Estudos cognitivos da linguagem e seus horizontes contemporâneos



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Transcrição:

Estudos cognitivos da linguagem e seus horizontes contemporâneos Ricardo Yamashita Santos (UFRN, Natal, Brasil) 1 RESUMO: O presente artigo tem por objetivo principal mostrar o cenário contemporâneo dos estudos da linguagem em que se encontra a pesquisa da vertente cognitiva de base social. Além disso, pretendemos mostrar a importância de se considerar linguagem, cultura e cognição como elementos imbricados no processo de formação de sentido e o quanto conceitos como sociedade, variação letal, economia e política de um país influencia em tal processo. Palavras-chave: Cognição. Variação. Linguística. Discurso. Corporificação. ABSTRACT This article has by objective for a contemporary scene of languages studies in cognition social searching. Also we wants showed the importance considering language, culture and cognition as interwoven elements in the process of sense formation and how concepts such as society, letal variation, economy and policy of a country influences in this process. Keywords: Cognition. Variation. Linguistic. Discurse. Embodied. INTRODUÇÃO As ciências cognitivas tiveram início em meados do século passado. A princípio, as pesquisas respondiam criticamente ao behaviorismo, que tratava a relação do homem com o seu meio através, somente, de estímulos externos. Em contrapartida, a baliza central das ciências cognitivas norteava para a capacidade humana de pensamento lógico, inato, e que, possivelmente, essa capacidade seria a mola-mestra para a compreensão do meio em que se vive, sem interferências externas. Isso fez surgir nos cientistas e demais pesquisadores a ideia de que era possível um estudo da

inteligência humana e, consequentemente, da mente como um todo. Eis o início dos estudos clássicos da cognição. Através desse estudo, o homem acreditou ser possível criar artificialmente a inteligência humana. Isso trouxe novos conhecimentos e inventos, dentre eles, o computador. Todavia, não foi encontrada uma fórmula exata do pensamento humano através da pesquisa, mas sim a evidência de que a manipulação de símbolos que uma máquina realiza é meramente uma reprodução mecânica, sem pensamento. Isso revela que tal estudo dissocia a mente do corpo, de modo que a mente seria o foco, em detrimento dos demais aspectos, tanto físicos quanto do meio em que se vive, seguindo os passos do pensamento cartesiano. Mantiveram-se, assim, algumas perguntas que pareciam não ser respondidas pela teoria da cognição clássica, como: de que forma o homem consegue interagir com o seu meio social? Como o conhecimento de mundo influencia no seu aprendizado? Essas questões que ainda permaneciam no vácuo trouxeram à baila a proposta de uma abordagem cognitiva social, ou sociocognitiva, que entendia não ser somente o pensamento lógico e matemático o formador do conhecimento humano, mas sim a existência de um laço contínuo entre linguagem, cognição e sociedade. A abordagem começou, então, a tratar de questionamentos como: existem versões públicas de mundo que são negociadas; existe conhecimento enciclopédico que é apreendido através da experiência; o homem realiza negociações intersubjetivas de conhecimento para, a partir daí, criar conhecimentos objetivos etc., além disso, corpo e mente são tratados como elementos unívocos nesse processo. Também através da abordagem cognitiva social surge a Sociolinguística Cognitiva, que trata, além da relação homem e meio, de aspectos socioeconômicos, políticos, quantitativo-letais, dentre outros, o que nos permite pesquisar qualquer comunidade, independente da cultura em que o sujeito esteja inserido. Em suma, este artigo tem por objetivo maior fazer um breve relato histórico das ciências cognitivas até o momento atual e mostrar a importância de uma teoria que agregue linguagem, cognição e cultura como elementos imbricados no processo de construção de sentido humano, tendo na Sociolinguística Cognitiva um arcabouço teórico que pode contribuir muito aos estudos culturais e cognitivos da linguagem.

