Intervenção do Presidente da Autoridade da Concorrência na sessão de abertura da Conferência CONCORRÊNCIA NO SETOR PORTUÁRIO: O ESTUDO DA ADC Lisboa, 12.11.2015 Bom dia a todos. Gostaria, antes de mais, de agradecer à Sociedade de Advogados Vieira de Almeida & Associados a organização desta conferência sobre o estudo da Autoridade da Concorrência relativo à concorrência no setor portuário. Agradeço também o amável convite que me foi dirigido para abrir esta conferência, e a oportunidade de partilhar convosco as principais conclusões do estudo. A minha apresentação centrar-se-á em 4 questões relativas ao estudo, que me parecem pertinentes para a discussão que se seguirá: 1. Primeiro, o porquê de termos conduzido o estudo e a sua relevância; 2. As principais conclusões de índole concorrencial a que chegámos; 3. Posteriormente, destacarei as recomendações para o setor constantes no estudo, abordando algumas questões que têm sido levantadas na consulta pública e que me parece importante desmistificar; 4. Por último, terminarei com alguns detalhes sobre a consulta pública realizada. Porque analisámos o setor portuário? A relevância do setor é inquestionável. Os portos são um pilar central da economia Portuguesa. Para além do seu contributo económico direto, o setor portuário é um elemento crucial de suporte à atividade económica nacional e à sua integração nos mercados globais. Assegurar a eficiência do setor é essencial na prossecução de uma estratégia orientada para a competitividade da economia Portuguesa, dimensão particularmente importante na atual conjuntura económica. Começo por destacar a localização geoestratégica do nosso país: Somos uma pequena economia aberta localizada na extremidade ocidental do continente europeu, o que por um lado, pode limitar as trocas comerciais por meio ferroviário ou rodoviário com alguns países europeus mas, por outro lado, nos coloca na intersecção das principais rotas de longa distância do comércio marítimo (Norte-Sul e Este-Oeste). Um setor portuário eficiente e concorrencial é essencial para minimizar eventuais desvantagens no comércio com a Europa decorrentes da localização de Portugal e,
simultaneamente, potenciar as oportunidades que a localização geoestratégica privilegiada do nosso país, em termos das grandes rotas marítimas internacionais, nos oferece. Atualmente, uma importante fração do comércio internacional é feito através do transporte marítimo. Em Portugal, mais de 50% das exportações e importações de mercadorias, em massa, são feitas por via marítima. Em valor, estas mercadorias representam mais de 30% das exportações e importações. Estes números ilustram a relevância de um funcionamento eficiente do setor portuário enquanto elemento determinante da competitividade da economia portuguesa e do nível de preços que os consumidores pagam pelos bens e serviços que adquirem. Destaco que, quando me refiro a um funcionamento eficiente do setor, não me estou a cingir ao custo das operações portuárias, mas também a outros fatores cruciais da oferta, como sejam a frequência e regularidade dos serviços, a segurança e o cumprimento dos prazos no transporte. Com efeito, a dimensão qualidade do serviço das operações portuárias pode ser tão ou mais importante do que o preço destes serviços. A existência de constrangimentos concorrenciais no setor portuário pode implicar perdas importantes de bem-estar social, para as empresas e consumidores. A interação do sector portuário com os restantes setores da atividade económica implica que restrições concorrenciais neste setor são passíveis de gerar múltiplos efeitos negativos na competitividade da economia, nas condições de investimento e consequentemente, na geração de emprego e crescimento. A AdC entendeu que deveria ter um papel na prossecução desse objetivo de eficiência do funcionamento dos portos nacionais -, nomeadamente desenvolvendo uma análise aprofundada com vista a um diagnóstico das condições de concorrência no setor, e elaborando um conjunto de recomendações que visam promover a concorrência e a eficiência na atividade portuária. A relevância do estudo conduzido pela Autoridade da Concorrência é aliás consensual nos contributos recebidos durante a consulta pública. Estou rodeado de peritos do setor por isso e, por isso, não me deterei a explicar como funciona o setor a quem já o conhece em detalhe. Permitam-me contudo considerar a cadeia logística em que se insere a atividade portuária. Pretendo destacar com esta imagem a quantidade de intervenientes associados ao setor portuário e à cadeia logística em que este se insere. Com efeito, a atividade portuária é um elo de ligação na cadeia logística associada ao transporte de mercadorias entre um ponto de origem e um ponto de destino. Nessa medida, o grau de concorrência entre portos e entre terminais está interligado com o funcionamento de toda a cadeia logística de transporte. A abordagem de análise 2
