LUCIANA VIEIRA MAGALHÃES UM OLHAR SOBRE A OFERTA DE TRABALHO PARA A PESSOA COM DEFICIÊNCIA APÓS A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988



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Transcrição:

0 LUCIANA VIEIRA MAGALHÃES UM OLHAR SOBRE A OFERTA DE TRABALHO PARA A PESSOA COM DEFICIÊNCIA APÓS A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 GOIÂNIA-GO 2012

1 LUCIANA VIEIRA MAGALHÃES UM OLHAR SOBRE A OFERTA DE TRABALHO PARA A PESSOA COM DEFICIÊNCIA APÓS A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás, como pré-requisito parcial para a obtenção do título de Mestra em Sociologia. Orientadora: Prof(a) Dr(a). Eliane Gonçalves. GOIÂNIA-GO 2012

2 MAGALHÃES, L.V. UM OLHAR SOBRE A OFERTA DE TRABALHO PARA A PESSOA COM DEFICIÊNCIA APÓS A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988. Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás, como pré-requisito parcial para a obtenção do título de mestra em sociologia. BANCA EXAMINADORA Prof(a) Dr(a) Eliane Gonçalves [orientadora]. Prof. Dr. Jordão Horta Nunes [convidado interno] Prof(a) Dr(a) Berlindes Astrid Küchemann [convidada externa] GOIÂNIA (GO) - 2012

3 DEDICATÓRIA A Deus, com profunda gratidão por tudo... Especialmente ao papai, Sr. Manoel Alves Magalhães (in memorian), pelos exemplos de trabalho e dedicação, e à mamãe, Maria Vieira Magalhães, pelo amor e apoio. À minha família querida, pelo estímulo de todas as horas.

4 AGRADECIMENTOS Ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia (UFG), pela inesquecível experiência acadêmica proporcionada. À Professora Doutora Eliane Gonçalves, orientadora, cujas críticas e sugestões, sempre estimulantes e com um bom senso mesclado em energia e suavidade, que enriqueceram sobremaneira esta dissertação, meus sinceros agradecimentos, carinho e respeito, pela compreensão de minhas limitações, pela sabedoria e elegância em me conduzir não só nesta composição, mas em descobertas preciosas sobre minha relação com a encantadora área das pessoas com deficiência, sobre as relações de poder da academia, e sobre mim. Aos docentes do Programa pela orientação, exemplo de dedicação à educação e, principalmente, por facultar a construção do conhecimento que tornou possível a realização deste trabalho. Um especial agradecimento ao senhor Adelson Alves Silva, homem simples e com bela história de liderança na defesa de direitos das pessoas com deficiência, cuja competência, e sensibilidade, sabedoria e humildade sempre foram dignos de exemplo em meu trabalho. Aos meus colegas de mestrado, pelo companheirismo e momentos agradáveis vividos durante esses anos de intensa vida acadêmica. À Daisy Caetano, secretária da Pós-Graduação que me acompanha desde a graduação em ciências sociais, profissional eficiente, que sempre me estimulou no mestrado. À minha Família, pela presença feliz em minha vida e constante incentivo. Finalmente, agradeço a Deus, fonte da minha força, pela graça de mais uma vitória.

5 É mais fácil ensinar um aleijado a desempenhar uma tarefa útil do que sustentá-lo como indigente. (Aristóteles, 322 a.c.)

6 RESUMO MAGALHÃES, L.V. UM OLHAR SOBRE A OFERTA DE TRABALHO PARA A PESSOA COM DEFICIÊNCIA APÓS A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988. Faculdade de Ciências Sociais. Universidade Federal de Goiás. 2012. Dissertação (mestrado em sociologia).. Nesta dissertação apresento os resultados da pesquisa sobre a oferta de trabalho para as pessoas com deficiência (PCDs) no período compreendido entre a promulgação da Constituição Brasileira de 1988 a 2010, analisando mudanças e permanências no que tange à empregabilidade dessas pessoas no mercado de trabalho. Analiso historicamente como foi possível o enfrentamento de obstáculos resultantes do preconceito e estigmas culturais imputados a essa parcela da sociedade brasileira, que no censo demográfico de 2000 correspondia a 14,5% da população total. Inspirada nas perspectivas teóricas de Pierre Bourdieu (1930-2002) e Erving Goffman (1922-1982) utilizo os conceitos de habitus, campo e violência simbólica de Bourdieu, e o conceito de estigma de Goffman, em diálogo com outras teorias sociais contemporâneas, buscando compreender a problemática nos âmbitos formal, legal e estrutural. Palavras-chave: pessoa com deficiência; trabalho; inclusão social.

7 ABSTRACT MAGALHÃES, L.V. A LOOK ON THE LABOUR SUPPLY FOR PEOPLE WITH DISABILITIES AFTER THE BRAZILIAN CONSTITUTION OF 1988. Faculdade de Ciências Sociais. Universidade Federal de Goiás. 2012. Dissertação (mestrado em sociologia). In this thesis I present the results of research on labor supply for people with disabilities in the period between the enactment of the Brazilian Constitution from 1988 to 2010, analyzing changes and continuities regarding the employability of these people into work. I analyze historically how it was possible to cope with obstacles of prejudice and cultural stigmas allocated to that portion of society, that the 2000 census accounted for 14.5% of the total population. Inspired by the theoretical perspective of Pierre Bourdieu (1930-2002) and Erving Goffman (1922-1982) I use the concepts of habitus, field and symbolic violence from Bourdieu and the concept of stigma from Goffman, in dialogue with other contemporary social theories, trying to understand the question in formal, legal and structural areas. Key-words: person with disability; work; social inclusion.

8 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS APAE Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais BPC - Benefício de Prestação Continuada. CAP - Centro de Apoio Pedagógico para Pessoas com Deficiência Visual. CAPD - Coordenação de Atenção à Pessoa com Deficiência. CAS - Centro de Capacitação de Profissionais da Educação e Atendimento às Pessoas com Surdez CEID - Coordenadoria Estadual para a Integração da Pessoa com Deficiência CIDID Classificação Internacional das Deficiências, Incapacidades e Desvantagens CIES - Centro Integrado de Educação Especial. CIF Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde CONADE - Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência. CORDE Coordenadoria Nacional de Integração da Pessoa Portadora de Deficiência NAAH/SD - Núcleo de Atividades para Altas Habilidades/Superdotação. PCD (ou PCDs) Pessoa (s) com Deficiência. PPD (ou PPD s) Pessoas Portadoras de Deficiência SICORDE - Sistema de Informação sobre Deficiência.

