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Transcrição:

1 Porto Alegre, 23 de maio de 2006 À Promotoria de Defesa do Meio Ambiente do Ministério Público Estadual: Vimos por meio deste solicitar providências quanto a uma série de danos verificados à vegetação de Mata Atlântica, entre a Estrada do Mar (RS 389), à direita, entre os quilômetros 30 e 31, ao sul do principal acesso a Capão da Canoa, município de Xangri-lá, (29º 46 23 e 50º 03 22 ) (Figura 1). No dia 13 de maio de 2006, quando circulávamos pela rodovia RS 368, Estrada do Mar, com os alunos de Ciências Biológicas da UFRGS, constatamos danos de grande monta a remanescentes da Mata Atlântica, senso estrito, em área de empreendimento denominado Bosques de Atlântida. Tal área estava sofrendo corte de vegetação, aterros e abertura de canais artificiais para a instalação do (condomínio fechado). Inicialmente, é fundamental que se destaque que no Litoral Norte ocorre um gradiente de ambientes naturais, com grande diversidade biológica, sendo que pesquisas palinológicas constataram avanço das florestas sobre a restinga, há pelo menos três mil anos (figura 2). Cada fragmento de floresta junto aos campos de dunas representa parte desta história e tem uma função estratégica para conservar o pouco que resta da flora e fauna da Planície Costeira (figuras 3 e 4). Considerando que o Litoral Norte é o principal corredor de espécies tropicais da Mata Atlântica que alcançam o Rio Grande do Sul, desde o nordeste do Brasil, qualquer intervenção antrópica deve obedecer as peculiaridades ambientais locais e as questões relacionadas à Legislação e, acima de tudo, avaliar os aspectos globais do impacto referente ao somatório de empreendimentos de grande porte, crescentes na região. Gostaríamos de destacar que tais ações de retirada de vegetação, abertura de canais e aterros de vegetação, verificadas no local, vão de encontro ao artigo 225 da Constituição Federal, que em seu inciso 4º assinala que A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica (grifo nosso), a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização farse-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. A vegetação que sofreu corte e aterro encontrava-se em situações distintas conforme o impacto verificado e que assinalaremos a seguir: 1) Construção de canal com destruição de vegetação e alteração de rede de drenagem natural e no limite norte do empreendimento Nos 30 km desde o km 0 da rodovia 389, as primeiras matas mais próximas da margem da estrada (figura 5) estão justamente na área agora sob influência de impactos. Houve corte de vegetação arbórea (Mata de restinga arenosa) em alguns milhares de metros quadrados (pelo menos 3 mil metros quadrados) a fim de permitir a construção de um canal de drenagem e limite do empreendimento em área natural, sem que tenham sido constatados vestígios de curso d água anterior, estando a área originalmente coberta por floresta. Para a construção deste trecho de canal foi aberta uma área de extensão de cerca de 200 m e largura de aproximadamente 15 m (figuras 6 e 7). A altura da mata submetida a corte, conforme se observou nos fragmentos restantes, apresenta cerca de 6 a 8 m. Como resultado, verificamos a supressão de centenas de exemplares arbóreos de espécies que, em sua quase totalidade, não são encontradas nos viveiros de plantas no Estado. Além

