trecho inferior é densamente ocupada com área industrial da Região Metropolitana de Porto Alegre e por industrias poluentes e a cobertura vegetal natural está hoje reduzida a cerca de 10% da área. O trecho em estudo corresponde a parte inferior da 3

bacia onde existe maior concentração urbana e de indústria. Este trecho tem 67,5 km entre Campo Bom e a sua foz no Delta do Jacuí (figura 1). No período de 1989 a 1994 foram efetuadas medições de vazão, concentração de OD, DBO, N total e P total em seis seções ao longo do rio em diferentes datas. Estes dados foram consolidados com base na vazão em Campo Bom, onde há um posto fluviométrico da ANEEL, e a régua do posto Harmonia em Porto Alegre, onde é feito o registro dos níveis. Utilizou-se, então, as vazões no posto de Campo Bom como condição de montante e os valores de níveis no posto Harmonia como condição de jusante do modelo hidrodinâmico. Foram estabelecidas ainda 7 faixas de vazões e para cada seção as concentrações foram classificadas de acordo com estes intervalos, obtendo-se o intervalo de variação de concentração e o valor médio. Estudos prévios indicam que a condição do sistema que mais favorece a ocorrência de refluxos (vazões negativas) no trecho inferior do rio dos Sinos é a ocorrência simultânea de baixas vazões no rio, com altos níveis de água no Delta do Jacuí, foz do Sinos. Estas condições ocorrem no verão, nos meses de dezembro a fevereiro. A probabilidade de ocorrência dos níveis no Delta é representado pela tabela 2 e o risco de ocorrência de baixas vazões em Campo Bom são apresentados na tabela 3. Tabela 2 - Probabilidade dos níveis no posto Harmonia de dezembro a fevereiro para série de 1941 a 1967 (Zamanillo, 1988) Nível, referido ao mar, metros Probabilidade de que ocorram níveis maiores, (%) 0,99 5 0,89 10 0,72 25 0,57 50 Tabela 3 - Probabilidade de vazões mínimas com 7 dias de duração Vazão mínima de 7 dias de duração, m 3 /s Tempo de retorno, anos 2,47 20 3,00 10 4,11 5 7,73 2 Condições de Qualidade da Água No trecho em estudo existem seis seções onde são monitoradas as substâncias DBO, OD, N total e P total, entre outras. Para cada uma destas seções as concentrações foram selecionadas com base na faixa de vazão existente a montante Para cada vazão foi obtida uma faixa de valores observados e um valor médio (tabela 4). A carga poluidora neste trecho também foi considerada para efetuar-se a simulação do sistema. 4

Tabela 4 Concentrações registradas na primeira faixa de vazão (mg/l) - Q = 14,43m3/s S01 S04 S08 S10 S17 S 20 N máx. 1,67 2,86 4,41 7,86 9,79 7,68 N mín. 0,98 1,04 1,15 1,66 2,05 2,89 N médio 1,31 1,85 2,30 3,29 4,64 4,52 P máx. 0,28 0,58 1,73 1,35 1,07 0,95 P mín. 0,19 0,26 0,39 0,47 0,41 0,38 P médio 0,23 0,39 0,70 0,73 0,65 0,62 OD máx. 7,60 8,80 6,00 3,80 3,80 5,30 OD mín. 6,00 5,00 4,00 1,80 0,00 0,80 OD médio 6,75 6,19 4,91 3,06 1,87 3,53 DBO máx. 4,00 7,80 6,80 11,30 14,00 8,20 DBO mín. 0,50 1,20 1,10 1,30 1,70 2,30 DBO médio 1,93 2,94 3,81 4,51 5,83 5,19 Ajuste O ajuste foi realizado de forma isolada para cada uma das faixas de vazão de montante. A vazão média da faixa foi adotada para a primeira seção (S1) como condição de montante. Como condição de jusante foi adotado o nível correspondente a 0,57 m (50% de probabilidade) como valor médio e uma oscilação senoidal e amplitude de 17cm (Zamanillo, 1988). As condições hidráulicas iniciais foram obtidas a partir da simulação do modelo por um período de 6 dias com a mesma oscilação e condição de contorno a montante. As condições iniciais de qualidade da água foram obtidas com base nos dados registrados. Nas figuras 2 a 5 são apresentados os valores obtidos pelo modelo e a faixa de valores de concentração de DBO, OD, N e P em cada seção para o intervalo de vazão entre 6,70 e 20 m 3 /s representado por um valor médio de 14,4 m 3 /s. Os resultados são bons considerando o seguinte: 1. As condições de contorno de jusante adotadas não foram as reais e a de montante foi um valor médio do período; 2. As contribuições laterais de vazão e carga foram estimadas por cenários e não medidas; 3. As condições iniciais foram estimadas e os dados experimentais utilizados se referem a valores de medições pontuais isoladas. Concentração (mg/l) 5.00 3.00 1.00 N máx. N mín. N médio N calc. S 01 S04 S08 Seção do modelo Concentração (mg/l) 1.80 1.60 1.40 1.20 1.00 0.80 0.60 0.40 0.20 P máx. P mín. P médio P calc. S 01 S04 S08 Seção do modelo Figs. 2 e 3 Concentrações de N e P total para a primeira faixa de vazão (Q = 14,34 m 3 /s) 5

