PASCALE MOLINIER E A PSICODINÂMICA DO TRABALHO FEMININO

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Transcrição:

PASCALE MOLINIER E A PSICODINÂMICA DO TRABALHO FEMININO Daniele Fontoura da Silva Leal 1 Carla Sabrina Xavier Antloga 2 Marina Maia do Carmo 3 Resumo: A Psicodinâmica do Trabalho está diretamente ligada a vivencia do trabalhador no seu processo laboral. Christophe Dejours, criador da teoria, observou, a partir da análise das psicopatologias surgidas em decorrência do trabalho, que existia muito mais do que uma atividade sendo desenvolvia, existia também um sujeito e sua subjetividade implicados no processo. A partir da teoria criada por Dejours, a psicóloga francesa Pascale Molinier desenvolveu seus estudos trazendo o componente do gênero para ser analisado na perspectiva da Psicodinâmica do Trabalho e evidenciando através do trabalho de cuidar, antes invisibilizado, a forma desigual com a qual homens e mulheres são relegados aos papeis de gênero no mundo do trabalho. Desta forma, podemos compreender vários fatores que originam a divisão sexual do trabalho e como ela se estrutura na sociedade. Palavras-chave: Psicodinâmica do Trabalho Feminino, Divisão Sexual do Trabalho, Pascale Molinier. Introdução A psicodinâmica do trabalho, antes concebida como Psicopatologia do Trabalho, é uma abordagem científica, desenvolvida nos anos 90 na França por Christophe Dejours e que analisa o papel do trabalhador na relação saúde-adoecimento desvelada nas vivências de prazer ou sofrimento, ou nas patologias relacionadas ao trabalho, por meio da organização do trabalho, da cultura organizacional, do cotidiano de trabalho. Sob esta ótica, o trabalho pode tanto ser fonte de sofrimento psíquico como de saúde mental e ainda segundo os autores, é pressuposto da psicodinâmica do trabalho que o trabalho é estruturador do ser humano, pois permite a construção da identidade por meio do reconhecimento social e pela gratificação simbólica do engajamento no trabalho (SANTOS-JÚNIOR, MENDES & ARAÚJO, 2009, p. 614). 1 Mestranda em Saúde Mental e Gênero pela Universidade de Brasília UnB Brasília/DF, Brasil. 2 Professora Doutora da Universidade de Brasília UnB Brasília/DF, Brasil 3 Mestre pela Universidade de Brasília UnB Brasília/DF, Brasil 1

Evolução Histórica e Conceitual da Teoria O percurso da Psicodinâmica do Trabalho pode ser dividido em três fases que se encontram articuladas e complementares entre si, ao mesmo tempo que são delimitadas por publicações específicas do seu criador Cristophe Dejours. (MENDES, 2007, p. 19) conforme resumo abaixo: FASE 1: Sofrimento e Estratégias de Defesa O marco inicial desta fase é o lançamento da obra clássica A Loucura do Trabalho (1980), nela Dejours analisa a psicopatologia do trabalho associada aos inúmeros adoecimentos centrada na origem do sofrimento no confronto sujeito trabalhador/organização do trabalho e estratégias defensivas. As condições de trabalho na época eram marcadas pelo modelo Taylorista, percebia-se o sofrimento do trabalhador e buscava-se a compreensão das estratégias para lidar com ele. Desta primeira fase, destacam-se os seguintes conceitos: O Sofrimento O sofrimento surge quando não é mais possível para o sujeito a negociação com a realidade imposta pela organização do trabalho, quando há impedimento ao uso da inteligência prática e subversão do prescrito. Desta forma, este sofrer desempenha um papel fundamental na articulação saúde/patologia, considerando-se como saudável o enfrentamento e a articulação das estratégias a fim da transformação desse sofrimento em algo novo, quase sempre subvertendo a lógica imposta pelo mecanicismo do trabalho. Porém, nem sempre o sucesso é alcançado na tentativa de subversão do modo de produção, nesse momento surge a patologia, que é definida naquele momento como uma espécie de falha nos modos de enfrentamento, fazendo com que o desejo da produção vença o desejo dos sujeitos trabalhadores. Seguindo essa lógica de precarização do individual, surge a desestruturação do coletivo, a solidão, o sentimento de desamparo e captura pelo desejo da produção e favorecimento da exploração. Seguindo o raciocínio, o sentir e agir do trabalhador uma vez submissos ao desejo de produção acabam levando à Adaptação e a Exploração, enquanto a articulação entre 2