2 do corte, foi gerada maior fragmentação das matas locais e maior efeito de borda, o que favorece a ocupação e competição por parte das espécies exóticas invasoras, como está acontecendo, em geral, de forma acelerada no Litoral (ex. pinus, mamona, braquiária, capim-meloso, etc.). No que toca à composição florística, constatamos vestígios de corte de algumas espécies nativas, tais como Ficus organensis (figueira-de-folha-miúda), imune ao corte pela legislação estadual (Lei Estadual 9519/1992), Alchornea triplinervea (tanheiro), Cupania vernalis (camboatá-vermelho), Erythroxylum argentinum (cocão), Myrsine guianensis (capororoca), Ocotea pulchella (canelalegeana), Ocotea puberula (canela-guaicá), Guapira opposita (maria-mole), Casearia silvestris (chá-de-bugre), Sebastiania serrata (cocão), Lithraea brasiliensis (aroeira-brava), Mimosa bimucronata (maricá), Enterolobium contorstisilicuum (timbaúva), Allophylus edulis (chal-chal), entre outras. Conforme a Resolução do CONAMA nº 33, de 7 de dezembro de 1994, se considerarmos os diâmetros e a altura da vegetação, poderíamos enquadrar a mesma no estágio médio (8 m de altura e diâmetro, em geral até 15 cm). Porém, se for utilizado o critério de composição florística, onde constam Ocotea puberula e Cupania vernalis, tratar-se-ia de estágio avançado de regeneração. Cabe destacar que as matas de restinga litorânea não possuem grande altura, pois os ventos e outros fatores, principalmente ligados ao solo arenoso, não permitem maior porte da vegetação. Faz-se necessário assinalar que, segundo o Decreto 750 de 1993, somente é permitido o corte de parte de vegetação da Mata Atlântica até o estágio inicial de sucessão (capoeira), onde é possibilitada a supressão de arbustos e árvores baixas que não ultrapassem os 3 m de altura. No que se refere à vegetação de porte maior, nos estágios médio e avançado, como verificamos no local, somente seria permitido o corte da vegetação para obras de interesse público como estradas, hidrelétricas, etc, o que também não era o caso. Quanto ao caso da supressão de Ficus organensis (figueira de folha-miúda), (figura 8) os indivíduos desta espécie deveriam ter sido transplantados e não cortados como costumeiramente constam nos licenciamentos. O corte desta espécie sem autorização configura-se em crime ambiental. Pode-se também verificar que várias bromélias do gênero Vriesea, cada vez mais raras na Floresta Atlântica, estavam caídas no chão como resultado da remoção de troncos e galhos das espécies nativas (detalhe em foto anexa). Também, cabe destacar que a vegetação de Mata de restinga arenosa ou Mata Psamófila que ocorre nesta zona, conforme denominação de Waechter (1992), está protegida pelo Art. 2 da Lei Federal 4771 de 1965 (Código Florestal Federal), onde consta que Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:... f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;. Outro impacto de grande monta está relacionado à abertura de canal de drenagem, o que favorecerá o dessecamento das Matas Paludosas que se encontram na porção noroeste do terreno, nas proximidades da interseção da RS 389 e o acesso a Capão da Canoa, com grande risco de morte dos indivíduos. 2) Corte de árvores e de subosque da Mata Atlântica, com aterro de vegetação da porção centralnorte do empreendimento. Houve dano a partes de vegetação arbórea em porções de terreno da porção norte da propriedade, com cortes de vegetação arbórea, e maior isolamento de fragmentos florestais com retirada da submata. Pôde-se constatar que indivíduos de espécies típicas de interior de floresta, como no caso de Alchornea triplinervea, foram encontrados isolados, de maneira atípica, após aterro, com soterramento de raízes superficiais e parte da base do tronco das árvores (figura 9). Um destes