tem assim, necessariamente, de ser ampla e integrada e a AdC teve em consideração este enquadramento na análise que desenvolveu. Passo agora aos resultados da análise desenvolvida pela AdC, i.e., à caracterização do grau de concorrência no setor portuário. 1. A análise desenvolvida demonstrou que o setor apresenta um elevado nível de concentração. Destaco que esta conclusão se aplica independentemente da posição que se assuma quanto à exata delimitação dos mercados relevantes. Com efeito, os índices de concentração na movimentação portuária dos vários tipos de carga a nível nacional são elevados - mesmo sem definir possíveis mercados relevantes mais finos em termos da carga considerada ou do mercado geográfico associado; 2. As barreiras à entrada de operadores na prestação de serviços de movimentação de carga nos terminais portuários são também elevadas. A entrada no setor pode ocorrer por duas vias, nomeadamente: (a) através da implementação de terminais de raiz ou (b) ocorrer no momento em que o período de determinada concessão termina e esta é sujeita a um novo procedimento de concessão. A primeira via, i.e., a implementação de terminais de raiz, enfrenta contudo custos e constrangimentos de variada ordem, sejam de decisão política, disponibilidade e adequabilidade de terrenos ou de caráter financeiro. Já no que se refere a procedimentos de concessão de terminais em funcionamento, como ilustra o gráfico, a longa duração das concessões associadas a esses terminais limita a possibilidade de entrada por esta via. Adicionalmente, o estudo também conclui pela existência de importantes barreiras à entrada na prestação de outros serviços portuários, nomeadamente no serviço de reboques marítimos ou de pilotagem, que não parecem ser justificadas nem adequadas. 3. Identificámos igualmente a existência de restrições de capacidade em alguns terminais portuários. Estas restrições podem, por si só, comprometer a eficiência da operação nesses terminais. Em termos concorrenciais, estas restrições limitam a capacidade dos operadores portuários que exploram esses terminais para concorrer com outros terminais pela atração de carga. Destacaria ainda outras duas conclusões do estudo, nomeadamente: 4. a forte especialização que caracteriza atualmente os serviços prestados nos terminais, nomeadamente em função do tipo de carga movimentada ou mesmo do tipo de navios que é recebido no terminal. Esta diferenciação limita a concorrência entre terminais que não estejam especializados no mesmo tipo de mercadoria ou em termos de navios recebidos. 3
5. O grau significativo de integração vertical na cadeia logística do transporte de mercadorias. Esta integração vertical entre operadores de transporte marítimo e operadores portuários pode suscitar preocupações de encerramento de mercado a concorrentes, i.e., de discriminação nas condições de acesso de concorrentes a infraestruturas ou serviços, fragilizando a sua capacidade para concorrer nos mercados a jusante. No âmbito da consulta pública, recebemos vários comentários que estão em linha com as nossas conclusões. Existem também outros comentários que realçam que as questões identificadas resultam, em grande medida, da reduzida escala do setor portuário em Portugal associada à necessidade de garantir os investimentos necessários à eficiência das operações portuárias. A este respeito gostaria de destacar que em determinadas matérias existem trade-offs que exigem um exercício de ponderação para a prossecução da eficiência do sistema. A título de exemplo, refiro a integração vertical ou a duração das concessões. Com efeito, a integração vertical no sector é uma tendência, não só nacional mas internacional, passível de trazer eficiências na articulação de todas as atividades da cadeia logística associada ao transporte de mercadorias. O estudo considera estas eficiências, contudo alertando para os riscos de, em certas circunstâncias, esta integração vertical poder criar condições para a emergência de práticas anticoncorrenciais, nomeadamente na prestação de serviços portuários. Na determinação do prazo para as concessões emergem também trade-offs em termos de eficiência. Por um lado, uma maior duração das concessões pode melhor assegurar o retorno do investimento e, como tal, os incentivos para investir. Por outro lado, quanto maior esta duração, menos frequentemente serão as concessões sujeitas a concurso. Assim, a longa duração pode potenciar o exercício de poder de mercado, atenuando os efeitos da interação concorrencial, e reforçando as barreiras à entrada no sector. A existência destes trade-offs é considerada no estudo. As recomendações refletem também esta análise, que implica que não exista uma solução one-size fits all para todas as situações específicas, mas antes um conjunto de princípios que importa verificar ao ponderar estes efeitos. É importante contudo destacar que, não obstante estes exercícios de ponderação, a concorrência é central para a promoção da eficiência neste, como em qualquer outro sector. Apenas a pressão concorrencial pode promover os incentivos à inovação, ao investimento e à eficiência, trazendo benefícios às empresas, à economia e aos consumidores. É esse o nosso objetivo com as recomendações que apresentamos no estudo. Feito este esclarecimento, debrucemo-nos sobre os 5 conjuntos de recomendações constantes no estudo, os quais incidem nomeadamente sobre: 4