9 SUMÁRIO DEDICATÓRIA AGRADECIMENTOS RESUMO ABSTRACT LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS LISTA DE TABELAS SUMÁRIO INTRODUÇÃO... 11 1. ABORDAGENS E PARADIGMAS HISTÓRICOS APLICADOS ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA... 21 1.1. Panorama e Paradigmas Norteadores da Abordagem Histórica da Pessoa com Deficiência... 21 1.2. A Criação Social do Ser Deficiente e o Estigma Presente na Terminologia... 23 1.3. Terminologia... 26 2. APONTAMENTOS SOBRE TRABALHO E O VALOR SOCIAL ATRIBUÍDO À MÃO-DE- OBRA COM DEFICIÊNCIA... 41 2.1. A Teoria Social e o Clássico Direito Humano ao Trabalho... 41 2.2. Teoria Clássica do Trabalho... 46 2.3. A Teoria Social Contemporânea sobre as PCDS.... 53 3. MARCO LEGAL... 57 3.1. O Reconhecimento da Diferença por via do Princípio da Igualdade, como Corolário de Justiça Social... 57 3.2. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (BPC): MARCO PARA A SOBREVIVÊNCIA E DIGNIDADE DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA.... 58 3.3. A Legislação Vista a Partir do Princípio de não Retrocesso Social, como Fonte Essencial de Progresso Coletivo... 59 4. CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988, BASE DEMOCRÁTICA ÀS CONQUISTAS TRABALHISTAS PARA A PESSOA COM DEFICIÊNCIA... 68 4.1. A Constituição Cidadã... 68 4.2. A Constituição e a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.. 75

10 5. A INSERÇÃO DA PCD NO MUNDO DO TRABALHO... 80 5.1. Por que Criar a Lei de Cotas... 80 5.2. A Política de Educação Profissional e Geração de Emprego e Renda para Pessoas Com Deficiência Do Estado De Goiás... 81 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS... 86 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 88 ANEXOS... 95 ANEXO I - DECLARAÇÃO DE GOIÁS... 95 ANEXO II - SUGESTÕES DE PROFISSÕES COMPATÍVEIS COM CADA DEFICIÊNCIA... 97 ANEXO III SUGESTÃO DE ENDEREÇOS NA INTERNET:... 111

11 INTRODUÇÃO Os resultados preliminares do censo demográfico de 2010 1 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que o Brasil tem 45,6 milhões de pessoas com deficiência (PCDs) 2. Sendo que 23,9% do total da população brasileira informou ter deficiência visual, auditiva, motora ou mental. Ao compararmos este percentual com os 14,5% do censo de 2000 nos deparamos com um significativo aumento e com o desejo natural de um olhar mais atento a este fragmento populacional, que seja capaz de atender às reivindicações básicas do respectivo movimento de defesa de direitos, em seu clamor nacional por acessibilidade plena e efetiva inclusão social nas políticas públicas em voga. Segundo estimam a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) 500 brasileiros se tornam deficientes diariamente, seja através de acidentes ou doenças que deixam sequelas. A questão torna-se então imperativa, posto que homens ou mulheres, adultos ou crianças, a qualquer momento estão sujeitos a adquirir uma deficiência e também passar a fazer parte desta estatística, seja pela possibilidade de se envolver em um acidente de trânsito, em incidentes com armas de fogo ou objetos cortantes como consequência da violência urbana, acidentes domésticos, acidentes de trabalho, incidentes cirúrgicos, ou mesmo por contrair determinadas doenças presentes em uma extensa lista na qual sempre são acrescidos novos riscos pela medicina. Em Goiás, as PCDs somam cerca de 700 mil, e em Goiânia, 170 mil (IBGE, 2000). O movimento de defesa de direitos das PCDs subsidiou a construção de legislação nacional que faculta aos governantes e à sociedade a adoção de ações necessárias ao pleno exercício de direitos básicos dessas pessoas, norteando o proceder da sociedade como um todo centrado no atual paradigma da abordagem social da deficiência fundado na inclusão social. 1 Em 2010, haviam 45,6 milhões de pessoas com pelo menos uma das deficiências investigadas (visual, auditiva, motora e mental), representando 23,9% da população. A diferença em relação aos dados do Censo 2000 (14,5% da população, mais de 24 milhões de pessoas com deficiência) se deve a um aprimoramento metodológico, que possibilitou uma melhor captação da informação. (fonte: Sala de Imprensa: Censo Demográfico 2010: Resultados gerais da amostra). 2 Será utilizada aqui a expressão em voga pessoa com deficiência/pcd (na literatura e documentos oficiais consultados aparece referência abreviativa tanto nas formas singular/plural, como minúscula/maiúscula), fruto de décadas de estudos e debates sobre a melhor conceituação a este segmento social, capaz de definir sem estigmatizar, sendo oficializada via PORTARIA Nº 2.344, de 3 de novembro de 2010 e que substituiu assim as expressões portador de deficiência ou portador de necessidades especiais.

