OS NOVOS NOMES DO RACISMO: ESPECIFICAÇÃO OU INFLAÇÃO CONCEPTUAL?

Documentos relacionados
URBANISMO COMERCIAL EM PORTUGAL E A REVITALIZAÇÃO DO CENTRO DAS CIDADES

MUDANÇA ELEITORAL EM PORTUGAL

COLÉGIO OBJETIVO JÚNIOR

O CASO DE FOZ COA: UM LABORATÓRIO DE ANÁLISE SOCIOPOLÍTICA [Ma ria Edu ar da Gon çal ves (org.), Lis boa, Edi ções 70, 2001]

GASTRONOMIA. Cer ti fi que-se de que está es cre ven do de acor do com o tema pro pos to e dê um tí tu lo a seu tex to.

CRIMES AMBIENTAIS: SURSIS PROCESSUAL, PENAS ALTERNATIVAS E DOSIMETRIA

(Às Co missões de Re la ções Exteriores e Defesa Na ci o nal e Comissão Diretora.)

Li ga de Ami gos do Ce bi

IMIGRAÇÃO E IMIGRANTES EM PORTUGAL Parâmetros de regulação e cenários de exclusão

DESCARACTERIZAÇÃO DO CONTRATO BANCÁRIO ARRENDAMENTO MERCANTIL QUANDO COBRADO ANTECIPADAMENTE O VRG (VALOR RESIDUAL GARANTIDO)

CONTROLO E IDENTIDADE: A NÃO CONFORMIDADE DURANTE A ADOLESCÊNCIA

IMPLICAÇÕES DEMOCRÁTICAS DAS ASSOCIAÇÕES VOLUNTÁRIAS O caso português numa perspectiva comparativa europeia

UM OLHAR SOBRE A EVOLUÇÃO DA EUROPA SOCIAL

AUTOMEDICAÇÃO: ALGUMAS REFLEXÕES SOCIOLÓGICAS

ARTIGOS DO DOSSIÊ: FAMÍLIAS NO CENSO 2001 Karin Wall (org.)

Boa Pro va! INSTRUÇÕES

MODERNIDADES MÚLTIPLAS. S. N. Eisenstadt

A REDEFINIÇÃO DO PAPEL DO ESTADO E AS POLÍTICAS EDUCATIVAS Elementos para pensar a transição

A SERVICIALIZAÇÃO DO TRABALHO Perspectivas e tendências. Paulo Pereira de Almeida

A CONCESSÃO DE LICENÇA-PRÊMIO AOS MAGISTRADOS

Ho je em dia, to do mun do tem ou gos ta ria de ter um ne gó cio pró prio. A

A prática do silêncio

DEONTOLOGIA JURÍDICA E MEIO AMBIENTE*

Correção da fuvest ª fase - Geografia feita pelo Intergraus

METODOLOGIAS DE PESQUISA EMPÍRICA COM CRIANÇAS

Recasamento, divórcio, casamento. O re ca sa men to é o tri un fo da es pe ran ça atra vés da ex pe riên cia (Sa mu el John son, séc.

Norma do valor; norma de atribuição; legitimidade;

DA AÇÃO ACIDENTÁRIA 1 NOTAS INTRODUTÓRIAS A RESPEITO DA EVOLUÇÃO INFORTUNÍSTICA DO TRABALHO NO BRASIL

Boa Pro va! INSTRUÇÕES

Casa, acolhida e libertação para as primeiras comunidades

Medley Forró 4 Tenho Sede Dominguinhos e Anastácia

Correção da fuvest ª fase - Matemática feita pelo Intergraus

A LEI N /98 OS CRIMES HEDIONDOS E DE TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES

PNV 292. Atos das mulheres. Tea Frigerio. São Leopoldo/RS

O PODER DAS REDES OU AS REDES DO PODER Análise estratégica numa organização com intranet

MODALIDADES DE INSERÇÃO PROFISSIONAL DOS QUADROS SUPERIORES NAS EMPRESAS

Av. Tor res de Oli vei ra, 255 Ja gua ré - São Pau lo - SP (11) Rua Pa dre Car va lho, 730 (11) Pi nhei ros - São Pau lo - SP

PLANOS DE ACÇÃO PARA A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E DO CONHECIMENTO Mudança tecnológica e ajustamento estrutural

HABERMAS E A ESFERA PÚBLICA: RECONSTRUINDO A HISTÓRIA DE UMA IDEIA

Identidade, movimento associativo, redes de sociabilidade.

PARTICIPAÇÃO E GOVERNO LOCAL Comparando a descentralização de Montevideu e o orçamento participativo de Porto Alegre

IDENTIDADES JUVENIS E DINÂMICAS DE ESCOLARIDADE

Advento, Natal, Ano-Novo

Esco la, de mo cra cia e a cons tru ção de personalidades mo ra is

O RESTAURANTE NO FIM DO UNIVERSO

AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE AFORADA POR PAI REGISTRAL OU RECONHECIDO JUDICIALMENTE

DESAFIOS À UNIVERSIDADE Comercialização da ciência e recomposição dos saberes académicos

As vicissitudes da formação do cen te em ser vi ço: a pro pos ta re fle xi va em de ba te

PADRÕES DE VIDA DOS ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS NOS PROCESSOS DE TRANSIÇÃO PARA A VIDA ADULTA

VINHO: PRÁTICAS, ELOGIOS, CULTOS E REPRESENTAÇÕES EM QUESTÃO NA SOCIEDADE PORTUGUESA

O PARLAMENTO PORTUGUÊS NA CONSTRUÇÃO DE UMA DEMOCRACIA DIGITAL. Gustavo Cardoso, Carlos Cunha e Susana Nascimento

A ditadura dos papéis sexuais: problematização de um conceito

FRONTEIRAS DA IDENTIDADE O caso dos macaenses em Portugal e em Macau. Francisco Lima da Costa. Introdução

œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ αœ œ œ œ œ œ œ œ Υ Β œ œ œ œ αœ

A IGUALDADE DIFÍCIL Mulheres no mercado de trabalho em Itália e a questão não resolvida da conciliação

Educação e Pesquisa ISSN: Universidade de São Paulo Brasil

CAPITAL SOCIAL: ORIGENS E APLICAÇÕES NA SOCIOLOGIA CONTEMPORÂNEA

Cog ni ção, afetividade e moralidade

A Construção Sociológica da Raça no Brasil 1

RISCO CULTIVADO NO CONSUMO DE NOVAS DROGAS

A ORGANIZAÇÃO NEOTAYLORISTA DO TRABALHO NO FIM DO SÉCULO XX

RELAÇÕES ENTRE MUNDO RURAL E MUNDO URBANO Evolução histórica, situação actual e pistas para o futuro

COASTAL TOURISM, ENVIRONMENT, AND SUSTAINABLE LOCAL DEVELOPMENT

Os Li mi tes do Sen ti do no Ensi no da Matemática

Educação e Pesquisa ISSN: Universidade de São Paulo Brasil

PRESENTES E DESCONHECIDOS Reflexões socioantropológicas acerca do recente fluxo imigratório no concelho de Loures

/ /2015 FOLHETO DE GEOGRAFIA (V.C. E R.V.)

po ra li da de, que ge ne ra li za a afir ma ção fei ta como que de pas - sa gem, du ran te a lei tu ra do tex to agos ti nia no, de que nun ca

PARA UMA CLARIFICAÇÃO DAS POLÍTICAS ECONÓMICA, FINANCEIRA E SOCIAL Um ob ser va tó rio so bre as prá ti cas da ges tão pú bli ca

A História de Alda : ensino, classe, raça e gê ne ro

VESTIBULAR UNICAMP ª FASE - NOVEMBRO/2009

A Situação Bra si le i ra do Aten di men to Pe da gó gi co-educacional Hospitalar

Resolução feita pelo Intergraus! Matemática Aplicada FGV 2010/

Correção da fuvest ª fase - Biologia feita pelo Intergraus

Rio 40 Graus Fernanda Abreu/F.Fawcett/Laufer Û Û Û Û Û Û Û Û Û

EM BUSCA DE UM LUGAR NO MAPA Reflexões sobre políticas culturais em cidades de pequena dimensão

Edu ca ção, ampliação da ci da da nia e par ti ci pa ção

O MIMETISMO EMOCIONAL E A TELEVISÃO. Eleutério Sampaio. Introdução

ARTISTAS EM REDE OU ARTISTAS SEM REDE? Reflexões sobre o teatro em Portugal. Vera Borges. Para uma investigação sobre o teatro

Agenciamentos Políticos da Mistura : Identificação Étnica e Segmentação Negro-Indígena entre os Pankararú e os Xocó

Educação e Pesquisa ISSN: Universidade de São Paulo Brasil

Definição social, mau trato, negligência.

