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Transcrição:

UNIVERSIDADE FEDERAL DO TRIÂNGULO MINEIRO ALTERAÇÕES MORFOLÓGICAS NO SISTEMA NERVOSO CENTRAL EM 284 NECRÓPSIAS DE PACIENTES COM SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA, REALIZADAS NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO TRIÂNGULO MINEIRO, NO PERÍODO DE 1989 A 2008. ANA CRISTINA ARAÚJO LEMOS DA SILVA Uberaba, MG, 2011

ANA CRISTINA ARAÚJO LEMOS DA SILVA ALTERAÇÕES MORFOLÓGICAS NO SISTEMA NERVOSO CENTRAL EM 284 NECRÓPSIAS DE PACIENTES COM SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA, REALIZADAS NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO TRIÂNGULO MINEIRO, NO PERÍODO DE 1989 A 2008. Tese apresentada ao Curso de Pós-graduação em Patologia, Área de Concentração Anatomia Patológica e Patologia Forense da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, como requisito parcial para obtenção de Título de Doutor. ORIENTADORA: Prof a Dr a Sheila Jorge Adad CO-ORIENTADORA: Prof a Dr a Adilha M. R. Micheletti Novembro, 2011

DEDICATÓRIA

À minha mãe pela palavra, compreensão, carinho e apoio! Ao meu pai pela preocupação constante e irmãos, pelo carinho e incentivo! Ao Vitor pelo apoio constante, orientação e suporte nos momentos de fraquezas e dificuldades! À Deus, pela oportunidade de continuar e por iluminar meus pensamentos, nos momentos difíceis! À Dra. Sheila, pela sábia orientação e dedicação em todo o curso desta tese! iv

AGRADECIMENTOS

Especial à Dra. Sheila Jorge Adad pela orientação, paciência, dedicação e exemplo. Ao Dr. Uilho Antonio Gomes por ter auxiliado gentilmente na avaliação estatística. À Dra. Adilha Misson Rua Micheletti pela co-orientação. Ao Dr. Sebastião Tostes Junior pelo auxílio na revisão do texto. Ao Dr. Mário Leon Silva-Vergara pela orientação na parte clínica. Ao Dr. Antônio Nascimento, Mayo Clinic, Rochester, EUA, por rever alguns casos de linfoma e realizar hibridização in situ para EBV, e à Dra. Cristiane Gobbo Cançado, Consultoria em Patologia, Botucatu-SP, pela realização de imuno-histoquímica para casos com suspeita de infecção pelo vírus JC. À acadêmica Blenda Carli Rodrigues pelo auxílio na revisão dos prontuários. Aos professores das disciplinas de Patologia Especial e de Medicina Legal e aos Médicos do Serviço de Patologia Cirúrgica por terem realizado as necrópsias no período estudado. Aos técnicos de necrópsia pelo auxílio na procura de peças das necrópsias. vi

Às secretárias da Disciplina de Patologia Especial e Serviço de Patologia Cirúrgica, em especial à Viviane, pelo auxílio na digitação e em diversas situações burocráticas na revisão dos dados desta tese. Aos técnicos de laboratório da Disciplina de Patologia Especial e Serviço de Patologia Cirúrgica pela confecção dos cortes histológicos e colorações. À equipe de professores da Universidade Federal de Uberlândia, Dr. Arnaldo Moreira, Dra. Aparecida Helena, Dra. Tânia Alcântara e Dr. Henrique Borges, pela compreensão em relação ao tempo que foi necessário dedicar à tese, pelo apoio e carinho nos momentos mais difíceis. Ao Dr. João Carlos Saldanha pela amizade e incentivo. Ao grande amigo Rodrigo Molina, por estar sempre disposto a ouvir e ajudar. Apoio financeiro: FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais) financiamento de projeto (CDS 2029/05 e CDS-APQ 5583-4.01/07); Bolsa de iniciação científica FAPEMIG; CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) Bolsa de Produtividade em Pesquisa (Processo 309174/2008-2); UFTM - Universidade Federal do Triângulo Mineiro. vii

SUMÁRIO

ABREVIATURAS... x INTRODUÇÃO... 01 1. O vírus HIV... 03 2. O vírus HIV e o SNC... 05 3. O vírus HIV e as alterações do SNC no período pré-haart... 08 4. O vírus HIV e as alterações do SNC no período pós-haart... 14 5. A importância da necropsia no estudo das alterações na SIDA e as diferenças entre as co-morbidades associadas em diferentes países e regiões geográficas... 23 6. A importância do estudo das necropsias de SIDA e do SNC em nossa região... 25 OBJETIVOS... 29 CASUÍSTICA E MÉTODOS... 31 RESULTADOS... 40 1. Caracterização e freqüência das alterações morfológicas no SNC encontradas em 284 necropsias de SIDA... 43 2. Análise da relação entre a presença das alterações morfológicas no SNC e o uso ou não de HAART... 47 3. Análise da relação entre o tempo de sobrevida após o diagnóstico de infecção por HIV e o uso ou não de HAART... 48 4. Análise se as alterações morfológicas no SNC (postmortem) foram ou não suspeitados clinicamente (premortem)... 49 DISCUSSÃO... 51 CONCLUSÕES... 63 RESUMO... 66 ABSTRACT... 69 REFERÊNCIAS... 72 ANEXOS... Anexo 1 Aprovação do Projeto pelo Comitê de Ética... Anexo 1 Quadro com todos os casos do estudo... A B F ix

