HUMBERTO MASSAHIRO NANAKA O JOVEM BRASILEIRO DE CLASSE MÉDIA E A SÉRIE MALHAÇÃO: JUVENTUDE, CULTURA E MODERNIDADE



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Transcrição:

HUMBERTO MASSAHIRO NANAKA O JOVEM BRASILEIRO DE CLASSE MÉDIA E A SÉRIE MALHAÇÃO: JUVENTUDE, CULTURA E MODERNIDADE Universidade Federal de Mato Grosso UFMT Instituto de Linguagens IL Cuiabá 2007

ii HUMBERTO MASSAHIRO NANAKA O JOVEM BRASILEIRO DE CLASSE MÉDIA E A SÉRIE MALHAÇÃO: JUVENTUDE, CULTURA E MODERNIDADE Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Estudos de Linguagem do Instituto de Linguagens da Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem. Área de Concentração: Estudos Literários e Culturais Orientadora: Profa. Dra. Sirlei Aparecida Silveira Universidade Federal de Mato Grosso UFMT Instituto de Linguagens IL Cuiabá 2007

FOLHA DE APROVAÇÃO iii

iv DEDICATÓRIA A Haruo, Marli, Tieko, Mário, Tetuo e Batiã

v AGRADECIMENTOS Aos Professores do Mestrado em Estudos de Linguagens. Às contribuições da banca examinadora. Ao professor Marcos Napolitano pela indicação do livro A síncope das idéias. Aos colegas de mestrado 2004 e 2005, pelo apoio na seletiva. Ao Aldo, Tereza, Lucinéia, Neto, Pedro Henrique, João Paulo, Danilo, Mauricio, Paula, Carol, Rami, Sílvia, Camila e Janaína Capobianco. A UFMT, UNIVAG, UNEMAT, UNICEN, Ideal, Escola 13 de Maio e ao Diário da Serra. Ao Márcio e ao Luiz, da banca de livros da UFMT. A todos os jovens que contribuíram para a elaboração desta Dissertação de Mestrado.

vi A relativa desvinculação do jovem em face da ordem estabelecida é um aspecto útil à compreensão da produção do comportamento radical na juventude. Octavio Ianni

vii RESUMO NANAKA, Humberto Massahiro. O jovem brasileiro de classe média e a série Malhação: juventude, cultura e modernidade. O objetivo deste trabalho é o estudo da juventude brasileira, sob a perspectiva da série Malhação, exibida pela Rede Globo de televisão. Com base na Escola de Frankfurt e os pressupostos dos autores Horkheimer e Adorno, será enfocada a crítica ao consumo entre os jovens e a transformação da cultura em mercadoria. Nesse pressuposto, serão analisados os capítulos da série em epígrafe para a discussão do paradigma do jovem moderno. Palavras Chaves: Juventude, cultura e modernidade.

viii ABSTRACT The objective of this work is the study on the youth brazilian, under the perspective of the series Malhação, exhibited by the net television Globo. With base in the School of Frankfurt and the theoretical presupposition of the authors Horkheimer and Adorno, the critic will be focused to the consumption between the youths and the transformation of the culture in merchandise. In that presupposition, the chapters of the series will be analyzed in epigraph for the discussion of the modern youth s paradigm. Key - words: Youth, culture and Modernity.

ix LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS UFMT: Universidade Federal de Mato Grosso IL: Instituto de Linguagens MeEL: Mestrado em Estudos de Linguagens UNEMAT: Universidade do Estado de Mato Grosso UNICEN: União das Faculdades do Médio Norte IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística CD: Disco Compacto DVD: Digital Versatile Disc. Contém informações digitais, tendo uma maior capacidade de armazenamento que o CD áudio ou CD-ROM, devido a uma tecnologia óptica superior, além de padrões melhorados de compressão de dados. MSN: Microsoft Service Network é um programa da mensagens instantâneas criado pela Microsoft Corporation. O programa permite que um usuário da Internet se comunique com outro que tenha o mesmo programa em tempo real, podendo ter uma lista de amigos "virtuais" e acompanhar quando eles entram e saem da rede. UNICAMP: Universidade Estadual de Campinas PUC: Pontifícia Universidade Católica UFRJ: Universidade Federal do Rio de Janeiro LP: Disco de Vinil ou Long Play TV: Televisão SBT: Sistema Brasileiro de Televisão http//: Protocolo de Transferência de Hipertexto EUA: Estados Unidos da América URSS: União Soviética, atual Rússia. FM: Freqüência Modulada AIDS: Síndrome da Imunodeficiência Adquirida HIV: vírus da imunodeficiência humana Mp4: MPEG-4 Part 14Um padrão de container de áudio e vídeo que é parte da especificação MPEG-4. A extensão oficial do nome do arquivo é mp4, por isso é comum vermos o formato ser chamado assim. IPOD: refere-se a uma série de players de áudio digital projetados e vendidos pela Apple Inc.

x DJ: disc jockey é um artista profissional que seleciona e roda as mais diferentes composições previamente gravadas para um determinado público alvo, trabalhando seu conteúdo e diversificando seu trabalho em pistas de dança de bailes, clubes, boates e danceterias. DC: Distrito de Columbia MPB: Música Popular Brasileira MTV: Music Television ME: Múltipla Escolha FURRECAS: Fundo contra Armações da República IPPH: Instituto da População e da Saúde Pública ENEM: Exame Nacional do Ensino Médio PROUNI: Programa Universidade para Todos VIP: Pessoa Muito Importante BV: Boca Virgem TATU: "Тату", expressão russa que significa "essa ama aquela" USP: Universidade de São Paulo PCC: Primeiro Comando da Capital FINEP: Financiadora de Estudos e Projetos do Ministério de Ciência e Tecnologia. PROJAC: Centro de Produção da TV Globo em Jacarepaguá-RJ. MIT: Instituto Tecnológico de Massachusetts MC: Mestre de cerimônia, denominação para cantores de funk. JK: Juscelino Kubitschek CPC: Centro Popular de Cultura UNE: União Nacional dos Estudantes