12 Em face de tantas barreiras de acessibilidade, desde arquitetônicas até atitudinais, impostas na estrutural social, barreiras que não só limitam como impedem as PCDs de usufruir dos direitos universais e constitucionais. Como o direito de ir e vir, o direito ao transporte público e acessível, à educação pública inclusiva e o direito ao trabalho inclusivo, com oportunidades de desenvolvimento e de promoção laboral, com conquista de cargos e de boa remuneração, desejos naturais do ser humano, mas facultados somente às pessoas sem deficiência. Mas quem são as pessoas com deficiência (PCDs), ou ainda, como conceber este sujeito alvo desta investigação? A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), criada pela OMS, fornece orientações sobre a identificação das pessoas com deficiência, relativizando o conceito de deficiência, ao reconhecer que estas pessoas estão inseridas no contexto social, e desse modo relaciona este conceito com variáveis como sexo e idade, entre outras. Segundo João Ribas (2007): A CIF evidencia que deficiência é um tema que só pode ser estudado na transversalidade, é um acometimento que incide sobre crianças, e adultos, homens e mulheres, brancos e negros, ricos e pobres, ocidentais e orientais, católicos e judeus. Tem graduações que vão da amputação de dedos a estados de vida vegetativos. Cruza momentos históricos, atravessam continentes, perpassa sociedades e culturas, origina-se em acidentes e em guerras monumentais. É atenuada ou agravada pelas circunstâncias que a cercam. (RIBAS, 2007, p. 18) Assim, para evitar o lapso comum de ao se dirigir a uma PCD, ou mesmo ao se falar da PCD enfatizar a deficiência que a pessoa tem, tendo como base a orientação tradicional e antiga de explicação apenas médica da deficiência, recheada assim de estigmas culturais e sociais presentes até em níveis inconscientes, que acabam por colocar em detrimento estas pessoas, utilizamos a abordagem sociocultural, centrado no paradigma da inclusão social com base nos princípios de equidade e direitos humanos. Nesse contexto, serão abordadas as especificidades destas pessoas enquanto características físicas (que se somam às outras que elas possuem) após se discutir a raiz da questão, ou seja, as implicações culturais, estruturais e materiais, tendo em vista que cruzam momentos históricos e atravessam continentes, perpassando sociedades e culturas, como disse João Ribas (Ibid. p.18). Nota-se que a edificação de uma sociedade inclusiva envolve o cuidado com a linguagem. Na linguagem se expressa, voluntariamente ou involuntariamente, o respeito ou a discriminação em relação às pessoas com deficiências.

13 Os conceitos ou termos que definem a deficiência foram se adequando à evolução da ciência e da sociedade sendo Pessoa com Deficiência (PCD) o termo correto atual, definido pela Convenção Internacional para Proteção e Promoção dos Direitos e Dignidades das Pessoas com Deficiência, aprovado pela Assembleia Geral da ONU em 2006 e ratificada no Brasil em julho de 2008. Dos 23,9%, isto é, 45,6 milhões de pessoas com deficiência apontadas pelo censo 2010 do IBGE, a mais comum foi a visual, atingindo 3,5% da população. Em seguida, ficaram problemas motores (2,3%) - chamados de deficiência física, intelectuais (1,4%) ainda conhecidos como deficiente mental, e auditivo (1,1%), ainda chamado por alguns de surdomudo. Por estes dados, mais de 6,5 milhões de pessoas têm alguma deficiência visual no Brasil e desse total 528.624 pessoas são incapazes de enxergar (cegos) e 6.056.654 pessoas possuem grande dificuldade permanente de enxergar (baixa visão ou visão subnormal). (IBGE, 2010) Segundo a World Report on Disability, a cada cinco segundos uma pessoa se torna cega no mundo. Do total de casos de cegueira, 90% ocorrem nos países emergentes e subdesenvolvidos. Até 2020 o número de deficientes visuais poderá dobrar no mundo. Com tratamento precoce, atendimento educacional adequado, programas e serviços especializados, a perda da visão não significa o fim de uma vida independente e produtiva. (WORLD REPORT ON DISABILITY, 2010, s.p.) Constata-se então a necessidade dos governos trabalharem pela inclusão das PCDs em amplas frentes sociais, e aqui destacaremos a inserção da PCD no mercado de trabalho. A atualidade tem sido chamada por pesquisadores das questões sociais como a era das ações afirmativas, no sentido em que o Estado e a sociedade civil buscam uma compensação para perdas históricas por meio da garantia de direitos e dignidade relativos às minorias sociais, como o negro, a mulher e as pessoas com deficiência. Segmentos sociais historicamente marcados por perdas individuais e coletivas no que se refere ao respeito, à dignidade, ao espaço social, à acessibilidade e às benesses sociais em geral. Atentos à necessidade de reparação histórica para com as PCDs, a pauta prioritária apresentada por estas pessoas em cenário nacional, estadual e municipal, através do seu movimento representativo ao longo das duas últimas décadas (expressa na mídia em diversos documentos publicados durante este período), tem sido a inclusão efetiva dos direitos da pessoa com deficiência nas políticas públicas, o cumprimento de legislações que dispõem

14 sobre o novo paradigma inclusivo centrado no reconhecimento da diversidade humana, e a luta por acessibilidade ampla e irrestrita, com vistas à equidade de acesso e oportunidades para todos. Eis que temos então um segmento social de PCDs que corresponde a 10% da população mundial (UNESCO, 1996) e no Brasil a 23,9%, quase 25%, ou seja, quase um quarto dos brasileiros (IBGE, 2010). No palco dos dias atuais emergem assim dois cenários dignos de destaque. De um lado, a demanda de superarmos a pura e simples proibição de discriminação, que possibilita tão somente a reparação de danos e, de outro lado, a demanda desenvolvimentista governamental que motiva o Brasil, via população localizada nos municípios, a trabalhar mais para aumentar a produção, multiplicando as riquezas do país. Esta ação para ser exitosa necessariamente deve valorizar o capital laboral humano brasileiro, ação que infalivelmente implica em desdobramentos altamente positivos para nosso país, inclusive melhorando a imagem do Brasil no cenário internacional. Essa prática comum dos Estados modernos e capitalistas não coaduna, porém, com a existência de milhões de brasileiros com deficiência em idade laboral, aptos a gerarem riquezas para o país, todavia, sem acesso ao trabalho. Segundo Rodrigues et all (2009): Estima-se no planeta Terra 610 milhões de PCDs, das quais 386 milhões possuem entre 18 a 50 anos de idade, o que as qualifica como População Economicamente Ativa (PEA). Na Europa e nos Estados Unidos, cerca de 40% das PCDs estão empregadas, enquanto no Brasil apenas 2% têm trabalho regular. Pesquisa da OIT mostra que o nível de desemprego entre os deficientes tende a ser mais elevado do que a média da sociedade. (RODRIGUES et all, 2009, p.109) O censo demográfico de 2000 elucida ainda que na época dentre os 14,5% de brasileiros com algum tipo de deficiência 32,4% recebiam aposentadoria ou Benefício de Prestação Continuada (BPC); 51% tinham apenas 3 anos de estudo; 78,7% não concluíram o ensino fundamental; 36% estavam em idade produtiva; 11% exerciam alguma atividade remunerada; sendo que somente 6% trabalhavam com carteira assinada; e 64,6% destes últimos recebiam até 2 salários mínimos. Havia então cerca de 20 milhões de brasileiros com deficiência em idade produtiva no Brasil e a imensa maioria fora do mercado de trabalho (IBGE, 2000). Sobre trabalho e as PCDs o IBGE informa: Dos 9 milhões de PCDs que trabalhavam, 5,6 milhões eram homens e 3,5 milhões, mulheres. Mais da metade (4,9 milhões) ganhava até dois salários

