ALIMENTAÇÃO ESCOLAR: CONVERGÊNCIA ENTRE GOVERNO, FAMÍLIA E ESCOLA Elaine Gai Torres* RESUMO A questão alimentar preocupa educadores e governantes já há várias décadas por afetar diretamente a produção do aluno em sala de aula. Considerando que mudar práticas alimentares requer também uma intervenção educativa, torna-se então indispensável discutir de que maneira os programas sociais devem agir para alcançar êxito. Nesse sentido, a busca pela compreensão de como isso acontece e as maneiras pelas quais governo, escola e família podem contribuir para desenvolver práticas educativas contínuas que se traduzam em alunos bem alimentados, nutricionalmente falando, constituem o objetivo do presente artigo. Palavras-chaves: Alimentar; Escola; Família. 1 INTRODUÇÃO A situação que envolve alunos e professores no que se refere à alimentação escolar não constitui fato novo ao se considerar que desde a década de 40 o próprio governo procurava uma maneira de prover alimentação saudável para os alunos da rede pública. De lá para cá, incontáveis planejamentos e mudanças promoveram sensíveis melhoras, tanto no que diz respeito à qualidade nutricional dos alimentos que chegam às escolas, como à capacitação dos profissionais envolvidos diretamente na tarefa, como nutricionistas, cozinheiros, etc. Preocupação essa que se estende também às escolas particulares, que dentre as suas diversas atribuições, também tem a de oferecer nas cantinas alimentos nutritivos, que satisfaçam o gosto dos alunos e o desejo dos pais em ver seus filhos alimentados adequadamente. O Programa de Merenda Escolar manteve, contudo, o objetivo de contribuir para melhorar as condições nutricionais e de saúde dos escolares, ao fornecer uma alimentação suplementar, privilegiando as primeiras séries na rede oficial. Tal fato se justifica plenamente diante dos numerosos estudos produzidos acerca da produção escolar deficiente em razão de uma má qualidade *Licenciada em Letras, especialista em Educação e Gestão Ambiental. Apresentação em 26/03/2007.
de alimentação que as crianças e os jovens recebem em casa por absoluta impossibilidade de os pais proverem tal necessidade. 2 PROGRAMA DE MERENDA ESCOLAR Embora seja impossível negar o caráter político que existe por trás dessa ação ou sua validade, não se pode negar que a merenda escolar constitui para muitos estudantes o único alimento disponível no dia, ampliando a partir daí a dimensão social que esse fato representa. Muito mais do que um programa com vistas a alimentar a população discente, este planejamento tem, no entanto, a tarefa de implantar novas rotinas e mudar antigos hábitos, transformando a prática diária de alimentação em saúde. Um exemplo concreto desse tipo de ação pode ser visualizado em Florianópolis, num trabalho desenvolvido pela Coordenadoria de Alimentação Escolar da Secretaria Municipal do município, no sentido de prover informação às pessoas portadoras da doença celíaca e seus familiares, de forma a poder incluí-los nas refeições junto aos colegas e em casa, trabalho esse permitido pela ação conjunta de nutricionistas e escola e apoiado pela família. Hoje, o programa tem recursos assegurados no orçamento da União e são transferidos diretamente às entidades que o executam em âmbito estadual, municipal e do Distrito Federal. O cardápio deve ser elaborado por nutricionistas habilitados, com a participação do Conselho de Alimentação Escolar (CAE, cujo principal objetivo é fiscalizar a aplicação dos recursos transferidos e zelar pela qualidade dos produtos, desde a compra até a distribuição nas escolas, prestando sempre atenção às boas práticas sanitárias e de higiene), respeitando os hábitos alimentares e a vocação agrícola da comunidade, sendo que cada refeição deve suprir, no mínimo, 15% das necessidades nutricionais diárias dos alunos. Sempre que houver a inclusão de um novo produto no cardápio, é indispensável a aplicação de testes de aceitação. Note-se aí a preocupação dos gestores em garantir que os alunos também participem do processo, com vistas ao aproveitamento total dos produtos que a eles serão destinados. 3 PROMOÇÃO DE SAÚDE COMO ATIVIDADE EDUCATIVA DENTRO DA ESCOLA Essenciais à promoção e à proteção da saúde, a alimentação e nutrição adequadas constituem direitos fundamentais do ser humano. São condições básicas para que se alcance um desenvolvimento físico, emocional e intelectual satisfatório, fator determinante para a qualidade de
