ENSINO DE LÍNGUA ESPANHOLA PARA SURDOS: CONCEPÇÕES E DESAFIOS DIÁRIOS SPANISH LANGUAGE EDUCATION FOR DEAF: CONCEPTS AND DAILY CHALLENGES

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DELL ISOLA, Regina Lúcia Péret. Aula de português: parâmetros e perspectivas. Belo Horizonte: FALE/ Faculdade de Letras da UFMG, 2013.

Transcrição:

ENSINO DE LÍNGUA ESPANHOLA PARA SURDOS: CONCEPÇÕES E DESAFIOS DIÁRIOS SPANISH LANGUAGE EDUCATION FOR DEAF: CONCEPTS AND DAILY CHALLENGES Marília Silva Dias 1, Queila Pahim Kodama 2 RESUMO: O objetivo de elaboração deste artigo é discutir acerca do processo de ensino-aprendizagem de língua espanhola para alunos surdos e o objetivo de pesquisa é verificar se a surdez é um obstáculo nesse processo e se as práticas de letramento que envolvem esses alunos condizem com a conduta e identidade surdas. A principal contribuição desta pesquisa busca favorecer a construção de novas práticas de ensino que insiram o aluno surdo, ativamente, nas aulas de língua espanhola por meio da valorização da cultura. A pesquisa é qualitativa e foi desenvolvida por meio de observações das aulas de espanhol, na modalidade do Ensino Médio, em uma escola da rede pública da cidade de Aracaju- Sergipe, além da aplicação de questionários a todos os sujeitos participantes deste processo (professora, alunos surdos e intérpretes) e uma atividade extraclasse. Os resultados já apontam para o emprego da multimodalidade, em especial, as baseadas no uso das imagens como ferramenta de ensino, a fim de tentar diminuir as disparidades em que a educação de surdos se insere. Palavras-chave: Surdos. Cultura. Língua Espanhola. Ensino. Multimodalidade. ABSTRACT: The aim of this paper is to discuss about the Spanish language teaching-learning process for deaf students. The research goal is to verify that deafness is an obstacle in this process and if the literacy practices involving these students matches with the conduct and deaf identity. The main contribution of this research seeks to encourage the construction of new teaching practices that insert the deaf student actively in the Spanish language classes through the appreciation of culture. The research is qualitative and was developed through observations of Spanish classes in a high school, in a public school of the Aracaju city, state of Sergipe, Brazil. Beyond the questionnaires applied to all participants of this process (teacher, deaf students and interpreters) and an extracurricular activity was used. The results already point to the use of multimodality in particular those based on the use of images as a teaching tool in order to try to reduce the disparities in the deaf education falls. Key words: Deafs. Culture. Spanish Language. Teaching. Multimodality. 1 Mestra em Letras, IFS, mariliasdias@hotmail.com 2 Mestra em Turismo, IFB quepahim@gmail.com 87