15 mínimos. Em relação ao rendimento das pessoas ocupadas, verificou-se que as diferenças relacionadas a ser portador ou não de deficiência eram da ordem das diferenças por gênero e ambas menores que o diferencial por cor. Por exemplo, 22,4% da população ocupada sem deficiência ganhavam até 1 salário mínimo. Entre os portadores de deficiência, esse percentual era de 29,5%. Entre homens e mulheres que não tinham deficiência os percentuais eram de 19,3% e 27,3%, respectivamente. Já a proporção de pessoas que se declararam brancas que ganhavam até 1 salário mínimo era de 18,15% e a de pessoas que se declararam pretas, 34,50%. Entre os portadores de deficiência que trabalhavam, a maior proporção (31,5%) era de trabalhadores no setor de serviços ou vendedores do comércio. Porém, enquanto uma em cada quatro pessoas portadoras de deficiência era trabalhadora agropecuária, florestal ou de caça e pesca, somente 16,4% da população sem nenhuma incapacidade exerciam essas ocupações. (IBGE, 2000) O Brasil, através da sua Carta Magna, a Constituição Federal da República Federativa do Brasil (CFB/1988), em seu artigo 5º, traça critérios inequívocos de princípios isonômicos sob os quais "todos são iguais perante a lei, sem distinção". Mais adiante, no artigo 7º, inciso XXXI, é reafirmado o princípio da proibição de qualquer discriminação no tocante a salários, critérios de admissão e demissão, dentre tantos outros direitos protegidos por leis constitucionais e leis infraconstitucionais. Partindo das conjecturas esboçadas acima, e tendo em mente desenvolver um olhar sobre a oferta de trabalho para a pessoa com deficiência após a constituição brasileira de 1988, as questões que nortearam o processo de pesquisa foram: houve melhoria na oferta de trabalho para a PCD após o marco histórico e democrático brasileiro que foi a Constituição Federal de 1988? O que mudou em relação à empregabilidade da PCD após a Lei de Cotas? Existem barreiras que impedem o acesso PCD no mercado de trabalho? Como melhorar o cenário da oferta de trabalho e a empregabilidade para a PCD? Como encaminhamento metodológico nesta pesquisa qualitativa de caráter documental nos pautamos na análise de dados secundários coletados nas seguintes fontes: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísitca (IBGE), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), tendo como referência dados da Relação Anual das Informações Sociais (RAIS) e do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), com o objetivo de investigar o cenário brasileiro. Para acréscimo das informações aqui trazidas, foram também buscados dados junto a instituições como a Associação dos Deficientes Físicos de Goiás (ADFEGO), a Associação dos Deficientes Visuais de Goiás (ADVEG), a Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), a Associação dos Surdos de Goiânia (ASG). Todas foram unânimes

16 em informar não terem dados sobre o encaminhamento de associados ao mercado de trabalho, seja pela falta de hábito em registrar o que acontece na instituição, seja pela falta de profissionais que além de atenderem às demandas rotineiras e intensas possam também se dedicar a este ofício, seja pela cultura, que em verdade é compartilhada com todo o povo brasileiro de dar a devida importância para o registro do que se faz, e às vezes, quando o fazem é sem muitos critérios ou metodologia, o que interfere no produto final. Buscamos também junto ao Ministério do Trabalho e Emprego Seção Goiás e em Brasília; no Sistema Nacional de Emprego (SINE/MTE) - Seção Goiás e em Brasília; Ministério Público do Trabalho - Seção Goiás; Secretaria de Cidadania e Trabalho de Goiás; no Conselho Estadual dos Direitos do Deficiente (CEDD-GO), e mesmo junto à Universidade Federal de Goiás (UFG), na expectativa de agregar conteúdo ao fenômeno pesquisado. Todavia, em poucas delas foi possível obter alguma informação, o que fez com que desenvolvêssemos a metáfora de que para muitas instituições sociais a PCD é como o sujeito oculto, que institucionalmente muitas vezes não existe como dado, logo não tem história, não tem rosto, existe apenas fisicamente, mas tem ocultada a sua identidade. Outra situação que chamou a atenção, foi o sentir na pele, como diz a expressão popular, que a pesquisa social não tem a mesma importância fora do âmbito estritamente acadêmico. Observamos tal situação em várias vezes em que abordarmos pessoalmente, ou até por telefone, as instituições citadas acima. Houve situações nas quais a impaciência e desinteresse da pessoa responsável que nos atendia, eram manifestados em expressões, ou postura corporal, antes mesmo de falarmos qual era o tema que estávamos pesquisando. Houve até pessoas que afirmaram entender que muitas pesquisas são feitas, mas que para eles não resultam em nada. Outras demonstraram desinteresse quando informávamos pesquisar sobre as PCDs, denotando considerar se tratar de tema de menor importância, não necessitando assim maior envolvimento e interesse. Nesse contexto, houve alguns órgãos públicos que por mais que insistíssemos, buscando-os várias vezes e até de forma oficiosa, não responderam positivamente, ora repassando-nos a outros e outros setores, ora justificando não poder atender devido à intensa, contínua e crescente demanda de serviço, e outros ao contrário muito solícitos e interessados, demonstraram até pesar em não poder colaborar diante da inexistência de dados sobre a variável trabalho relacionada à PCD.