ABREVIATURAS

CD4: antígeno de superfície de linfócito T auxiliar CDC: centro de diagnóstico e prevenção de doenças DNA: ácido desoxirribonuclêico EUA: Estados Unidos da América Grupo A: sem uso de qualquer medicação anti-retroviral Grupo B: 1 ou 2 anti-retrovirais por qualquer tempo ou HAART por menos de 6 meses Grupo C: em uso de HAART por 6 meses ou mais HAART: terapia anti-retroviral altamente eficaz HE: hematoxilina-eosina HIV: vírus da imunodeficiência humana PBS: solução salina tamponada PCR: reação em cadeia da polimerase RNA: ácido ribonuclêico SIDA: síndrome da imunodeficiência adquirida SNC: sistema nervoso central UFTM: Universidade Federal do Triângulo Mineiro xi

INTRODUÇÃO

2 A doença desencadeada pelo HIV alterou profundamente a sociedade e a prática médica. Desde 1983, quando os pesquisadores Luc Montigner e Roberto Gallo (GALLO, 2002; MONATGNER, 2002) isolaram o vírus HIV, os índices da infecção pelo HIV têm aumentado progressivamente. Segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2010) existem no mundo 33,4 milhões de pessoas infectadas pelo HIV, das quais 46,7% são homens adultos, 47% mulheres adultas e 6,3% crianças. No ano de 2010 foram registrados 2,7 milhões de novos casos e o total de óbitos consequentes à infecção foi de 2 milhões. No Brasil, o Ministério da Saúde (BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO, 2010) informa que entre 1980 a 2010 foram notificados 592.914 casos de SIDA (sudeste: 58,0%; sul: 19,5%; nordeste: 12,5%; centro-oeste: 5,7% e norte: 4,2%), sendo 385.818 do sexo masculino e 207.080 do sexo feminino. A taxa de detecção

3 de SIDA no Brasil foi de 20,1 casos por 100 mil habitantes em 2009 e ocorreram 229.222 óbitos relacionados. O coeficiente de mortalidade no sexo masculino foi 73,4% e, nas mulheres, 26,6%. Desde as primeiras descrições de alterações sistêmicas desencadeadas pelo HIV, observou-se que o SNC era um dos órgãos mais comprometido, ficando em geral atrás apenas das alterações pulmonares (MOSKOWITZ et al, 1984; HOFMAN et al, 1999; MASLIAH et al, 2000), sendo também uma das principais causas de óbito em pacientes com SIDA. Pelo fato da doença ter sido a princípio invariavelmente fatal, um grande número de estudos experimentais ou retrospectivos tem sido realizado, a fim de se entender a patogênese do processo infeccioso no parênquima cerebral. Principalmente após o advento da HAART, instituída como parte do tratamento para pacientes com infecção por HIV, ocorreram alterações no processo evolutivo da infecção pelo HIV mudando o padrão comportamental dos processos infecciosos e inflamatórios no SNC. Assim, para melhor entender a patogênese das lesões pelo HIV no SNC, é necessário compreender a forma pelo qual o vírus atua no hospedeiro e, particularmente, no SNC. 1 - O vírus HIV As consequências da infecção pelo HIV devem-se à capacidade do vírus de destruir o sistema imune do hospedeiro, processo esse que decorre do fato de serem os linfócitos que expressam moléculas tipo CD4 na superfície, o alvo primário do HIV, levando a destruição progressiva dos mesmos, causando supressão da imunidade progressivamente. O vírus HIV-tipo 1 é classificado como um retrovírus (RNA vírus), possuidor da transcriptase reversa, condicionada no cerne do vírion, que é responsável pela replicação do genoma RNA através de um DNA intermediário, que por sua vez funciona como molécula precursora, para a integração proviral no genoma da célula hospedeira. As principais proteínas

4 do centro estrutural do HIV-1 são a proteína do capsídeo p24 e a proteína da matriz p18. Circundando as estruturas protéicas do centro viral existe um invólucro lipídico de duas camadas que derivam da membrana limitante externa da célula hospedeira, adquiridas durante a fase de brotamento no momento da replicação. Espalhadas pela superfície viral estão as glicoproteínas do invólucro gp120 e gp 41, que são codificadas por genes virais específicos e são responsáveis pela ligação e penetração nas células hospedeiras. As características desse ciclo vital diferenciam os retrovírus de todos os outros vírus. O vírion acelular une-se primeiro à célula alvo através de uma interação específica entre o envelope viral e a membrana da célula hospedeira. A especificidade dessa interação celular promove a internalização do complexo viral. A transcriptase reversa catalisada pela transcriptase reversa viral gera uma cópia de DNA do RNA viral, dentro do complexo nucleoproteico, e este migra para o núcleo onde a integração do DNA viral aos cromossomos do hospedeiro resulta na formação do pró-vírus. A expressão do DNA viral é controlada por proteínas virais e do hospedeiro, que interagem com elementos reguladores de DNA e RNA virais. O RNA mensageiro viral transcrito é transferido para as proteínas virais e novos virions são reunidos na superfície celular, onde são reunidos RNA viral de comprimento genômico, a transcriptase reversa, as proteínas estruturais e reguladoras e as glicoproteínas do invólucro. O pró-vírus formado integrado é incorporado permanentemente dentro das células hospedeiras e pode permanecer latente ou exibir altos níveis de expressão do gene com explosão do vírus progenitor. (BENNETT, 1993). Após a identificação do HIV-1 foi descrito o HIV-2, bastante semelhante ao primeiro; porém, vinculado a evidências de que possui uma virulência menor que o HIV-1 e normalmente com período de incubação mais prolongado. Ambos possuem tropismo seletivo para os linfócitos CD4+ auxiliares-indutores. Esse tropismo é induzido em parte pela alta afinidade existente entre as proteínas do envelope viral (gp120) e as moléculas CD4 na superfície dos linfócitos. Além dos linfócitos, outras células expressam as moléculas CD4 na superfície, como monócitos, macrófagos, células de Langerhans e micróglia. Essas células, apesar de expressarem menos moléculas de CD4 na superfície,