xi SUMÁRIO Dedicatória...iv Agradecimentos...v Epígrafe...vi Resumo...vii Abstract...viii Lista de abreviatura e siglas...ix INTRODUÇÃO...1 CAPÍTULO 1 A LITERATURA SOBRE JOVENS Juventude e Sociedade Moderna...5 O conceito de Jovem Radical...7 Rita Pavone, o mito geracional...12 O adolescente e a Cultura de Massa...14 Os jovens Carecas do subúrbio...20 O papel da televisão na adolescência...24 CAPÍTULO 2 HISTÓRIA DA SÉRIE MALHAÇÃO A música popular brasileira: engajamento político e indústria cultural...27 Um diálogo entre a juventude e a contracultura...32 Juventude e televisão: História do programa Malhação e a articulação com os programas que antecederam a série...34 O jovem e o consumo: lazer e entretenimento...43 A república de Malhação e o espaço estudantil...56 CAPÍTULO 3 ANÁLISE DAS CENAS EM MALHAÇÃO E A SUA RELAÇÃO COM O TEMA JUVENTUDE Juventude e público...62 Comportamento juvenil...66 Juventude, moda e beleza: O adeus ao corpo...78 O jovem e a ética...82 O jovem e a política...84 CONSIDERAÇÕES FINAIS...90 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...93 ANEXOS...100

INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objetivo o estudo da juventude 1, especificamente o jovem brasileiro de classe média na série de televisão Malhação, da Rede Globo. Um levantamento inicial foi realizado sobre a literatura e autores que desenvolveram estudos sobre o jovem, a sua construção enquanto cultura e seu desenvolvimento na sociedade moderna. Dentre esses autores temos Karl Mannheim, Octavio Ianni, Umberto Eco e Edgar Morin. A discussão sobre o tema juventude nasce de algumas inquietações, como a situação do jovem na sociedade brasileira contemporânea. O jovem vive uma contradição: eles são vistos como semelhantes ao acompanhar modas e tendências e, por outro lado cultivam um estilo próprio formando grupos ou tribos aparentemente distintos, conforme estudaremos adiante. A padronização dos jovens ocorre a partir da perspectiva de Malhação? Os jovens querem (ou podem) usar as mesmas marcas de roupas, ouvir os mesmos estilos musicais e utilizar produtos similares direcionados ao seu consumo? Qual linguagem a mídia utiliza para se comunicar com o jovem moderno? A partir dessa premissa passaríamos a discutir sobre o elemento que une o consumo e esses jovens. Através da respectiva série, que espaço passa a ser reproduzido no cotidiano desses jovens? Que jovem é esse? A possibilidade de refletir sobre a prática cotidiana do jovem brasileiro a partir da série em estudo seria viável para sua compreensão? O contato com a juventude tem sido uma constante, seja nas aulas de catequese as quais atuei junto à igreja católica local a partir de 1997, ou enquanto professor de Língua Portuguesa e literatura em escolas públicas de ensino fundamental e médio. A presença de jovens estudantes acompanha esta dissertação. Com freqüência, ouço comentários e apoio de amigos adolescentes e ex-alunos, dialogando a respeito desta pesquisa que envolve parte de seus sonhos, indagações e (des) preocupações. O programa Malhação chegava ao capítulo de número 2.416, com dez anos no ar até o início desta pesquisa, em janeiro de 2005. Mais de 223 atores já passaram pelo 1 O Grupo de Pesquisa sobre os jovens de classe média orientado pela Drª. Maria A. Morgado, no Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso-UFMT, revela um país de muitos jovens. De acordo com o censo realizado no ano de 2000 pelo IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, os jovens entre 15 e 24 anos representam mais de 32 milhões de brasileiros.

2 elenco da série. Atualmente a série contabiliza doze anos formando gerações de jovens em todo o país. A terminologia série é empregada para definir o formato de Malhação, devido a sua particularidade em relação às demais telenovelas. Ela se aproxima das séries norte-americanas soap opera, cujo final do programa é temporalmente indefinido. No caso das telenovelas brasileiras, a duração média raramente ultrapassa oito meses e fica em torno de aproximadamente cento e oitenta capítulos. As soap opera (Ortiz, Ramos e Borelli, 1991) constituem uma espécie de telenovela produzida nos Estados Unidos a partir de 1934, no intuito de promover e divulgar produtos como Protecter and Gamble, Colgate-Palmolive e Lever Brothers junto às donas de casa. Essas multinacionais estão presentes nas prateleiras de supermercados, farmácias e lojas de conveniências na forma de sabonetes, xampus, detergentes, pasta dental e sabão em pó. Malhação é um programa da TV Globo destinado ao público jovem que não tem férias ou intervalos, no ar de segunda a sexta feira entre as 17h30min às 18h00min. A série já foi exportada para países como Cabo Verde, Chile, Eslovênia, Indonésia, Moçambique, Paraguai, Polônia, Portugal, Rússia, Venezuela e Japão. Em 2003, a série obteve 29 pontos de audiência e 58% de share, que identifica a porcentagem de aparelhos televisivos ligados a Rede Globo no horário do programa. No ano seguinte, o índice sobre para 34 pontos de audiência, aumentando os níveis de share em 8%, o que equivale à cerca e vinte e um milhões de telespectadores. Conforme dados da TV Globo, é a maior audiência desde seu início, em abril de 1995. Em momentos de pico, Malhação alcançou 42 pontos em 2004, superando as demais telenovelas Globais. Os números apontados nesta pesquisa terão como fonte o Dicionário da TV Globo, volume 1: Programas de dramaturgias & entretenimento, um projeto Memórias das Organizações Globo. Durante a pesquisa foram assistidos 39 Dvds contendo três ou quatro capítulos da série em cada unidade, totalizando aproximados 120 capítulos. Entre março e junho de 2006 foram contempladas ainda vídeos da temporada 2004 através do site www.malhacao.globo.com. Desde o início da série, quando se tinha o lócus de Malhação voltado para a academia de ginástica até a temporada atual, acompanhava com certa freqüência os capítulos e personagens da série.

