Síndrome de Hipotensão Liquórica: Avaliação por RM Almeida JRM 1, Ferreira NF 2, Amaral LLF 2, McPhee HL 1, Cartaxo OQ 1, Mendonça RA 2, Lima SS 3 1 Médico Estagiário do Setor de Ressonância Magnética do Serviço de Radiologia da Med Imagem - Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo; 2 Médico Neuroradiologista da Med Imagem; 3 Chefe do Serviço de Radiologia da Med Imagem Introdução: A síndrome de hipotensão liquórica é caracterizada por baixa pressão do líquido cefaloraquidiano (LCR) associada à cefaléia postural, náuseas, vômitos, distúrbios visuais e outros sintomas menos freqüentes1,2,3. Esta entidade foi descrita pela primeira vez por Schaltenbrand, em 1938, e inicialmente denominada de aliquorréia 1,4. Na maioria das vezes, é possível identificar fatores causais diretos, tais como punções lombares ou traumas que provoquem rupturas do revestimento meníngeo do encéfalo ou da medula espinhal, com conseqüente vazamento do líquor4,5,6. No entanto, existem casos nos quais, apesar da cuidadosa investigação, não é possível apontar fatores etiológicos. Dessa maneira, a hipotensão é considerada como espontânea ou idiopática1,2,6. A avaliação diagnóstica dos pacientes com história clínica sugestiva desta condição pode ser feita através de medições diretas da pressão do LCR -nas quais são obtidos valores abaixo de 50-60 mm H2O-, assim como por estudos não invasivos por métodos de imagem1,2,6,7. Os avanços técnicos recentes aumentaram a acurácia da investigação imaginológica, a qual, quando bem correlacionada com a história clínica, deve ser suficiente para diagnosticar com precisão a síndrome de hipotensão liquórica (SHL). Entre as opções disponíveis, estão: a cisternografia com injeção de radionuclídeos (111In-DTPA), que é capaz de identificar pontos específicos de vazamento do LCR; a mielografia por tomografia computadorizada (mielo-tc), técnica que pode ser associada às reconstruções tridimensionais para melhorar a acurácia diagnóstica e; finalmente, o estudo por RM2,3,5,6. Ainda que a RM não seja considerada como um bom método para visualização direta do local de vazamento do líquor, ela é capaz de demonstrar algumas alterações tidas como características nos casos suspeitos, são elas: realce meníngeo pelo meio de contraste (fig.1), retificação da face anterior da ponte (fig.2), aumento de volume da hipófise (fig.3), hematomas e efusões subdurais (fig.4), rebaixamento das tonsilas cerebelares (fig.5), fechamento da cisterna interpeduncular (fig.6), localização do iter (ponto de comunicação entre o 3o ventrículo e o aqueduto de Sylvius) abaixo da linha entre o processo clinóide anterior e a veia de Galeno (fig.7), além de outras alterações observadas na coluna vertebral - principalmente ingurgitamento venoso, efusões/coleções epidurais (figs.8 e 9)1,2,3,4,8. Apesar de tais achados já terem sido consistentemente descritos na literatura científica contemporânea, freqüentemente o diagnóstico não é realizado pelo médico radiologista, pois esta síndrome é incomun e pode ser confundida com meningites, alterações pós-traumáticas, tumores hipofisários, entre outras1,2,3,5,8. No presente trabalho, os autores procuram demonstrar imagens obtidas por RM que sejam ilustrativas da SHL.
Figura 1. Imagens coronais ponderadas em T1 após infusão intravenosa do meio de contraste (Gd-DTPA) mostram realce meníngeo liso e regular (setas). Figura 2. Imagens sagitais ponderadas em T1 demonstram a retificação da face anterior da ponte (setas) em dois pacientes. Figura 3. Imagens sagitais ponderadas em T1. A- Aumento volumétrico da hipófise (seta). B- Estudo realizado após tratamento conservador (repouso e hidratação) revelou normalização das dimensões da glândula (seta).
Figura 4. Imagens axiais ponderadas em T2 e FLAIR demonstram a evolução de hematomas subdurais bilaterais (setas em A e C), que se resolveram com o tratamento (B e D). Figura 5. Imagens sagitais ponderadas em T1. A- Tonsilas cerebelares de posição baixa (seta). B- Retorno à posição habitual das tonsilas cerebelares após tratamento (seta). Figura 6. Imagens axiais ponderadas em T2. O fechamento da cisterna interpeduncular (seta) é demonstrado em A, quando comparado com indivíduo sem alterações (B).