o desejo perverso da organização e o comportamento neurótico dos trabalhadores, inevitavelmente levará ao adoecimento, ao individualismo e a passividade. Estratégias de Defesa Buscando um escudo contra o sofrimento e a precarização do indivíduo, as estratégias de defesa são construídas por um coletivo que se organiza e, de certa forma, estabelece uma espécie de regras que serão seguidas por todos os que desejam essa proteção. Tais estratégias são específicas de diferentes categorias profissionais e a proteção age em diferentes instancias do indivíduo, ou seja, determinados modos de pensar, sentir e agir que sejam compensatórios e podem passar pela racionalização, pela alienação ou podem esgotar-se com o tempo, levando a precarização ainda maior da Organização do Trabalho. Uma vez que nenhuma mudança é empreendida, a consequência é o adoecimento. Ideologia Defensiva Segundo Dejours (1980), a Ideologia Defensiva se constrói com fins de defesa dos trabalhadores frente ao sofrimento gerado pelo trabalho e tem por objetivos principais: mascarar, conter e ocultar ansiedades; específica de grupo social particular; Luta contra risco e perigos reais; Coletivamente elaborada e alimentada; Participação de todos os interessados no encobrimento do sofrimento; Substituição de mecanismos defensivos individuais. É interessante também observar que se um trabalhador não estiver interessado em ocultar o sofrimento, dentro dessa organização subjetiva, rapidamente ele é excluído ou levado a se excluir. FASE 2: do sofrimento ao prazer Esta segunda fase é o início da criação e construção da Psicodinâmica do Trabalho como abordagem teórica. As duas obras marcantes desta fase são os livros: Da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho (1993) e O fator humano (1995). A teoria enfoca então as vivências de prazer e sofrimento como dialéticas e inerentes a todo trabalho; o papel da liberdade na transformação do sofrimento em prazer e 3

estuda ações sensíveis para modificar o destino do sofrimento ao invés de tentar suprimi-lo. O Sofrimento e defesas individuais e coletivas, outrora mencionados, já não são mais adoecimentos em si, mas sim portas para a saúde. São analisados os seguintes aspectos: Mobilização Subjetiva De acordo com Mendes e Morrone (2002), a mobilização subjetiva é o uso dos recursos psicológicos do trabalhador que permite a ressignificação das situações geradoras de sofrimento em situações de prazer, sendo central para o trabalhador o investimento físico e sócio psíquico. O processo de engajamento psíquico é viabilizado pelo uso da subjetividade e a inteligência prática articulados com o coletivo de trabalho. Para tanto, é necessário que haja um espaço de discussão sobre o trabalho. Todo esse processo permite a ressignificação do sofrimento e a reapropriação do trabalho, além do resgate do sentido do trabalho. Coletivo de Trabalho É o suporte proporcionado do coletivo para o individual, no qual geralmente mobilizam nos indivíduos: solidariedade entre os pares, confiança, cooperação, espaço público de fala, promessa de equidade quanto ao julgamento do outro. Todos esses fatores possibilitam que apareça a dinâmica do reconhecimento. Por sua vez, o que se entende por reconhecimento implica: Valorização do esforço e do sofrimento investido para a realização do trabalho; Possibilita ao sujeito a construção da sua identidade; Vivência de prazer e realização de si mesmo; Mobilização política e condições para construir e modificar a realidade; Negociação diante de múltiplos interesses e divergências; Processo de retribuição simbólica; Relaciona-se diretamente com o poder do trabalhador (capacidade de negociar e influir no coletivo de trabalho). Poder do Trabalhador Por sua vez, o Poder do Trabalhador estrutura o processo de interação e interdependência mútua; é o centro da cooperação humana no trabalho; Ação para construção ou manutenção do poder; Possibilidade de negociação, pressão, 4