Marília Silva Dias, Queila Pahim Kodama. ENSINO DE LÍNGUA ESPANHOLA PARA SURDOS: CONCEPÇÕES E DESAFIOS DIÁRIOS INTRODUÇÃO Ensinar uma criança surda a ler, escrever e, sobretudo, compreender o mundo que a cerca através da interação não é tarefa fácil quando pensamos no contexto escolar atual: professores totalmente despreparados para lidar com este público, uma sala de aula composta pela esmagadora maioria de ouvintes, intérpretes (quando há) atuando como meros tradutores, um projeto político pedagógico (PPP) que não contempla a participação ativa dos surdos nas atividades escolares, além da falta de uma política governamental voltada para a inclusão efetiva dos surdos nas escolas. Neste cenário, o trabalho de ensino-aprendizagem de alunos com surdez, matriculados em escola regular, enfrenta alguns obstáculos. O primeiro, corresponde ao processo de alfabetização pelo qual estes alunos são submetidos, por meio da imposição da aprendizagem da língua portuguesa, na modalidade escrita, fortalecendo a falsa ideia de que para um indivíduo ser letrado ele precisa, necessariamente, ser alfabetizado. Rojo (2009) e Tfouni (2010) contrapõem claramente esta questão a qual nós também contrapomos e utilizaremos também das ideias destas autoras. É importante ressaltar que este tipo de aprendizagem desconsidera, completamente, a cultura e identidade surdas, uma vez que a língua de sinais, língua materna dos surdos, não os obriga a serem submetidos a esse processo. Outro obstáculo enfrentado no ensino-aprendizagem de alunos surdos refere-se à falta de preparo da comunidade escolar na educação deste público. A escola matricula, o aluno frequenta, os professores utilizam uma mesma metodologia para alunos surdos e ouvintes, não se oferecem cursos de capacitação para o corpo pedagógico tampouco se questiona isso. O resultado são discursos demasiadamente conhecidos pela sociedade: os surdos não aprendem, eles não entendem o que eu falo, não sei o que eles estão fazendo aqui. Esquece-se de que a grande maioria dos surdos traz também consigo uma bagagem de ações mal executadas desde o seu nascimento. A maioria é filha de pais ouvintes que, muitas vezes, negam-se a aceitar a condição do filho surdo e passam a tratá-lo como ouvinte, desconsiderando as suas necessidades. Com isso, muitos não têm acesso à língua de sinais desde os primeiros anos de vida e são submetidos ao ensino em escolas oralistas ou, muitas vezes, têm a escolarização negligenciada. Todos esses fatores costumam ser desconsiderados pela escola que não os reconhece e mantém-se na formação do conteúdo obrigatório das séries e níveis escolares. Os estudos serão embasados no conceito de letramento(s) abordado (s) por Rojo (2009) e voltados para os letramentos locais ou vernaculares, de maneira a dar conta da heterogeneidade das práticas não valorizadas e, portanto, pouco investigadas (p. 105) assim como na abordagem feita aos multiletramentos que ocorrem na escola e presentes em nossa sociedade os quais apontam para a multiplicidade cultural das populações e a multiplicidade semiótica de constituição dos textos por meio dos quais ela se informa e se comunica (ROJO, 2012, p. 13). Complementando a abordagem de Rojo (2009, 2012), seguiremos os estudos baseando-se nos conceitos de Tfouni (2010) que defendem que os estudos sobre letramentos não se restringem somente àquelas pessoas que adquiriram a escrita, isto é, aos alfabetizados (p. 22), ou seja, o foco dos letramentos vai além, uma vez que se centraliza nas práticas de letramentos nas quais os indivíduos estão inseridos e nos aspectos sócio históricos sob os quais esse processo se realiza. 88