3 As discussões sobre a contracultura e a juventude nos anos 1960 a 80, tiveram a contribuição da pesquisa de Márcia R. da Costa (2000) com os grupos de jovens de São Paulo denominados Carecas do subúrbio. As entrevistas que seguem no terceiro capítulo deste estudo não compreendem os estudos de recepção, conforme trabalhou Maria I. M. Alves (2000) em sua tese de doutorado sobre O adolescente e a TV: O caso da telenovela Malhação. As respectivas entrevistas compõem mais um quadro qualitativo reforçando e embasando as idéias decorrentes desta pesquisa, debruçado sobre o estudo do jovem brasileiro. Algumas delas foram feitas através do recurso digital MSN Messenger 2 tendo em vista os jovens do interior do Paraná e São Paulo, devido à distância, entre outras razões. As opiniões dos jovens foram transcritas na íntegra, sem correção ortográfica, preservando-se assim os aspectos originais bem como a sua autenticidade. O critério utilizado para a seleção dos entrevistados levou em consideração a proximidade e assiduidade com que eles assistem e acompanham a série Malhação, ou simplesmente repudiam a série. Na perspectiva dos computadores e da comunicação virtual foram pesquisadas algumas formas de comunidades, como é o caso do orkut, relacionadas aos jovens que acompanham o programa em análise. No período de 03 a 08 de abril de 2006, convivi em meio a uma república de estudantes com acadêmicos da UFMT - Universidade Federal de Mato Grosso, campus de Cuiabá. Fora uma experiência singular, e de enorme contribuição uma vez que pesquisaria sobre a república de Malhação. Num terceiro momento será feita uma análise sobre três Dvds, contendo aproximadamente nove capítulos da série gravados entre março e abril de 2006, incluindo as propagandas presentes no intervalo da série. Para discutir as categorias de análise do terceiro capítulo envolvendo a cultura jovem e a série em questão, será utilizado o conceito de ideologia desenvolvido por John B. Thompson (1995). Para aprofundar a perspectiva do corpo na sociedade moderna teremos a contribuição do antropólogo francês David Le Breton (2007). 2 O MSN Messenger é hoje o programa de bate-papo instantâneo mais popular da Internet. Ele permite conversar em tempo real com seus amigos, familiares e colegas e, através de uma webcam, transmite sua imagem, mostrando seu rosto para as pessoas com quem você conversa. Se essa pessoa também possuir uma webcam será possível vê-la e manter conversas com imagem e som. Com um microfone e caixas de som, a experiência também fica próxima do real, possibilitando uma interação parecida com a de uma conversa telefônica. E mesmo se seu contato não estiver com um computador, o Messenger da Microsoft possibilita enviar e receber mensagens de texto de celular com a tecnologia SMS.

4 Serão transcritas algumas discussões das personagens, com base no referido material midiático, enfatizando os temas da série e sua relação com a juventude. O debate a respeito da condição política do jovem será construído a partir do diálogo verificado entre os capítulos de Malhação (Dvds I, II e III), confrontados com as opiniões de jovens alunos em palestra realizada nas escolas públicas e privadas locais, sobre o tema Malhação e juventude atual, comprovadas através dos certificados em anexo. O embasamento para análise da presente dissertação terá como sustentação teórica a Escola de Frankfurt e os pressupostos de seus autores. Historicamente, a escola surge na Alemanha, em 1824, sob o nome de Instituto de Pesquisa de Frankfurt. Sua produção científica através da Revista da Escola de Frankfurt, fora criada por Horkheimer e Adorno, e posteriormente, Walter Benjamim e Habermas deram continuidade às pesquisas. Os precursores da Escola de Frankfurt encontravam-se em uma Alemanha permeada pelo nazi-fascismo e, seus estudos surgem como uma tentativa de contestação ao modelo vigente no país. Nesse período era arriscado um debate envolvendo discussões culturais críticos, devido à censura imposta pelo regime. Em 1933, Horkheimer e Adorno migravam-se para Genebra na Suíça perseguidos pelo regime autoritário de seu país. Esses teóricos conviveriam com o drama da perseguição do nazismo mesmo fora do território alemão. Após Genebra, os frankfurtianos deslocam-se para os Estados Unidos, contribuindo com seu pensamento voltado para a teoria crítica da sociedade, já com a Indústria Cultural a todo vapor. As considerações finais buscarão uma reflexão entre a literatura sobre os jovens apresentada no primeiro capítulo, o histórico de Malhação envolvendo um debate entre juventude, música e a contracultura no país, além da análise dos capítulos da série dialogando com a perspectiva da juventude na sociedade contemporânea.

5 CAPÍTULO 1 UMA LITERATURA SOBRE JOVENS JUVENTUDE E SOCIEDADE MODERNA Karl Mannheim discute o problema da juventude e a sociedade, em Sociologia da Juventude I, buscando um significado para a mocidade na sociedade moderna. O autor tenta responder uma questão: em que aspecto a juventude pode contribuir para a sociedade? Para responder a essa pergunta, o autor reflete sobre qual contribuição a sociedade espera dessa juventude. O autor analisa a cultura reservada à juventude moderna, e revela que a antiga educação autoritária demonstrou ser insuficiente para atender às necessidades vitais e psicológicas na formação dos jovens. Por outro lado, o liberalismo perturbou um equilíbrio entre o jovem e a sociedade. O liberalismo ao focalizar sua atenção no indivíduo peca ao negligenciar o elemento social, quer seja a sociedade, e a possibilidade de contribuição oferecida pelo jovem e seu elemento renovador (Mannheim, 1968). A juventude não detém um significado unitário na sociedade. Na antiga China, as pessoas mais velhas desfrutavam de certo prestígio refletido em sua experiência e sabedoria que era limitado entre os mais moços. Em contrapartida, nos Estados Unidos, aos quarenta anos um homem é tido como velho para trabalhar nas empresas. Ao estender o antagonismo atribuído ao valor do jovem nas sociedades descrito por Mannheim, pode-se perceber que a essas empresas interessam somente os mais jovens por elementos que variam desde a produtividade até a menor quantidade de regalias atribuída aos novatos. O autor cinde a sociedade enquanto estática, aquela que se desenvolve gradativamente e, consequentemente a taxa de mudança é relativamente baixa. Nesse tipo de sociedade se valoriza a experiência dos mais velhos. De modo que, nesse caso a educação se volta para a transferência da tradição. A reserva vital da juventude será negligenciada, uma vez que inexiste a vontade de romper com as tradições já consolidadas. A sociedade dinâmica busca novas saídas e aceita a cooperação da mocidade abrandando a limitação imposta aos mais jovens, ao contrário da sociedade estática. Entretanto, nas duas espécies de sociedade, se houver o interesse por uma nova saída, esta será feita por intermédio da juventude, esclarece o autor.

