Maria de Lurdes Rodrigues Ministra da Educação Prioridade à qualificação dos Portugueses 43 Portugal tem feito, ao longo dos últimos 30 anos, um esforço significativo de qualificação escolar da população. No entanto, a realidade actual está ainda distante da situação de grande parte dos países da União Europeia e da OCDE. Portugal apresenta défices estruturais de formação e qualificação da população que atingem não só os escalões mais velhos da população activa, mas também as gerações mais jovens. A prioridade política atribuída à qualificação dos Portugueses é uma questão decisiva para o crescimento económico e para a promoção da coesão social. A sociedade do conhecimento exige que se perspective a educação de acordo com uma abordagem de aprendizagem ao longo da vida, abrangendo todo o processo educativo e formativo, desde a educação de infância à formação contínua de adultos. Neste artigo são apresentadas áreas de intervenção prioritárias, nomeadamente no que diz respeito à consolidação e à melhoria do ensino básico, à generalização do ensino secundário e à implementação de uma cultura e uma prática de avaliação.
44 During the last thirty years Portugal has made a considerable effort towards the educational qualification of the population. However, the current reality is still far from the majority of countries within the EU and the OECD. Portugal has structural defects in the training and qualification of the population, including both the elder echelons of the working population and the younger generations. The political priority attributed to the qualification of the Portuguese population is a decisive question for economic growth and for the promotion of social cohesion. The society of knowledge demands that education be approached as a life-long learning, comprising all the educational and training procedures, from junior schools to continuous adult training. This article puts forward areas where priority actions are required, namely in respect of the consolidation and improvement of primary schooling, the generalization of secondary education and the implementing of a culture and practice of assessment.
1. Educação e aprendizagem ao longo da vida Portugal tem feito, ao longo dos últimos 30 anos, um esforço significativo de qualificação escolar da população. A título de exemplo, referem-se alguns indicadores: entre 1971 e 2001, a taxa de analfabetismo baixou para menos de metade, passando de 26% para 9% e, no mesmo período, a percentagem da população com nível de instrução superior foi multiplicada por um factor de 5, passando de 2% para 10%. Apesar de mudanças tão notáveis como as indicadas por estes números, a realidade actual está ainda distante da situação de grande parte dos países da União Europeia e da OCDE. Portugal continua a apresentar baixos níveis de escolarização, que atingem não só os escalões mais velhos da população activa, mas também as gerações mais jovens. Um dos aspectos mais marcantes, se não mesmo o mais marcante, da sociedade portuguesa actual é, de facto, o dos défices estruturais de formação e qualificação da população. Em 2001, 2,6 milhões de activos (ou seja, cerca de metade da população activa) não possuíam o 9.º ano de escolaridade, sendo que, destes, 850 000 tinham menos de 34 anos de idade. Por outro lado, apenas 20% da população portuguesa entre os 25 e os 64 anos concluiu pelo menos o ensino secundário ou equivalente, em contraste com os 65% verificados, em média, nos países da OCDE. Esta posição de grande desvantagem exige uma intervenção política urgente e determinada, de forma a conseguir perspectivar-se uma inversão da situação de partida num curto espaço de tempo. A elevação dos níveis de qualificação é uma questão decisiva para o crescimento económico e para a promoção da coesão social. O investimento em capital humano traz também outros benefícios, como o aumento das taxas de actividade e de emprego e a melhoria dos salários, realidade esta amplamente demonstrada por diversos indicadores produzidos por várias organizações internacionais. A sociedade do conhecimento exige que se perspective a educação de acordo com uma abordagem de aprendizagem ao longo da vida. De acordo com orientações internacionalmente estabelecidas, a aprendizagem ao longo da vida abrange todo o processo educativo e formativo desde a educação de infância à formação contínua de adultos. A educação e a formação surgem, nesta perspectiva, como pilares indispensáveis ao desenvolvimento pessoal e ao exercício pleno da cidadania. A importância destas questões está reflectida no Plano Tecnológico e no Programa Nacional de Acção para o Crescimento e o Emprego (PNACE), dois documentos estratégicos onde são estabelecidas medidas de política para enfrentar os grandes estrangulamentos estruturais que afectam a sociedade portuguesa. O sistema educativo e o sistema formativo têm responsabilidades acrescidas na preparação das respostas a dar aos desafios colocados o reforço da educação e da qualificação dos portugueses é condição essencial ao crescimento económico do País, nomeadamente em matéria de combate ao desemprego e de retoma dos níveis de emprego. É justamente na sequência do reconhecimento da centralidade das questões da educação e da qualificação que nasce a Iniciativa Novas Oportunidades. A Iniciativa Novas Oportunidades tem como estratégia de acção acelerar o ritmo