apropriação ou rejeição das regras do coletivo de trabalho; Processo por meio do qual a integridade do trabalhador depende da mobilização de condições políticas capazes de leva-lo ao reconhecimento no trabalho; Conversão de sofrimento em prazer. FASE 3: Novas formas de organização do trabalho e patologias sociais A terceira fase se inicia no final dos anos 1990 e se estende até os dias atuais, tem nos livros A banalização da injustiça social (1998) e Avaliação de desempenho submetida à prova do real: Consolidação dos estudos (2003) a consolidação da teoria da Psicodinâmica do Trabalho e trazem o foco na subjetivação das vivências, sentido que assumem e estratégias de defesas coletivas e de cooperação, bem como nas patologias sociais. Os temas abordados são: Novas formas de organização do trabalho exercendo dominação muito mais sutil e sofisticada; Precarização dos empregos; Sofrimento ético; Banalização do sofrimento e da injustiça social; Contradições dos objetivos e das regras e dos controles; Exigências invisíveis, ameaças de desemprego, desestabilização do coletivo de trabalho; Avaliação de desempenho individual, exigências coletivas. Além disso, destacam-se os temas abaixo: Prazer, Inteligência prática e Cooperação PRAZER: traz consigo a noção de identidade, e sentimentos como os de realização, reconhecimento, liberdade. O Trabalhador aparece como sujeito da ação e criador de estratégias de dominação do trabalho e não dominado por ele. Nesse sentido, admitese um prazer possível mesmo em contextos precarizados. INTELIGÊNCIA PRÁTICA: Inicialmente denominada inteligência astuciosa, tem raiz no corpo, na percepção e na intuição e fundamenta-se em ruptura de regras: é transgressora. Reconhece a hierarquia por meio do julgamento de utilidade e dos pares. Existe um espaço público de fala não instituído, mas sim conquistado e reconhecido pelo sujeito. 5

COOPERAÇÃO: Construção conjunta e coordenada para produção de ideia, serviço ou produto com base na confiança e solidariedade como convergência das contribuições dos trabalhadores que estabelecem entre si relações de interdependência ao mesmo tempo que estimulam um movimento de valorização e reconhecimento da marca pessoal e do esforço individual em prol do coletivo. Psicodinâmica do Trabalho Pode-se dizer que a da Psicodinâmica do Trabalho é uma ciência aplicada com teoria, pesquisa e intervenção próprios para a organização do trabalho e tem como objeto, de acordo com Mendes (2007) o estudo das relações dinâmicas entre organização do trabalho e subjetivação que se manifestam nas vivencias de prazer-sofrimento, nas estratégias de ação para mediar contradições da organização do trabalho, nas patologias sociais, na saúde e no adoecimento (p. 16). E por isso, as contribuições da psicodinâmica do trabalho, enquanto referencial teórico-metodológico, são significativas, pois auxiliam os pesquisadores na condução de estudos sobre patologias, doenças ocupacionais, violência no trabalho e dá subsídios para novas práticas de gestão de pessoas, permitindo assim, um novo olhar sobre o homem e seu trabalho. A partir de todos os conceitos estudados pela Psicodinâmica do Trabalho durante toda a sua evolução histórica e sempre na tentativa de entender a importância que o trabalho ocupa na vida psíquica, física e social do sujeito, Dejours (2011) propõe a existência de três poderes principais: Sem produção, sem fabrico, noutros termos, sem trabalho, a inteligência e a criatividade humanas não seriam mais do que hipóteses. Estes dois poderes do trabalho ordenamento do mundo e objetivação da inteligência são tradicionalmente reconhecidos pelas ciências humanas. Quanto à revista Travailler esforçar-se-á por dar um lugar de eleição a um outro poder do trabalho que a tradição não considera senão com circunspecção: o poder de fazer advir o sujeito. Trabalhar, não é somente produzir ou fabricar, não é apenas transformar o mundo, é também transformar-se a si próprio, produzir-se a si mesmo. Noutros termos, é através do trabalho que o sujeito se forma ou se transforma revelando-se a si próprio de tal forma que depois do trabalho ele já não é completamente o mesmo do que antes de o ter empreendido. Assim, trabalhar participa num processo de subjetivização ao qual o clínico, preocupado com a saúde mental, dedica mais atenção ainda do que ao processo de objetivação. (DEJOURS, 2011, p. 77). 6