5 representam reservatórios para o HIV, sendo importantes na patogênese do HIV/SIDA. A presença do HIV dentro da célula hospedeira pode implicar em: infecção ativa (produtiva), infecção latente (o pró-virus DNA está bloqueado no estágio da transcripção) e infecção não produtiva (o DNA viral formado não resulta em produção viral) (SCARAVILLI et al, 2007). Os termos produtiva e restritiva são usados para distinguir entre alta e baixa atividade/ausência de produção viral, respectivamente (KRAMER-HÜMMERLE et al, 2005) 2 - O vírus HIV e o SNC Embora as alterações neurológicas possam tornar-se evidentes em qualquer tempo de infecção sistêmica pelo HIV, a maioria se manifesta em conjunto com outras doenças avançadas. A deficiência da imunidade desencadeada pelo HIV favorece o desenvolvimento de infecções em qualquer órgão por uma grande variedade de agentes oportunistas (vírus, bactérias, fungos e protozoários); além disso, esses pacientes podem desenvolver processos neoplásicos fulminantes, como linfomas não Hodgkin e sarcoma de Kaposi. Dentre os agentes oportunistas comprometendo o SNC podemos encontrar mais comumente Toxoplasma gondii, Cryptococcus neoformans e Citomegalovírus (ANDERS et al, 1986; LANG et al, 1989; CHIMELLI et al, 1993; MARKOWITZ et al, 1996; CAMARA et al, 2003; CURY et al, 2003; PARKOMENKO et al, 2003; SILVA, 2008). Em relação aos processos neoplásicos, os linfomas predominam e, frequentemente, são de alto grau (CHIMELLI et al, 1992; JELLINGER et al, 2000; MICHELETTI, 2007). As lesões específicas pelo HIV tornam-se evidentes, em geral, mais tardiamente na evolução da doença e são usualmente acompanhadas pela confirmação da presença do HIV dentro do parênquima cerebral (SHAW et al, 1985), junto com a presença de células

6 gigantes multinucleadas. Essas células, consideradas como marcadoras da infecção pelo HIV no SNC, resultam da fusão de macrófagos infectados, induzida pelo HIV, refletindo tanto uma infecção ativa (produtiva), quanto uma alteração patognomônica pelo HIV (BUDKA, 1989 e 1992). Acredita-se que o HIV-1 infecta o SNC por transposição da barreira hematoencefálica, através de monócitos e linfócitos infectados. As principais células alvos da infecção pelo HIV no SNC são os macrófagos e a micróglia (COSENZA et al, 2002). Após a infecção, numerosas células hospedeiras contribuem para a replicação do HIV; células infectadas contribuem para a transmissão da infecção pelo HIV e para a rápida evolução do genoma viral dentro do hospedeiro humano. Infecção produtiva geralmente leva à morte por destruição das células infectadas. Por outro lado, células com infecção restritiva sobrevivem à infecção pelo HIV-1 por supressão da produção do pró-gene viral (KRAMER-HÜMMERLE et al, 2005). Células infectadas restritivamente estabelecem reservatórios virais, nos quais a replicação genômica viral persiste. Uma característica dos reservatórios virais é a possibilidade de reativação da produção viral por alterações ambientais do hospedeiro. Ambas infecções, restritivas e produtivas, ocorrem no SNC e podem surgir em diferentes estágios do processo infeccioso (KRAMER-HÜMMERLE et al, 2005). A micróglia é representada por células que possuem uma longa sobrevida no SNC, apresentam turn over celular mais lento, configurando, portanto, células de reserva persistente da infecção pelo HIV-1, podendo ser consideradas como um santuário da infecção viral. Além das células macrofágicas, presença do DNA viral também foi identificada dentro de astrócitos e neurônios isolados de cérebros de pacientes com encefalite pelo HIV (TRILLO-PAZOS et al, 2003). Após os monócitos infectados penetrarem no SNC, eles se diferenciam em macrófagos, como ocorre em outros tecidos, o que aumenta a habilidade para sustentar a