6 As gerações intermediárias, assim como as mais velhas poderão apenas prever as novas diretrizes. A vida nova só poderá ser desfrutada pelas gerações mais moças. Partindo dessa premissa, Mannheim aponta a função da mocidade enquanto agente revitalizador da sociedade moderna. Uma vez aceitando a juventude enquanto agente revitalizador da vida social cabe indicar, qual elemento da adolescência que mobilizado poderá contribuir para oferecer a sociedade uma nova saída. Segundo o autor, a Psicologia e a Sociologia Moderna do adolescente puderam demonstrar que o elemento para a compreensão da mentalidade da juventude moderna não está apenas na efervescência biológica. Na juventude moderna existe um conflito em decorrência das normas ensinadas pela família e, a que predomina no mundo dos adultos. O fator relevante para Mannheim, reside na percepção de que a juventude começa a adentrar um universo nos quais elementos como hábitos, costumes, sistemas e valores são diferentes do que conhecera até então. Nesse hiato reside a possibilidade de a juventude realizar mudanças. A juventude não é progressista, tampouco conservadora por natureza (Mannheim, 1968). Enquanto criança, o seio da família regulará as tradições emocionais e intelectuais predominantes. Na fase da adolescência já há um contato com a vizinhança, comunidades, escolas. A mocidade ainda não possui cristalizada em seu íntimo, valorações de aspecto econômico, culturais e sociais que nos adultos já está cristalizada. Um elemento importante da mocidade reside no fato de ela ainda não estar totalmente inserida no status quo vigente, quer seja no sistema capitalista. Segundo Mannheim, o jovem ainda não se encontra identificado em sua totalidade diante dos valores culturais impostos ao mundo adulto, o que auxilia na compreensão de muitos se constituírem enquanto ardorosos revolucionários ou reformadores no ápice da juventude. Mas uma vez instaladas num emprego ou constituindo sua família, o jovem passa para a defensiva e a interceder a favor do status quo. Para a sociologia, ser jovem significa ser um homem à margem da sociedade, em muitos aspectos. A esse fato, o autor denomina potencialidade: Evidentemente essa situação de elemento estranho é somente uma potencialidade e, como eu disse, depende em grande parte das influências orientadoras e diretoras vindas de fora saber se essa

7 potencialidade será suprimida ou se será mobilizada e integrada num movimento (Mannheim, 1968:76). A juventude é parte importante do que o autor denomina reserva latente e, dependerá da capacidade da estrutura social mobilizá-las e integrá-las em uma função. Karl Mannheim percebe que o elemento que torna o jovem indispensável para a formação de uma nova sociedade é a sua não alienação. É importante que a mocidade não aceite a ordem econômica vigente enquanto natural e possa compreender as contradições existentes na sociedade em que vive. Procuraremos verificar se isso ocorre entre os jovens pesquisados em Malhação. O CONCEITO DE JOVEM RADICAL O sociólogo brasileiro Octavio Ianni desenvolveu o conceito de jovem radical em Sociologia da Juventude I. O autor adianta que o objeto de estudo para a segmentação do conceito em epígrafe, tem como cerne o jovem da classe média. O comportamento do jovem proletário oferece elementos para uma sociologia das gerações e dos movimentos sociais. Entretanto, um estudo tendo em vista a situação proletária exigiria uma análise especial, justifica o autor. A história do regime capitalista exibe uma participação considerável na formação da juventude no que concerne a questões de ordem política (Ianni, 1968). O exame de determinadas focalizações como o exemplo de Mannheim, tem a finalidade de ressaltar a natureza essencial de um fenômeno singular, no caso o da juventude e da sociedade moderna. O que para sua interpretação, exigiria uma prévia compreensão da história e estrutura de uma determinada sociedade, complementa Ianni. O autor procura interpretar as ações dos chamados inconformados quando desenvolve o conceito do Jovem Radical. Os jovens insurgem-se nos conflitos quando seu comportamento bate de frente ao de seus pais, ou professores, ensejando formas de condutas que variam da delinqüência, beatitude ou radicalismo político. Em consonância à teoria de S. N. Eisenstadt, no qual corrobora Mannheim, as divergências entre gerações de pessoas têm como pano de fundo as inadequações entre a família e o sistema social. Octavio Ianni comenta a respeito dos fatores que desencadeiam essa crise de (des) ajustamento na vida do jovem:

8 A guerra ou convulsões sociais, o trabalho dos pais fora do lar, a mobilidade social, a sub-cultura delinqüente, a atração exercida pelas ideologias partidárias ou religiosas, as contradições entre os valores correntes nos grupos primários e aquele dos grupos secundários, as mudanças sociais repentinas, a discriminação racial (Ianni, 1968: 227). A existência de um conjunto de normas do sistema social harmônicos com os valores da família e, a consolidação dessas identificações culturais na formação do jovem ocorre em um processo lento. Sendo assim, o jovem recebe no seio da unidade familiar um conjunto de noções de comportamento que poderão se realizar no plano da sociedade adulta. Entretanto, quando os princípios que integram a estrutura social divergem daqueles que regulam a família, essa transferência de identificações torna-se impossível na vida do jovem. Segundo Octavio Ianni, o radicalismo político da juventude não se resume a uma fase transitória. O inconformismo juvenil é: Um produto possível do modo pelo qual a pessoa globaliza a situação social. No momento em que inicia o ingresso na sociedade ampla, o jovem descortina condições e possibilidades de existência que o tornam consciente tanto das condições reais como das emergentes (Idem, 1968: 228). A percepção das condições e possibilidades de existência permite ao jovem exprimir certa relação de negatividade com o presente. É o que a sociedade adulta percebe enquanto um comportamento radical do jovem. Quando o jovem pretende atuar de modo diverso ao já estabelecido por essa sociedade de adultos é denunciado como um desvio ou transgressão da juventude. O que Octavio Ianni compreende enquanto radicalismo político, diz respeito: A uma manifestação de um tipo peculiar de consciência social, isto é, histórica, desenvolvida pelo jovem em condições determinadas; exprime a apreensão pela consciência, dos primeiros sintomas da própria alienação, que se manifesta já no próprio lar. No interior da família, onde se organiza e se condensa a práxis dos primeiros anos da vida da pessoa, exprimem-se as evidências iniciais de contradições insuportáveis. Quando o imaturo apreende intelectualmente as contradições entre os valores que lhe são incutidos e o comportamento efetivo dos que os preconizam, então se dá o primeiro choque criador (1968: 230).