Educação e Pesquisa ISSN: Universidade de São Paulo Brasil

Educação e Pesquisa ISSN: Universidade de São Paulo Brasil

Correção da Unicamp ª fase - Geografia feita pelo Intergraus

CLIVAGENS, CONJUNTURA ECONÓMICA E COMPORTAMENTO ELEITORAL EM PORTUGAL Uma análise das legislativas de 1995 com dados agregados

Cul tu ra e For ma ção Hu ma na no Pensamento de Anto nio Gramsci

Casar ou Não, Eis a Questão. Os Casais e as Mães Solteiras Escravas no Litoral Sul-Fluminense,

FORMAÇÃO, TENDÊNCIAS RECENTES E PERSPECTIVAS DE DESENVOLVIMENTO DA SOCIOLOGIA EM PORTUGAL José Madureira Pinto

UNICAMP 2012 (2ª Fase)

Resolução feita pelo Intergraus! Módulo Objetivo - Matemática FGV 2010/

nelson de oliveira ódio sustenido

Resolução de Matemática da Prova Objetiva FGV Administração

AS SOCIEDADES PERIFÉRICAS NA RECONTEXTUALIZAÇÃO DA ECONOMIA MUNDIAL

VIOLÊNCIA NA ESCOLA: DAS POLÍTICAS AOS QUOTIDIANOS. João Sebastião, Mariana Gaio Alves, Joana Campos

Educação e Pesquisa ISSN: Universidade de São Paulo Brasil

CONSEQUÊNCIAS DO REALISMO NA CONSTRUÇÃO DE TEORIA SOCIOLÓGICA

Transcrição:

ARTIGOS

OS NOVOS NOMES DO RACISMO: ESPECIFICAÇÃO OU INFLAÇÃO CONCEPTUAL? Fernando Luís Machado Resumo Boa parte da vasta produção teórica que a sociologia e outras ciências sociais têm dedicado, nas últimas décadas, à problemática do racismo, especialmente no mundo anglo-saxónico, ao procurar dar conta das mutações de forma e conteúdo que ele sofreu desde as suas primeiras formulações e manifestações práticas, acaba por inflacioná-lo conceptualmente. Neste artigo, em que se analisa esse processo de inflação conceptual, muitas vezes associado a uma extrema ideologização e politização do conceito, tenta fazer-se, ao mesmo tempo, a especificação teórica do racismo, em cada uma daquelas que, consensualmente, se reconhece serem as suas três dimensões constitutivas: ideologia, preconceito e discriminação. Palavras-chave Racismo, ideologia, preconceito, discriminação. Na generalidade dos países da União Europeia, seja nos maiores e mais antigos recep - tores de imigrantes, seja naqueles em que a imigração é mais recente e reduzida, o ra - cismo tem-se mantido, ao longo das duas últimas décadas, na agenda social e política, embora com expressão variável de país para país e com flutuações de intensidade. Em al guns ca sos, há dele si na is bem evi den tes e pe ri go sos, como os ac tos de vi o lên cia con tra imi gran tes per pe tra dos por gru pos as su mi da men te ra cis tas, ou a ex pres são ele i to ral al can ça da por par ti dos que as sen tam o seu dis cur so na hos ti li - da de con tra mi gran tes e mi no ri as. Nou tros, sem as su mir esse grau de vi si bi li da de e gra vi da de, o ra cis mo não de i xa de ter uma ex pres são so ci al di fu sa, tal como a dão a per ce ber ati tu des de pre con ce i to e re je i ção de al guns seg men tos das po pu la ções au tóc to nes, re ve la das por es tu dos e son da gens de opi nião, ou epi só di os mais ou me nos lo ca li za dos de dis cri mi na ção ra ci al em di fe ren tes do mí ni os da vida quo ti di a na. Sen do um fe nó me no de di fí cil de li mi ta ção e es tu do, a pró pria im pre ci sãoe elas ti ci da de de mu i tas de fi ni ções que dele vêm sen do da das con tri bu em para di fi - cul tar a sua ob jec ti va ção, e para fa ci li tar a sua já de si fá cil ide o lo gi za ção e pol i ti za - ção. Não fal tam au to res a di zer que o âm bi to da qui lo que cabe sob a de sig na ção de ra cis mo é mu i to mais am plo do que aca bou de se enun ci ar. Uma das mais de mons - tra ti vas pro vas de ra cis mo se ria, por exem plo, o fac to de mu i tos mi gran tes fi xa dos nos pa í ses eu ro pe us te rem uma con di ção so ci al mais des fa vo re ci da do que a mé dia das res pec ti vas po pu la ções re cep to ras; a adop ção por es ses pa í ses de me di das re - gu la do ras de no vas en tra das se ria tam bém uma for ma de ra cis mo; e se ri am ain da ra cis tas, em bo ra sub tis, aque las re pre sen ta ções e dis cur sos co muns que se li mi tam a cons ta tar as di fe ren ças cul tu ra is das po pu la ções mi gran tes. SOCIOLOGIA, PROBLEMAS E PRÁTICAS, n.º 33, 2000, pp. 9-44

10 Fernando Luís Machado No li mi te, por ac ção ou omis são, quer ao ní vel das in te rac ções in di vi du a ise de gru po, quer ao ní vel ins ti tu ci o nal, tudo o que en vol ve a in ser ção des sas po pu la - ções nas so ci e da des re cep to ras se ria, em suma, mar ca do pelo ra cis mo e po de ria, por tan to, ser equa ci o na do e ana li sa do nes ses ter mos. Qu an do, há mais de cin quen ta anos atrás, Mer ton di zia que a pro fe cia que se cum pre por si pró pria (Mer ton, 1968 [1949]: 515-531) ex pli ca va em gran de par tea di nâ mi ca do con fli to ra ci al e ét ni co nos EUA de en tão, ele pró prio es ta va a pro fe ti - zar so bre os efe i tos po ten ci a is de boa par te dos dis cur sos hoje cor ren tes so bre o tema, so bre tu do nos pró pri os EUA, mas, a par tir daí, lar ga men te di fun di dos na Eu ro pa e nou tras par tes do mun do. Se a re a li da de é tão ge ne ra li za da men te de fi ni - da em ter mos ra ci a is, in clu in do pela so ci o lo gia e ou tras ciên ci as so ci a is, ela não de i - xa rá de tor nar-se ra ci al nal gu mas das suas con se quên ci as. O ob jec ti vo des te ar ti go é, as sim, a ten ta ti va de es pe ci fi car o con ce i to de ra cis - mo, ana li san do do mes mo pas so a in fla ção con cep tu al (Mi les, 1989: 41-68) de que ele pa de ce. Mes mo des con tan do os tra ba lhos que pa re cem su bor di nar a cons tru - ção ri go ro sa de um ob jec to de es tu do a in te res ses de luta ide o ló gi ca e po lí ti ca im e - di a ta, com ób vio pre ju í zo de co nhe ci men to, é ver da de que a pró pria plas ti ci da de his tó ri ca do ra cis mo fa vo re ce, tam bém, essa pro du ção de dis cur sos in fla ci o na dos. As suas for mas e gra vi da de va ri am no tem po e no es pa ço; têm pro ta go nis tas e gru - pos-alvo mu i to he te ro gé ne os, gru pos-alvo es ses que, de res to, nem sem pre são ra - ci al men te dis tin tos, mas por ve zes ape nas ra ci a li za dos por cons tru ção ide o ló gi ca e cul tu ral, como tem acon te ci do com os ju de us; e re ve lam, fi nal men te, uma sig ni fi ca - ti va ca pa ci da de de ac tu a li za ção de con te ú dos. Racismo enquanto ideologia e preconceito É re la ti va men te con sen su al, na li te ra tu ra so ci o ló gi ca e na de ou tros do mí ni os dis ci - pli na res, que se pode fa lar de ra cis mo em três di men sões dis tin tas, mas ar ti cu la - das: ra cis mo en quan to ide o lo gia, ra cis mo en quan to pre con ce i to e ra cis mo en quan - to prá ti ca de dis cri mi na ção. Já quan to ao con te ú do de cada uma des sas di men sões e quan to ao modo como é equa ci o na da a ar ti cu la ção en tre elas o con sen so é, como ve re mos, bas tan te me nor. Se só bas tan te mais tar de a pa la vra ra cis mo sur giu e se fi xou no vo ca bu lá rio co mum, mais pre ci sa men te na se gun da e ter ce i ra dé ca das do sé cu lo XX, é du ran te o sé cu lo XIX, em es pe ci al na sua se gun da me ta de, que se sis te ma ti za, na Eu ro pa,a ide o lo gia da hi e rar qui za ção ine lu tá vel dos ho mens em fun ção das per ten ças raciais. 1 Au to res fran ce ses como Arthur de Go bi ne au, que pu bli ca em 1852 um Ensa io so bre a De si gual da de das Ra ças Hu ma nas, ou Ge or ges Va cher de La pou ge, que no fi nal do sé cu lo es cre ve, en tre ou tros tí tu los, O Ari a no e o Seu Pa pel So ci al (1899), são ha bi tu al men te da dos como os prin ci pa is sis te ma ti za do res des se pen sa men to. As ta xi no mi as ra ci a is mais ou me nos ela bo ra das, com a res pec ti va atri bu i ção di fe - rencial de qua li da des cul tu ra is e mo ra is, ou o te mor da de ge ne res cên cia das