7 replicação viral. Esse mecanismo de neuroinvasão do vírus HIV carreado por monócitos infectados transpondo a barreira hematoencefálica foi descrito como cavalo de tróia (MELTZER et al, 1990). Outro mecanismo possível de invasão do HIV ao SNC é a transposição viral entre as células endoteliais da microvascularização encefálica; ou, ainda, que partículas virais podem ser absorvidas pelas células endoteliais que as transportariam para o lado cerebral (transcitose) (KRAMER-HÜMMERLE et al, 2005); essa transmigração pelas células endoteliais foi demonstrada por meio de cultura (BOBARDT et al, 2004). Uma terceira possibilidade para a penetração do HIV no SNC relaciona-se com a capacidade do vírus HIV de infectar as células endoteliais da barreira hematoencefálica (ROSTAD et al, 1987; WILEY et al, 1986). Células endoteliais infectadas não produzem componentes virais, embora possam ser capazes de transmitir o vírus para células T (POLAN et al, 1995). Invasão do SNC pelo HIV-1 causa várias alterações na barreira hematoencefálica, que podem ocorrer desde estágios muito iniciais do processo infeccioso. Ativação imune das células endoteliais, uma vez que a replicação do HIV-1 esteja estabelecida no SNC, favorece a produção de mediadores quimiotáticos e inflamatórios, que predispõe ao recrutamento e ativação de mais monócitos e macrófagos para o parênquima cerebral. Além disso, foi identificado também que infecção pelo HIV-1 favorece a produção de lipopolissacarídeos, que atuam lesando a barreira hematoencefálica, facilitando a infiltração de mais monócitos no SNC (YADAV et al, 2009) e a fusão dos mesmos entre si, constituindo as células gigantes multinucleadas, características da infecção pelo HIV no SNC, alteração corroborada pela identificação viral no interior das células gigantes (MEYENHOFER et al, 1987; BUDKA, 1989). Apesar da descrição de encefalites causadas pelo HIV sem a presença das células gigantes multinucleadas, sua presença é fortemente característica, embora não obrigatória (GABUZDA et al, 1986; VAZEUX et al, 1987).

8 3 - O vírus HIV e as alterações no SNC no período pré-haart Desde que foram identificados os primeiros casos de infecção pelo HIV, vários estudos foram desenvolvidos para tentar compreender o curso natural da SIDA e as alterações associadas. A necrópsia é um importante meio de compreender não apenas o curso natural da doença, mas também possibilita, através do conhecimento adquirido, uma melhor abordagem clínica dos pacientes, auxiliando em diagnósticos precoces, meios de diagnósticos, manejo dos pacientes com SIDA e na profilaxia a ser empregada (MARKOWITZ et al, 1996; SEHONANDA et al, 1996; KAISER et al, 2000; MASLIAH et al, 2000; CURY et al, 2003; SATYNARAYANA et al, 2003). Os trabalhos com maiores séries de necropsias de pacientes com SIDA na literatura internacional referem os achados globais, infecções e neoplasias, dando maior ênfase às infecções. Em geral as neoplasias representam menos de 20%, sendo as infecções oportunistas como citomegalovirose, pneumocistose, micobacterioses e infecções fúngicas as principais causas do óbito (MOSKOWITZ et al, 1985; KLATT et al, 1994; SEHONANDA et al, 1996; WALEWSKA-ZIELECKA et al, 1996; HSIAO et al, 1997; HOFMAN et al, 1999; ANSARI et al, 2002). Estudos sistematizados de séries de necropsias de pacientes HIV positivos avaliando as alterações neuropatológicas não são freqüentes; encontramos apenas 2 brasileiros (CHIMELLI et al, 1992; WAINSTEIN et al, 1992), ambos avaliando o período pré-haart, assim como o terceiro, feito por nós na tese de mestrado, avaliando 92 necrópsias no período pré-haart (SILVA, 2008). Destacaremos a seguir os estudos internacionais com maiores casuísticas e os estudos brasileiros encontrados.

9 MOSKOWITZ et al (1984), em Miami - EUA, estudaram 52 autópsias de pacientes HIV positivos; em 38 (73%) evidenciaram lesões neurológicas, sendo mais prevalentes os processos infecciosos (50%); em 28,9% dos casos o comprometimento encefálico foi a causa da morte. Encefalite por toxoplasma foi diagnosticada em 30,8% e encefalite com nódulos microgliais em 7,7% dos casos; leucoencefalopatia progressiva multifocal, assim como citomegalovirose, em 3,8%; abscesso micótico, tuberculose, cisticercose, meningoencefalite bacteriana e linfoma primário do SNC foram diagnosticados, cada um, em 1,9% dos casos. Ainda nesse estudo, foram vistas lesões hemorrágicas e/ou infartos em 7,6% dos casos. ANDERS et al (1986), em Los Angeles EUA, avaliaram 89 necrópsias de pacientes com SIDA, 15,7% dos quais faleceram por complicações neurológicas. Havia alterações significativas no SNC em 74% dos casos. Dentre as infecções oportunistas diagnosticaram citomegalovírus em 15,7%, criptococo em 12,4%, toxoplasma em 6,7%, leucoencefalia multifocal progressiva em 6,7%, histoplasma em 1,1% e infecção por Mycobacterium avium-intracellulare em 4,5% dos casos. Infecções simultâneas por mais de um microrganismo foram encontradas em 5,6% e linfoma primário do SNC ocorreu em 3,4% dos casos. Encontraram lesões vasculares em 17 (19,1%) casos, incluindo infartos (4 casos) e hemorragias de intensidade variável (13 casos). Descreveram ter encontrado nódulos microgliais em 56 casos, tendo identificado inclusões citomegálicas em 14 casos; nos demais 42 casos não identificaram o agente; porém, não usaram imuno-histoquímica e destacaram que em vários desses casos os nódulos eram focais e esparsos. Não referiram em quantos casos encontraram células gigantes; portanto, impossibilitando separar o que poderia ser designado como encefalite pelo HIV ou apenas como encefalite nodular. Destacam que toxoplasmose foi pouco freqüente no estudo deles, diferente do encontrado na Flórida (MOSKOWITZ et al, 1984), por ser comum toxoplasmose em haitianos.

