BIOINDICADORES E BIOMARCADORES DE AGROQUÍMICOS NO CONTEXTO DA RELAÇÃO SAÚDE-AMBIENTE Cláudio Martin Jonsson Vera Lúcia Castro Jaguariúna, outubro 2005.
O modelo de agricultura utilizado atualmente visa geralmente obter uma máxima produtividade possível de acordo com o local e a capacidade biológica da planta. Entretanto, tal modelo, por vezes, desestabiliza os agroecossistemas. Os sistemas de produção intensivos elevam a necessidade de uso de agroquímicos, os quais aumentam as concentrações residuais e a deriva de agroquímicos ocorridas durante o processo de aplicação dos produtos, causando entre outros problemas, prejuízo à saúde humana e aos organismos dos ecossistemas do entorno. Esses produtos podem se distribuir no ambiente solo, água, podendo provocar agravos à saúde da população quer em sua forma original quer como metabólitos, por inalação de gases ou partículas, ingestão de água ou alimento, ou absorção pela pele. Os organismos dos compartimentos ambientais, tal como a aquático - habitat de peixes, invertebrados e algas, podem acumular os agroquímicos e/ou seus metabólitos, através da água ou do alimento contaminado ou contato com o sedimento. Por conseqüência eles são alvo de efeitos adversos a curto, médio ou longo prazo; e ainda são capazes de transferir esses agentes químicos através da cadeia alimentar. De acordo com esse enfoque, a saúde ambiental pode então ser avaliada ampliando o estudo ao domínio dos conceitos de qualidade de vida e saúde, e ao mesmo tempo, da preservação dos recursos naturais. Atualmente a noção de sustentabilidade é considerada como relevante para a sociedade moderna e passa a concentrar a interface produção alimento / meio ambiente. O conceito de sustentabilidade, associado à necessidade de preservar os recursos ambientais, refere-se a um tipo de desenvolvimento capaz de atender às necessidades da geração atual sem comprometer os recursos necessários para satisfação das necessidades das gerações futuras. À medida que o ambiente torna-se essencial no plano da saúde da coletividade, o desenvolvimento sustentável tornou-se parte integrante de decisão política de saúde ambiental. Assim é que a proposta de um desenvolvimento sustentável, incluindo a atividade agrícola, contempla a conservação dos recursos naturais, a utilização de tecnologias apropriadas e a viabilidade econômica e social. A fim de se obter informações sobre a qualidade do seu ambiente ou parte dele, o estudo de alterações fisiológicas, comportamentais ou de sobrevivência em um organismo, ou em uma população de organismos, constituem-se no bioindicador. Quando as alterações são perceptíveis em níveis inferiores de organização biológica, tais como em componentes bioquímicos ou estruturais celulares, se faz referências aos biomarcadores. Para seu uso na avaliação de alterações do estado normal do sistema, se faz necessário o conhecimento das oscilações dos parâmetros a serem analisados dentro de um espectro de situação de normalidade. Esses organismos representam os alvos dos mecanismos de toxicidade, na dependência das vias de exposição dos agentes. A sua definição é possível a partir do conhecimento 2
dos componentes ecológicos do sistema que permite mensurar respostas biológicas frente aos agentes voltadas à definição de concentração para efeitos adversos. Para que os organismos se tornem bioindicadores devem-se considerar critérios tais como: a) relevância ecológica, b) suscetibilidade dos organismos, e c) caracterização preliminar dos efeitos aos organismos expostos. Ainda é desejável a possibilidade de sua criação e manutenção em condições de experimentação, de modo a se obter dados de toxicidade para o estabelecimento de limiares de concentração quanto à alteração do parâmetro estudado. A utilização de bioindicadores de poluição ambiental se baseia no fato que os distúrbios por agentes tóxicos no meio ambiente levam inicialmente a uma alteração, tal como a perturbação de uma reação bioquímica, em um determinado organismo. Se estas alterações forem observadas com uma certa antecedência, pode ser possível a identificação de problemas antes que o compartimento ambiental como um todo seja afetado. Por causa destas características, os biomarcadores a nível bioquímico são apontados como sistemas de sinal de alerta na avaliação da saúde ambiental. O biomarcador compreende toda substância ou seu produto de biotransformação (marcador de dose interna) ou qualquer alteração bioquímica precoce (marcador de efeito) cuja determinação estabeleça a relação entre a exposição e o efeito tóxico refletida em alterações fisiológicas e/ou a suscetibilidade dos indivíduos (marcador genético). A utilização de biomarcadores permite realizar estudos in vitro e in vivo. Os primeiros são realizados pela adição do agroquímico poluente num sistema contendo o componente bioquímico a ser avaliado como, por exemplo, uma enzima extraída de uma célula ou tecido supostamente não exposto anteriormente à ação desse poluente. Deve-se considerar também que alguns efeitos qualitativos in vitro tendem a serem semelhantes aos que ocorrem nos organismos vivos. Estes estudos in vitro representam uma ferramenta útil na triagem de vários agentes poluentes e têm sido usados em áreas de monitoramento e como método de análise qualitativa e quantitativa de poluentes orgânicos e metais pesados. Neste sentido, em alguns casos comparativamente aos métodos analíticos de rotina de análise de traços dos agroquímicos, o uso de um biomarcador pode consumir menor tempo de análise, requerer menor esforço humano e ser mais econômico. Por sua vez, os estudos in vivo com biomarcadores são realizados através da medida do parâmetro bioquímico, ou outro parâmetro celular, de um organismo-teste que foi previamente exposto ao agroquímico por um determinado período. Estes testes tem sido realizados pela exposição de organismos a concentrações conhecidas do poluente, em condições laboratoriais ou de campo, para a avaliação de risco. Portanto, os dados doseresposta obtidos auxiliam o estabelecimento de níveis aceitáveis de 3