17 Constatamos na totalidade destas instituições, um perfil presente em várias situações brasileiras, qual seja de poucos profissionais com respectivo acúmulo de tarefas e funções, e a cultura de não sistematização de dados, devido à prioridade concedida à prática imediata das intensas ações e dos atendimentos diários aos associados/usuários, despreocupando-se e desvinculando-se naturalmente do cuidado em documentar o processo histórico desenvolvido até então e em constante construção. Verificamos assim nas instituições, um contexto de despreparo, desinteresse, e muitas vezes de carência de organização, inclusive de estrutura física e espacial. Além da falta de hábito de sistematização, principalmente das estatísticas das ações desenvolvidas, ora institucionais, ora dos profissionais, e ora de ambos. Esse contexto obviamente é prejudicial não apenas aos pesquisadores, frustrando a possibilidade de mensuração estatística e de subsídios documentais para a pesquisa científica, como é o caso desta pesquisa, mas prejudica principalmente aos profissionais que estão submersos no contexto dos atendimentos diários. Este, sem dúvida, foi um dado altamente significativo. Necessário, todavia, destacar que esta falta de dados sobre as PCDs não se limita às instituições de Goiânia ou de Goiás. O IBGE e o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), fontes primeiras para a pesquisa cientifica no Brasil na área de trabalho e emprego, ao produzirem suas bases de dados sobre trabalho, não incluem como filtro a PCD, de modo a facultar detalhado cruzamento de dados envolvendo o segmento social de pessoas com deficiência e a variável trabalho, quanto mais do período aqui estudado (1988 a 2010). Ao contrário de como aparece para qualquer ano, inclusive no IBGE, sobre as pessoas ditas normais, ou seja, sem deficiência. Nota-se que o Ministério do Trabalho e Emprego liberou para consultas o acesso à variável PCD somente a partir da RAIS ano-base 2007, apesar de ser uma variável captada na RAIS desde o ano 2000. Este fato sugere que a consideremos como uma variável relativamente nova, carecendo assim de tempo para que tenha os desejáveis níveis de consistência técnica e atingir um mínimo de qualidade para ser disponibilizada como dado estatístico nos padrões tradicionais. Essa constatação se deu ao analisarmos dados da RAIS sobre a quantidade de empregados por pessoa com deficiência em Goiás para os anos 2010 (= 6.925), 2009 (=

18 6.557), 2008 (= 7.191) e 2007 (= 31.092). Nota-se grande disparidade para o ano de 2007 em relação à variação natural dos anos anteriores. Neste contexto, a variável PCD requer ser analisada com prudência, pois em sendo nova, todo o complexo processo de identificação e coleta do dado da RAIS passa até pela absorção do empresariado da existência de uma nova variável, a PCD, até então sujeitos ocultos. É oportuno questionar, como sugere Marcelo Medeiros (2004), se o novo esquema do Censo de 2000, referência a quaisquer pesquisas de ordem social, é capaz de identificar a deficiência na sociedade brasileira. Sob a ótica do novo paradigma do modelo social inclusivista, a deficiência deve ser identificada na incapacidade da sociedade em criar condições inclusivas para todas as pessoas, é o que propõe o autor. Nesse contexto Medeiros afirma: A desvantagem no mercado de trabalho experimentada pelos surdos decorre, em parte, da incapacidade dos ouvintes em utilizar a linguagem de sinais; a dificuldade de locomoção de muitos idosos está associada, também em grande parte, à má qualidade das vias de pedestres e à inadequação do sistema de transporte coletivo. Um levantamento voltado para identificar as dificuldades pessoais na realização de certas atividades abstratas, portanto, diz respeito a apenas um lado da questão. Não se pode negar, porém, que este também é um lado importante e que o esforço dos últimos levantamentos é louvável. Esses levantamentos são apenas um primeiro passo para o estudo da deficiência e sua relação com outros grupos sociais no país, mas um passo extremamente importante. (MEDEIROS, 2004. p. 118) Nesse sentido, o primeiro capítulo trata sobre o modo pelo qual as PCDs foram vistas e tratadas socialmente. Através de um recuo na história, recordam-se comportamentos individuais e da família, da religião e de como foi o acesso à escola, da sociedade e do Estado, face aos paradigmas explicativos e de concepção sobre estas pessoas até chegar ao modelo atual de sociedade inclusiva e equânime. O segundo capítulo traz reflexões sobre a importância do trabalho para o ser humano e a sociedade, com destaque para a baixa valoração atribuída à mão-de-obra com deficiência. Assim, apontamos alguns elementos da teoria social desvendando a teia de marginalização, estigmas e preconceitos presentes no imaginário social e que envolvem o segmento social de PCDs em rótulos de incapacidade para a vida, e para o trabalho.

19 Este estereótipo negativo é questionado quando o tratamos sobre o advento da teoria social moderna e contemporânea, fundada no paradigma inclusivista e nos princípios de direitos humanos. O terceiro capítulo é assinalado pela esperança dessas pessoas de serem reconhecidas verdadeiramente como seres humanos deixando então de ostentarem uma invisibilidade social que entrava seu acesso a bens, serviços em condições dignas e corrobora para denegrir sua imagem. Observa-se que a negação da diferença alimenta em indivíduos e sociedade a idéia de que no caso a PCD seja como um sujeito oculto, decorrendo no planejamento de ações e desenvolvimento com alcance individual e social, especialmente quando se trata de ações de políticas públicas sem incluir estas pessoas. Este capítulo demonstra então os concretos passos que o país tomou no sentido de iniciar a retirada das vendas que lhes ofusca a visão, através da construção de dispositivos legais que doravante asseguram perante a lei um conjunto de direitos e deveres, como o dever de trabalhar. Discute assim alguns mitos, como por exemplo, o de que as PCDs sejam preguiçosas, o de que não queiram se qualificar para o mercado de trabalho porque recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC), ou de que este benefício seja um dinheiro público com desnecessária aplicação, dentre outros. Aborda também como o marco para o acesso ao trabalho por parte das PCDs a criação da lei de reserva de vagas em concursos públicos e a lei de cotas de trabalho em empresas, a serem preenchidas por estas pessoas. O quarto capítulo aborda o advento da Constituição Brasileira de 1988. A alegria que foi construir por várias mãos, a então chamada Constituição Cidadã, registrando para a posteridade a condição de sujeito de direitos das PCDs. Decorrentes da democrática constituição são criadas instâncias de representação, coordenação, proteção e apoio em âmbito nacional uma primeira vez, para em efeito cascata surgirem nos estados e municípios. Os princípios coroados com a constituição foram assim, reforçados com o advento da Convenção Internacional Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. O capítulo cinco finaliza e fecha os raciocínios desenvolvidos sobre o avanço em relação à conquista dos direitos das PCDs. E, por fim, apresentamos as considerações finais. Assim, dado a importância do tema trabalho na tessitura social, ponto fundamental para a dignidade humana, eu proponho aqui corroborar cientificamente para a superação da

20 exclusão social historicamente imposta às pessoas com deficiência, subsidiando ações, políticas afirmativas, e o processo de conscientização social acerca das potencialidades e direitos desses cidadãos.