OS NOVOS NOMES DO RACISMO: ESPECIFICAÇÃO OU INFLAÇÃO CONCEPTUAL? 11 cul tu ras di tas su pe ri o res por via da mis ci ge na ção ra ci al são, en tre ou tros, tó pi co s fi xa dos nes ses tra ba lhos. 2 Mas a ide ia de que as ca pa ci da des in te lec tu a is e a cul tu ra se trans mi tem de for ma he re di tá ria e de si gual de acor do com as ra ças ide ia que toma como in di ca - dor prin ci pal, em bo ra não ex clu si vo, a cor da pele, com o bran co eu ro peu do nor te a ocu par o topo da hi e rar quia é uma in ter pre ta ção so bre a di ver si da de hu ma na am pla men te par ti lha da no cam po in te lec tu al e ci en tí fi co eu ro peu da épo ca, e não o pro du to de al guns es pí ri tos iso la dos. Esta ma ne i ra de pen sar, tam bém de sig na da por ra ci a lis mo, é o re sul ta do de uma for mi dá vel con ver gên cia de to dos os cam pos do sa ber, com inu me rá ve is con tri bu i ções de fi ló so fos, teó lo gos, ana to mis tas, fi si o - lo gis tas, his to ri a do res, fi ló lo gos, mas tam bém de es cri to res, po e tas e vi a jan tes, numa Eu ro pa em que, por todo o lado, há quem se apa i xo ne pela me di ção dos crâ - ni os e dos os sos, a pig men ta ção da pele, a cor dos olhos e dos ca be los (Wi e vi or ka, 1991: 27, 29). 3 Esta pri me i ra con fi gu ra ção ide o ló gi ca do ra cis mo, ha bi tu al men te ape li da da de ra cis mo ci en tí fi co, tem o con tri bu to, como nota ain da Wi e vi or ka, da pró pria so ci o lo gia emer gen te. Se al guns es cri tos de Tocqueville e We ber so bre as re la ções ra ci a is nos EUA per mi tem de sig ná-los como pri me i ros so ció lo gos do ra cis mo, ou tros se guem a ten dên cia in te lec tu al do mi nan te de to mar a raça como fac tor ex - pli ca ti vo da cul tu ra. Na So ci o lo gi cal So ci ety of Lon don de ba te-se, em am bi en te de ame na po lé mi ca in te lec tu al, o eu ge nis mo, que Fran cis Gal ton ad vo ga va como so lu ção prá ti ca para de fen der da de ca dên cia ge né ti ca os mais do ta dos em ter mos ra ci a is, mas tam bém em ter mos so ci a is, e nos Esta dos Uni dos o Ame ri can Jour nal of So ci o logy pu bli ca, du - ran te a pri me i ra dé ca da do sé cu lo XX, tex tos do mes mo Gal ton, bem como um ca pí - tu lo do já ci ta do li vro de Vacher de La pou ge, en tre ou tros ar ti gos na mes ma li nha de au to res me nos co nhe ci dos (Wi e vi or ka, op. cit.: 28, 37). 4 A re la ção bi u ní vo ca en tre es tas ide i as e os con tex tos po lí ti cos, eco nó mi cose so ci a is da épo ca é bas tan te evi den te. Por um lado, o in te res se in te lec tu al e ci en t í fi co na clas si fi ca ção e hi e rar qui za ção das ra ças e cul tu ras hu ma nas vai sen do ali men ta - do pelo cres cen te con tac to dos eu ro pe us com ou tros po vos do mun do, ra ci al e cul - tu ral men te mu i to di fe ren tes de si pró pri os; por outro lado, o aco lhi men to po lí ti co e a di fu são so ci al dos pro du tos que re sul tam des sa ac ti vi da de in te lec tu al são tan to mais alar ga dos quan to le gi ti mam a con so li da ção dos im pé ri os co lo ni a is eu ro pe us em cur so e as re la ções de do mi na ção que aí se for ta le cem. Do mes mo modo se pode com pre en der a rá pi da adop ção das ide i as ra ci a lis tas nos EUA, que, não cer ta men te por aca so, vi rão a tor nar-se mais tar de o ma i or ex por ta dor mun di al de ca te go ri as ana lí ti cas ra ci a li za das no cam po das ciên ci as so ci a is, es pe ci al men te na so ci o lo gia, as pec to a que se vol ta rá adi an te. É este ra cis mo de base bi o ló gi ca, a que cor res pon de, de res to, o sen ti do ori gi - ná rio e ex clu si vo da pa la vra, que a ge ne ra li da de dos in ves ti ga do res des te do mí ni o con si de ra es tar a ser pa u la ti na men te aban do na do, nos úl ti mos 23 anos, a fa vor de ou tras con fi gu ra ções ide o ló gi cas. O enor me im pac to pú bli co que, nos anos a se guir à 2.ª Gu er ra Mun di al, teve a re ve la ção do ge no cí dio dos ju de us pe los na zis ale mães, jus ta men te em nome de

12 Fernando Luís Machado uma ide o lo gia da su pe ri o ri da de e da pu re za ra ci al, é tido como o prin ci pal con tex - to para o de clí nio das ex pli ca ções pela raça, tan to nos dis cur sos mais ela bo ra dos como nos dis cur sos co muns. Na es fe ra in te lec tu al, em par ti cu lar, a UNESCO con - tri bui de ci si va men te para a crí ti ca do ra cis mo, con vo can do, por di ver sas ve zes, en - tre o iní cio dos anos 50 e me a dos dos anos 60, co mis sões plu ri dis ci pli na res de re pu - ta dos in ves ti ga do res das áre as na tu ra is e so ci a is, com a in cum bên cia de pro du zi - rem de cla ra ções con jun tas for ma is re je i tan do, à luz do co nhe ci men to ci en tí fi co, a ide ia de hi e rar qui za ção dos in di ví du os e das cul tu ras em fun ção de ca rac te rís ti ca s ra ci a is. 5 Se gun do uma in ter pre ta ção lar ga men te par ti lha da, a nova con fi gu ra ção do ra cis mo de i xa cair, ou pelo me nos co lo ca em se gun do pla no, a lin gua gem da raça, pon do em seu lu gar a re fe rên cia às di fe ren ças ét ni cas e cul tu ra is. A ten ta ti va de qua li fi car essa tran si ção ide o ló gi ca dá azo, nos anos 70 e 80 do sé cu lo XX, a uma ver da de i ra ex plo são de no vos con ce i tos, tan to nos EUA como na Eu ro pa. Ra cis mo sim bó li co, ra cis mo aver si vo, ra cis mo cul tu ral, ra cis mo mo der no, novo ra cis mo, ra - cis mo di fe ren ci a lis ta, ra cis mo la ten te, são to das elas ca te go ri as que pro cu ram equa ci o nar esse re cuo das con cep ções mais pri má ri as de base bi o ló gi ca e a sua subs ti tu i ção por for mas mais sub tis de ra cis mo. 6 Pi er re-andré Ta gui eff, um dos au to res que em Fran ça mais se tem de di ca do ao tema, sin te ti za em quatro pon tos as ca rac te rís ti cas des se neo-ra cis mo con tem - po râ neo : pas sa gem da raça à cul tu ra, com a subs ti tu i ção da ide ia de pu re za ra ci al pela de iden ti da de cul tu ral au tên ti ca; da de si gual da de à di fe ren ça, em que o des - pre zo pe los in fe ri o res dá lu gar à ob ses são do con tac to com eles; re cur so a enun - ci a dos mais he te ró fi los do que he te ró fo bos, ou seja, a in sis tên cia no di re i to à di fe - ren ça da ma i o ria face às cul tu ras mi no ri tá ri as; e uma ex pres são sim bó li ca e in di - rec ta, mais do que di rec ta e as su mi da (Ta gui eff, 1987: 14-16; 1991: 42-43). Ainda antes de Taguieff, outro autor francês de referência neste campo, Albert Memmi, estabelecia a distinção entre um racismo estrito, de fundamentação ape nas biológica, e um racismo lato, de geometria variável, que passa de bom grado ao lado da diferença racial, e invoca a psicologia, a cultura, os costumes, as institu i - ções, a própria metafísica, todas elas fornecendo o seu contingente de escândalos (Memmi, 1993 [1982]: 71). Em nome da clarificação terminológica, o autor propõe, de resto, que se reserve o termo racismo para os casos em que a primazia é dada às ca - racterísticas biológicas, e o de heterofobia para os restantes ( idem : 83-85). A emer gên cia das no vas for mas de ra cis mo é re la ci o na da, tan to em Fran ça como no Re i no Uni do, com um tra ba lho de re e la bo ra ção ide o ló gi ca nos cír cu los da di re i ta mais con ser va do ra, no fi nal dos anos 60 e nos anos 70, face à re a li da de da cres cen te imi gra ção e da di ver si da de ét ni ca a ela as so ci a da. Em Fran ça, a par tir de cer tos clu bes ou as so ci a ções de pen sa men to, como o Gre ce ou o Club de l Horloge, e ten do como ex pres são po lí ti ca a te má ti ca da pre fe rên cia na ci o nal ad vo ga da pela Fren te Na ci o nal de Jean-Ma rie Le Pen (Ta gui eff, op. cit.: 49; Wi e vi or ka, op. cit.: 90); no Re i no Uni do, em al guns sec to res do Par ti do Con ser va dor, com um dis cur so em tudo idên ti co, já não o da hi e rar quia das ra ças, que pode até ser fir me men te re - je i ta do, mas o de que é na tu ral cada povo gos tar de vi ver en tre os seus e o de que a imi gra ção ame a ça essa ho mo ge ne i da de cul tu ral na ci o nal (Mi les, 1989: 62-63).