O APARATO HISTÓRICO DAS CIÊNCIAS COGNITIVAS: um breve relato As ciências cognitivas iniciaram-se, aproximadamente, na década de 50 com o intuito de quebrar uma tradição behaviorista que não considera aspectos mentais ou cognitivos no processo de conhecimento. As ciências cognitivas, partindo da hipótese de que a mente humana conseguia manipular símbolos através do raciocínio lógico e matemático exato começou a pesquisar a mente como um elemento computacional. Eis o início dos estudos chamados de cibernéticos, que englobavam além da Lógica e da Matemática, disciplinas como a Psicologia, as Neurociências, a Linguística etc. que também enveredavam por esse estudo lógico-mental. Essa abordagem buscou respaldo em modelos como o proposto por Descartes no século XVII, que argumentava em favor de uma mente sem interferências subjetivas ou intuitivas, e que através do raciocínio lógico chegar-se-ia a conclusão exata de compreensão das coisas e, principalmente, de como produzimos linguagem. É partindo dessa premissa que, em meados da década de 50 do século passado, surge a ideia da criação de um modelo computacional de mente para simular o pensamento humano através de uma rede artificial de transmissores de dados baseados nos neurônios naturais. Entrávamos de vez nos estudos das ciências cognitivas clássicas (KOCH & LIMA, 2005). Porém, essa hipótese de recriação da inteligência humana começou a demonstrar alguns pontos inconsistentes, ou simplesmente desconsiderados pela pesquisa. Dicotomias como corpo e mente, interno e externo, social e introspectivo, adotadas pelas ciências cognitivas clássicas se mostraram infrutíferas para a compreensão da linguagem em um meio social, pois a manipulação simbólica mostrou ser apenas uma faceta possível na produção linguística humana. Isso começou a ser posto em xeque quando os cientistas cognitivos começaram a criar redes de conexão conexionismo e através delas aprenderam muitas coisas, como por exemplo, o fato de que o domínio da sintaxe pode ser entendido como uma aquisição aberta, através da experiência. Isso se choca com o entendimento de Chomsky (1956), que diz existir no homem a capacidade inata de produção de linguagem faculdade da linguagem. Elman (1991) fez um experimento através de sentenças encaixadas com várias subordinadas A menina que chegou ontem que falou com o rapaz que trouxe

umas roupas que foi até minha casa dormiu. Essa sentença é gramatical e uma criança, portanto, seguindo o conceito de inatismo lingüístico, deveria compreendê-la perfeitamente, de acordo com a gramática gerativa. Porém, nesse caso, a informação que deve ser retirada do dado não é possível para a criança e a resposta utilizada pelos gerativistas é a de que o dado é pobre demais. Todavia, o experimento mostrou ser possível, através de um sistema conexionista vigente na época, extrair de sentenças encaixadas, mesmo que sem maiores informações prévias, uma forma coerente de análise. Isso reforça a ideia de um conhecimento da sintaxe através da experiência em detrimento de uma hipótese de inatismo, que diz ser o dado pobre. As ciências cognitivas começaram, então, a rever alguns conceitos. Um dos grandes debates se voltou para a relação corpo e mente. A hipótese do inatismo, que divide ambos e diz não haver associação perceptiva entre eles, começa a ser questionada, afinal, alguns experimentos feitos, como nós vimos, mostraram que há relações entre a experiência do homem com seu meio na formação de linguagem.. Foi percebendo a necessidade de uma perspectiva modalizadora, que analisasse tanto os aspectos internos quanto os externos com a mesma importância, que surgiu a abordagem sociocognitiva. NOVAS PERSPECTIVAS: a sociocognição e seu leque de análise A nova abordagem cognitivista começa a revisitar alguns elementos primordiais tratados pelas teorias da linguagem. Em linhas gerais, a ideia de se captar o real através da linguagem cai por terra. Não se trata de conhecer a essência da coisa em si e, a partir daí, categorizá-la. O que de fato acontece é o modo como determinada sociedade encara os elementos e a partir da interação constrói o sentido de acordo com a necessidade. As estruturas conceituais são construídas e, portanto, os processos de construção de sentido dependem da evocação social e da revalorização de tais conceitos, que é feita cotidianamente. A linguagem passa a ser entendida como atividade conjunta (CLARK, 1992) e, necessariamente, como uma atividade que trata de elementos subjetivos que são objetivados no coletivo. Em outras palavras, cognição e cultura são refletidas na linguagem de um modo unívoco, não havendo qualquer dissociação. Desse modo, não existe mais uma dicotomia corpo e mente, pois ambos interagem no processo de produção de linguagem e sentido. Só podemos compreender o