de progressão dos níveis de escolarização dos Portugueses, procurando encurtar o intervalo de tempo que nos permitirá alcançar os valores médios europeus e, assim, reunir recursos fundamentais de competitividade equiparados à média dos países da União Europeia. O nível secundário é o objectivo de referência fundamental consagrado nesta iniciativa, uma vez que este é o patamar internacionalmente considerado como o mínimo exigível para dotar os cidadãos das competências essenciais à sociedade da informação e do conhecimento. Importa também referir que a concretização das actuais políticas de educação e formação deve ser orientada por exigentes padrões de qualidade e apoiada em mecanismos de acompanhamento, monitorização e avaliação. Os recursos financeiros disponíveis devem ser ajustados à dimensão dos desafios, designadamente os instrumentos operacionais que vierem a constar da intervenção estrutural comunitária em Portugal no período 2007-2013. 45
46 2. Consolidar e melhorar o ensino básico Um dos problemas centrais do nosso sistema de ensino prende-se com os níveis de insucesso no ensino básico, que se têm mantido sistematicamente elevados. Assim, a concretização de uma estratégia coerente com vista ao reforço da qualificação da população portuguesa exige a adopção de um conjunto de medidas que garanta a melhoria das condições de ensino e aprendizagem no ensino básico. Um ensino básico de qualidade constitui, de facto, um factor fundamental no processo de aquisição de competências essenciais numa sociedade do conhecimento e no desenvolvimento de uma cultura de aprendizagem ao longo da vida. Daí a prioridade atribuída à consolidação deste nível de ensino, com particular incidência no 1.º ciclo. É de salientar, em primeiro lugar, a aposta na construção de uma escola a tempo inteiro, nomeadamente através do alargamento do horário de funcionamento dos jardins de infância e das escolas do 1.º ciclo do ensino básico, de forma a permitir o desenvolvimento de actividades de enriquecimento curricular e extracurricular, como o inglês, o desporto escolar, a leitura e as expressões. Neste sentido, foi já lançado o programa de generalização do ensino do inglês desde o 1.º ciclo do ensino básico, em regime extracurricular, com o objectivo de desenvolver precocemente conhecimentos e competências essenciais no espaço europeu, estimular o interesse pelas línguas estrangeiras e promover a igualdade de oportunidades entre todas as crianças. Uma outra medida fundamental para a melhoria das condições de ensino e aprendizagem remete para a valorização das competências dos professores e a consequente prioridade atribuída à sua formação, actualização e acompanhamento, tendo sido já lançado o programa de formação contínua em Matemática para professores do 1.º ciclo, que se pretende alargar a outros ciclos e a outras áreas, como o Português e o ensino experimental das ciências. De importância igualmente crucial neste domínio são a produção e a divulgação de orientações programáticas e metodológicas que possam servir de apoio às actividades pedagógicas dos docentes. O combate ao insucesso e o reforço das condições de ensino e aprendizagem implicam também a melhoria da organização e do funcionamento das escolas, no que diz respeito ao acompanhamento dos seus alunos. Assume aqui particular importância a ocupação plena dos tempos escolares, através de uma melhor organização do trabalho docente, garantindo o acompanhamento dos alunos em caso de falta de uma actividade lectiva prevista, e a detecção precoce de percursos de insucesso acompanhada da implementação de instrumentos de intervenção adequados, como os planos de recuperação ou os percursos curriculares alternativos. 3. Ensino secundário como referencial de qualificação No espaço económico mais desenvolvido, Portugal tem a maior percentagem de jovens dos 20 aos 24 anos de idade com baixos níveis de escolarização e que abandonaram o sistema de ensino; simultaneamente, apresenta uma baixa percentagem de jovens, da mesma faixa etária, a estudar. Esta situação, que é, de facto, singular no conjunto dos países da OCDE, resulta do facto de, todos os anos, milhares de jovens abandonarem a escola sem a escolaridade obrigatória ou com o ensino secundário incompleto. No mercado de trabalho, aos adultos de outras gerações com baixas qualificações por falta de oportunidade de acesso à escola juntam-se todos os anos jovens nascidos depois do 25 de Abril para quem o acesso à escola não se transformou numa verdadeira oportunidade de qualificação. No caso dos jovens, os elevados níveis de abandono e insucesso ao nível do ensino secundário associam-se ao predomínio das vias gerais de estudos sobre as vias vocacionais ou profissionalizantes cerca de dois terços dos alunos encontram-se a frequentar os agora chamados cursos científico-humanísticos. A desejável generalização do ensino secundário assenta na expansão e na diversificação da oferta formativa profissionalmente qualificante, ou seja, no aumento de vagas em cursos que, para além da certificação escolar, conferem também uma qualificação profissional. A consolidação da diversidade da oferta no secundário, em