i. a Governação existente no setor, destacando a importância da existência de uma entidade reguladora independente com recursos adequados; ii. as concessões dos terminais portuários; iii. as rendas associadas a essas concessões; iv. o acesso aos mercados de serviços portuários; e por último; v. a necessidade de um promover um pass-through dos ganhos e eficiências existentes no setor portuário aos consumidores e economia em geral. No que diz respeito ao modelo de governação dos portos, a AdC recomenda que deve ficar claro que a missão das Administrações Portuárias é contribuir para a maximização da utilização eficiente das infraestruturas portuárias e dos serviços portuários. Defendemos igualmente, a este nível, a existência de uma separação clara entre a atividade regulatória, as atividades da administração portuária e as atividades comerciais existentes nos portos, dando especial ênfase, como referi, à implementação efetiva do regulador setorial, a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes AMT. É com extremo agrado que encontro aqui hoje o Dr. João Carvalho, entretanto nomeado Presidente da AMT. Com efeito, o sector tem hoje um regulador, tendo a AdC inclusivamente recebido da AMT contributos muito relevantes no âmbito da consulta pública associada ao estudo. Iremos refletir este facto na versão final do estudo, fazendo incidir agora a nossa análise e eventuais recomendações na atuação concreta do regulador e na definição e concretização das modalidades de articulação entre a AMT e a AdC. Importante para a atuação eficaz do regulador é ainda que disponha dos meios necessários ao cumprimento da sua missão. Quanto às concessões dos terminais portuários, recomendamos, regra geral, a adoção dos princípios estabelecidos na Diretiva da UE relativa às concessões. Estes princípios referem-se aos procedimentos seguidos na atribuição das concessões, ao desenho dos contratos subjacentes, à monitorização e fiscalização da sua implementação, assim como a eventuais processos de renegociação. Já aqui esclareci a necessidade de ponderar, na determinação do prazo das concessões, o trade-off relacionado com os incentivos ao investimento. Permitam-me agora desmistificar algumas leituras quanto às recomendações da AdC para o desenho das concessões, que identificámos no decorrer da consulta pública: (i) não recomendamos que o prazo das concessões deva ser reduzido; 5
(ii) (iii) (iv) não recomendamos que o risco deve estar sempre totalmente do lado do concessionário; não recomendamos uma atomização dos intervenientes no setor; muito menos desconsideramos a relevância da eficiência, segurança e captação de investimento para o setor. Há uma dimensão central nas recomendações da AdC: a adequação do desenho das concessões, ponderando os trade-offs identificados: (i) os prazos devem ser adequados ao investimento mas assegurando os ganhos de concorrência; (ii) a transferência efetiva do risco para o concessionário deverá ser adequada tendo em conta as especificidades do terminal; e (iii) as limitações à entrada de novos operadores de terminais portuários e serviços portuários devem ser minimizadas, devendo restringirse ao estritamente necessário para salvaguardar questões de eficiência e segurança, em função das especificidades de cada porto. Respeitando este princípio pela adequação das condições específicas do setor mas sem introduzir barreiras desnecessárias à concorrência, estou certo que num contexto de maior interação concorrencial, a eficiência, a segurança e a captação de investimento serão maximizadas. Ainda no âmbito das concessões, recomendamos a redução das rendas das concessões portuárias, sobretudo naquilo que diga respeito às rendas variáveis. Esta redução poderá ter um efeito benéfico nos preços praticados e constituir um incentivo adicional à atração de mais tráfego aos terminais. Existe também um conjunto de recomendações centradas na liberalização dos serviços portuários, que visam promover a concorrência na prestação destes serviços. Defendemos um princípio geral de liberdade no acesso à prestação dos vários serviços portuários. Tal recomendação não se abstrai, naturalmente, de limitações de espaço e aspetos de segurança e interesse público que possam determinar a necessidade de ajustar a aplicação deste princípio. Por último, destaco a recomendação que visa a transmissão das reduções de custo a montante por toda a cadeia de valor associada às operações portuárias, refletindo-as nas condições praticadas aos utilizadores portuários e aos consumidores. Este objetivo poderá ser prosseguido por via do reforço da concorrência nos vários níveis da cadeia de valor/logística, mas também através da forma como os contratos de concessão são desenhados e implementados. É importante a inclusão, no desenho 6