Transformar o mundo Objetivar a inteligência Transformar o sujeito Figura 1. Esquema dos três poderes principais do trabalho segundo Christophe Dejours Mesmo que a Psicodinâmica do Trabalho tenha começado com análise de patologias, sua evolução nos permite entender que o trabalho em si é algo que mobiliza o sujeito de tal forma a implicar sua subjetividade ao mesmo tempo que a transforma enquanto se envolve no processo de trabalhar. Ainda assim, conforme observa a Psicóloga Pascale Molinier, a Psicodinâmica não contemplou a questão do gênero, e suas contribuições, como veremos a seguir, seguem problematizando a divisão sexual do trabalho na contemporaneidade. Contribuições de Pascale Molinier Pascale Molinier é Psicóloga, Professora de Psicologia Social na Universidade Paris 13 Villetaneuse e integra a diretoria do Instituto do Gênero, criado em 2012, pelo Centre National de la Recherche Scientifique (SNRS), membro do comitê editorial da revista Cahiers du Genre. Suas pesquisas focalizam as formas de subjetivação em relação ao trabalho de uma perspectiva de gênero, mas estuda igualmente a psicologia moral e a epistemologia feminista, nas áreas de Psicodinâmica e Psicopatologia do Trabalho; Construção Social e Relações Sociais na Divisão Sexual do Trabalho e o Sofrimento no Trabalho (MOLINIER in MOLINIER, 2013). A Psicodinâmica do Trabalho, a partir da perspectiva da autora, pode ser definida como a análise dos processos psíquicos, incluindo fenômenos nomeados como felicidade, adoecimento e sofrimento, que surgem da relação entre o sujeito e as restrições do trabalho numa dinâmica de ação e reação na sua constituição subjetiva, bem como as estratégias desenvolvidas pelo sujeito para lidar com estas restrições (MOLINIER, 2003, p.43). Ela afirma que a Psicodinâmica assume como ponto 7

central a investigação dos conflitos que surgem do encontro de um sujeito singular, e uma situação de trabalho cujas características são, em grande parte, fixadas independentemente de sua vontade (MOLINIER, 2008, p.7). A autora também dedica parte importante do seu trabalho à relação entre Psicodinâmica do Trabalho e a relação social entre os sexos, trazendo uma reflexão muito importante na contemporaneidade: a ideia de que o trabalho é sexuado e, por isso, o sofrimento e o prazer são igualmente marcados por essa condição, pois, quando do surgimento das teorias acerca da psicodinâmica do trabalho, as situações vividas pelas mulheres ainda não eram consideradas (MOLINIER, 2013, p. 253). As relações sociais entre os sexos também remetem a relações hierárquicas entre os grupos sociais de homens e de mulheres, que, a partir da forma como estas relações se estabelecem, se estabelece uma constante tensão em torno do trabalho e suas divisões. Portanto, para a autora, as diferenças constatadas entre as práticas dos homens e das mulheres são socialmente construídas. A relação social de sexo é uma tensão que estrutura e perpassa o conjunto do campo social e fundamenta alguns fenômenos sociais em torno dos quais se constituem grupos e interesses antagônicos. A relação social de sexo repousa inicialmente em relações hierárquicas entre o trupo social dos homens e o grupo social das mulheres. Esses grupos estão em constante tensão em torno de um ponto central: o trabalho e suas divisões. (MOLINIER, 2013, apud KERGOA, 2001 p. 255). Pascale Molinier realizou suas investigações acerca do trabalho na tarefa de cuidar em seu trabalho intitulado A dimensão do cuidar no trabalho hospitalar: abordagem psicodinâmica do trabalho de enfermagem e dos serviços de manutenção publicado no Brasil em 2008, onde analisou o trabalho implicado no cuidado de pacientes, junto à enfermagem e às chefias de serviços técnicos. No referido trabalho, foi constatado que cuidar não repousa apenas na boa vontade ou na grandeza da alma, mas pressupõe condições organizacionais concretas (MOLINIER, 2008, p. 6), ou seja, para além da construção social que liga mulheres aos aspectos de cuidado e humanização, existe uma organização de trabalho que é alicerçada nos padrões conhecidos, mas que relega homens e mulheres a lugares diferentes. Além disso, seu trabalho foi pioneiro na França sobre a teoria do cuidado (care). Ela afirma que a divisão sexual do trabalho dispõe as mulheres em condição de desvantagem em relação aos homens, pois o trabalho não é dado nas mesmas condições para um e outro, nem tão pouco a possibilidade de acesso é dada da mesma maneira para homens e mulheres, assim, segundo Pascale o gênero traz consigo uma lógica segundo a qual os homens são 8