vida e o exercício da cidadania. Ao chamar a atenção de crianças e adolescentes para os benefícios de uma alimentação equilibrada, a escola dá a sua contribuição para tornar mais saudável a comunidade em que se insere. Sabe-se que a escola é um lugar privilegiado no sentido de proporcionar informação, cultura e saberes diversificados para os alunos. Nada mais apropriado então do que se tratar de saúde alimentar também dentro deste contexto e é aqui que o papel do nutricionista reveste-se de especial importância ao procurar formas de articular cardápios ao gosto das crianças e adolescentes, evitando que estes cedam aos lanches industrializados ou às frituras sem nenhum valor nutricional. As atividades educativas em nutrição têm espaço próprio nas escolas quando se fala em promoção da saúde e na possibilidade de virem a ser produtoras de conhecimento, aproveitando-se do espaço criado pelo Programa de Alimentação Escolar para refletir, analisar e discutir como esse programa pode ajudar a melhorar o nível de informação, transformando hábitos familiares que não se traduzem em saúde e substituindo-os por outros mais saudáveis. No entanto, para que tal acontecimento se converta em realidade, há a necessidade de um diálogo permanente entre a escola, os profissionais envolvidos na questão alimentar e a família, pois quaisquer atividades que pretendam sucesso devem ser planejadas tendo em foco esse trio. De acordo com o documento do Conselho Federal de Nutrição sobre o "Panorama da Alimentação Escolar", A alimentação escolar tem características de assistência nutricional, desde que ofereça alimentos adequados em quantidade e qualidade, para satisfazer às necessidades nutricionais do escolar, no período do dia em que permanece na escola. (Mas também,) por ser servida na escola, adquire características de ferramenta educativa, que pode e deve ser utilizada para os fins maiores da educação, [...] habilitando o aluno a intervir na própria realidade (Conselho Federal de Nutrição, 1995). Desse modo, o PNAE (programa nacional de alimentação escolar) pode ser considerado também um instrumento pedagógico, não apenas por fornecer uma parte dos nutrientes que o escolar necessita diariamente, mas também por se constituir em espaço educativo melhor explorado, quando, por exemplo, estimula a integração de temas relativos à nutrição ao currículo escolar. Entretanto, há algumas considerações importantes a ser feitas sobre esse assunto se o objetivo é alcançar o sucesso. O material humano que está envolvido no processo é a ferramenta mais importante e para que disso resultem mudanças concretas, é preciso ter em mente que as primeiras mudanças devem acontecer no corpo técnico, ou seja, professores, funcionários e profissionais de saúde assumindo-se como modelos coerentes com o discurso propagado. Dentro desse contexto,
escola e comunidade devem manter uma relação saudável de aproximação, promovendo ações de saúde diariamente dentro e fora da escola, integrando a cantina e também os ambientes próximos à escola que oferecem alimentação. 