3 indivíduos estava morto, muito provavelmente devido ao aterro e a seu isolamento, ou seja, fora da floresta. O aterro até cerca de 50 cm, como foi realizado, causa menor oxigenação das raízes das espécies, possibilitando a progressiva morte como no caso de indivíduos que foram fotografados na área. Outras manchas de matas e espécies que ocorriam em floresta contínua, agora encontram-se isoladas e parcialmente soterradas, sendo o caso de Myrsine guianensis (capororoca), Sebastiania serrata (branquilho) Cecropia pachystachya (embaúba-branca), Casearia sylvestris (chá-de-bugre), entre outras (figura 10). 3) Considerações gerais. O empreendimento, em seus 39 hectares, provocou alteração da vegetação e um aterro, em cerca de meio metro de altura, estando contíguo a outro empreendimento semelhante, Xangri-lá Villas Resort. Este último encontra-se ao sul dos Bosques de Atlântida, apresentando grandes dimensões e muros contínuos que escondem a visão dos veranistas ou viajantes que percorrem a RS 389, descaracterizando a paisagem natural de restingas e criando uma imensa barreira à fauna, o que inviabiliza o fluxo gênico entre populações de animais ameaçados (Decreto Estadual 41.672 2002) e endêmicos desta localidade do Litoral. Neste caso, estão sendo permitidas obras sobre ambientes altamente significativos, até então naturais, e de grande sensibilidade ambiental, com a criação de barreiras antrópicas a espécies, muitas ameaçadas, que ali vivem há milhares de anos. Entre estas espécies poderíamos destacar os tuco-tucos (Ctenomys flamarioni), o lagartinho-das-dunas (Liolaemus occipitalis), o sapo-das-dunas (Bufo arenarius), animais que estão em situação crítica pela destruição de dunas, expansão urbana descontrolada e atropelamentos na RS 389. Conforme se pôde constatar na Figura 1, a área está em expansão de leste para oeste, podendo atingir as lagoas, e seus ambientes predominantemente bem conservados. Outro aspecto que demonstra o descaso ambiental dos empreendedores é o uso de dezenas de indivíduos adultos de Butia capitata (variedade capitata), na entrada do empreendimento, retirados de outras áreas naturais. É importante assinalar que esta espécie consta no Decreto Estadual 40.099/2002 (Lista Estadual das Espécies da Flora Ameaçadas de Extinção), caracterizado como de transplante de outra área natural onde, geralmente, são retirados sem autorização para serem utilizados em outros locais, depauperando os butiazais originais, além de que colocando em maior chance de cruzamento com a variedade de Butia capitata, variedade odorata (butiá-anão), altamente ameaçada, e exclusiva do Litoral Norte. Outro aspecto flagrante nas proximidades destes empreendimentos é a atração de adensamentos de casebres, geralmente irregulares, sobre campos de dunas, como conseqüência do aproveitamento das novas demandas de serviços gerados pelos grandes loteamentos regulares. Além do processo de ocupação trazer sérios problemas para o ambiente, as questões relacionadas com o saneamento são gravíssimas, principalmente porque nos ambiente arenosos a infiltração de águas de fossas sépticas, mal planejadas, é uma constante. Todas estas intervenções antrópicas causam maior fragmentação dos ambientes naturais, colocando como crítica a sobrevivência dos ecossistemas da região. No aspecto de crescimento populacional e adensamento urbano, o Litoral Norte torna-se, assim, a segunda região mais impactada do Estado, depois da Região Metropolitana.

4 O que se constata, quando se percorre a Estrada do Mar, principalmente no trecho entre Osório e Capão da Canoa, é que a paisagem natural está escondida em uma imensa cortina de poluição visual, pelo concreto, lixo e caliça, bosques de pinus e eucalipto, que vão destruindo para sempre a paisagem natural ao longo das margens da rodovia RS 389. Há cerca de 25 anos, a paisagem do Litoral Norte era distinta, podendo-se perceber a presença de belíssimas dunas por entre vegetação de restinga, desde as moitas de vegetação herbácea e arbustiva até os capões e matas com suas majestosas figueiras e palmeiras que imprimiam feições típicas na paisagem do litoral. Nestes ambientes medravam milhares de espécies nativas, pouco conhecidas, sendo que atualmente centenas destas espécies constam em nossas listas de espécies ameaçadas de extinção. Considerando estes fatos em seu conjunto, é necessário que e promovam ações para proteção do Litoral Norte. Temos que impedir que a natureza seja tragada velozmente, ao ritmo de hoje, principalmente por interesses econômicos imediatistas e pela precária fiscalização e controle da ocupação de ambientes dessas áreas localizadas no Núcleo da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica no Rio Grande do Sul. Também é importante combatermos a lógica do irremediável. Ou seja, necessitamos acreditar na reversão do quadro negativo. É imperioso que se avalie o conjunto, ou o somatório de inúmeras dilapidações localizadas de nosso patrimônio da Mata Atlântica, em vez de focarmos os impactos de forma isolada. O processo de avanço nas áreas naturais do Litoral teve como etapa de grande impacto a construção da Estrada do Mar, entre 1989 e 1990. Esta rodovia foi uma das principais enclaves de ocupação na Planície Costeira, tendo sido realizada aos atropelos, sem EIA e RIMA, e sem maiores cuidados ambientais, apesar da legislação ambiental, desde 1986, já obrigar a realização destes instrumentos de licenciamento. A preservação de remanescentes não foi contemplada, sendo vários capões cortados pela rodovia, da mesma forma com retirada de dunas, destruição de matas paludosas e arenosas com figueiras centenárias, destruição de sítios arqueológicos, banhados, entre outros, não tendo sido oportunizada a necessária compensação do dano em áreas de proteção. Ao contrário da Rota do Sol, aberta na mesma época, a qual recebeu a criação de UCs (Reserva Ecológica de Aratinga, APA Rota do Sol, Reserva Biológica da Mata Paludosa), licenciada com condicionantes, a rodovia RS 389 não recebeu nenhum instrumento de controle ambiental quando de sua construção. Inclusive o DAER, responsável pelo controle da ocupação da faixa de domínio, não teve o controle necessário e ainda mais implantou densas cortinas de pinus e eucalipto nas margens da estrada, descaracterizando a paisagem e gerando maior impacto pela grande invasão pinus nos campos arenosos das redondezas da estrada. Se nada for feito, a rodovia RS 389 continuará sendo uma das principais indutoras de ocupação do Litoral, e em suas margens erguer-se-ão, cada vez mais, grandes loteamentos, tanto de alta classe como os aglomerados de casebres satélites dos empreendimentos, adicionando-se a isso a invasão por plantas exóticas pelas faixas de domínio.