21 1. ABORDAGENS E PARADIGMAS HISTÓRICOS APLICADOS ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA 1.1. Panorama e Paradigmas Norteadores da Abordagem Histórica da Pessoa com Deficiência Não se sabe com precisão como os primeiros grupos de seres humanos na Terra se comportavam em relação às pessoas com deficiência, na fase inicial de vida dos terráqueos. Pode-se deduzir, entretanto, que as PCDs não sobreviviam ao ambiente natural hostil da Terra, se considerar que não havia abrigo satisfatório para as intempéries climáticas, não era fácil obter comida e até armazenar para o período de escassez, se proteger de predadores, entre outros riscos, tarefas todas não muito fáceis para estas pessoas nas condições incipientes planetárias. Os vínculos entre os humanos eram ainda embrionários e individualistas, não caracterizando uma consciência do que poderia ser uma deficiência. Sendo o ser humano nômade não se plantava, apenas se caçava e colhiam frutos, folhas e raízes. Na pré-história era muito difícil a sobrevivência de uma PCD, como enuncia Gugel: As tribos se formaram e com elas a preocupação em manter a segurança e a saúde dos integrantes do grupo para a sobrevivência. Os estudiosos concluem que a sobrevivência de uma pessoa com deficiência nos grupos primitivos de humanos era impossível porque o ambiente era muito desfavorável e mesmo hostil, posto que essas pessoas representassem um fardo para o grupo. Só os mais fortes sobreviviam e era até muito comum que certas tribos se desfizessem das crianças com deficiência. (GUGEL, 2008, p. 02) Imperioso lembrar aqui Jesus Cristo, que ao legar à humanidade ensinamentos inigualáveis de fraternidade e respeito, valorização da vida humana e socialismo, dentre outros, que acabaram tornando-o divisor da história em a.c e d.c. Em relação às PCDs então teve repercussão mais marcante. Ao curar cegos e paralíticos, fez com que estas pessoas fossem vistas de um modo novo, pois Cristo ensinava que todo ser humano devia ser tratado com amor e dignidade, logo, Cristo e seus seguidores passaram a tratar a PCD com este valor humano, o mesmo a que tratavam qualquer outro ser humano. Esta foi sem dúvida, a primeira grande conquista histórica deste segmento social. Na história antiga da humanidade, a cultura ocidental utilizou a religião oficial à época para explicar as deficiências, sendo estas pessoas vistas então como monstros, pessoas

22 más, um castigo de Deus, ou possessão do demônio. Por muito tempo se pensou que as causas dos problemas dos deficientes eram de origem espiritual, fato este que pode ter influenciado a não procura de recursos para promoção do desenvolvimento do indivíduo, que eram assim isoladas do convívio social e, dependendo do nível econômico da família, também de seu seio. Estas pessoas ao se institucionalizarem raramente retornavam para a sociedade, ou para a família (SASSAKI, 1997). No Egito antigo, por exemplo, as PCDs eram exterminadas ao nascer ou durante suas vidas. Os Hebreus consideravam que estes teriam "impureza" ou pecado, sendo a deficiência uma punição de Deus. Na Grécia as crianças pertenciam ao Estado e cabia ao Conselho dos Anciãos examinarem as mesmas ao nascer e julgar se poderiam trabalhar ou guerrear. As julgadas incapazes eram jogadas num abismo perto de Esparta. Mas já nesta época Aristóteles defendia que é mais fácil ensinar um aleijado a desempenhar uma tarefa útil do que sustentálo como indigente. A Idade Média foi marcada por posturas contraditórias em relação à pessoa portadora de deficiência: ora considerava-se que a PCD não refletia a perfeição divina, ora era alvo da caridade nos mosteiros, ora era mero divertimento nos castelos, ora objeto de atenção da Inquisição. Nesse período foram criadas associações, segundo o modelo das Corporações de Ofícios, para "reserva de mercado" de mendicância. Retoma-se aí historicamente a preocupação com o custo financeiro para o Estado e/ou para a Igreja com a manutenção de um segmento social que não trabalhava, mas que precisava engrossar as fileiras da população economicamente ativa, nem que fosse para desonerar e desobrigar estas instituições em relação à sua sobrevivência. Na Idade Moderna, buscou-se da superar as deficiências. Surgem muitas invenções como bengalas, muletas, coletes, próteses, cadeiras especiais. Surgiu o sistema de comunicação Braille. No Brasil o preconceito foi sempre disfarçado de generosidade e a questão "direitos" era tida como sinônimo de privilégios. A atenção às pessoas portadoras de deficiência sempre foi assistencialista. Há pouco mais de vinte anos, o tema direitos humanos no Brasil eram considerados subversivos. Sociologicamente é sabido que conceitos são intimamente vinculados a dados momentos históricos e culturais da humanidade, suas crenças e seus

23 valores. Logo, de acordo com o momento histórico, a sociedade acaba definindo "coisas", "fatos" e rotulando sujeitos. 1.2. A Criação Social do Ser Deficiente e o Estigma Presente na Terminologia Para a compreensão do contexto atual de estigma a que a PCD está inserida, e para a análise das principais matrizes ou padrões de comportamento que permanecem nas visões compartilhadas sobre a deficiência ao longo do tempo, convém saber que diferentes enfoques marcaram a história das pessoas com deficiência no mundo, como demonstra a pesquisa de Sassaki (1997), que ao analisar o valor humano atribuído e a abordagem social dada historicamente a estas pessoas, aponta quatro fases: exclusão social, segregação social, integração social e inclusão social. Na fase da exclusão social as explicações transitavam entre discursos metafísicos e o medo em relação a seres para os quais não havia explicação mais sustentável. Diante desse obscurantismo, uma infinidade de pessoas com deficiência foi sacrificada e queimada, pois a sociedade os rejeitava especialmente por não trabalharem, não produzirem, nem gerarem renda como os normais, os vendo como estorvos à sociedade. Mais tarde esse segmento social de pessoas, excluídas do convívio familiar e social, foram acolhidas e atendidas por entidades religiosas com trabalho de cunho assistencialista (SASSAKI, 1997). A abordagem dada às pessoas com deficiência nesta análise histórica baseou-se em sequência, em etiologias naturais e visões médicas, sendo as concepções de doença, inadequação e insuficiência associadas à deficiência. Materializa-se nesta visão o princípio teórico funcionalista, ao enfocar-se a dualidade eficiente/deficiente e capaz/incapaz, não se adequando assim as pessoas com deficiência ao funcionamento da sociedade, considerada correta e perfeita, mantendo a postura de marginalização social para os que não se enquadrassem, estigmatizando-os. (SASSAKI, 1997) Essa prática entre meados dos séculos XVIII e XIX inspira em instituições uma atitude para educar à parte, a educação segregacionista gerando dois subsistemas paralelos: a educação comum e a educação especial. Tais instituições enfatizavam em suas atividades os processos de reabilitação, em detrimento às vezes até mesmo da finalidade maior da sua existência: a educação. É a fase da segregação social (SASSAKI, 1997).