4 PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO EM NUTRIÇÃO NO ESPAÇO ESCOLAR Quando Jacques Delors apontou em seu relatório Educação um tesouro a descobrir a importância de se aprender, e dentro disso, aprender a ser, pode-se claramente perceber que a tarefa educativa é muito ampla e não é atribuição exclusiva de uns ou outros. No assunto em pauta, educar também se aplica aos profissionais envolvidos na merenda escolar, que têm a responsabilidade de compreender todo esse processo e a quem se destina. É esse conhecimento que vai possibilitar um sentido de comprometimento com o trabalho a ser feito, permitindo que se criem novas estratégias para intervenções mais oportunas e criativas na resolução dos problemas diários e nas quais se apliquem habilidades e experiências em ações interativas com a população escolar. Por meio de processos interativos, quando se compartilham diferentes estratégias desenvolvidas por professores, nutricionistas, merendeiras e demais funcionários da escola para o enfrentamento das rotinas ou das dificuldades cotidianas, constrói-se o ambiente que, segundo Roschke (apud Costa): [...] amplia lãs possibilidades de aprender a partir del outro, de incentivar procesos colaborativos de desarrollo e de lograr conocimiento significativo em el trabajo. [...] La escessiva normatización, la única respuesta, la poca valorización del pensamiento divergente pueden llevar a la desmotivación del personal de salud, a la rigidez em los procedimientos y a la poca receptividad para propuestas del cambio. As atividades práticas executadas no serviço de alimentação escolar podem e devem ser objeto das atividades pedagógicas executadas pelos professores e intermediadas pelo nutricionista. O que Roschke afirma alerta-nos para a necessidade de transformar o relacionamento entre a merendeira e os demais funcionários da escola, no sentido de aceitar que se pode aprender com os erros, numa atmosfera de confiança que permita a tolerância com as formas diferentes de cada um atuar e a flexibilidade para as mudanças das práticas necessárias.
5 CONCLUSÃO Por todas as situações aqui expostas, entende-se que criar um ambiente favorável à aprendizagem, enquanto um processo social e permanente, para que todos aqueles que exercem suas atividades no cenário escolar possam conduzir sua alimentação em busca de uma vida mais saudável, cientes dos condicionantes de suas práticas alimentares, é uma forma de desenvolver os recursos sociais e pessoais necessários para alcançar o estado de bem-estar. Esta é a mais relevante contribuição que o Programa de Alimentação Escolar e os profissionais envolvidos podem dar para promover a saúde da comunidade escolar e de seus familiares. Nutricionistas e merendeiros tem aí a oportunidade de desenvolver outros papéis além daquele de administrador de refeições ou daquele que suaviza o efeito da pobreza sobre a população carente, como se fosse essa a única função dos programas de suplementação alimentar. Desenvolvendo seu potencial como educadores em nutrição, devem estar presentes na transformação do espaço da merenda escolar em um ambiente de promoção da saúde e de aprendizagem, considerando que a alimentação saudável se inclui nos requisitos definidos pela Organização Panamericana de Saúde e da Organização Mundial de Saúde para a escola. Explorando, no serviço de alimentação escolar, situações que permitam adquirir conhecimentos significativos a partir da experiência cotidiana, o nutricionista dá condições para, onde quem atua também ensina e aprende, num empenho conjunto na busca por melhores condições de saúde. 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: CONSELHO FEDERAL DE NUTRICIONISTAS. Panorama da alimentação escolar. Brasília, 1995. Ofício CFN n.223/95. STEFANINI, Maria Lúcia Rosa. Merenda escolar: história, evolução e contribuição no atendimento das necessidades nutricionais da criança. Disponível em: < http://www. isaude.sp.gov.br/ teses/ malu97. pdf>. Acesso em 26 mar. 2007. Operação Merenda. Disponível em: < http://www.fisccal.org.br/merenda_hoje_1. > Acesso em 26 mar. 2007. COSTA, Éster de Queiroz. Programa de Alimentação Escolar. Disponível em: < http: //www. scielo.br/ scielo.php?script=sci_arttext&pid=s1415-52732001000300009& >. Acesso em 26 mar. 2007. PEDRAZA, Figueroa Dixis; ANDRADE, Sonia Lúcia L. S. de. Alimentação escolar analisada num contexto de um programa de alimentação e nutrição. Revista Brasileira em Promoção da Saúde. Vol
19, número 003, Universidade de Fortaleza, p. 164-174. Disponível em: < http: // redalyc. Uaemex. Mx./ redalyc /pdf/ 408/ 40819307.pdf >. Acesso em 26 mar.2007.