9 O jovem descobre através da consciência desse radicalismo político que o sistema no qual está inserido contém inconsistências reprováveis, e outras até mesmo inaceitáveis. Os valores culturais preservados no seio familiar projetam um universo na mente do jovem, e ele sentirá mais ou menos atingido pelas contradições na proporção de sua integração àqueles valores. A camada conservadora capitalista costuma repetir que a juventude deveria se preparar com afinco para assumir as responsabilidades no futuro. Para essa camada conservadora, é necessário que o jovem esteja integrado a questões de fundo político, desde que inseridos dentro dos ideais dominantes, claramente interessados em preservar a conjuntura vigente. A juventude passa a ser preparada para realizar o que os adultos não conseguiram concretizar (Ianni, 1968). A partir de então, o jovem passa a sofrer as influências dos adultos no sentido de se conformar com a atual estrutura de dominação. A sociedade global possui mecanismos psico-sociais excepcionais para interferir na integração do jovem. São modelos que prezam a formação de indivíduos a imagem e semelhança do mundo adulto. Para esse intento são oferecidos paradigmas com personalidades padrão, mas sempre ajustados a ordem vigente (Idem). O detalhe é que a sociedade capitalista não está em condições de eliminar as suas contradições internas a partir da sua preservação. Octavio Ianni parte de uma sensível crítica a Karl Mannheim, no qual o elemento fundamental da juventude reside no fato do jovem entrar de fora nos conflitos da sociedade moderna. Para Ianni, trata-se de um elemento de interesse parcial: Seria como se estivéssemos admitindo que houvesse, como componente a - histórico do sistema social, uma propriedade inovadora nas gerações, independentemente das condições reais, dadas por determinadas configurações estruturais. Na verdade, todos os homens possuem faculdades criadoras, pois que o trabalho humano e por natureza uma atividade que enriquece o próprio homem e a sociedade modificandoos. O que torna esse trabalho mais ou menos original, revolucionário ou não, são as condições estruturais de sua realização e os significados que os próprios agentes discernem ao realizá-lo (1968: 232-3). Ao atribuir a juventude um valor nodal enquanto elemento que entra de fora nos conflitos da sociedade moderna, Mannheim estaria deixando de lado todo um processo de construção histórico social.

10 É no seio da família que se organiza a formação de uma consciência da construção contraditória da sociedade. Ao entrar em contato com teoria, idéias, escola, grupos de amigos reunidos em torno de interesse intelectual, atividades lúdicas e no trabalho, o jovem é lançado em áreas de fricção que revelam ou acentuam essa contradição verificada na situação social vivida. A juventude compreende um período na vida do indivíduo em que há cólera e angústia suficientes para tentar novos empreendimentos. Há na juventude um traço de pureza suficiente - talvez por desconhecer os desígnios da vida 3 - para vencer. Esse inconformismo é perceptível à medida que a sociedade já não absorve os valores das gerações seguintes. Os desempregos existentes já não revelam um caráter acidental, mas de um trágico e certo destino. Aos adultos restava o consolo de possuir uma colocação, um emprego, uma perspectiva de futuro. O salário por mais modesto que seja, induz o adulto à resignação. Aos adultos restava o que perder. Ao jovem radical não. O conceito de revolucionário para o autor ganha contornos: Somente quando o indivíduo apreende intelectualmente a condição de trabalhador alienado é que se cria o revolucionário. No instante em que a consciência das contradições inerentes à situação se estrutura, o jovem passa a canalizar politicamente a sua ação, transformando-se em agente dinâmico da história. E assim, paulatinamente, o indivíduo vai compreendendo que o sentido próprio da vida consiste na participação consciente na realização histórica (Ianni, 1968: 236). É a essência do proletariado que fornece aos membros de classes distintas as variáveis que permite compreender as condições e tendências da existência social. Esse processo se verifica entre as sociedades capitalistas, tanto estruturadas como as em formação. O autor comenta que as existências do radicalismo de esquerda e de direita estão presentes na história das nações capitalistas. Na Alemanha pós 1920 e a gênese do nazismo, o nacional socialismo foi gradativamente canalizando jovens sem esperança ante as realizações dos adultos e incertos quanto ao futuro. De modo que para muitos jovens alemães, somente o renascimento alemão apresentado pelo Fuhrer carismático (Adolf Hitler) poderia salvar os jovens, transformando boa parte da juventude alemã em 3 Grifo nosso.

11 líderes e agitadores. Mas neste caso específico tivemos um exemplo de radicalismo jovem de direita com conseqüências desastrosas para si mesmas. O jovem radical, na concepção de Ianni, é um produto natural do próprio sistema que o cerca. E esse radicalismo se apresenta no momento em que o jovem percebe que seu comportamento é censurado, tolhido e deformado através das instituições presentes como o caso de escolas, clubes, local de trabalho, etc. Por isso o indivíduo muitas vezes é paulatinamente levado a ajustar-se aos padrões e normas vigentes, desenvolvendo atitudes e opiniões políticas adequadas às necessidades da sua nova situação. A mobilidade social e o funcionamento dos mecanismos de controle social, particularmente os de repressão drástica e sistemática de atuação revolucionariam, produzem a reorganização do comportamento humano em outras bases, orientando-o para ideais consentâneos com a configuração presente da sociedade (Ianni, 1968: 239). O fato de parte da juventude não se conscientizar e perceber as contradições existentes no sistema social advém dos mecanismos de controle da sociedade adulta: As técnicas de controle e transformação do comportamento humano, nesses casos alcançam sua plena eficácia, evitando que o jovem vislumbre as profundas inconsistências do sistema e econômico e sóciocultural. Neste caso, o adolescente rapidamente aceita o modelo de personalidade adulta que lhe é apresentado. Valoriza a riqueza, o sucesso pessoal, o poder de mando ou a responsabilidade inerente aos cargos etc. acomodado plenamente, ou incapaz de apreender intelectualmente a sua verdadeira situação, esse indivíduo atravessa a adolescência apolítico, ou integrado em partidos conservadores (Idem, 1968: 240). Existem jovens que não apresentam tendência alguma para adoção de uma postura política radical. Existem outros jovens que não manifestam qualquer sintoma de inconformidade com a ordem social existente. Há ainda os jovens que passam a assumir atitudes, ainda que socialmente reprovadas, não possuem a menor significação política como as gangues formadas por delinqüentes juvenis. Para o autor (Ianni, 1968), o jovem que não se rebela não realizou em sua consciência a compreensão sobre a condição alienada do homem na sociedade capitalista. E isso acontece devido à integração do jovem em consonância as regras de comportamento estabelecidas através da ordem vigente. Trata-se das personalidades ajustadas às exigências da sociedade atual ora reveladas pelo autor. Neste momento o autor é bastante crítico, em comentar a respeito dos sujeitos que não tiveram (ou