OBJETIVOS Geral - discutir acerca do processo de ensino-aprendizagem de língua espanhola para alunos surdos. Específicos - verificar se a surdez é um obstáculo nesse processo e se as práticas de letramento que envolvem esses alunos condizem com a conduta e identidade surdas. QUESTÕES METODOLÓGICAS SUJEITOS DA PESQUISA A pesquisa foi realizada em uma escola da rede pública estadual de ensino regular de Aracaju SE, localizada na região central da cidade. A escolha por esta escola partiu da verificação da quantidade satisfatória de surdos matriculados e por haver um maior acesso ao desenvolvimento desta pesquisa, visto que uma das autoras lecionou nesta instituição durante dois anos. Essa familiaridade com o ambiente escolar facilitou a contextualização e também o trânsito na instituição. A escola pesquisada conta com 633 alunos, sendo 342 matriculados no Ensino Fundamental e 291 no Ensino Médio. Do total de alunos, 10 são surdos e estão matriculados no Ensino Médio, sendo 5 nas turmas de 1º ano, 3, nas turmas de 2º ano e 2 em uma das turmas do 3º ano, todos no turno vespertino. Esses dados foram obtidos através do site da Secretaria Estadual de Educação, pelo sistema Siga e confirmados pela coordenadora pedagógica da escola. Essa é uma das escolas que mais recebem alunos surdos no Estado, em classes regulares de ensino, especificamente na cidade de Aracaju. Ainda segundo a coordenadora, a grande maioria do público é formada por alunos da classe C, que não trabalham e cuja renda familiar gira em torno de 1 salário mínimo. O Plano Político Pedagógico da escola está atualizado, porém não contempla atividades que envolvam diretamente os alunos com alguma deficiência ou os surdos em atividades com participação ativa destes estudantes. A escola conta com uma sala de recursos, frequentada por alunos que apresentam algum tipo de deficiência intelectual ou surdez. Os recursos disponibilizados nesta sala são um quadro branco, pincel, apagador e 3 computadores com acesso a Internet. Há uma intérprete de Libras como auxiliadora das atividades. Conforme observado, a instituição é bastante organizada tanto na estrutura física quanto na divisão das tarefas bimestrais que envolvem o ensino, assim como na manutenção das suas dependências. Participaram desta pesquisa 5 alunos surdos, a professora de espanhol (só havia 1) e 2 intérpretes. Os dados foram coletados em três momentos: - Observação de algumas aulas, objetivando verificar o processo de ensino-aprendizagem e de letramento dos alunos surdos, já praticados na escola; - A realização de entrevistas informais com todos os sujeitos participantes do projeto; - A aplicação de uma atividade prática que envolvia o uso de imagens. As observações foram realizadas durante o período de um mês. A realização das entrevistas foi desenvolvida ao longo da aplicação da pesquisa, em conversas informais e sempre que aparecia um elemento novo e a aplicação da atividade foi realizada ao final das observações, na sala de recursos, em período contrário ao horário de aula. Num primeiro momento foi realizada uma atividade escrita e num 89

Marília Silva Dias, Queila Pahim Kodama. ENSINO DE LÍNGUA ESPANHOLA PARA SURDOS: CONCEPÇÕES E DESAFIOS DIÁRIOS segundo momento a mesma atividade, porém utilizando o recurso da imagem, a fim de verificar se este método é mais eficaz, uma vez que valoriza a cultura surda. ATIVIDADES EXECUTADAS - Observação das aulas (6) - Realização de entrevistas (professora, alunos surdos e intérpretes). - Aplicação das atividades. - Análise dos dados obtidos, discussão e conclusão. - A imagem utilizada foi: O USO DA IMAGEM COMO PROCESSO MULTIMODAL DE SURDOS Ao abordarmos a educação de surdos precisamos ter em mente as várias facetas da aprendizagem. A noção de cultura, que será mais aprofundada posteriormente, ajuda-nos a entender o processo de construção de significados nesta comunidade. [...] o homem cultural é aquele que se utiliza de instrumentos, elaborados com base em suas necessidades, para mediar a sua relação com o mundo. Os instrumentos (...) podem corresponder, em nossos dias, do mais simples objeto até a mais sofisticada linguagem virtual. Em outras palavras: a cultura pode ser expressa pelas normas de comportamento (usos e costumes) e por símbolos compartilhados (SLOMSKI, 2010, p. 55). Isso nos permite dizer que as pessoas que compartilham de uma mesma cultura, compartilham também de uma visão semelhante de mundo, de um mesmo sistema de comunicação e a partir dela estabelecem um sistema linguístico que satisfaz suas necessidades particulares de comunicação. (SLOMSKI, 2012, p. 55). Porém é necessário mencionar que, em tempos de globalização, a cultura se apresenta sob variadas facetas, pressupondo um multiculturalismo presente nos variados grupos sociais. Neste multiculturalismo, respeita-se o direito à preservação de práticas culturais por pessoas que têm diferenças étnicas, linguísticas, religiosas, culturais, sexuais e de aptidões individuais (KELMAN, 2012, p. 54) e ainda que, cada língua, longe de ser algo homogêneo, é composta por variantes socioculturais (BRASIL, 2006, p. 101) as quais interferem diretamente nos modos de comunicação. 90