24 Influenciados pelos movimentos que consideraram outras ideias como as da escola e educação como direito universal, pais e parentes de pessoas com deficiência organizam-se para buscar a integração social do então chamado portador de deficiência. A década de 1960, por exemplo, testemunhou o boom de instituições especializadas, tais como: escolas especiais, centros de habilitação, centros de reabilitação, oficinas protegidas de trabalho, clube sociais especiais, associações desportivas especiais. (SASSAKI, 1997, p.31) A última fase, inclusão social, se apresenta como um novo paradigma a nortear a prática mais recente de que se tem notícia no Brasil e em muitos países, num processo gradual, substituindo a prática da integração social, que há quatro décadas ocupa o lugar da segregação e da exclusão de pessoas consideradas diferentes da maioria da população de qualquer sociedade. Conceitua-se a inclusão social como o processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade. A inclusão social constitui, então, um processo bilateral no qual as pessoas, ainda excluídas, e a sociedade buscam em parceria equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de oportunidades para todos. (SASSAKI, 1997). Os praticantes da inclusão se baseiam no modelo social da deficiência no qual os problemas da PCD não estão nela tanto quanto estão na sociedade. Assim, a sociedade é chamada a ver que ela cria problemas para as PCDs, causando-lhes incapacidade (ou desvantagem) no desempenho de papéis sociais em virtude de limitações da estrutura social como, por exemplo, políticas discriminatórias e marginais; ambientes restritivos (sem acessibilidade); atitudes preconceituosas que rejeitam a minoria, e excluem todas as formas de diferenças; discutíveis padrões de normalidade e beleza que desrespeitam o direito do ser humano de ser diferente ou de ter opções diferentes; objetos e outros bens inacessíveis do ponto de vista físico; pré-requisitos atingíveis apenas pela maioria aparentemente homogênea; quase total desinformação sobre a diversidade humana e sobre seus direitos; e práticas discriminatórias em muitos setores da atividade humana. Assim, cabe à sociedade eliminar todas as barreiras físicas, programáticas e atitudinais para que as PCDs possam ter acesso aos serviços, lugares, informações e bens necessários ao seu desenvolvimento pessoal, social, educacional e profissional. Como historicamente o preconceito e a desinformação predominaram causando a

25 marginalização, a privação da liberdade, o atendimento inadequado ou a falta dele, a mendicância, a baixa escolarização e até o analfabetismo, as PCDs tiveram e, infelizmente, ainda na atualidade têm sua cidadania cerceada. Nesse sentido, Mattos (2002) adverte: Observe que a sociedade possui uma visão humana padronizada e classifica as pessoas de acordo com essa visão. Elegemos um padrão de normalidade e nos esquecemos de que a sociedade se compõe de homens diversos, que ela se constitui na diversidade, assumindo de outro modo as diferenças. (MATTOS, 2002, p.01) Estigmatizadas, as PCDs se deparam com vários óbices tais como inadequações a necessidades mais comuns e simples como ir e vir, não ter acesso a todos os lugares pela falta de transporte adaptado, ou pela inexistência de ruas, praças, logradouros e prédios públicos acessíveis. A ignorância sobre informações referentes aos seus direitos e de amparo legal, o despreparo de funcionários de repartições de órgãos públicos para atender a uma PCD, semelhante despreparo/desqualificação encontra-se em hospitais e demais unidades de saúde, supermercados e comércio em geral, escolas e universidades, igrejas e templos, entre outros. "Atitudes de rejeição (estigmas e posturas preconceituosas transmitidas culturalmente) criam barreiras sociais e físicas dificultando o processo de integração" (MATTOS, 2002, p.03). Pensando sociologicamente, partindo dos fatos históricos expostos, pode-se concluir que a deficiência é um conceito culturalmente elaborado ao longo da história. As relações sociais entre as pessoas com deficiência, e aquelas que não a têm incluem inúmeras e complexas variáveis cujo controle nem sempre depende do desviante e dos agentes da sua promoção. Como esse conceito é construído culturalmente, em um contexto histórico dado, e considerando que estas pessoas estão sujeitas aos esquemas tipificadores, a sociedade pode utilizar-se de variados artifícios para legitimar as desigualdades e segregar essas pessoas. A grande barreira para a participação real da pessoa com deficiência no cenário empregatício desenha-se notadamente com as cores da cultura, impactada nas atitudes das pessoas, no olhar marginalizador que de um modo geral a sociedade ainda apresenta e faz com que as pessoas estigmatizem até inconscientemente, devido o peso social do condicionamento cultural, os quais precisam mudar em benefício não só destas pessoas, mas da sociedade como um todo. A sociedade pode observar diversos referenciais na história que comprovam que a PCD possui competência laborativa apesar de sua limitação que pode naturalmente ser superada dentro de condições de acessibilidade e ajudas técnicas. Exemplos vivos como