das concessões, de mecanismos de incentivos ligados ao desempenho dos operadores que apenas serão credíveis num quadro de efetiva monitorização. Já tive oportunidade de falar um pouco sobre algumas questões que surgiram no âmbito da consulta pública. Não seria de esperar que todos os agentes com interesses, por vezes tão antagónicos, no setor portuário expressassem o seu acordo relativamente a toda a nossa análise, conclusões ou recomendações. Espero contudo que não tenhamos que estar em desacordo quando tal não é necessário, nomeadamente por eventuais equívocos de interpretação resultantes porventura do modo como expressámos alguns pontos da nossa análise e das nossas recomendações e que procuraremos clarificar na versão final do estudo. Espero que, em parte, a minha intervenção de hoje já contribua para alguma dessa clarificação, desmistificando algumas leituras das recomendações que efetuámos. Permitam-me que registe a elevada participação nesta consulta, que envolveu muitos dos intervenientes do setor. Recebemos mais de 40 contributos, o que atesta a importância do tema, o interesse do estudo e a disponibilidade dos agentes económicos neste setor em participar na discussão. Só podemos agradecer todas as observações que nos foram remetidas que, embora nem sempre coerentes entre si, só poderão contribuir para um melhor resultado. Um dos principais objetivos desta consulta pública era, precisamente, potenciar a discussão sobre o tema da concorrência e eficiência no setor portuário, agregando o know-how e a experiência de tantos intervenientes no setor. A versão final do estudo poderá assim beneficiar dos vários comentários recebidos, ajudando a consulta pública a identificar matérias que poderão carecer de ser aprofundadas e os ajustamentos que possam ser necessários, de modo a que tenhamos um estudo melhor fundamentado, mais adaptado à realidade do setor portuário nacional e mais robusto nas suas conclusões. A consulta pública é assim um passo essencial deste trabalho e à qual daremos a nossa melhor atenção. Estamos neste momento a ponderar com toda a atenção os comentários recebidos e deveremos, em breve, estar em condições de partilhar as reflexões desenvolvidas. Um dos pontos que tem sido salientado em alguns contributos é o facto de a AdC não ter dado a devida atenção aos elementos positivos que existem no setor portuário nacional. Posso garantir-vos que ignorar os aspetos positivos no funcionamento dos portos portugueses não é o espírito subjacente ao nosso estudo. Sabemos bem que o setor tem sido capaz de responder ao desafio do aumento de carga registado nos 7
portos nacionais. Sabemos bem que o setor tem sido capaz de responder ao aumento das exportações nacionais, contribuindo para a competitividade da economia Portuguesa. Não quer isto dizer que não existam melhorias a concretizar, nomeadamente de âmbito concorrencial. Acredito firmemente que a implementação generalizada das recomendações constantes no estudo da AdC irá contribuir para promover a concorrência no setor, com reflexos positivos na sua eficiência. Termino reiterando a importância, para a AdC, de um diálogo próximo e aberto com a comunidade empresarial em todos os setores e especificamente no setor portuário. A AdC é uma Autoridade com competências transversais na economia portuguesa. A informação que recolhe junto dos agentes económicos de cada setor e o diálogo isento e imparcial com todos os operadores e agentes económicos é essencial para garantir que a nossa intervenção é robusta e fundamentada e assente em pressupostos fiéis ao funcionamento de cada setor de atividade, no caso concreto, do setor portuário. Permitam-me que renove os meus agradecimentos à Sociedade de Advogados Vieira de Almeida & Associados e ao Dr. Miguel Mendes Pereira pela organização desta iniciativa, que oferece um espaço adicional de análise e discussão do estudo da Autoridade da Concorrência e das condições de concorrência no setor portuário nacional. Assim melhor garantimos que o estudo final da AdC possa ser um contributo relevante para a melhoria das condições de concorrência e de eficiência do setor portuário e da competitividade da economia portuguesa. Muito obrigado. 8