No caso dos surdos, o canal utilizado para que esta comunicação aconteça deixa o campo do áudio-oral e passa ao viso-espacial, enfatizando novas formas de ler o mundo. Assim é necessário considerar as possíveis diferenças culturais que consequentemente se refletem no processo de letramento desses sujeitos (GESUELI, 2012, p. 178). Analisar se um indivíduo surdo é ou não letrado, do ponto de vista aceitável pela sociedade, envolve o entendimento de multimodalidade, uma vez que o processo de letramento não se resume à capacidade de entender textos verbais, mas o saber em relação aos vários modos de linguagem. Como afirmam as OCEM para línguas estrangeiras, a multimodalidade requer outras habilidades de leitura, interpretação e comunicação, diferentes das tradicionais ensinadas na escola (BRASIL, 2006, p. 97) e pode ser entendida como: a co presença de vários modos de linguagem sendo que os modos interagem na construção dos significados da comunicação social (...) os modos funcionam em conjunto, sendo que cada modo contribui de acordo com a sua capacidade de fazer significados (HEMAIS, 2008, p.1). Desta forma, é necessário enfatizar aspectos da produção textual de alunos surdos pautados na imagem, na figura e nos possíveis desenhos como repletos de significação e representativos da escrita, nem sempre assim interpretados pela cultura letrada (GESUELI, 2012, p. 178) e, ao mesmo tempo, entender como uma educação pautada na utilização de imagens reconstrói os significados e dá ao surdo a possibilidade de sentido das práticas culturais que envolvem a educação de surdos e ouvintes. RESULTADOS E DISCUSSÃO Discussões acerca da educação de surdos vêm sendo aprofundadas ao longo da história. O uso da língua de sinais, no espaço escolar, torna-se cada vez mais aceitável e, com isso, vem proporcionando à comunidade surda possibilidades de maior interação e participação na vida acadêmica e social. Porém, o ensino da língua portuguesa como segunda língua, ainda é foco de debates e discursos carregados de contradição. Por um lado, os surdos devem utilizar-se da sua língua natural, a Libras (Língua Brasileira de Sinais), como meio de outorgar-lhes o direito a uma participação ativa no meio social. Por outro, muitas escolas ainda se negam à aceitação desta língua em prol de uma educação estritamente restrita ao ensino escrito da língua portuguesa e que, muitas vezes, insistem em impô-la como primeira língua. A grande dificuldade de aprendizado da língua portuguesa pela comunidade surda, parte do pressuposto de que ela não é a língua natural dos surdos e que sua aprendizagem acontece fora do contexto de significação para estes indivíduos. A proposta bilíngue defendida pela comunidade surda, muitas vezes, não é contemplada, uma vez que os professores não estão capacitados para o uso da língua de sinais, sendo, portanto, imprescindível a presença do intérprete, em sala de aula. A construção dos sentidos para a comunidade surda precisa estar voltada para as variadas formas em que a cultura se apresenta, considerando sempre o espaço gesto-visual como fator determinante desta construção. Abordar o ensino neste contexto é o mesmo que proporcionar aos surdos a possibilidade de integração e pertinência a uma sociedade a qual ele também faz parte. O primeiro passo nesta construção, passa pela escola, principal agência de aquisição, ampliação e transformação do 91