OS NOVOS NOMES DO RACISMO: ESPECIFICAÇÃO OU INFLAÇÃO CONCEPTUAL? 13 É as sim que, nas ac tu a is aná li ses so bre o pre con ce i to ra ci al, a se gun da das três di men sões do ra cis mo atrás in di ca das, se vai à pro cu ra da ma ni fes ta ção des sas no - vas fa ces do ra cis mo nas re pre sen ta ções co muns das po pu la ções oci den ta is. O estudo do preconceito, com sede privilegiada na psicologia social, constitui uma linha de investigação consistente e duradoura, que tem como referências clás si - cas a investigação de John Dol lard, Caste and Class in a Southern Town, de 1937, a pes - quisa dirigida por Theodor Adorno, in ti tu la da The Authoritarian Personality, pu bli ca - da em 1950, e de Gordon Allport, The Nature of Prejudice, de 1954, todas elas nos EUA. Hoje em dia, são as investigações dirigidas ou inspiradas por Thomas Pettigrew, também norte-americano, e cu jos primeiros trabalhos remontam ainda aos anos 50, alguns em colaboração com Allport, que marcam a agenda de pesquisa deste campo. Para efe i tos de ope ra ci o na li za ção de con ce i tos e in ves ti ga ção em pí ri ca, ago ra no con tex to eu ro peu, Pet ti grew in tro duz a dis tin ção en tre ra cis mo fla gran te e ra - cis mo sub til, o pri me i ro de sig nan do a con fi gu ra ção tra di ci o nal de base bi o ló gi c a, o se gun do com o ob jec ti vo de sin te ti zar num novo con ce i to o con jun to já men ci o na - do de de sig na ções en tre tan to pro pos tas para cap tar os no vos sen ti dos da ide o lo gia ra cis ta (Pet ti grew e Me er tens, 1993; Me er tens e Pet ti grew, 1999; Pet ti grew, 1999). Essa dis tin ção, bem como os pro ce di men tos de pes qui sa adop ta dos por Pet ti grew, são re to ma dos por Vala, Bri to e Lo pes (1999), no es tu do que, como foi dito, ina u gu - ra a in ves ti ga ção em pí ri ca sis te má ti ca so bre ra cis mo no Por tu gal de hoje. O pres su pos to des tes au to res é o de que o sen so co mum, no con tex to do aban - do no da ide ia de raça tan to pelo dis cur so ci en tí fi co como pe los dis cur sos po lí ti cos e ins ti tu ci o na is, vem des lo can do a cons tru ção de te o ri as so ci a is sobre os gru pos hu - ma nos, e as con se quen tes for mas de ca te go ri za ção ra ci al, de ide i as so bre a raça para ide i as so bre as di fe ren ças cul tu ra is e ét ni cas. A ide ia de raça não foi pro pri a - men te aban do na da nos dis cur sos quo ti di a nos, di zem, mas hoje é mais fá cil ex pri - mir di fe ren ças cul tu ra is do que di fe ren ças ra ci a is, já que a ex pres são de di fe ren ças cul tu ra is não de sa fia aber ta men te a nor ma so ci al da in de se ja bi li da de do ra cis m o (Vala, Bri to e Lo pes, op. cit. 141, 73). O ra cis mo é, en tão, de fi ni do como uma con fi gu ra ção mul ti di men si o nal de cren ças, emo ções e ori en ta ções com por ta men ta is, ali nha das em dois ei xos es tru - tu ran tes, um re la ti vo à di fe ren ci a ção e in fe ri o ri za ção ra ci al e outro re la ti v o à di fe - ren ci a ção e in fe ri o ri za ção cul tu ral. Os re sul ta dos ob ti dos nos vá ri os pa í ses on de o es tu do foi re a li za do mos tram que a ex pres são de pre con ce i tos se faz hoje mais pela ne ga ção de tra ços po si ti vos do que pela atri bu i ção de tra ços ne ga ti vos a um gru - po-alvo, ou seja, são atri bu í dos mais tra ços po si ti vos ao en do gru po do que ao exo - gru po (fa vo ri tis mo en do gru pal), mas não ne ces sa ri a men te mais tra ços ne ga ti vos ao exo gru po do que ao en do gru po (der ro ga ção exo gru pal). Em suma, em to das as amos tras in qui ri das, in clu in do a por tu gue sa, a ade são ao ra cis mo sub til é ma i or do que a ade são ao ra cis mo fla gran te, não de i xan do os dois, no en tan to, de es tar mu i to cor re la ci o na dos ( idem : 14-15, 77, 171-195). É jus ta men te a pro pó si to dos re sul ta dos des te es tu do com pa ra ti vo, e na me - di da em que ele tem o mé ri to de as co lo car no ter re no em pí ri co, que im por ta fa zer um pri me i ro con jun to de co men tá ri os quan to às no vas de fi ni ções de ra cis mo e aos ris cos de in fla ção con cep tu al a elas as so ci a dos.

14 Fernando Luís Machado É ver da de que o pre con ce i to ra cis ta, como ou tras for mas de pre con ce i to, tem uma gran de ma le a bi li da de e cri a ti vi da de. A al qui mia mo ral de que fa la va Mer ton, pela qual o in tra gru po trans for ma fa cil men te a vir tu de em ví cio e o ví cio em vir tu - de, con for me as ne ces si da des de oca sião (op. cit.: 522), sig ni fi ca jus ta men te que os pre con ce i tu o sos se agar ram ao que for pre ci so para vi sa rem o gru po to ma do como alvo. É nes se mes mo sen ti do que Sar tre, no en sa io que de di cou ao anti-se mi tis mo, di zia que se o ju deu não exis tis se, o anti-se mi ta in ven tá-lo-ia (Sar tre, 1999 [1954]: 14). Mas, dito isto, deve per gun tar-se se é ain da de ra cis mo que se tra ta quan do os mem bros de uma po pu la ção ma i o ri tá ria se re fe rem mais po si ti va men te à sua cul - tu ra do que à de de ter mi na da mi no ria, quan do não che gam se quer a qua li fi car ne - ga ti va men te essa mi no ria, li mi tan do-se a con si de rar os seus pró pri os tra ços cul tu - ra is pre fe rí ve is face aos dela. A ser as sim, de i xa ria de ha ver qual quer di fe ren ça en - tre ra cis mo e et no cen tris mo. Ora, a fu são dos dois con ce i tos está lon ge de ser con sen su al. Cla u de Lévi-Stra uss, por exem plo, opõe-se fir me men te a essa pos si bi li da de, di zen do que não se pode con fun dir o ra cis mo, dou tri na fal sa que pre ten de ver nas ca rac te rís ti - cas in te lec tu a is e mo ra is atri bu í das a um con jun to de in di ví du os ( ) o efe i to ne ces - sá rio de um pa tri mó nio ge né ti co co mum, com a ati tu de de in di ví du os ou gru pos cuja fi de li da de a cer tos va lo res os tor na par ci al ou to tal men te in sen sí ve is a out ros va lo res". Essa in co mu ni ca bi li da de re la ti va não au to ri za na tu ral men te a opress ão ou des tru i ção dos va lo res que se re je i ta e dos seus re pre sen tan tes, mas, man ti da nes ses li mi tes, nada tem de re vol tan te (1983: 15). 7 Con fron ta do com o mes mo pro ble ma, João de Pina-Ca bral não ma ni fes ta tal opo si ção. Dado que, nas no vas for mas de pre con ce i to, as ca rac te rís ti cas fe no tí pi ca s re pre sen tam ape nas um entre vá ri os fac to res de clas si fi ca ção, se ria pre fe rí vel adop tar, em vez de ra cis mo, ex pres sões mais abran gen tes do gé ne ro de et no cen - tris mo ou dis cri mi na ção e pre con ce i to ét ni co. O con ce i to de ra cis mo, se gun do o au tor, põe uma ên fa se ex ces si va na di fe ren ci a ção fe no tí pi ca como prin cí pio clas si - fi ca tó rio do mi nan te, o que, se é ver da de em con tex tos ra di ca dos na tra di ção an - glo-ame ri ca na, não o é em tan tos ou tros con tex tos a ní vel mun di al, onde o pre - con ce i to e a dis cri mi na ção tam bém gras sam, in clu in do os lu só fo nos (1998: 24). Uma ter ce i ra po si ção, dis tin ta de qual quer das an te ri o res, é a da que les que fa lam de et ni cis mo para de sig nar es sas no vas for mas de pre con ce i to, não de i xan do, con tu do, de o in clu ir num con ce i to alar ga do de ra cis mo (Essed, 1991: 287-288; Dijk, 1993: 5, 23). Sem ne gar que há uma fa i xa de so bre po si ção entre os dois fe nó me nos, e não en tran do aqui na dis cus são apro fun da da do pro ble ma, pode, de qual quer modo, di zer-se que a fu são do et no cen tris mo e do ra cis mo, ou a subs ti tu i ção do se gun do con ce i to pelo pri me i ro, é pre ci pi ta da. Se isso per mi te dar con ta da qui lo que os dois têm em co mum, per de-se de vis ta o que eles têm de di fe ren te, e que jus ti fi cou a evo - lu ção au tó no ma dos dois con ce i tos. Não será tam bém por mera ino va ção ter mi no - ló gi ca, seja o re fe ri do et ni cis mo ou ain da et nis mo ou etis mo, que a ques tão se re sol ve rá. 8 Con si de rar a au to va lo ri za ção cul tu ral de um de ter mi na do gru po ma i o ri tá rio