12 simplesmente não têm) condições intelectuais para formular a própria condição do que realmente acontece. O requisito básico para o desenvolvimento do comportamento do jovem radical passa a ser, portanto, a consciência de alienação. Há uma relação entre o comportamento efetivo dos adultos e a possível exigência social sobre o comportamento do jovem porque a estrutura do sistema social é alienadora. A atuação política do jovem radical é percebida diante da sua demonstração de negatividade com o presente. Seria importante que o jovem organizasse intelectualmente a sociedade global, de modo que ele reconhecesse em si uma possível base para uma visão mais ampla do mundo. Para o autor (Ianni, 1968:242), é vital que o jovem possa tecer suas próprias concepções livre da alienação imposta pelo sistema capitalista. RITA PAVONE, O MITO GERACIONAL. Umberto Eco investiga a música direcionada aos adolescentes como as de Celentano, Rita Pavone, Françoise Hardy em sua obra Apocalípticos e Integrados. O autor pensa a música adolescente enquanto passível de defesa contra a incompreensão dos adultos e, que deve ser ouvida como sendo própria (aos adolescentes) enquanto for negada pelos adultos. Essas canções interpretam os sentimentos e problemas dos adolescentes. O ritmo, a melodia, a letra e os problemas do amor são expressos segundo uma problemática da juventude. De modo que uma geração se reconhece sob o soar de determinada produção musical. Essa geração não apenas usa, mas assume uma bandeira, assim como a outra geração assumiria o jazz. A ascensão do jazz (Eco, 2004) contava com uma adesão instintiva ao espírito do tempo, enfocando a escolha de uma música em consonância com tradições populares e com o ritmo da vida contemporânea. O jazz comportava ainda um projeto cultural elementar, abrangendo uma dimensão internacional e a não aceitação de um falso folclore despatriado, de evasão com os anos vinte e a questão racial nos Estados Unidos. A ascensão dos cantores adolescentes revelava um comportamento imediato, com a escolha de expressões únicas de cultura que parecem interpretar a problemática de uma geração de jovens. Esses mesmos jovens, ao serem entrevistados, tendem a afirmar que são eles que escolhem determinada canção e que a persuasão publicitária não incide sobre seu comportamento ou gosto por certa música.

13 Para Umberto Eco o quadro é ambíguo e dramático. De um lado está a indústria da canção, com seus astros e suas músicas a disseminar modelos de comportamento que como se observa, se impõe. Os jovens na verdade pensam estar escolhendo modelos de cantores ou de músicas baseadas em seu comportamento individual. O que eles não percebem é que esse mesmo comportamento individual se articula de acordo com a determinação contínua e sucessiva desses modelos 4 (astros e estrelas da música) criados pela indústria da canção. Segundo o autor, outro fator relevante é que na sociedade em que vivem esses adolescentes não há nenhuma outra opção ou fonte de modelo (pelo menos nenhuma tão persuasiva). A indústria da canção consegue satisfazer as tendências sob os grupos nos quais se dirige. Os jovens demonstram satisfação no que se referem aquelas exigências de idealização e intensificação dos problemas reais, como o amor ou a incompreensão dos adultos. Eco analisa o mito da personagem Rita Pavone na Europa. Ela já causava perplexidade com a idade de dezoito anos, mas sua personagem Pavone tinha entre treze e quinze anos. Ela surgia enquanto primeira estrela da canção que não era nem mulher e nem ao menos menina. Era o que comumente denominamos hoje crianças prodígios, como a Sandy da dupla Sandy e Junior, se trazermos a reflexão para o âmbito nacional. Com Rita Pavone a puberdade já não parecia tão somente problemas da idade do desenvolvimento - os encargos de não ser criança, mas ainda o fato de não ser mulher mas sim um estado de graça. Ela caminhava para o público com um olhar a quem se torna difícil à recusa de um pedido qualquer. A voz possuía um timbre e intensidade que ajudava a transmitir mensagens apaixonadas. Para Umberto Eco a cultura de massa procura estabelecer um padrão de mediedade que recusa tudo o que é anômalo, para fixar-se em um estágio de normalidade que não perturbe a ninguém. A idade de Rita Pavone estabilizou-se nos dezoito anos, para fins cronológicos da Indústria Cultural: Automaticamente, isto é, por uma espécie de homeostase do mercado, a personagem encontrou o caminho certo e tornou-se emblema de uma 4 A cantora adolescente Avril Lavigne é uma estrela do rock internacional; a roqueira baiana Pitty é um modelo de adolescente rebelde no Brasil; a dupla Sandy & Júnior são os adolescentes comportados no cenário da música jovem nacional.

14 geração, modelo exemplar de uma adolescência nacional, que faz dos dezoito anos uma espécie de ponto de referência em torno do qual giram os problemas das gerações imediatamente precedentes e posteriores. Assim Rita Pavone, de caso clínico que podia constituir, tornou-se norma ideal e estabilizou-se como Mito (Eco, 2004: 312). Rita Pavone (Idem, 2004) vive o problema de seus telespectadores, os jovens, ao dar vida ao mito. Ela sofre os desígnios do amor contrariado, mas cujas dimensões devem ficar próximas da realidade visando uma proximidade com os jovens. O mito Romeu e Julieta, de William Shakespeare, deve ser adaptado para que não fique tão distante através de personagens como Rita. Pavone se enche de cólica com aquela sirigaita que quer ser o centro das atenções na festa e, se irrita com as moças que ligam chamando o pai para buscá-la de volta para casa. Para ela e muitos jovens trata-se de resquícios de infantilidade ou ausência de atitude que deverão ser dispensados. A idealização e a intensificação da vida cotidiana, a evasão de um mundo construído pelos adultos através do mundo particular e reservado da adolescência personificadas no mito correspondem às expectativas do público de Rita. A contradição se dá uma vez que o mito de Rita Pavone engloba os problemas da adolescência dentro de uma perspectiva genérica (Ibidem, 2004:313). A adolescência através da criação mitológica continua sendo mera classificação biológica. As condições históricas do mundo em que vive o adolescente passam a não existir ou até mesmo não fazer sentido. Seria ingenuidade liquidar o caso de Rita Pavone (2004:310-4) enquanto mau exemplo propagado pela indústria cultural. Uma análise mais aprofundada dos comportamentos ensejados por tais modelos de conduta fixados pelos produtos artísticos de consumo, permitirá auxiliar a compreensão do adolescente enquanto atuante nas relações históricas. O ADOLESCENTE E A CULTURA DE MASSA A adolescência ganha forma enquanto classe de idade na civilização do século XX. Com o desenvolvimento das civilizações, a autoridade dos mais velhos se degrada e o rito de passagem para a fase adulta se torna gradativa. Nas sociedades arcaicas, com doze, quinze ou dezesseis anos, o iniciado tomava seu lugar na sociedade dos adultos. A passagem da infância a fase adulta se dava sem atenção ao caráter transitório que temos hoje, como a adolescência:

15 [...] Se sempre existiu, num momento da evolução juvenil, componentes adolescentes correspondentes à puberdade ou a integração social no universo adulto, a adolescência enquanto tal não aparece senão no momento em que o rito social da iniciação perde sua virtude operadora, perece ou desaparece. A adolescência, de fato, a idade da busca individual da iniciação, a passagem atormentada e de uma infância que ainda não acabou e uma maturidade que ainda não foi assumida, uma pré-sociabilidade (aprendizagem, estudos) e uma socialização (trabalho, direitos civis) [...] (Morin, 2002: 153). Para Morin, [...] O esboço do adolescente surge na antiguidade com o efebo ateniense e, sobretudo, o personagem de Alcebíades, este paleobeatnik, esse James Dean ático 5, que quebrava à noite as estátuas sagradas e embarcava para a ventura siciliana. Mas a inquietude adolescente parece ausente de Defini e Cloé, como o estará de Romeu e Julieta, crianças que se amam como adultos (os amantes adultos amando-se a si mesmas como crianças). Do mesmo modo a princesa de Clèves é uma mulher em idade adolescente, não uma adolescente. É preciso esperar o Cherubin do Mariage de Figaro e o jovem Werther para que efetivamente tome forma um personagem verdadeiramente novo, incerto, instável, contraditório, não criança de um lado e adulto de outro, mas conjugando num estado confuso as virtualidades das duas idades. A partir daí a adolescência vai expressar-se diretamente, levando à poesia sua dimensão moderna. Shelley, Novalis, Rimbaud expressam os segredos da adolescência; desde os Pensamentos de Pascal e as Confissões de Rousseau, adolescente retardado, nunca a essência contraditória, nunca as verdades profundas da vida humana haviam sido formuladas obscuramente formuladas com todas as verdades profundas. Esses adolescentes de gênio são calcinados por seu fogo interior ou fulminados pela vida. Sua mensagem nos revela que são de fato, na adolescência, que se acham concentradas todas as verdades que se dispersam durante o encaminhamento do homem (2002: 154). A adolescência ainda não conta com uma personalidade social formada, cristalizada. Na metáfora de Morin, os papéis da vida social ainda não se tornaram máscaras endurecidas sobre os rostos dos adolescentes. O adolescente está em busca de si mesmo, procurando a condição adulta: Nessa busca, tudo é intensificado: o ceticismo e os fervores. A necessidade de verdade é imperativa os valores de sinceridade predominam sobre os valores de infidelidade. Brigitte Bardot, à sua maneira, exprime essa ética adolescente: à pergunta que qualidades 5 Estilo elegante e sóbrio.

16 exigem você de um homem na vida?, ela responde: nunca ser um adulto farsante. As primeiras apalpadelas no universo adulto procuram, contraditoriamente, as satisfações de auto-afirmação (ganhar dinheiro, fazer amor) e também a profunda satisfação de entrar numa grande maquinaria monótona (casar-se, ter um emprego, galgar escalões) que termina com a aposentadoria e a morte (Morin, 2002: 154). Nas sociedades históricas, o paradigma do homem que se impõe é a figura do homem-adulto. O Romantismo constituiu um movimento do desencantamento juvenil, com o desmoronamento do Velho Mundo e a anunciação de um novo modelo de homem. No mundo contemporâneo, surge a figura do homem jovem, do rapaz. Saint Just e Robespierre são os heróis quase adolescentes durante a primeira revolução dos tempos modernos. Os movimentos revolucionários de 1838, 1848, 1871 na França, a Revolução húngara de 1956 e a insurreição argelina de 1964 tinha a liderança de gerações jovens. O autor (Idem, 2002) revela que na sociedade contemporânea não há mais lugar para a sabedoria. Na sociedade em rápida evolução não importa a sabedoria acumulada, mas a adesão à sociedade moderna. Os sinais da desvalorização universal da velhice surgem com o rejuvenescimento dos quadros profissionais, como a promoção social aos trinta anos nos Estados Unidos e França, apesar da resistência dos mais velhos. A cultura de massa a partir de 1950 (Ibidem, 2002) promove a juvenilidade. Na literatura Françoise Sagan, na canção Elvis Presley, na pintura Bernard Buffet, na moda Yves Saint-Laurent e no cinema Chabrol e Godard são algumas referências que se postam a favor da juventude. A revolta da juventude é sentida através da contracultura: Os valores de contestação se cristalizam na adolescência: repugnância ou recusa pelas relações hipócritas e convencionais, pelos tabus, recusa extremada do mundo. É então que ocorre seja a dobra niilista sobre si ou sobre o grupo adolescente, seja a revolta revolta sem causa ou revolta que assume as cores políticas (Morin, 2002:155). A constituição de uma classe adolescente abrangendo a totalidade do mundo ocidental e alcançando projeção mundial, se dá na metade do século XX. As tendências esparsas individuais da juventude passam a ganhar forma, uma consistência sociológica.