reconhecidos como homens pelo que fazem, enquanto as mulheres são reconhecidas como mulheres pelo que são (MOLINIER, 2013, apud VARIKAS, 2005 p. 259). Dentre as suas principais obras estão os títulos: Psicodinâmica do trabalho e relações sociais de sexo. Um itinerário interdisciplinar 1988-2002 (2004); O ódio e o amor, caixa preta do feminismo? Uma crítica da ética do devotamento (2004); Cuidado, Interseccionalidade e Feminismo (2014), Descompartimentar a noção de Cuidado (2015). A obra de Pascale Molinier claramente aponta para a necessidade de discussão sobre o trabalho e gênero, bem como para a ampliação de pesquisas sobre o tema dentro das diversas áreas de trabalho que alcance a maior diversidade de identidades femininas e classe social. Considerações Finais Pascale Molinier, a partir da psicodinâmica do trabalho, considera a especificidade do trabalho feminino de forma que sua área de pesquisa traz contribuições muito importantes para compreensão das relações sociais de sexo no trabalho e lançar luz sobre as desigualdades que resistem até os dias atuais. Considerando o exposto, as contribuições de Pascale Molinier possibilitam: aprofundamento teórico da Psicodinâmica do Trabalho; discussão de questões relacionadas à Psicodinâmica do Trabalho e gênero; e ressignificação da realidade. Referências DEJOURS, C. Trabalhar não é derrogar. Porto: Laboreal, 2011. 7, (1), 76-80. MENDES, A. M. Da Psicodinâmica à Psicopatologia do Trabalho. In: Psicodinâmica do Trabalho: Teoria, Método e Pesquisa. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007. 16-30. MENDES, A, M, & MORRONE, C. F. Vivências de prazer-sofrimento e saúde psíquica no trabalho: trajetória conceitual e empírica. In: Mendes, A. M., Borges, L. O. & Ferreira, M. C. (Orgs.). Trabalho em transição, saúde em risco. Brasília: Finatec, Editora UnB, 2002. 25-42. 9

MOLINIER, P. Sujeito e subjetividade: questões metodológicas em psicodinâmica do trabalho. Rev. Fisioter. Univ., São Paulo, v. 14, n. 1, jan./abr., 2003, p. 43-7. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rto/article/view/13914/15732>. acesso em: 01/07/2017. MOLINIER, P. A dimensão do cuidar no trabalho hospitalar: abordagem psicodinâmica do trabalho de enfermagem e dos serviços de manutenção. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 33(118), 2008, 06-16. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s0303-76572008000200002>. Acesso em: 01/07/2017. MOLINIER, P. O trabalho e a psique. Uma introdução à Psicodinâmica do trabalho. São Paulo: Paralelo 15, 2013. SANTOS-JÚNIOR, A. V., MENDES, A. M. & ARAÚJO, L. K. R. Experiência em Clínica do trabalho com bancários adoecidos por LER/ DORT. Revista Psicologia Ciência e Profissão, Brasília: 29(3), setembro, 2009. 614-625. Pascale Molinier and the psychodynamics of female work Abstract: The Psychodynamics of Work is directly linked to the experience of the worker in his labor process. Christophe Dejours, creator of theory, observed from the analysis of psychopathologies arising from the work that there was much more than an activity being developed, there was also a subject and his subjectivity involved in the process. From the theory created by Dejours, the French psychologist Pascale Molinier developed her studies bringing the gender component to be analyzed in the perspective of the Psychodynamics of Work and showing through the work of caring, the unequal way in which men and women are relegated to Gender roles in the world of work. In this way, we can understand several factors that originate the sexual division of labor and how it is structured in society. Keywords: Psychodynamics of Female's Work. Sexual Labor Division. Pascale Molinier. 10