Figura 7. Imagens sagitais ponderadas em T1. A- O iter -ponto de encontro entre o terceiro ventrículo e o aqueduto de Sylvius- (seta) encontra-se abaixo da linha traçada entre a apófise clinóide anterior e a emergência da veia de Galeno. B- Em paciente utilizado como controle, observa-se o iter (seta) em posição habitual. Figura 8. Imagens axiais (A) e sagitais (B) ponderadas em T1 pós gadolínio evidenciam ingurgitamento venoso na coluna cervical (setas). Figura 9. Imagens axiais (A) e sagitais (B) ponderadas em T2 demonstram coleção epidural com sinal semelhante ao do líquor (setas). Material e Métodos: Análise retrospectiva de cinco casos do arquivo didático da Med Imagem foi realizada. O grupo estudado era composto por três mulheres e dois homens, com idades entre 30 e 48 anos (idade média de 40 anos). Todas as imagens foram obtidas em aparelhos de RM de 1,5T da GE Medical Systemsreg., em exames para avaliação
específica do encefálo, durante o período compreendido entre setembro de 1997 e dezembro de 2002. A investigação da coluna vertebral foi realizada em dois pacientes. Os casos foram revisados por, pelo menos, dois neuroradiologistas, sendo que os critérios imaginológicos baseados em mensurações foram os seguintes: o iter foi considerado como rebaixado, quando se encontrava inferiormente à linha traçada entre o processo clinóide anterior e a emergência da veia de Galeno; as tonsilas cerebelares foram avaliadas como de posição baixa, quando se insinuavam sob o forame magno; a hipófise foi tida como aumentada, levando-se em consideração o tamanho esperado para o sexo e a faixa etária do paciente, além de abaulamento da sua face superior. Os demais critérios basearam-se apenas na visualização direta das alterações descritas. Os pacientes tiveram confirmação diagnóstica durante o acompanhamento clínico e por imagens. Resultados: Todos os pacientes apresentaram realce meníngeo após a infusão de gadolíneo, sendo que três mostravam concomitante aumento volumétrico da hipófise e rebaixamento do iter. Dois tinham retificação da ponte e hematomas subdurais, e em um dos casos foi observado fechamento da cisterna interpeduncular e rebaixamento das tonsilas cerebelares. Nenhum dos indivíduos era portador de efusões subdurais intracranianas. Nas duas ocasiões em que a coluna vertebral foi estudada, havia ingurgitamento venoso e, em uma delas, notou-se efusão/coleção epidural cervical. (Vide Tabela). X = achado presente
Discussão: O LCR é produzido principalmente pelo plexo coróide, que é responsável por 80% do seu volume, ficando os 20% restantes a cargo do epêndima e do próprio parênquima cerebral1,9,10. A produção diária total gira em torno de 500 ml e, em condições fisiológicas, tem um padrão circulatório monótono (simplificadamente, observa-se fluxo à partir do sistema ventricular para o espaço subaracnóide e canal central da medula, sendo que a absorção é realizada pelas granulações aracnóides)1,9. É fundamental observar que a pressão e volume do LCR não são determinados somente por forças hidrostáticas relacionadas à produção e absorção do mesmo1,10. A elasticidade dural e mudança do calibre das veias cerebrais têm um papel importante, que é bem estabelecido pela regra de Monro-Kellie, a qual parte dos seguintes pressupostos: 1) o cérebro está contido por um compartimento ósseo rígido; 2) a massa cerebral é praticamente não compressível; 3) o volume de sangue no interior da cavidade craniana é virtualmente constante; 4) o fluxo venoso deve ser contínuo para permitir o acesso do sangue arterial ao cérebro1,9. A regra original não levava em consideração o papel do LCR, o qual foi posteriormente introduzido na equação por Burrows em 18469. Assim, didaticamente, pode-se considerar que deve haver equilíbrio entre o volume de sangue e LCR circulando no sistema nervoso central em todos os momentos. Os sinais de hipotensão liquórica observados pela RM baseiam-se neste postulado1,3,4,8,9,10. O realce meníngeo é o achado mais freqüentemente descrito1,2, fato que está em concordância com o observado pelos autores. Tal realce deve ser do tipo liso, contínuo, e se deve ao ingurgitamento venoso paquimeníngeo, já que, ao contrário do que ocorre nas