oposição a um modelo de ensino subordinado ao prosseguimento de estudos, constitui um importante instrumento de adequação da formação às expectativas dos alunos e famílias e também às necessidades do mercado de trabalho. Pretende-se que, em 2010, o número de jovens abrangidos pelas vias vocacionais e profissionais corresponda a metade do total de jovens a frequentar o ensino secundário. Conferir uma identidade própria de fim de ciclo a este nível de ensino, através da criação de um diploma próprio, e valorizar socialmente as vias de pendor mais vocacional são acções determinantes para garantir melhores taxas de aproveitamento escolar. As escolas são o elemento central deste desafio, pelo que é necessário cumprir um amplo programa de modernização e requalificação. As infra-estruturas e os recursos da educação devem também ser colocados ao serviço da qualificação dos activos, transformando as escolas e os centros de formação em centros abertos de aprendizagem. Trata-se de abranger as gerações mais velhas que não tiveram no seu tempo oportunidades de acesso à escola, nomeadamente os que já têm uma vasta experiência em contextos de trabalho ou outros, através da consagração, no sistema de ensino e de formação, de um quadro efectivo de segunda oportunidade. A criação de um sistema de recuperação efectiva dos níveis de qualificação da população adulta exige a mobilização, a adaptação e o reforço dos vários instrumentos disponíveis, mas que ainda não tiveram o grau de implementação e disseminação adequado à dimensão do problema. Falamos do sistema de reconhecimento, validação e certificação de competências adquiridas (RVCC) e a oferta de formação profissionalizante dirigida a adultos pouco escolarizados (cursos de Educação e Formação de Adultos EFA). O RVCC traduz-se num processo que permite a cada adulto identificar, validar e certificar as competências que foi adquirindo ao longo da vida, mediante a apresentação de resultados da sua experiência (de vida, de trabalho e resultante de formações não certificadas). O desenvolvimento pessoal, o reforço da participação social, o aprofundamento da cidadania e a melhoria da empregabilidade constituem valores e princípios que fundamentam o sistema de RVCC. De forma a cobrir o território nacional e possibilitar que este tipo de ofertas chegue a todos (o objectivo é qualificar, até 2010, um milhão de portugueses), prevê-se aumentar os actuais 98 centros para 500 em 2010 e expandir os cursos EFA através do reforço do número de vagas. A implementação do referencial de competências-chave para o ensino secundário é uma medida fundamental para a melhoria dos níveis de qualificação dos adultos. O estabelecimento de uma efectiva articulação entre políticas e estruturas de educação e de formação é decisivo para concretizar metas tão ambiciosas como as consignadas na Iniciativa Novas Oportunidades, uma vez que tem de ser promovida uma gestão integrada das ofertas e da rede dos dois sistemas, de modo a alcançar a equidade e a eficiência máximas na cobertura dos públicos e do território nacional. 4. Avaliação e autonomia O desenvolvimento de uma cultura de avaliação é fundamental para uma política educativa determinada em melhorar a qualidade do sistema educativo e assente em critérios de exigência e rigor. Constitui, assim, um objectivo prioritário a adopção de medidas com vista a enraizar a cultura e a prática da avaliação em todas as dimensões do sistema de educação e formação, abrangendo o desempenho dos alunos, o currículo nacional e as escolas. Neste sentido, é fundamental desenvolver dispositivos de avaliação do funcionamento e dos resultados do sistema educativo, de forma a identificar obstáculos à qualidade das aprendizagens e a criar uma base para a definição dos necessários ajustamentos, nomeadamente no que respeita à reorganização curricular do ensino básico, introduzida em 2001, e à reforma do ensino secundário, iniciada no ano lectivo de 2004/2005. Por outro lado, pretende-se também lançar um sistema de avaliação e certificação de manuais escolares, no sentido de garantir a sua qualidade científica e pedagógica e minorar os encargos que representam para as famílias. 47
A avaliação dos estabelecimentos de educação e ensino constitui, igualmente, um importante instrumento na melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem. Nesse pressuposto, têm sido desenvolvidos em Portugal nos últimos anos diversos projectos cujos contributos se revelam fundamentais para uma acção consequente nesta matéria, não existindo, contudo, uma prática regular e sistemática de avaliação de escolas. É assim fundamental o lançamento de um programa nacional de avaliação dos estabelecimentos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, a partir da definição prévia dos modelos de auto-avaliação e de avaliação externa das escolas, bem como dos procedimentos, calendário e condições necessários à sua implementação a nível nacional. Importa ainda garantir que o processo de avaliação crie condições para o aprofundamento da autonomia das escolas, designadamente através da identificação das áreas em que essa autonomia pode ser atribuída ou da eventual necessidade de uma intervenção programática com vista à melhoria de áreas mais deficitárias. Assume-se, assim, uma relação estreita entre a avaliação e o processo de autonomia das escolas, cujo desenvolvimento pressupõe responsabilização, prestação regular de contas e avaliação. Fontes 48 INE, Recenseamento Geral da População, 1971- -2001. Ministério da Educação, Estatísticas da Educação. OECD, Education at a Glance, 2005.