Concentração (mg/l) 9.00 8.00 7.00 6.00 5.00 3.00 1.00 OD máx. OD mín. OD médio OD calc. S 01 S04 S08 Seção do modelo Concentração (m g/l) 8.00 6.00 DBO máx. DBO mín. DBO médio DBO calc. S 01 S04 S08 Seção do modelo Figs. 4 e 5 Concentrações de OD e DBO para a primeira faixa de vazão (Q = 14,34 m 3 /s) Simulação de cenários Os cenários analisados neste estudo correspondem a redução de carga lançada no rio dos Sinos, visando manter condições ambientes adequadas para o rio. Para tanto foram estudas reduções de 15, 25, 40, 75 e 90% das cargas totais lançadas. Para analisar estes cenários foram utilizadas as seguintes condições hidráulicas: 1. Vazão mínima de 7 dias de duração e 10 anos de tempo de retorno á montante; 2. Cota a jusante correspondente a 50% da permanência; 3. Simulação de 7 dias. Nas figuras 6 e 8 são apresentadas as variações das concentrações na seção 10, a mais crítica, de acordo com a redução de cargas, para OD e DBO. Pode-se observar que para que o rio apresente condições de vida aquática é necessário uma redução de cerca de 90% das cargas. Apesar do modelo representar o escoamento não-permanente, os resultados apresentados se referem a um perfil das concentrações médias das últimas 24 horas do sistema, o que necessariamente é o mais desfavorável em todas as seções. Concentração (m g/l) 18.00 16.00 1 1 1 8.00 6.00 S01 S04 S08 S10 S17 S20 Carga atual 15% redução 25% redução 40% redução 75% redução 90% redução Concentração(m g/l) 7.00 6.00 5.00 3.00 1.00 S01 S04 S08 S10 S17 S20 Carga atual 15% redução 25% redução 40% redução 75% redução 90% redução 98% redução Figs. 6 e 7 Concentrações médias de OD e DBO no último ciclo de 24 horas 6

CONCLUSÕES O modelo em regime não-permanente utilizado neste estudo foi ampliado de versão anterior principalmente visando ampliar o número de substâncias simuladas. O modelo foi utilizado no rio dos Sinos onde já tinha sido ajustado a parte hidráulica e parte da qualidade da água. O modelo teve seu ajuste atualizado com mais dados e utilizado visando principalmente avaliar a redução de carga necessária para se obter uma concentração média de 24 horas dentro de padrões para ser enquadrado na classe 3 da resolução do CONAMA (OD > 4 mg/l). Foi também avaliada a variabilidade dentro de 24 horas, mostrando que em algumas seções, mesmo com a redução de 90%, neste período pode ocorrer uma variação de 30% na concentração, representando que o valor mínimo obtido pode, durante algum período do dia ficar abaixo dos valores obtidos. O modelo não foi explorado dentro de toda a sua capacidade, mas mostrou um potencial importante para analisar a qualidade de água em regime não permanente. R E F E R Ê N C I A S: 1 ABBOTT, M. B. 1975. Method of characteristics. In: MAHMOOD, K., YEVJEVICH, V. (ed.). Unsteady flow in open channels. Fort Collins: Water Resources Publication. V. I, ch. 3, p. 63-68. 2 ABBOTT, M. B. 1979. Computational hydraulics. Boston: Pitman. 326 p. 3 BROWN, L. C., BARNWELL, T. O., Jr. 1985. Computer program documentation for the enhanced stream water quality model QUAL2E. Athens: EPA. 235 p. (EPA 600/3-85/065). 4 CHEN, Y. H., HOLLY, F. M., MAHMOOD, K., SIMONS, D.B. 1975. Transport of material by unsteady flow. In: MAHMOOD, K., YEVJEVICH, V. (ed.) Unsteady flow in open channels. Fort Collins: Water Resources Publications. V. 1, ch.8, p. 313-365. 5 COMITÊ EXECUTIVO DE ESTUDOS INTEGRADOS DA BACIA HIDROGRÁFICA DO GUAÍBA. s.d. Projeto gerencial 001/79 enquadramento dos mananciais. Porto Alegre. 136 f. 7 CUNGE, J. A. 1975. Applied mathematical modeling of open channel flow. In: MAHMOOD, K., YEVJEVICH, V. (ed.) Unsteady flow in open channels. Fort Collins: Water Resources Publications. V. 1, ch. 10, p. 379-405. 8 CUNGE, J. A., HOLLY, F. M., Jr., VERWEY, A. 1980. Practical aspects of computational river hydraulics. Boston: Pitman. 419 p. 9 DMAE. CESB. 1975. Qualidade sanitária do rio dos Sinos. Porto Alegre. 108 p. (DMAE. Publicação n. 16). 10 DMAE. CESB. 1981. Qualidade sanitária do rio dos Sinos. Porto Alegre. V. 2. (DMAE. Publicação n. 33). 11 ESTEVES, F. A. 1988. Fundamentos de Limnologia. Interciência: FINEP. Rio de Janeiro. 12 FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍTICA. 1995. Censo sócio-econômico dos municípios do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre 13 HENDERSON-SELLERS, B. 1984. Engineering limnology. London: Pitman. 14 ITALCONSULT-LATINOCONSULT BRASILEIRA. 1974. Estudo hidrosanitário do rio dos Sinos. Roma. 259 p. 15 JORGENSEN, S. E. & GROMIEC, M., J. 1989. Mathematical submodels in water quality systems. Elsevier. Amsterdam. 16 LIGGETT, J. A. 1975. Stability. In: MAHMOOD, K., YEVJEVICH, V. (ed.) Unsteady flow in open channels. Fort Collins: Water Resources Publications. V.1, ch. 6, p. 259-282. 17 LIGGETT, J. A., CUNGE, J. A. 1975. Numerical solution of the unsteady flow equations. In: MAHMOOD, K., YEVJEVICH, V. (ed.) Unsteady flow in open channels. Fort Collins: Water Resources Publications. V. 1, ch. 4, p. 89-182. 7

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