26 Aleijadinho (suas obras embelezam a história do Brasil no mundo inteiro) ou mesmo os anônimos trabalhadores com deficiência que com competência e motivação superam todos os dias as inúmeras barreiras que obstaculizam seu ir e vir, o acesso ao trabalho, ou mesmo o executar das atividades laborativas diárias, dado a existência de barreiras desde arquitetônicas até atitudinais. Outros exemplos também são dignos de destaque. Como é o caso de Louis Braille, cego que inventou o famoso sistema de comunicação para cegos, ou o grande compositor Ludwig Van Beethoven que era surdo. Ambos servem de incentivo aos heróis anônimos que enfrentam diariamente as barreiras físicas das cidades, nas ruas, nos prédios, nos meios de transporte, no mercado de trabalho e o que é pior, as barreiras veladas do preconceito. Faz-se necessário escancarar à sociedade brasileira as dificuldades, o preconceito e os entraves que os envolvidos enfrentam diariamente. Conscientizar a sociedade a viver o ideal de que somos iguais torna-se então precípua tarefa. 1.3. Terminologia As PCDs receberam várias denominações ao longo da história, codinomes muitas vezes pejorativos e até agressivos centrados no realçar da deficiência em detrimento do ser humano, como aleijado, cotó, manco para as pessoas com deficiência física, isto é, com perda ou ausência dos membros inferiores, superiores, ou ambos. E ainda, bobo, doido, retardado, referindo-se à pessoa com deficiência intelectual. Nesse contexto, os anões engrossaram a fila dos discriminados pela sociedade de uma forma geral por terem características físicas fora dos padrões, sendo rotulados de pessoas com uma aparência feia, são tratados muitas vezes como aberrações da natureza. Nota-se ainda não tendo chances de empregos em igualdade de condições às das demais pessoas muitos anões trabalham com eventos (em TV, teatro, festas, estádios de futebol, entre outros). O ponto constrangedor do trabalho a que eles foram e ainda são relegados é que os papéis por eles desempenhados são os de palhaço da atração, para fazerem rir através de piadinhas geralmente envoltas em deboche, e mesmo humilhações. No blog Nanismo em foco, existe um depoimento que ilustra como o anão e a PCD como um todo podem ser melhor interpretada e absorvida pela sociedade, inclusive no mercado de trabalho:

27 Nós, portadores de nanismo, provamos que podemos trabalhar em escritórios, consultórios, construções, laboratórios, grandes e pequenas empresas. Somos analistas, gerentes, assistentes, estudantes, médicos, engenheiros, técnicos, cientistas, brasileiros. Porque não desempenhar um papel relevante em uma peça, num filme ou novela. Um papel que não seja alvo de piadinhas, xingamentos, apelidos e chacotas. Como o do ator Peter Dinklage que ganhou o Emmy por seu papel na premiada série Game of Thrones. 3 A OMS (1980) divulgou uma Classificação de Deficiências para padronizar junto à pesquisa e a prática clínica, em cuja tradução para o português (1989) foi chamado Classificação Internacional de Deficiências, Incapacidades e Desvantagens - CIDID. Para melhor entender, vejamos os conceitos: Deficiência (impairment) Incapacidade (disability) Desvantagem (handicap) Perda ou anormalidade da estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica. Representa a exteriorização de um estado patológico e, em princípio, reflete distúrbios no nível do órgão. (CIDID/OMS, 1989, s.p.) Uma incapacidade é qualquer restrição ou falta de habilidade (resultante de uma deficiência) para realizar uma atividade na forma considerada normal para um ser humano. Representa a objetivação de uma deficiência e como tal reflete distúrbios na pessoa. (CIDID/OMS, 1989, s.p.) Uma desvantagem para um dado indivíduo, derivada de uma incapacidade ou deficiência, limita ou previne o cumprimento de um papel que é normal para esse indivíduo (dependendo da idade, do sexo e de fatores socioculturais). A desvantagem refere-se ao valor atribuído à situação ou experiência individual, quando sai do normal. Caracteriza-se por uma discordância entre o desempenho ou condição individual e a expectativa do próprio indivíduo ou do grupo do qual é membro. A desvantagem representa, assim, a socialização de uma incapacidade ou deficiência e, como tal, reflete as consequências para o indivíduo - culturais, econômicas e ambientais - que decorrem da presença da incapacidade ou deficiência. (CIDID/OMS, 1989, s.p.) Grande polêmica surgiu com o advento da CIDID, especialmente em relação ao conceito desvantagem, pelo entendimento de que mesmo se contextualizando socialmente, o conceito desvantagem decorre do preconceito e exclusão que emanam do contexto no qual a pessoa com deficiência está inserida. Esta discussão resultou na revisão feita pela OMS que 3 Disponível em: <http://www.nanismoemfoco.com/2012/02/papeis-dignos-portadores-nanismo.html>

28 apresentou como produto a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, a CIF. A construção de uma sociedade inclusiva passa também pelo cuidado com a linguagem. Na linguagem se expressa, voluntariamente ou involuntariamente, o respeito ou a discriminação em relação às pessoas com deficiências. Ao longo dos anos, os termos que definem a deficiência foram adequando-se às descobertas da ciência e da sociedade. Atualmente, o termo correto a ser utilizado é Pessoa com Deficiência, orientação da Convenção Internacional para Proteção e Promoção dos Direitos e Dignidades das Pessoas com Deficiência, aprovado pela Assembléia Geral da ONU, em 2006 e ratificada no Brasil em julho de 2008. Todavia, as PCDs vivem até hoje em contexto de preconceito social segundo observado em discursos do senso comum ou mesmo na mídia quando são tratados muitas vezes em polaridades extremas opostas: ora como alguém completamente incapaz, digno de piedade, ora com atitudes superprotetoras, supondo novamente que a PCD seja incapaz ou despreparado para atividades laborais, no lar junto à família, e até para atividades da vida diária. Por outro lado, casos nos quais estas pessoas são aprovadas em concursos públicos, ou que são pai ou mãe e desenvolvam as tarefas respectivas dos cuidados infantis, e familiares, os casos em que cozinham dentre outras atividades, já causaram espanto a muita gente, e o desenvolvimento do mito de que a pessoa seria dotada de talentos incríveis e fora do normal. Todas essas crenças necessitam ser desconstruídas para que se possa visualizar a pessoa com quem nos relacionamos como uma pessoa inteira, sujeito de direitos e deveres como qualquer cidadão. As PCDs receberam várias denominações baseadas no paradigma médico de explicação centrada na deficiência em detrimento da pessoa, esquecido de considerar em primeira instância a pessoa ao invés de destacar a limitação ou deficiência que ela possui, retratando o estigma e condição de marginalizados sociais a que são submetidos. Assim, vários termos foram usados como: aleijado, cotó, manco, perneta, bobo, doido, retardado, louco, cego, dentre outros codinomes entendidos como capazes de agregar todo o desprezo que as pessoas apresentavam em relação a elas. No Brasil, o decreto nº 5.296/04 fez importantes mudanças às Leis nº 10.048/2000 que prioriza o atendimento às PCDs, e nº 10.098/2000, que estabelece normas gerais e