Marília Silva Dias, Queila Pahim Kodama. ENSINO DE LÍNGUA ESPANHOLA PARA SURDOS: CONCEPÇÕES E DESAFIOS DIÁRIOS conhecimento. É através do contato com o outro que o conhecimento se forma, a partir do momento em que se possam discutir hábitos, posicionamentos, relações. Fatores relacionados ao letramento de alunos surdos, perpassam fronteiras além do ensino. As relações socioculturais presentes no ambiente escolar interferem diretamente neste processo e o modo como o ensino se apresenta para esta comunidade também se reflete no letramento destes alunos. Percebemos nessa pesquisa que o uso da imagem foi de fundamental importância para o ensino-aprendizagem e letramento dos alunos com surdez. Na atividade aplicada sem o uso desse recurso, foi perceptível que os alunos não entenderam a proposta ou tiveram entendimento comprometido. CONCLUSÕES O ensino voltado para a multimodalidade aponta para as práticas discursivas que terminam por influenciar na formação das identidades e que proporcionam aos surdos o desenvolvimento de suas capacidades, possibilitando-lhes desenvolver técnicas e habilidades que lhe confira algum sentido, mas que pouco se apresentam nas escolas, como um todo. Assim, a introdução do uso de imagens na educação de alunos com surdez é de fundamental importância para que o processo de ensinoaprendizagem e de letramento desses alunos aconteça e que se possa falar em inclusão, de fato, e não apenas em inserção, uma vez que a escola precisa localizar uma forma de não só inserir estes alunos como também de incluí-los no processo educativo ao qual lhe compete, buscando resguardar-lhes as condições necessárias de construção do saber, respeitando a sua diferença e principalmente, a sua cultura e identidade. Essa pesquisa foi de fundamental importância para a percepção do início das práticas de letramento e para o método de ensino que envolvam imagens e como isso interfere, diretamente, na educação desses alunos. Enfatizamos que os desafios são diários e inacabados, mas que, sobretudo, requerem atenção, habilidade, capacitação de todos os sujeitos participantes desse processo e que acabam por exigir mudanças significativas nas metodologias aplicadas em sala de aula. Enfatizamos ainda que, embora tenhamos concluído essa pesquisa, os estudos que envolvem alunos surdos não são conclusos e requerem posteriores discussões. REFERÊNCIAS BRASIL, Ministério da Educação. Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, Linguagem, códigos e suas tecnologias. Secretaria de Educação Básica. Brasília: 2006 CANETA COLORIDA. Charge. Disponível em: http://canetacolorida.arteblog.com.br, acessado em 25/02/15 ESPANHOLITOS. Charge. Disponível em: http://espanholitos.tumblr.com/post/33564449017/wedding, acessado em 25-02-15 FERNANDES, Eulalia (Org.), CORREIA, Claudio Manoel de Carvalho. Bilinguismo e surdez: a evolução dos conceitos no domínio da linguagem. In: LODI, Ana Cláudia Balieiro, MÉLO, Ana Doriziat de, FERNANDES, Eulalia (Orgs.). Letramento, Bilinguismo e Educação de Surdos. Porto Alegre: Mediação, 2012, p. 201-224. 92

GESUELI, Zilda Maria. A escrita como fenômeno visual nas práticas discursivas de alunos surdos, In: LODI, Ana Cláudia Balieiro, MÉLO, Ana Doriziat de, FERNANDES, Eulalia (Orgs.). Letramento, Bilinguismo e Educação de Surdos. Porto Alegre: Mediação, 2012, p. 173-186. KELMAN, Celeste Azulay. Multiculturalismo e surdez: respeito às culturas minoritárias. In: LODI, Ana Cláudia Balieiro, MÉLO, Ana Doriziat de, FERNANDES, Eulalia (Orgs.). Letramento, Bilinguismo e Educação de Surdos. Porto Alegre: Mediação, 2012, p. 49-70. MINAS GERAIS, Governo de. Imagem. Disponível em: http://pjf.mg.gov.br, acessado em 26/02/15 ROJO, Roxane. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. (Org.). Protótipos didáticos para os multiletramentos. In: ROJO, Roxane, MOURA, Eduardo (Orgs.), Multiletramentos na escola. São Paulo:Parábola Editorial, 2012. SLOMSKI, Vilma Geni. Educação bilíngue para surdos: concepções e implicações práticas. 1ª ed. 2010, 2ª reimpr./ Curitiba: Juruá, 2012. TFOUNI, Leda Verdiani. Letramento e Alfabetização. 9ª ed., São Paulo: Cortez, 2010. 93