5 Neste sentido, solicitamos providências na apuração e punição quanto aos danos verificados neste empreendimento e que seja montada uma estratégia conjunta de conservação de ambientes naturais do Litoral Norte, em duas frentes. A primeira, no aspecto de reavaliação periódica da eficiência do Zoneamento (ZEE) realizado pela FEPAM, principalmente frente à grandiosidade dos empreendimentos imobiliários e os necessários limites de expansão urbana (Planos Diretores Municipais) a fim de manter percentuais significativos de áreas naturais, evitando-se a descaracterização da paisagem e protegendo-se ao máximo a biodiversidade. Um outro aspecto é o de implementar a avaliação do somatório de impactos e seu necessário licenciamento nas atividades impactantes ao longo da RS 389, a fim de proteger os remanescentes da Mata Atlântica do Litoral Norte, imunes, em estágio médio e avançado, e que as intervenções permitidas sejam acompanhadas de perto para que fatos de crimes ambientais como acima relatados não se repitam. Paulo Brack (Doutor em Ecologia e Recursos Naturais) Professor do Departamento de Botânica UFRGS e Membro do INGA pbrack@adufrgs.ufrgs.br 3316-7075 Vicente Rahn Medaglia Coordenador do (InGá) vicente@inga.org.br 9666-2433 OBS. Seguem onze figuras em anexo.

6 Figura 1. Imagem do Google Earth vendo-se a área do novo loteamento, destacando-se o crescimento da expansão urbana representada pela de cor faixa cinza-clara. Figura 2. Perfil esquemático de parte do gradiente e diversidade de ambientes naturais do Litoral Norte. Existem resultados de pesquisas palinológicas que constataram avanço das florestas sobre a restinga, há pelo menos 3 mil anos.

7 Figura 3. Aspectos de paisagens naturais de campos e matas do Litoral Norte no Município de Arroio do Sal Figura 4. Orla de Mata de Restinga Arenosa (Mata Psamófila), com destaque a figueirão, em Arroio do Sal. Figura 5. Vista da curva do Km 30, destacando-se as Matas de Restinga Arenosa e Matas Paludosas, ainda restantes. Na porção da direita a mata sofreu impactos pelo loteamento.

8 Figura 6. Detalhe da construção de canal de drenagem e isolamento da área do empreendimento. Figura 7. Vista do canal construído, onde a vegetação foi suprimida.

9 Figura 8 - Tronco de Ficus organensis (figueira de folha-miúda), espécie imune ao corte pela Lei 9199/1992 cortado na área e abertura do canal do empreendimento. Figura 9 - Alchornea triplinervea, árvore típica de interior de mata, agora morta devido a aterros e terraplenagem na área do empreendimento. Figura 10. Vista dos aterros, com areia sobre a base de árvores isoladas que faziam parte da mata.

10 Figura 11 Planta do empreendimento, em Xangrilá, (29º 46 23 E 50º 03 22 ) RS