OS NOVOS NOMES DO RACISMO: ESPECIFICAÇÃO OU INFLAÇÃO CONCEPTUAL? 15 como uma for ma de ra cis mo tor na-se ain da mais dis cu tí vel quan do se tem em con - ta o tipo de in di ca do res uti li za dos para a sua me di ção em pí ri ca. A ope ra ci o na li - za ção pro pos ta por Pet ti grew, e se gui da em Por tu gal por Vala, Bri to e Lo pes, in clui na es ca la de ra cis mo sub til itens que só por ex tre ma am pli a ção do con ce i to se po - dem con si de rar in di ca do res de pre con ce i to ra ci al. Assim, às per gun tas so bre se a re li gião, a lín gua, ou mes mo os va lo res in cu ti - dos aos fi lhos por de ter mi na da mi no ria (no caso do es tu do por tu guês, os ne - gros ), são mu i to se me lhan tes ou mu i to di fe ren tes dos da po pu la ção ma i o ri tá ria (Pet ti grew et al., 1993: 112-113; Me er tens e Pet ti grew, 1999: 28-29; Vala, Bri to e Lo - pes, 1999: 176), quan do essa di fe ren ça é uma ques tão fac tu al, as res pos tas ob ti das, qua is quer que se jam, não po dem to mar-se como si nó ni mo de pre con ce i to, mas ape nas como in di ca ti vas de co nhe ci men to ou des co nhe ci men to de fac tos ob jec ti - vos. Per gun tar, por ou tro lado, com que fre quên cia se sen te sim pa tia ou ad mi ra ção por essa mes ma mi no ria tam bém não pa re ce uma boa ma ne i ra de me dir pre con ce i - tos. Se a ma ni fes ta ção de an ti pa tia para com uma mi no ria glo bal men te con si de ra - da po de rá ser si nal de ra cis mo, já não é ace i tá vel di zer-se que só não há ra cis mo se fo rem ex pres sas, de for ma igual men te glo bal, sim pa tia e ad mi ra ção fre quen tes face a ela. Pet ti grew e Me er tens não de i xam de re co nhe cer a li mi ta ção des tes in di ca do - res, afir man do que os tur cos e os nor te-afri ca nos, por exem plo, têm uma re li giãoe fa lam uma lín gua re al men te di fe ren tes das da ma i or par te dos eu ro pe us. O con - tra-ar gu men to se gun do o qual, ape sar dis so, os su je i tos que ob têm va lo res mais al tos na es ca la do ra cis mo sub til con si de ram sis te ma ti ca men te es sas di fe ren ças como sen do ma i o res do que as re co nhe ci das pe los ou tros su je i tos, o que, por tan to, va li da ria es ses in di ca do res, não é con vin cen te (1993: 113-114). Des te modo, quan do os mes mos au to res se ques ti o nam, no tí tu lo de um dos tra ba lhos já ci ta dos, se Será o ra cis mo sub til mes mo ra cis mo? (1999: 11-29), não se pode de i xar de ma ni fes tar re ser vas pe ran te a res pos ta po si ti va ine quí vo ca a que che gam, ten do em con ta a ope ra ci o na li za ção e os in di ca do res usa dos. O mes mo pro ble ma de in fla ção con cep tu al do ra cis mo, na sua di men são re - pre sen ta ci o nal, pode en con trar-se, numa mo da li da de ain da mais fla gran te, dir-se-ia, nos tra ba lhos de outro au tor con tem po râ neo in flu en te nes te do mí nio, o ho lan dês Teun van Dijk (1987, 1993). Dijk par te do pres su pos to, que par ti lha com mu i tos ou tros au to res, e que será ques ti o na do mais à fren te, de que, tan to os EUA como os pa í ses eu ro pe us oci den ta is re cep to res de imi gran tes cons ti tu em, aci ma de tudo, so ci e da des de do mi na ção ra ci al, em que um gru po ma i o ri tá rio bran co do mi - na, a to dos os ní ve is da exis tên cia co lec ti va, uma ou mais mi no ri as ét ni cas e ra ci a is to tal men te su bor di na das. Nes se qua dro, o pre con ce i to não é ape nas uma ati tu de in di vi du al de cer tas pes so as (pre con ce i tu o sas), mas uma for ma de cog ni ção so ci al es tru tu ral men te fun - da da (Dijk, 1987: 391), des ti na da a le gi ti mar es sas re la ções de do mi na ção glo bal,e que co nhe ce uma re pro du ção alar ga da atra vés de todo o tipo de dis cur sos. Estru tu - ras de po der e do mi na ção, cog ni ção so ci al e dis cur so cons ti tu em, por ou tras pa la - vras, o mo de lo ar ti cu la do que o au tor adop ta para ana li sar o ra cis mo. Tan to o ra cis - mo fla gran te como o subtil, este úl ti mo re co nhe ci do tam bém como a sua for ma