10 Segundo ANDERS et al (1986), esse dado demonstra a importância de se estudarem casos de cada região, devido às variações regionais. PETITO et al (1986) estudaram 153 encéfalos e medula espinhal de adultos com SIDA que faleceram em Nova York. Diagnosticaram encefalite subaguda com células multinucleadas em 28%, encefalomielite por citomegalovírus em 26% e toxoplasmose em 10%. Leucoencefalopatia multifocal progressiva, ventriculite por herpes simples, leucoencefalite varicela-zoster e infecções por fungos representaram, cada uma, menos de 3%. Encefalite inespecífica com nódulos microgliais e discretas alterações na substância branca ocorreram em 17%, mielopatia vacuolar em 29% e linfoma no SNC em 6%. Menos de 20% dos pacientes tinham encéfalos normais ou encefalopatias metabólicas terminais. BUDKA et al (1987) realizaram estudo na Europa avaliando tecido cerebral de 100 pacientes HIV, 98 dos quais com manifestações de SIDA, sendo 64 oriundos de Milão, 24 da Áustria e 12 casos de diferentes locais da Europa recebidos em consulta. Neste estudo trabalharam na maioria dos casos com diversos blocos pequenos ou com grandes blocos dos hemisférios cerebrais. Utilizaram diferentes técnicas para pesquisa rotineira de agentes infecciosos, incluindo imuno-histoquímica, além de microscopia eletrônica em alguns casos de encefalite pelo HIV. Estudaram mais detalhadamente as lesões induzidas pelo HIV no SNC que ocorram em 38% dos casos; descreveram dois padrões de lesões pelo HIV: encefalite multifocal de células gigantes (13% dos casos) e leucoencefalopatia difusa progressiva (12%), havendo também associação de ambos os padrões (13%), sugerindo um espectro de lesões encefálicas induzidas pelo HIV. A encefalite multifocal de células gigantes seria caracterizada pelo acúmulo perivascular predominantemente de mononucleares (histiócitos e macrófagos) e células gigantes multinucleadas. A leucoencefalopatia difusa progressiva seria caracterizada pela perda difusa de mielina, proliferação de astrócitos e infiltrado de macrófagos mono e multinucleados. Referem que

11 essas alterações podem ser diferenciadas da encefalite nodular, que na maioria dos casos está relacionada à infecção por citomegalovírus ou toxoplasma. Com relação a outras alterações no SNC encontraram infecção por citomegalovírus, toxoplasma, criptococo, vírus JC e cândida em 18%, 17%, 9%, 5% e 2%, respectivamente. Linfomas foram vistos em 6% e alterações vasculares (infarto e hemorragia) em 11% dos casos. LANG et al (1989) analisaram 135 casos consecutivos de necrópsias na Suíça. Encontraram envolvimento do SNC em 88% dos casos, sendo que em 14,1% havia lesões múltiplas concomitantes. Toxoplasmose ocorreu em 26%, citomegalovírus em 10%, criptococose em 4%. Nódulos microgliais disseminados, sem evidência morfológica ou imuno-histoquímica de citomegalovírus, foram vistos em 18 (13%) casos. Entretanto, em 16 desses 18 pacientes foi encontrado citomegalovírus extra-cerebral, sugerindo que esse agente seria o responsável pela encefalite nodular. Leucoencefalopatia progressiva multifocal foi diagnosticada em 7%; encefalopatia associada a HIV em 16%, mostrando dois padrões morfológicos característicos: leucoencefalopatia difusa progressiva e encefalite multifocal de células gigantes. Linfomas ocorreram no SNC em 7% dos casos. No Brasil devemos destacar o estudo sistematizado do SNC de CHIMELLI et al (1992), no qual foram avaliadas 252 necrópsias de HIV positivos do Rio de Janeiro e São Paulo, sendo 88% do sexo masculino, com pico de idade entre 30 e 45 anos. Observaram lesões no SNC em 91,3% dos casos, sendo que em 11,9% havia infecções múltiplas e/ou tumores. A maioria das lesões infecciosas era oportunista (65,4%), sendo 15,4% viral e 50% bacteriana, fúngica ou por protozoário. A mais freqüente foi toxoplasmose (34,1%), seguida por criptococose (13,5%), citomegalovirose (7,9%) e encefalite nodular (6,7%). Encefalite ou leucoencefalopatia pelo HIV foram observadas em 10,7% dos casos e, linfomas primários, em 3,9%. Descrevem um único (0,4%) caso das seguintes infecções: meningoencefalite chagásica (exarcebação aguda de fase crônica da doença de Chagas),