mundo dentro daquilo que vivenciamos como tal, nossas experiências estarão atreladas ao entorno sociocultural do qual fazemos parte e esse entorno traz conceitos que estão sendo constantemente remoldurados. Basta pegarmos, por exemplo, a imagem que é criada acerca de Osama Bin Laden. De um modo geral, ele é conhecido no ocidente como um terrorista, mas no oriente, em alguns países, ele é tido como uma divindade. Essa opinião pode variar, prevalecendo as concepções de mundo que são negociadas intersubjetivamente. Por outro lado, quando dizemos, por exemplo, não posso desperdiçar meu tempo, isso só fará sentido em uma sociedade que entenda tempo e dinheiro como elementos conceituais atrelados a uma economia. São as metáforas conceptuais (LAKOFF & JOHNSON, 1980) sendo relacionadas. Isso revela a simbiose que temos entre corpo e mente no processo lingüístico. As experiências corpóreas, atreladas a nossa capacidade cognitiva, interagem na construção de sentido. Portanto, nosso sistema conceptual, que armazena nossos conhecimentos de mundo compartilhados, depende dessa interatividade. Isso faz com que processos como categorização, referenciação, inferenciação, metaforização, personificação, dentre outros, sejam tratados como elementos conceituais que se formam a partir da intersubjetividade, que são relacionados diretamente à sociedade em questão. Em outras palavras, as categorias conceituais são elaboradas por nós de acordo com as experiências socioculturais, que variam de sociedade para sociedade. A perspectiva cognitiva de base social tem tratado dessas questões priorizando uma metodologia qualitativa. Porém, uma necessidade de compreender quantitativamente, ou seja, as freqüências de uso de determinadas palavras, de estruturas sintáticas, de fonemas, dentre outros, fez com que alguns cognitivistas se aproximassem da Sociolinguística. Labov (1972) iniciou uma pesquisa de base variacionista da língua amparado por fatores extralingüísticos, como gênero, idade, escolaridade dentre outros. A pesquisa mostrou existir uma heterogeneidade na língua, porém os elementos da variação são tratados pela abordagem de modo quantitativo, o que ainda não mostraria as práticas socioculturais motivadoras dessas variações linguísticas. Temos o exemplo clássico de nós e a gente. Sabemos que o primeiro se refere à norma culta e o segundo a fala mais coloquial. Porém, o estudo da freqüência quantitativa necessitaria de uma pesquisa com base nas construções socioculturais que estão influenciando o uso