16 Fernando Luís Machado pre do mi nan te, per me i am, em sen ti do des cen den te, to dos os ní ve is so ci a is e pes - so a is das nos sas so ci e da des: des de as de ci sões, ac ções e dis cur sos dos cor pos le gis - la ti vos e go ver na men ta is, pas san do pe los de vá ri as ins ti tu i ções, na edu ca ção, in - ves ti ga ção, me dia, sa ú de, po lí cia, tri bu na is e agên ci as so ci a is, até à con ver sa ção, pen sa men to e in te rac ção quo ti di a nos ( idem : 15). A co mu ni ca ção pú bli ca e in ter pes so al dos pre con ce i tos ra cis tas é esse o ob - jec to em pí ri co do au tor, faz-se atra vés de uma mul ti pli ci da de de dis cur sos cor - ren tes no seio da ma i o ria do mi nan te bran ca, dis cur sos que ser vem para re pro du zir es ses pre con ce i tos. 9 Inclui aí a con ver sa ção en tre pais e fi lhos; entre vi zi nhos, ami - gos e nos gru pos de pa res; em fil mes e pro gra mas de te le vi são, ro man ces e no ti ciá - ri os, pro pa gan da po lí ti ca e re la tó ri os de in ves ti ga ção aca dé mi cos. Fun da men tal em to dos es ses dis cur sos, em bo ra cu i da do sa men te im plí ci to, é o par es con di do su pe ri o ri da de/in fe ri o ri da de ( idem : 384, 386). No se gun do dos tra ba lhos ci ta dos, Dijk de sen vol ve lar ga men te a ide ia, su ge - ri da já no pri me i ro es tu do, se gun do a qual os con te ú dos da con ver sa ção cor ren te en tre os mem bros co muns das ma i o ri as bran cas acer ca das mi no ri as in vo cam, em gran de me di da, dis cur sos ins ti tu ci o na is pro du zi dos e pos tos a cir cu lar a par tir d e pa ta ma res mais ele va dos na es tru tu ra so ci al, e que fun ci o nam como le gi ti ma ção des ses con te ú dos. São, con cre ta men te, as eli tes po lí ti cas, edu ca ti vas, uni ver si - tárias, em pre sa ri a is e dos me dia, quem con tri bui para a re pro du ção do pre con ce i to, pré-for mu lan do per su a si va men te o con sen so do mi nan te em ma té ria ét ni ca e as for mas po pu la res de ra cis mo. Diz ain da o au tor que, cir cuns cre ven do o ra cis mo às ide o lo gi as e prá ti cas ex plí ci tas, in ten ci o na is e fla gran tes da ex tre ma-di re i ta, es sas eli tes adop tam uma de fi ni ção de ra cis mo que con ve ni en te men te as ex clui como par te do pro ble ma (1993: 8-9). Particularmente visadas por Dijk são as chamadas elites académicas. No pri - meiro estudo já afirmava que, hoje em dia, e de forma muito mais subtil e indirecta do que no passado, são pressupostos e objectivos racistas que inspiram muito do trabalho académico (de brancos) sobre grupos étnicos e relações raciais, com a nega - ção, por exemplo, da natureza estrutural do racismo nas nossas sociedades (1987: 15). No estudo subsequente, analisa, como alegada prova da reprodução uni ver si tá - ria de discursos racistas, diferentes manuais de sociologia em língua inglesa, en tre os quais o co nhe ci do Sociology de Giddens, sobre o qual diz ter uma perspectiva bran - ca e não sublinhar nem analisar suficientemente o papel da dominação étnica eu ro - peia, da desigualdade e do racismo nas relações étnicas (1993: 177). 10 Pe ran te de fi ni ções e ope ra ci o na li za ções com esta la ti tu de, es pe ci al men te no caso de Dijk, mas tam bém no de Pet ti grew, só pode con clu ir-se que o ra cis mo en - quan to pre con ce i to é uma fa ta li da de, ou seja, não pode não ha ver pre con ce i tos ra - cis tas. Mais do que ser con cep tu al men te es pe ci fi ca do, o ra cis mo é aqui ob jec to de ge ne ra li za ção con cep tu al, a um pon to em que toda a re pre sen ta ção sim bó li ca da dis tin ti vi da de ét ni ca e ra ci al des de o seu mero re co nhe ci men to de fac to, pas san - do pe los es te reó ti pos mais ou me nos inó cu os que sobre ela se pro du zem, até às ex - pres sões mais ex plí ci tas e agres si vas con tra ela, é vir tu al men te si nó ni mo de pre - con ce i to. O pre con ce i to se ria, as sim, tão ine vi tá vel quan to o é, no pró prio fun ci o na - men to cog ni ti vo hu ma no, a pro du ção de es te reó ti pos, como for ma de re du zir a

OS NOVOS NOMES DO RACISMO: ESPECIFICAÇÃO OU INFLAÇÃO CONCEPTUAL? 17 imen sa va ri e da de de in for ma ção so ci al re la ti va a gru pos so ci a is (Gar cia-mar ques, 1999: 130-131). No caso par ti cu lar de van Dijk, há, além do mais, um mo de lo cir cu lar e fe cha - do de aná li se do ra cis mo, que em si mes mo co lo ca as per gun tas e dá as res pos tas, li - mi tan do-se a pes qui sa em pí ri ca a con fir má-las. Se o ra cis mo, como diz o au tor, é es - tru tu ral e atra ves sa to das as ins tân ci as ins ti tu ci o na is e pes so a is na so ci e da d e, en tão ele es ta rá em to dos os pen sa men tos e em to dos os dis cur sos. Como em to dos os dis - cur sos há pre con ce i tos ra ci a is, e em pi ri ca men te con se gue en con trá-los por mais es - con di dos que es te jam, en tão o ra cis mo é es tru tu ral. Ou tra ques tão sus ci ta da pe las for mu la ções de Pet ti grew e Dijk é a que tem a ver com o sig ni fi ca do atri bu í do ao de clí nio do cha ma do ra cis mo fla gran te. Pre o cu - pa dos em iden ti fi car e clas si fi car as for mas mais sub tis e ocul tas do ra cis mo con - tem po râ neo, os au to res ci ta dos, e mu i tos ou tros, pa re cem su ba va li ar a im por tân ci a que tem a con ten ção so ci al das for mas mais pri má ri as de ra cis mo do pon to vis ta do seu com ba te, ou, se se qui ser, do pon to de vis ta do cha ma do anti-ra cis mo. 11 Entre o ra cis mo fla gran te e o sub til há, se gun do es tas in ter pre ta ções, uma di - fe ren ça de na tu re za, mas não de grau. No en tan to, não será o ra cis mo sub til me nos ra cis ta do que o fla gran te? A san ção so ci al ex ter na e a au to con ten ção a que está sub - me ti do o ra cis mo fla gran te não sig ni fi cam, jus ta men te, que a ex pres são do ra cis mo é me nor do que na que les con tex tos his tó ri cos em que, tan to as re pre sen ta ções como as prá ti cas ra cis tas ti nham ou têm pou ca ou ne nhu ma con ten ção e pe na li za - ção so ci al? Ape sar da de fi ni ção tão lata que adop ta, é o pró prio Pet ti grew e, em sin to nia com ele, Vala, Bri to e Lo pes, quem cha ma a aten ção para o ca rác ter an ti nor ma ti vo do ra cis mo nas so ci e da des oci den ta is con tem po râ ne as, ou me lhor, para a nor ma ti - vi da de so ci al anti-ra cis ta que hoje ca rac te ri za es sas so ci e da des. O grau de en ra i za - men to so ci al da nor ma anti-ra cis ta é ates ta do pela pró pria ide ia de ra cis mo sub til, já que, de acor do com os au to res, ele tor na-se sub til jus ta men te para não con tra ri ar essa nor ma, o que não de i xa de mos trar quão efec ti va ela é. Pet ti grew che ga mes mo a dis tin guir igua li tá ri os, ra cis tas sub tis e fa ná ti cos (ou ra cis tas fla gran te s), de acor do com a in fluên cia so ci al ob ti da por essa nor ma: os igua li tá ri os in ter na li - zam-na com ple ta men te, os sub tis aca tam-na ou con for mam-se com ela, em bo ra não de i xem de ex pri mir pre con ce i tos não fla gran tes, e os fa ná ti cos de sa fi am-na ac ti va e pu bli ca men te (Pet ti grew e Me er tens, 1993: 122-126; Vala, Bri to e Lo pes, op. cit.: 170-174). Ora, se é im por tan te in ves ti gar que me ca nis mos psi co-so ci o ló gi cos ali men - tam o ra cis mo em con tex tos so ci a is em que este é an ti nor ma ti vo, e que ex pres sões sub tis, não an ti nor ma ti vas, as su me hoje o ra cis mo (Vala et al., idem : 18), não será me nos im por tan te su bli nhar que há aqui uma di fe ren ça de na tu re za, mas tam bém de grau, por com pa ra ção com os con tex tos em que o ra cis mo não era ou não é an ti - nor ma ti vo. Como no ta va Fon tet te, já há bas tan te tem po, o ver da de i ro ra cis ta não tem ver go nha e a cé le bre fór mu la eu não sou ra cis ta, mas é sus cep tí vel de vá ri as in ter pre ta ções, a me nos des fa vo rá vel das qua is é a de que aque le que a pro nun cia re ve la, por isso mes mo, sen ti men tos de que se en ver go nha e que não ousa ma ni fes - tar en quan to tais (Fon tet te, 1981: 122).