leptomeninges, nesse nível não há barreira hemato-encefálica1,2,10. O aumento de volume da hipófise também é ocasionado por alterações vasculares (ingurgitamento das veias do sistema porta-hipofisário). Além de se hipertrofiar, a glândula passa a apresentar convexidade superior, achado que não deve ser confundido com lesões tumorais. Interessantemente, nota-se que a regressão do quadro hipofisário após o tratamento precede o desaparecimento do realce meníngeo1,2,8. As efusões e hematomas subdurais estão mais claramente relacionados à redução do espaço subaracnóide. No primeiro caso, há perda do equilíbrio hidrostático e colóide-osmótico, com formação de coleções normalmente compostas por transudato. Apenas ocasionalmente, as coleções mostram sinal diferente ao do líquor (hipersinal em T1), que pode ser explicado por exsudação ou pequenos sangramentos3,4,5,7. Os hematomas formam-se com o ingurgitamento venoso e laceração das veias de ligação promovendo sangramento subaracnóide1,5. O outro mecanismo fisiopatológico envolvido na SHL é secundário à diminuição volumétrica (e não necessariamente pressórica) do líquor. Em trabalho recentemente publicado10, Miyazawa e colaboradores observaram que alguns dos pacientes com história clínica e achados de imagem compatíveis com hipotensão liquórica não apresentavam baixa pressão intracraniana. Conseqüentemente, aventaram a possibilidade de que, quando há uma redução volumétrica do LCR associada a uma redução compensatória do espaço subaracnóide, a pressão é mantida. Dessa forma, o paciente pode apresentar sinais e sintomas da síndrome de hipotensão liquórica, mesmo com quadro pressórico normal10. Achados como retificação da face anterior da ponte, fechamento da cisterna interpeduncular, rebaixamento do iter e das tonsilas cerebelares estariam diretamente relacionados a tal mecanismo 10.
Conclusão: Em suma, o radiologista deve saber quando e como suspeitar de hipotensão liquórica. Assim, sempre que o paciente tiver história clínica de cefaléia postural, associada ou não a punções liquóricas, e apresentar os seguintes achados ao estudo por RM: realce meníngeo regular e contínuo, retificação da face anterior da ponte, aumento de volume da hipófise, hematomas e efusões subdurais, rebaixamento das tonsilas cerebelares, fechamento da cisterna interpeduncular, posição baixa do iter (ponto de comunicação entre o 3o ventrículo e o aqueduto de Sylvius), além de alterações na coluna vertebral -sobretudo sinais de ingurgitamento venoso e efusões/coleções epidurais-, a possibilidade de síndrome de hipotensão liquórica deve ser fortemente considerada. Referências Bibliográficas: 1- Christoforidis GA, Mehta BA, Landi JL, et al. Spontaneous intracranial hypotension: report of four cases and review of the literature. Neuroradiol 1998; 40: 636-643. 2- Spelle L, Boulin A, Tainturier C, et al. Neuroimaging features of spontaneous intracranial hypotension. Neuroradiol 2000; 43: 622-627. 3- Rabin BM, Roychowdhury S, Meyer JR, et al. Spontaneous intracranial hypotension: spinal MR findings. Am J Neuroradiol 1998; 19: 1034-1039. 4- Yousry I, Förderreuther S, Moriggl B, et al.cervical MR imaging in postural headache: MR signs and pathophysiological implications. Am J Neuroradiol 2001; 22: 1239-1250. 5- Raymackers JM, Duprez T, Jeanjean A, et al. Discrepant time course of cranial and spinal subdural collections in a case of SIH treated by EBP. Eur Radiol 2001; 11: 2310-2313. 6- Fujimaki H, Saito N, Tosaka M, et al. Cerebrospinal fluid leak demonstrated by three-dimensional computed tomographic myelography in patients with spontaneous intracranial hypotension. Surg Neurol 2002; 58: 280-285. 7- Chen CJ, Lee TH, Hsu HL, et al. Spinal MR findings in spontaneous intracranial hypotension. Neuroradiol 2002; 44: 996-1003. 8- Alvarez-Linera J, Escribano J, Benito-Léon J, et al. Pituitary enlargement in patients with intracranial hypotension syndrome. Neurology 2000; 55: 1895-1897. 9- Mokri B. The Monro-Kellie hypothesis. Aplications in CSF volume depletion. Neurology 2001; 56: 1746-1748. 10- Miyazawa K, Shiga Y, Hasegawa T, et al. CSF hypovolemia vs intracranial hypotension in spontaneous intracranial hypotension syndrome. Neurology 2003; 60: 941-947.