de uma variante em detrimento da outra. Eis a justificativa de pensarmos em uma abordagem Sociolinguística Cognitiva. Kristiansen e Dirven (2008) acomodam o estudo dessa abordagem em quatro grandes áreas 2 1) um trabalho teórico voltado para os aspectos semântico e de variação letal, considerados fundamentais; 2) análise de corpus que parta das variações linguísticas baseadas no uso; 3) pesquisa nos modelos culturais e 4) nas ideologias imbricadas nos modelos sóciopolíticos e socioeconômicos de cada nação. Dessa forma, a aproximação entre linguagem, cultura e cognição se faz mais completa, em virtude de um entendimento particular de cada cultura. Esses modelos, baseados no uso, que já haviam sido sugeridos por Langacker (1999), começam a partir do viés oposto ao que vem sendo sugerido pelas teorias linguísticas. Não se trata de criarmos uma teoria que comporte todos os problemas da linguagem. O que parece ser mais importante, na verdade, é entendermos os problemas que são constituídos no uso prática sociocultural para, a partir daí, pensarmos em quais metodologias devemos usar em cada caso. É nessa moldura que consideramos aspectos políticos, sociais, econômicos e ideológicos de cada sociedade como elementos basilares de cada nação. Portanto, os pontos norteadores da pesquisa devem partir desses elementos, até que cheguemos às particularidades de cada comunidade. Isso requer uma compreensão de que as categorizações e variações letais criadas em cada comunidade serão influenciadas diretamente pelos fatores acima citados. Assim, quando pensamos nas construções categoriais de cada sociedade, devemos pensar em efeitos de prototipicidade ao invés de categorias prototípicas (DUQUE, 2003). Os efeitos seriam criados através das práticas sociais negociadas, sendo os conceitos construídos nessas práticas. As comunidades criam verdades para si, de acordo com suas necessidades e formulações, o que desestabiliza a ideia de homogeneidade ou universais linguísticos (GEERAERTS, 2007), pois o que existe são comunidades que constroem valores de sentido de acordo com suas práticas sociais linguagem, cultura e cognição atuando juntas. Daí o entendimento de existirem efeitos de prototipicidade em cada cultura distinta. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pretendemos ter deixado clara a existência de uma ciência cognitiva que trata a linguagem sob diversos aspectos. Inicialmente através de uma abordagem internalista e, posteriormente, a noção de que a cognição é socialmente fundamentada. A nova abordagem trata de modelos que se baseiam no uso, o que difere completamente da noção de universais linguísticos proposta pelo gerativismo de base chomskyana, responsável por uma teoria objetivista da linguagem. As práticas sociais de cada comunidade, juntamente com os aspectos cognitivos, são determinantes no processo de construção de sentido, assim como os aspectos variacionistas da linguagem (BERNARDÉZ, 2008, DIRVEN, 2003 e LAKOFF, 2002). Notas: 1 Formado em Letras Português pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Atualmente, é mestrando do Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem e Professor Substituto de Leitura e Produção de Textos dessa mesma universidade. E- mail: ricardo.yama@yahoo.com.br ² Tradução minha. REFERÊNCIAS BERNÁRDEZ, E. Collective cognition and individual activity: Variation, language and culture. In: Body, language and mind: Sociocultural situatedness. ROSLYN, M. F; DIRVEN, R; BERNÁRDEZ, E. (orgs.). Berlin/New York: Mouton de Gruyter, 2008, p. 137 166. CHOMSKY, N. Three models for the description of language. I.R.E. Transactions on Information Theory IT-2, 1956. CLARK, H. H. Arenas of language use. Chicago: Universitiy of Chicago Press, 1992. DIRVEN, R. Cognitive models in language and tought. Ideology, metaphors and meanings. Cognitive Linguistic Research, nº 24. Berlin/New York: Mouton de Gruyter, 2003.

DUQUE, P. H. Teoria dos protótipos, categoria e sentido lexical. In: M. Cecília Mollica e Cláudia Roncarati (orgs.). Anais do III congresso internacional da ABRALIN: Rio de Janeiro, 2003. ELMAN, J. L. Finding structure in time. Cognitive Science, p. 179 211, 1991. GEERAERTS, D. Cognitive sociolinguistics and the sociology of Cognitive Linguistics. In: Annual Review of Cognitive Linguistics, 2007, p. 289-305. KOCH, I. V. G. & LIMA, M. L. C. Do cognitivismo ao sociocognitivismo. In: Introdução à linguística 3: fundamentos epistemológicos. MUSSALIM, F. & BENTES, A. C. (orgs.). São Paulo: Cortez, 2005, 2ª edição. KRISTIANSEN, G. DIRVEN, R. (orgs.). Cognitive sociolinguistics: Language variation, cultural models, social systems. Mouton de Gruyter, 2008. LABOV, W. Sociolinguistic Patterns. Oxford: Basil Blackwell, 1972. LAKOFF, G; JOHNSON, M. Metaphors we live by. Londres: Chicago Press, 1980. LAKOFF, G. Moral politics: How liberals and conservatives think. Chicago: University of Chicago press, 2002. LANGACKER, R. W. Grammar and Conceptualization. Walter De Gruyter, 1999.