18 Fernando Luís Machado No en tan to, Teun van Dijk e ou tros au to res des va lo ri zam lar ga men te os va lo - res e as nor mas que, no qua dro das cul tu ras oci den ta is con tem po râ ne as, con de nam fir me men te o ra cis mo. Re fe rin do-se a esta ques tão, Dijk diz que, de acor do com os re sul ta dos das suas pes qui sas, as pes so as em ge ral não apren de ram a con tra di zero pen sa men to ra cis ta e ra ra men te o con tra di zem, ao pas so que os me dia não for ne - cem con tra-in for ma ção que pos sa ser usa da para o com ba ter. Esses va lo res e nor - mas ge ra is po de rão ser, quan do mu i to, in con sis ten tes com o ra cis mo, mas o que re al men te so bres sai é que uma das mais no tá ve is pro pri e da des de uma so ci e da de ra cis ta é que ela não é anti-ra cis ta (Dijk, 1987: 394). Na mes ma li nha, Phi lo me na Essed, au to ra, tal como Dijk, de pes qui sas com - pa ra ti vas en tre a Ho lan da e os EUA, mas cu jos re sul ta dos con si de ra se rem vá li dos para ou tras so ci e da des do mi na das por bran cos, afir ma que o va lor da to le rân cia, tido pela so ci e da de ho lan de sa como um dos seus tra ços cul tu ra is mais mar can tes, é pro ble má ti co quan do apli ca do a re la ções hi e rár qui cas en tre gru pos. 12 A to le rân cia, diz, pres su põe que um gru po tem o po der de ser to le ran te e que os ou tros te rão de es pe rar para ver se vão ser re je i ta dos ou to le ra dos. Por isso, a to le rân cia cul tu ral é, es sen ci al men te, uma for ma de con tro lo cul tu ral (1991: viii, 210-211). Posição do mesmo tipo é, ainda, a de Ponterotto e Pedersen, para quem as mo - dernas formas de racismo subtil prevalecem mesmo entre aqueles norte-americanos que possuem valores fortemente igualitários, simpatizam com as vítimas de injusti - ças passadas, apoiam políticas de promoção da igualdade racial e se vêem a si pró pri os como não preconceituosos e como não tendo práticas discriminatórias ( op. cit.: 17). Nes te pon to já não es ta mos só pe ran te um pro ble ma de ge ne ra li za ção do con - ce i to de ra cis mo a uma es ca la que o de i xa pra ti ca men te sem prés ti mo, em que tudo se igua li za, des de o pre con ce i to ra cis ta mais fla gran te até ao va lor da to le rân ciaeo apo io a po lí ti cas de igual da de ra ci al. Mais do que isso, há aqui me ras po si ções de prin cí pio, em que pa re ce já não in te res sar mu i to a cons ti tu i ção do ra cis mo en quan - to ob jec to de re fle xão e pes qui sa so ci o ló gi ca, mas, an tes dis so, ou até em vez dis so, cons ti tuí-lo em cam po de luta ide o ló gi ca e po lí ti ca, a par tir do mun do aca dé mi co. De cla rar, por prin cí pio, que tudo é ra cis mo tem exac ta men te o mes mo va lor, neste qua dro, que de cla rar, tam bém por prin cí pio, exac ta men te o con trá rio. O modo como é in ter pre ta da a re la ção in ver sa men te pro por ci o nal en tre es co - la ri da de e pre con ce i to, ha bi tu al men te con fir ma da pela pes qui sa em pí ri ca, ilust ra bem essa po si ção. Mais do que re al çar a im por tân cia da es co la ri da de na re du ção de es te reó ti pos e pre con ce i tos, pre fe re-se de fen der que ela pro por ci o na mais cons - ciên cia das sub ti le zas das nor mas e va lo res pre va le cen tes, e que os mais es co la ri za - dos, quan do os con tex tos o fa vo re cem, são pou co me nos ra cis tas, nas ide i as e nas prá ti cas, do que as ou tras pes so as (Dijk, 1987: 394). 13 A dis cus são so bre os con tor nos con cep tu a is do ra cis mo, en quan to fe nó me no re pre sen ta ci o nal, não po de ria com ple tar-se sem re fe rên cia ao con ce i to de ra ci a li za - ção, de uso cor ren te na so ci o lo gia de lín gua in gle sa. Aque le que é o seu prin ci pal pro po nen te ac tu al, Ro bert Mi les, dis tin gue-o ine qui vo ca men te, por um lado, de ra - cis mo e, por ou tro lado, de ra cis mo ins ti tu ci o nal, con ce i to que será co men ta do adiante e que, tam bém no mun do an glo-sa xó ni co, é ha bi tu al men te tido como al ter - na ti va van ta jo sa ao de dis cri mi na ção ra ci al.

OS NOVOS NOMES DO RACISMO: ESPECIFICAÇÃO OU INFLAÇÃO CONCEPTUAL? 19 Fala-se de ra ci a li za ção para de sig nar o pro ces so sim bó li co que con sis te na atri bu i ção de sig ni fi ca do so ci al a cer tas ca rac te rís ti cas bi o ló gi cas (nor mal m en te fe no tí pi cas), na base das qua is aque les que de las são por ta do res são de sig na dos como uma co lec ti vi da de dis tin ta (Mi les, 1989: 74). Tra ta-se, por ou tras pa la vras, de um pro ces so de ca te go ri za ção so ci al a par tir de tra ços de dis tin ti vi da de ra ci a l de de ter mi na das po pu la ções, e que se tra duz na uti li za ção ge ne ra li za da da no ção de raça para men ci o nar ou des cre ver es sas po pu la ções, mes mo em ca sos em que a di - fe ren ça fe no tí pi ca é ape nas ima gi na da (Mi les, 1996: 306-307). O que, para o autor, distingue racialização de racismo é que o racismo é um caso particular de racialização, envolvendo uma avaliação explicitamente negat iva de categorias imutavelmente definidas em termos biológicos ou culturais. 14 Essa avaliação negativa não está, no entanto, necessariamente presente em todos os pro - cessos de categorização racial. Em muitos discursos contemporâneos nos EUA e na Europa, diz ainda Miles, e no caso europeu estará certamente a referir-se mais ao Rei - no Unido do que a qualquer outro país, categorias como branco e preto são uti li - zadas para etiquetar indivíduos e, por consequência, para constituir grupos, mas fre - quentemente na ausência for mal do discurso da raça (1989: 75, 79). Tra ta-se, pode di zer-se, de um con ce i to lar ga men te tri bu tá rio da pers pec ti va we be ri a na so bre a ori en ta ção sub jec ti va da ac ção so ci al e a cons ti tu i ção, por ess a via, de iden ti da des co lec ti vas. Era, de res to, em ter mos mu i to pró xi mos des tes que o pró prio We ber se re fe ria já ao sig ni fi ca do da per ten ça ra ci al, di zen do que ela não con duz a uma co mu ni da de a não ser que seja sen ti da sub jec ti va men te como uma ca rac te rís ti ca co mum (1995 [1922]: 124). Foi tam bém para evi den ci ar como a dis tin ti vi da de ra ci al se tor na ob jec to de ca te go ri za ção so ci al que Ro ger Bas ti d e che - gou a pro por a no ção de ra ças so ci o ló gi cas e su bli nhou a sua gran de va ri a bi li da - de en tre pa í ses e con tex tos his tó ri cos. Jus ta men te por as per ten ças ra ci a is serem cons tru í das so ci al men te é que um mu la to claro é de fi ni do como bran co no Bra sile como negro nos EUA (Bas ti de, 1973: 34). Se a ra ci a li za ção, nos ter mos es tri tos em que Mi les a de fi ne, não é, com efe i to, si nó ni mo de ra cis mo, co lo ca-se a ques tão de sa ber se a fron te i ra que se pa ra uma e ou tro não será, no en tan to, mais di fu sa do que a de fi ni ção de i xa crer, e se não se pas - sa rá fa cil men te da ca te go ri za ção ra ci al me ra men te des cri ti va para a cons ti tu i ç ão de es te reó ti pos e pre con ce i tos ra ci a is pro pri a men te di tos. Tomando, des de logo, a in te rac ção so ci al quo ti di a na en tre in di ví du os ra ci al - men te di fe ren ci a dos, pode di zer-se que ela dá lu gar a um pro ces so cru za do de ca te - go ri za ção, fun da do na pró pria vi si bi li da de ime di a ta des sa di fe ren ça, que não im - pli ca, de fac to, ne ces sa ri a men te pre con ce i tos ra ci a is. Sen do cer to que em to dasa s si tu a ções de in te rac ção as pes so as en vol vi das pro ce dem a uma ca te go ri za ção au to - má ti ca do vi sí vel, nos ca sos em que es sas pes so as são fe no ti pi ca men te di fe ren tes, essa mes ma di fe ren ça fe no tí pi ca so bre por-se-á, mu i tas ve zes, en quan to cri té rio de clas si fi ca ção, a to das as ou tras ca rac te rís ti cas dis tin ti vas igual men te apre en sí ve isa olho nu, como, por exem plo, o sexo ou a ida de. A cor da pele, em par ti cu lar, sen doo mais vi sí vel de to dos os tra ços fe no tí pi cos, e o que se ofe re ce de ma ne i ra mais direc - ta e in ques ti o ná vel à per cep ção de um ob ser va dor co mum, cons ti tui-se fa cil men te em prin ci pal cri té rio de ca te go ri za ção so ci al.