12 histoplasmose e aspergilose. Lesões vasculares (hemorragias e infartos) foram identificadas em 7,9% dos casos. Lesões inespecíficas inflamatórias, encefalopatia de Wernicke e encefalopatia hepática ocorreram em 10,7% dos casos e, em 8,7%, não havia lesões (exceto edema e alterações isquêmicas neuronais agudas). Com relação aos casos de toxoplasmose descrevem que havia lesões necrótico-destrutivas, únicas ou múltiplas; porém, bem delimitadas, sem localização específica, envoltas por infiltrado inflamatório, nódulos microgliais, gliose, arterite e numerosos pseudocistos toxoplasmáticos e taquizoítas extracelulares. Lesões cicatrizadas foram vistas em poucos casos. Em 5 dos 86 casos de toxoplasmose não havia lesões visíveis macroscopicamente e o padrão era de uma encefalite difusa. WAINSTEIN et al (1992) avaliaram o SNC em 138 necrópsias realizadas em Porto Alegre no período de 1985 a 1990. Apenas 9 casos (6,5%) eram do sexo feminino. Em 59% observaram algum envolvimento do SNC, predominando as infecções oportunistas (35%), detectando-se toxoplasmose em 21% dos casos, criptococose em 12%, tuberculose em 1,4% e candidíase em 0,7%. Meningite bacteriana foi vista em 0,7%. Esses autores dividiram os 29 casos de toxoplasmose em 3 estágios que denominaram: estágio 1 abscesso necrosante : áreas de necrose mal delimitadas, escasso infiltrado inflamatório e numerosos taquizoítos 5 casos; estágio 2 abscesso em organização : halo de macrófagos e linfócitos circundando necrose e número variável de taquizoítas; estágio 3 abscesso crônico : eventuais nódulos microgliais, raros toxoplasmas encistados (bradizoítos) e isolados (taquizoítas): 14 casos. Lesões vasculares foram diagnosticadas em 10% dos casos, representadas por hemorragia (8%), aterosclerose (1,4%) e trombose venosa (0,7%). Relataram ainda, gliose em 5,8%, alterações sugestivas de encefalopatia pelo HIV em 5,1%, atrofia cortical em 4,3% e neoplasias em 2,2% (dois linfomas e um ependimoma).

13 Em nosso estudo anterior (SILVA, 2008) analisamos 92 necrópsias de HIV positivos realizadas no período pré-haart, que correspondiam a 10,9% do total de necropsias; entretanto, esse percentual foi se elevando nos últimos anos de estudo, com frequência de 23,25% no ano de 1996, justificado provavelmente pelo maior número de casos de HIV registrados nesse período. Do total de necropsias de pacientes HIV positivos, 18,5% eram do sexo feminino e idade média foi de 34 11 anos. Em relação à frequência de alterações no SNC, observou-se que em todas as necropsias de HIV havia alguma alteração no parênquima encefálico, ainda que focal e inespecífica; todavia, em 58,7% dos casos eram relevantes e, apenas em 27,8% desses casos, houve suspeita clínica (premortem). As doenças oportunistas foram as alterações mais freqüentes (58,7%), representadas por toxoplasmose (33,7%), criptococose (11,9%), citomegalovirose (4,3%), encefalite nodular (3,3%); meningite bacteriana (2,2%); tuberculose/micobacteriose (2,2%); histoplasmose (1,1%) e paracoccidioidomicose (1,1%); em 2 casos houve suspeita de infecção pelo vírus JC, mas estudo posterior mostrou positividade apenas em 1 (1,1%) deles. Em 3,3% dos casos havia infecções concomitantes (toxoplasmose + meningite purulenta; toxoplasmose + citomegalovirose; paracoccidioidomicose + citomegalovirose). Não foram encontradas neoplasias ou alterações encefálicas diretamente relacionadas ao HIV (encefalite pelo HIV). Duas séries brasileiras com dados gerais de necropsias de HIV foram encontradas, nas quais havia alguma consideração sobre o SNC. BORGES et al (1997) avaliaram a correspondência dos achados de necropsia com a suspeita clínica. Revisaram 50 casos de SIDA necropsiados no Hospital Universitário de Uberlândia; a idade média era de 33,3 anos e 69,2% eram do sexo masculino. Avaliaram a concordância entre as hipóteses clínicas e os achados postmortem: 46% apresentaram no mínimo um diagnóstico clínico confirmado pela necrópsia; 48% apresentaram pelo menos uma doença relacionada à SIDA

14 não diagnosticada clinicamente e, 52% demonstraram mais de uma doença diagnosticada apenas à necropsia. Infecção por citomegalovírus foi o achado mais comum (32%) e, em nenhum desses 16 casos, foi suspeitada clinicamente. Micose sistêmica também foi diagnosticada em 16 (32%) necropsias, predominando infecção por criptococo (12%) e histoplasma (12%); com relação à infecção criptococócica, 5 dos 6 casos foram diagnosticados clinicamente. Foram encontrados 11 (22%) casos de toxoplasmose; 9 deles envolviam o SNC e o diagnóstico clínico foi feito em 5 deles. Em São José do Rio Preto, CURY et al (2003) observaram que 75% dos 92 pacientes HIV necropsiados entre 1993 e 2000 eram do sexo masculino; 92,4% do total faleceram por doenças infecciosas e, apenas 8 casos (9%), apresentavam comprometimento infeccioso do SNC. Nesses 8 casos, encontraram Toxoplasma gondii em 60% e criptococose meníngea em 20%; infecção por Pneumocystis carinii, histoplasmose e micobacteriose, corresponderam cada uma a 6,7 % das lesões no SNC. Neste estudo não há referência ao uso ou não de HAART. 4 - O vírus HIV e as alterações no SNC no período pós-haart Estudos neuropatológicos postmortem comparando os achados pré e pós-haart são escassos, talvez porque houve uma redução importante do número de necropsias de pacientes HIV positivos (MASLIAH et al, 2000; NEUENBURG et al, 2002; VAGO et al, 2002; GRAY et al, 2003). Entretanto, continuam sendo importantes mesmo após a HAART, pois mudanças ocorreram após essa terapêutica, tais como redução das infecções oportunistas e aumento dos casos de encefalite pelo HIV (LANGFORD et al, 2003), pelo menos nos países desenvolvidos. Em levantamento bibliográfico para melhor entender as modificações que ocorreram no SNC entre os dois períodos, identificamos poucas