17 Os grupos de adolescentes nos EUA, URSS (Rússia), Suécia Polônia, Inglaterra, França e Marrocos tendem a formação de uma tendência padronizada, com seu uniforme próprio como o jeans, os blusões e suéteres: Os grupos de cabeludos transviados, beatniks afirmam o niilismo irascível, a revolta, o desprezo, a insociabilidade da adolescência. No outro extremo, a constatação pode virar fenômeno revolucionário como foi o caso na Polônia e na Hungria (1956), no Japão ou na Turquia em 1960 (Morin, 2002:155). A adolescência atual encontra-se entediada com a sociedade adulta burocrática e seus valores estabelecidos, marcados pela hipocrisia e inconsistência. Para o autor, a adolescência: Experimenta de modo extremamente vivo a grande questão do sentido da existência humana; ela talvez esteja profundamente marcada por esse sentimento de aniquilamento-suicídio possível da humanidade que fez nascer a bomba atômica. Encontra, contudo na cultura de massa, um estilo estético-lúdico que se adapta ao seu niilismo, uma firmação de valores privados que corresponde a seu individualismo, e a aventura imaginária, que mantém, sem saciá-la, sua necessidade de aventura (Idem, 2002: 155). A adolescência passa a se identificar com ídolos do cinema como James Dean, Belmondo e outros construídos pela imprensa; O rock and roll e o yê-yê-yê (The Beatles) eclodem verdadeira tendência para a referência do adolescente em escala mundial. A cultura de massa cria seus heróis e valores da adolescência. A novela e os romances começam a se infiltrar na cultura de massa. A cultura de massa cristaliza a classe de idade dos adolescentes nos moldes oferecidos com seus heróis, modelos e panóplias, ao mesmo tempo em que passa a enfraquecer as possíveis saídas atrofiando a noção de historicidade na juventude moderna. A família patriarcal regida sob a autoridade do pai abriu espaço para a família sob jugo do casal (homem e mulher). A emancipação da mulher contribuiu para essa mudança, enfraquecendo a imagem masculina que era soberana, até então. Os novos modelos de pais não encontram legitimidade para propor uma educação autoritária, no qual também não crêem:

18 Os novos pais seriam incapazes de impor uma autoridade na qual não acreditam. Não tem mais tabus a fazerem respeitar, virgindade de filhas a salvaguardar, culto dos ancestrais ou a ética paterna a transmitir aos meninos. São pais-maternais, companheiros afetuosos. A criança tem que lutar menos com o pai para tornar-se adulto, mas tem maior dificuldade em identificar-se com seu pai. Há enfraquecimento da imagem paterna (Morin, 2002: 149). O pai não é mais visto como elemento de projeção ou identificação pelos seus filhos. De acordo com Morin não existe mais o ódio à família. Simplesmente as crianças não debatem contra a moral de seus pais. Elas acabam, na verdade, ignorando a moral da sociedade em que vivem. A figura da mãe também passa a ganhar novos contornos. Ela passa a trabalhar (fora do lar) e busca a imagem da jovialidade, desejando viver intensamente sua vida o que acaba retirando a antiga presença obcecada para com os filhos. As novas crianças surgidas através do modelo educacional moderno regado de mimos não encontram na figura do pai ou da mãe aquela autoridade ordenadora. A família passa a ser enfocada nos melodramas como em processo de dilaceramento individual, com temas que variam entre a criança abandonada ou roubada e o enquadramento da figura da madrasta e do padrasto. O impulso da cultura de massa tenderá a apagar ou desaparecer com a figura dos pais como sugerem os filmes norte americanos, passando a impor a vida do herói sem família. Bruce Wayne perde os pais ainda na infância, quando são abordados por ladrões na saída do teatro. Ele se tornaria o Batman mais tarde. Peter Parker é picado por um inseto - a aranha e adquire os poderes do aracnídeo tornando-se o Spiderman. Peter é órfão e fora criado por seus tios. Ele ainda perde o tio, morto por um ladrão que rouba seu carro. O Super-homem é abandonado enquanto bebê e criado por uma família de terráqueos nos Estados Unidos. Seus pais biológicos e alienígenas sucumbem ante a explosão do planeta Krypton. Os super heróis dos quadrinhos e dos filmes americanos estruturam um processo no qual Morin (2002:151) denomina a invisibilidade dos pais, conforme o tema recorrente do cinema contemporâneo. A juventude passa a se inspirar em arquétipos:

19 O novo modelo é o homem em busca de sua auto-realização, através do amor, do bem-estar, da vida privada. E o homem e a mulher que não querem envelhecer que querem ficar sempre jovens para sempre se amarem e sempre desfrutarem do presente (Morin, 2002:152). O coroa, denominação para aquele homem ou mulher que chega aos quarenta anos passa a almejar a juventude e, luta para permanecer jovem ao invés de se prepararem para a velhice (Idem, 2002). A partir da segunda guerra mundial os limites da idade se expandiram. Os astros e estrelas do cinema ultrapassam os cinqüenta anos. Nos anos 30, o limite de idade para os atores estava entre vinte e oito a trinta anos. Não que a juventude deixasse de ser um requisito para os atores, mas a idade do envelhecimento se retarda, com homens de cinqüenta a sessenta anos exibindo corpos musculosos e bronzeados. A indústria do rejuvenescimento eclode com as técnicas da maquiagem. A cirurgia plástica mantém a promessa de ressuscitar ou regenerar a aparência trazendo o tônus muscular da juventude. A velhice passa a ser desvalorizada, sendo que a idade adulta tende a procurar formas de rejuvenescimento: massagens, saunas, depilação e cabeleireiros para homens; clínicas de beleza e prótese de silicone para as mulheres. O padrão a ser buscado pelos homens, na opinião de Edgar Morin (2002), passa a se referir a adolescência. Morin alerta para o problema decorrente dessa relação entre a cultura de massa e a adolescência. Se para os adultos essa projeção de identificação funciona de maneira mais ou menos ordenada enquanto pacíficas evasões projetivas, para os adolescentes ela pode se tornar modelo e conduta. Os efeitos da cultura de massa, particularmente, do cinema sobre uma minoria ligado a delinqüência juvenil são um dos exemplos: De modo mais amplo, há afinidade entre o apelo à aventura, o grande sopro fora da lei do mundo imaginário e as aspirações à liberdade, ao risco, o obscuro sentimento de que o homicídio é iniciação, o lafcadismo natural presentes no adolescente. A cultura de massa se torna, então, ambivalente em relação à idade ambivalente... A adolescência é o fermento vivo da cultura de massa; isto é, ao mesmo tempo, caldo de cultura e caldo caseiro que alimenta e dilui esse fermento (Idem, 2002: 156-7).