20 Fernando Luís Machado Não deve es que cer-se, no en tan to, que, no cur so des sas prá ti cas clas si fi ca - tórias au to má ti cas e re cí pro cas, se pode trans for mar fa cil men te uma ca rac te rís ti ca en tre mu i tas ou tras da que les que são ob ser va dos, como seja a cor da pele, em eixo or ga ni za dor da pró pria prá ti ca de ob ser va ção, de i xan do a ca te go ri za ção ra ci al d e ter uma fun ção ape nas des cri ti va, para pas sar a ser um prin cí pio de ex pli ca ção de tudo o que se ob ser va, e abrin do ca mi nho, por tan to, à for ma ção de es te reó ti pose pre con ce i tos ra ci a is. Mais do que das in te rac ções in for ma is quo ti di a nas é, con tu do, da ra ci a li za - ção pro du zi da em sede ins ti tu ci o nal que ad vêm os ma i o res con tri bu tos para que a fron te i ra té nue entre a mera ca te go ri za ção ra ci al e o pre con ce i to seja trans pos ta. Par ti cu lar men te nos EUA e na Ingla ter ra, e não é por aca so que o con ce i to em aná li - se é daí ori un do, há múl ti plas ins tân ci as ins ti tu ci o na is de ra ci a li za ção, for te men te ar ti cu la das entre si, que cons ti tu em um po de ro so fac tor de es tru tu ra ção do pen sa - men to e dos dis cur sos co muns a este res pe i to. 15 Entre os lu ga res per ma nen tes de pro du ção ins ti tu ci o nal de ca te go ri as e dis - cur sos ra ci a li za dos con tam-se: o cam po po lí ti co, tan to do lado das au to ri da des go - ver na ti vas a to dos os ní ve is de de ci são, como do lado do as so ci a ti vis mo e da ac ção co lec ti va das mi no ri as ét ni cas e ra ci a is; o cam po ju rí di co, par ti cu lar men te o l e gis la - ti vo; os apa re lhos es ta tís ti cos ofi ci a is; e as pró pri as ciên ci as so ci a is, no me a da men te a so ci o lo gia. Em to dos es ses do mí ni os, ter mos como raça e re la ções ra ci a is, ne gro ou bran co, fa zem par te da ter mi no lo gia for mal de uso cor ren te. É, aliás, no tó rio, nas for mu la ções de Mi les, que o cu i da do em dis tin guir ra ci a - li za ção de ra cis mo tem a ver, tam bém, com a ne ces si da de de sal va guar dar a po si - ção da que les que, sen do his to ri ca men te as prin ci pa is ví ti mas de pre con ce i to e dis - cri mi na ção, adop tam, como lin gua gem po lí ti ca e ban de i ras de mo bi li za ção (des de o Black Po wer dos anos 60 até à ac tu a li da de), es sas mes mas ca te go ri as ra ci a li za das, ca te go ri as que, afi nal, co in ci dem, em lar ga me di da, com as usa das nos dis cur sos ra cis tas pro pri a men te di tos. Além de con tri bu ir para uma cris ta li za ção de de sig na ções que in di rec ta men - te fa vo re ce o pen sa men to ra cis ta, a ra ci a li za ção dos dis cur sos dos lí de res e or ga ni - za ções de mi no ri as, em par ti cu lar, tem o pro ble ma adi ci o nal e mais ime di a to das con di ções de efi cá cia. No ções como uni da de ne gra, luta dos ne gros ou re sis - tên cia ne gra co nhe cem fre quen te men te pro ble mas de ope ra ci o na li za ção po lí ti ca, já que sim pli fi cam ao ex tre mo re a li da des que são com ple xas e mul ti di men si o na is, aca ban do por ser mu i to me nos mo bi li za do ras do que era es pe ra do. A ide ia, por exem plo, de que se ria par te in te gran te do mo vi men to ne gro o pro tes to pú bli co dos asiá ti cos mu çul ma nos fi xa dos em Ingla ter ra, por oca sião da pu bli ca ção do li vro Ver sí cu los Sa tâ ni cos de Sal man Rush die, em 1988, é ape nas um caso li mi te de um pro ces so de re i fi ca ção po lí ti ca de ca te go ri as ra ci a is, que con he ce mu i tas ou tras ex pres sões e que, como nota o pró prio Mi les, re pro duz a di co to mia ra cis ta sub sis ten te como uma ima gem de es pe lho (Mi les, 1993a: 3-4) Algo de ho mó lo go se pas sa com a ra ci a li za ção dos ins tru men tos es ta tís ti cos. Embo ra se pos sam in vo car al guns ar gu men tos a seu fa vor, o uso ofi ci al de es ta tís ti - cas ra ci a is, não só ten de a re for çar sig ni fi ca ti va men te a lin gua gem da raça nos dis - cur sos in for ma is e ins ti tu ci o na is, como tem efi cá cia du vi do sa do pon to de vis ta da

OS NOVOS NOMES DO RACISMO: ESPECIFICAÇÃO OU INFLAÇÃO CONCEPTUAL? 21 pró pria ca rac te ri za ção da re a li da de, uma vez que é vir tu al men te im pos sí vel pro - du zir sis te mas de clas si fi ca ção que se jam, si mul ta ne a men te, con sen su a is, ri go ro - sos, exa us ti vos e ca pa zes de dar con ta da per ma nen te flu tu a ção das auto-iden ti fi - ca ções ét ni cas e ra ci a is. 16 No re cen se a men to nor te-ame ri ca no de 1990, por exem plo, os 9, 8 mi lhões de res pos tas re gis ta das na ca te go ria ou tros dão um bom tes te mu nho da fa li bi li da de do sis te ma de clas si fi ca ção adop ta do e po dem ser li dos como uma re je i ção de fac - to des sa clas si fi ca ção (Berg he, 1993: 248). Ne nhum sis te ma de clas si fi ca ção ra ci al po de ria, tão pou co, dar sen ti do útil às 136 res pos tas di fe ren tes que uma per gun ta do mes mo tipo ob te ve no re cen se a men to bra si le i ro de 1980 (Vieira, R. M., 1995: 235), caso, aliás, bem de mons tra ti vo de um pen sa men to co mum não ra ci a li za do. No que toca, fi nal men te, à ra ci a li za ção do dis cur so so ci o ló gi co, o uso ge ne ra - li za do de ca te go ri as ana lí ti cas como raça, re la ções ra ci a is ou li nha de cor, é um pro ces so de lon ga du ra ção, ini ci a do nos EUA com a Esco la de Chi ca go, nos anos 20, es ten di do mais tar de à so ci o lo gia in gle sa, a par tir do mo men to em que o Re i no Uni do co me çou a re ce ber imi gran tes ex tra-eu ro pe us, e que se pro lon ga até aos dias de hoje, nos dois pa í ses. Se, par ti cu lar men te no caso nor te-ame ri ca no,e face às cir cuns tân ci as his tó ri cas co nhe ci das, era pra ti ca men te ine vi tá vel que ess as no ções en tras sem na te o ria so ci o ló gi ca, a sua pos te ri or cris ta li za ção na so ci o l o gia an glo-sa xó ni ca em ge ral aca bou por ter os mes mos efe i tos ne ga ti vos de ou tros dis - cur sos ins ti tu ci o na is ra ci a li za dos. Na me di da em que se con fir mam e re for çam re ci pro ca men te, e es tru tu ram de for ma de ci si va o pen sa men to co mum, es ses vá ri os dis cur sos, so ci o lo gia in clu í da, ge ram um efe i to de coro, em que to das as re la ções so ci a is en vol ven do in di ví du ose gru pos ra ci al men te di fe ren tes são en ten di das, ex clu si va ou prin ci pal men te, como re la ções ra ci a is; ou seja, eles fun ci o nam ten den ci al men te, para usar de novo a cé le - bre for mu la ção de Mer ton, como uma pro fe cia que se cum pre por si pró pria. Ao de - fi nir-se tão ge ne ra li za da men te a re a li da de em ter mos ra ci a is, são os pró pri os con - tex tos do ra cis mo que são ali men ta dos. Des de os anos 80, a atri bu i ção de es ta tu to ana lí ti co a no ções como raça ou re - la ções ra ci a is tem sido ob jec to de crí ti cas cres cen tes, dentro da pró pria so ci o lo gi a de lín gua in gle sa, es tan do em cur so um de ba te so bre o as sun to, no qual se tem des - ta ca do o pró prio Ro bert Mi les. Na sua pers pec ti va, os ci en tis tas so ci a is pro lon ga - ram, per ver sa men te, a vida de uma ide ia [a de raça] que de via ter sido ex plí ci tae con sis ten te men te con fi na da ao ca i xo te de lixo dos ter mos ana li ti ca men te inú te is ; em vez de se ex pli car como é que a ide ia de raça se tor na ob jec to de um pro ces so de cons tru ção so ci al, ela é to ma da como um fac to so ci al ex pli ca ti vo de ou tros fac tos so ci a is (Mi les, 1989: 72-73). Não se de mar can do do sen so co mum ra ci a li za do, ou con fir man do-o mes mo de for ma ex plí ci ta, a uti li za ção so ci o ló gi ca da no ção de raça, diz ain da Mi les, aca ba por apo i ar, in di rec ta men te, a pró pria ide o lo gia ra cis t a (Mi les, 1993a: 47). 17 É na se quên cia des tas crí ti cas que Mi les de fen de, en tão, o aban do no da que la no ção e pro põe, como al ter na ti va, o men ci o na do con jun to tri par ti do de con ce i tos for ma do por ra cis mo, en ten di do como ide o lo gia e pre con ce i to da su pe ri o ri da - de/in fe ri o ri da de de base bi o ló gi ca e/ou cul tu ral, ra ci a li za ção e ra cis mo