15 publicações internacionais de necropsias (MASLIAH et al, 2000; JELLINGER et al, 2000; MORGELLO et al, 2002; NEUENBURG et al, 2002; VAGO et al, 2002; GRAY et al, 2003; WALSH et al, 2004), assim como também estudos clínicos (AMMASSARI et al, 2000; SACKOFF et al, 2006; SUBSAI et al, 2006). Quanto à literatura nacional, não identificamos nenhum estudo comparativo de séries de necropsias pré e pós-haart; porém, encontramos um estudo clínico interessante no período pós-haart (OLIVEIRA et al, 2006). Dentre as séries de necropsias, destacam-se 7 estudos, todos internacionais avaliando as diferenças entre os períodos pré e pós-haart. Um dos primeiros trabalhos comparando as lesões neurológicas relacionadas com a infecção pelo vírus HIV foi realizado por MASLIAH et al (2000), na Califórnia - EUA. Avaliaram 390 casos de autopsias no período de 1982 a 1998 (15 anos), sendo 92,3% do sexo masculino, dos quais 74,1% eram homossexuais. A média de idade foi de 38,9 anos, sendo 38,3 anos para mulheres e 37,7 anos para homens. Verificaram que o principal órgão comprometido era o pulmão (84%), seguido pelo SNC (63%) e adrenal (44%). Esses autores especificaram detalhadamente as alterações no SNC; no entanto, há alguns percentuais conflitantes entre o texto e a tabela e recalculamos os percentuais através do número de casos da tabela. Encefalite pelo HIV ocorreu em 26,9% dos casos, seguida por infecção por citomegalovírus (18,5%), fungos (5,6%), leucoencefalia multifocal progressiva (3,1%), toxoplasmose (2,8%) e micobactérias (1,3%). Linfomas não Hodgkin foram diagnosticados em 9,5% dos 390 casos. Ao compararem as freqüências ao longo desses 15 anos observaram que ocorreu uma diminuição das infecções oportunistas, tais como citomegalovirose, pneumocistose e micobacteriose com o passar dos anos; entretanto, a freqüência de encefalite pelo HIV aumentou nos últimos anos do estudo, provavelmente por desenvolvimento de resistência viral em relação às drogas utilizadas na

16 HAART, principalmente nos pacientes com uso de AZT de forma descontínua. Concluíram que, a despeito da terapia anti-retroviral e anti-infecções oportunistas, o envolvimento do SNC pelo HIV continua sendo um achado freqüente à necropsia. No mesmo ano, JELLINGER et al (2000) estudaram 450 casos autopsiados na Áustria; 88,2% do sexo masculino e 11,8% do feminino, com média de idade de 38,4 anos. Com relação ao SNC avaliaram 3 períodos: 1984 a 1992 (ausência de tratamento antiretroviral: 190 casos); 1993 a 1995 (uso de AZT, monoterapia: 162 casos) e 1996 a 1999 (uso da HAART: 98 casos). Observaram aumento da população feminina (de 7,9% para 29,6%) após o ano de 1996, além de aumento no tempo de sobrevida dos pacientes. Nos 2 últimos períodos revisaram também as lesões em diversos órgãos e sua relação com as alterações no SNC. Verificaram, nos dois últimos períodos, que o pulmão era o órgão mais frequentemente comprometido (85% e 75%, respectivamente), seguido pelo SNC (80% e 60%, respectivamente). Neste estudo foram feitos de 10 a 15 blocos para microscopia de diferentes áreas do encéfalo e das lesões macroscópicas. Utilizaram ainda imunohistoquímica para citomegalovírus, HIV, herpes, toxoplasma e para os linfomas, além de hibridização in situ para citomegalovírus. Em relação às lesões encefálicas, notaram que doenças oportunistas diminuíram com a progressão dos períodos, tendo sido encontradas em 64%, 67% e 34%, respectivamente. Houve redução evidente de algumas infecções do 1º período para o 3º período, como toxoplasmose (24% versus 8%) e citomegalovirose (17,4% versus 11%). Outras lesões não tiveram alterações evidentes na sua freqüência, tais como encefalite/leucoencefalopatia pelo HIV (16,1% versus 15%), leucoencefalopatia multifocal progressiva (5,7% versus 5%), criptococose (3,1% versus 4%), linfomas primários do SNC (6,3% versus 6%), hemorragias/infartos (8,8% versus 10%) e na quantidade de encéfalos sem quaisquer lesões (11% versus 10%). Em relação às lesões associadas ao HIV (utilizaram imuno-histoquímica) descreveram, além da