concentração no compartimento avaliado. Nesse sentido, a utilização de estudos com biomarcadores associados à alteração da atividade enzimática pela exposição in vivo na avaliação de áreas impactadas por agroquímicos e o monitoramento das mesmas, tem sido extensamente abordada pela literatura tanto para poluentes orgânicos como para metais. Os biomarcadores ao evidenciarem os efeitos e suas causas, devem ser úteis para alcançar os objetivos das políticas referentes à saúde ambiental. Os dados ecotoxicológicos assim obtidos, objetivando possuírem relevância para a avaliação do sistema ambiental, devem refletir tanto a relevância ecológica dos organismos selecionados quanto os valores sociais da comunidade e os objetivos gerenciais do empreendedor de tal análise, que normalmente é um órgão público. É portanto a relação risco benefício que deve nortear a escolha da utilização desses produtos. O risco refere-se a probabilidade que um organismo ou uma determinada população sofra um dano. Para avaliar a exposição, algumas variáveis a serem analisadas são: identificação dos grupos expostos; da fonte de emissão; da freqüência, magnitude e duração da exposição; e da dose realmente absorvida pelas diferentes vias de exposição. Esta tarefa é porém dificultada em estudos de campo por sua variabilidade e dispersão. Contudo, em sistemas biológicos, o diagnóstico das intoxicações por agroquímicos por vezes é difícil porque muitos deles não ocasionam sinais e sintomas evidentes além do fato que a exposição decorre geralmente como produto da exposição a mais de um princípio ativo. A avaliação dos efeitos da exposição aos agroquímicos, conta atualmente com um número limitado de biomarcadores reconhecidos e validados frente à grande quantidade de principios ativos comercializados e os diversos mecanismos celulares com potencial de exploração. Atualmente, novas pesquisas têm buscado a identificação de marcadores que possibilitem antecipar o desenvolvimento de situações que possam conduzir a contaminações ambientais danosas à saúde humana e ecossistemas; de preferência caracterizando a expressão precoce dos efeitos. A obtenção de dados de alvos biológicos significativos e precoces poderá contribuir para o aprimoramento de instrumentos que possam minimizar os riscos ao ser humano e ao ambiente devido aos agroquímicos. Como conseqüência, devem ser priorizados estudos relativos ao monitoramento destes produtos nas fases do processo de contaminação ambiental que vão da exposição (fonte de emissão) passando pela sua quantificação (dosagem do princípio ativo ou metabólito em amostras biológicas) até os efeitos precoces observados (marcadores de efeitos). O monitoramento de efeitos clínicos ou aqueles referentes a patologias devem ser preteridos enquanto indicadores da avaliação do risco, uma vez que instalados; representam a ocorrência da exposição e do dano subseqüente. A contribuição de um biomarcador à avaliação da saúde ambiental é ditada em última análise por sua validade como marcador. A validade é uma 4
característica complexa e descreve a extensão com a qual o biomarcador reflete um determinado evento de um sistema biológico. Geralmente, esses eventos são exposição, efeitos da exposição e suscetibilidade. Alguns dos critérios para a validação dos biomarcadores incluem então a compreensão de sua relevância temporal e biológica, variabilidade de resposta e obtenção de efeito dose-resposta e fatores interferentes que possam gerar resultados falso positivo ou negativo. Outros fatores a serem ainda considerados na validação de um biomarcador são aqueles de caráter ético, social e legal. Contemporaneamente, o conceito de risco foi tomado por diversas disciplinas, em diferentes áreas do conhecimento. A análise de risco foi desenvolvida como uma ferramenta objetiva para técnicos que necessitam de fatos para uma tomada de decisão. O ecossistema tem valor intrínseco e cada um doa membros da comunidade é responsável por manter a sua sustentabilidade. Assim, uma melhor compreensão do significado do risco para a saúde e o ambiente torna-se primordial para assegurar o êxito das ações preventivas e mitigadoras. É importante ressaltar, em conseqüência, que a complexidade presente na relação saúde e ambiente requer estudos abrangentes no que se refere aos campos do conhecimento além de levar em conta a necessidade de articulações dos diversos setores públicos e privados relacionados à saúde ambiental. Desta forma, espera-se que as ações geradas pelos resultados obtidos de novos estudos sejam direcionadas em duas vertentes complementares: (a) produção e compilação de um conjunto de dados que servirá para auxiliar futuramente a análise dos possíveis impactos ocasionados por agroquímicos junto aos órgãos reguladores e (b) produção de um alicerce crítico, fruto da experiência adquirida; visando aprimorar a avaliação desses produtos. 5