17 encefalite/leucoencefalopatia, diversas outras lesões como leucoencefalopatia vacuolar, meningite linfocítica, polidistrofia glial difusa e vasculite cerebral. Observaram que a freqüência de todas essas lesões relacionadas ao HIV, foi similar no 1º e último período (28,6% versus 30%), tendo sido maior no período intermediário (38%), representando 32,2% na análise conjunta de todos os períodos. Lesões por toxoplasmose no 1º período apresentavam-se frequentemente como doença aguda disseminada ou como encefalite necrosante; também estava comumente associada à outra infecção oportunista. Todavia, no 3º período prevaleceram quadros histológicos de lesões antigas (cicatriciais) e as lesões combinadas diminuíram (21,6% versus 11%). Houve, no entanto, um aumento da freqüência de alterações inespecíficas do 1º para o 3º período (de 17% para 27%). MORGELLO et al (2002), em Nova Iorque - EUA, estudaram 394 casos de necropsias com o objetivo de avaliar se a idade e a frequência de doenças estavam associadas ao gênero, fatores de risco para o HIV, etnia e terapêutica. A idade média foi de 41,6 anos (38,9 anos para o sexo feminino e 42,5 anos para o masculino); 75% eram do sexo masculino e 25% feminino. Avaliando todo o período estudado, as lesões pulmonares (89%) prevaleceram, seguidas pelo SNC (64%), fígado (45%) e sistema digestório (44%). Dividiram os anos de estudo em 3 grupos: A (1979 a 1986: 88 casos); B (1987 a 1995: 207 casos) e C (1996 a 2000: 99 casos). Verificaram que na análise global dos órgãos, no período da HAART, as infecções mais comuns foram bacterianas (41%), citomegalovirose (29%) e pneumocistose (22%). Comparando os 3 períodos de estudo, citomegalovírus, herpesvírus, varicela zoster, micobactéria, cândida, criptococo e histoplasma predominaram nessa ordem, nos 2 primeiros períodos. Contudo, no 3º período houve um predomínio de hepatites, infecção por Staphilococcus sp e Streptococcus sp e um aumento na freqüência de lesões não infecciosas tais como cirrose, aterosclerose e traumas. Com relação ao SNC, referem que a freqüência foi de 59%, 58% e 80%, para os grupos A, B e

18 C, respectivamente. Considerando os diferentes tipos de lesões no SNC os autores encontraram: leptomeningite asséptica em 20% dos casos (grupo A: 15%; B: 22% e C: 22%), encefalite pelo HIV em 15% (A: 10%; B: 17% e C: 15%), leucoencefalopatia multifocal progressiva em 1,8% (A: 4%; B: 0% e C: 2%) e linfoma em 4,6% (A: 1%; B: 5% e C: 7%). Entretanto, essas diferenças não foram estatisticamente significantes. NEUENBURG et al (2002) avaliaram as alterações no SNC em 371 necrópsias de HIV positivos nos Alemanha (Frankfurt) entre os anos de 1985 e 1999, com o objetivo de analisar a encefalopatia pelo HIV. Seguiram os critérios do relato de consenso de doenças do SNC relacionadas ao HIV (Budka et al, 1997); referem que encefalite nodular não é diagnóstica de infecção por HIV podendo ocorrer em qualquer doença oportunista. A idade média foi 40,5 anos; 90,5% eram do sexo masculino. Dividiram os anos estudados em 4 períodos: antes de 1987 (antes da introdução da azidovudina: 32 casos); entre 1987 e 1992 (monoterapia: 170 casos); entre 1993 e 1995 (uso de até 2 antiretrovirais: 127 casos) e entre 1996 e 1999 (HAART: 42 casos). Em 85% dos encéfalos havia alterações relacionadas à infecção pelo HIV, infecções oportunistas ou linfomas. Em apenas 3% dos casos não foram identificadas alterações no SNC; em 12,4% encontraram hemorragia intracraniana, mas não separaram os processos focais dos maciços. Referem ainda ocorrência de isquemia, edema, aumento de pressão intracraniana, fibrose meníngea, hidrocefalia, mielopatia vacuolar, mielinose pontínea e carcinoma metastático. Não utilizaram o termo encefalite nodular nos seus resultados, talvez porque tenham conseguido através de imuno-histoquímica esclarecer a etiologia de todos os casos. Observaram que o número total de mortes pelo HIV diminuiu com o acesso às terapias combinadas, assim como o número de doenças oportunistas. Considerando todos os anos estudados houve uma maior freqüência de encefalite pelo HIV (37,7%), seguida pela infecção por citomegalovírus (25,3%), linfoma (9,4%), toxoplasmose (7,0%),

19 leucoencefalopatia multifocal progressiva (3,5%), criptococose (1,1%), herpesvírus (0,8%) e tuberculose (0,2%). Concluíram que com o uso de HAART houve um aumento no número de casos de encefalite relacionadas ao HIV; todavia, com formas leves ou moderadas. Infecções oportunistas diminuíram, além de observarem aumento da sobrevida nos pacientes em tratamento. VAGO et al (2002) na Itália, com o objetivo de avaliar a prevalência de lesões no SNC relacionadas ao HIV, estudaram 1597 autopsias de pacientes HIV positivos com SIDA dividindo-as em 4 períodos com base no regime terapêutico de cada época: 1984 a 1987 (sem terapia: 119 casos); 1988 a 1994 (monoterapia: 1116 casos); 1985 a 1996 (duas terapias combinadas: 256 casos) e 1997 a 2000 (HAART: 106 casos). Essas 1597 autopsias representam 73,6% dos pacientes com SIDA que faleceram em um hospital de Milão no período de 1984 a 2000. Entretanto, no último período representam apenas 36,4% dos óbitos por SIDA, evidenciando redução de necropsias solicitadas/realizadas nesta doença. Referem que os dados relacionados ao tratamento só foram coletados para os pacientes que faleceram durante o último período e que 96 (90,6%) deles usavam HAART; porém, não detalham por quanto tempo. Em 1210 (76%) dos 1597 casos havia lesões relacionadas ao HIV e/ou infecções oportunistas. Através de imuno-histoquímica (HIV-p24) detectaram 486 (30,4%) casos de infecção por HIV (encefalite ou leucoencefalopatia), que em 188 (11,8%) estavam associados a doenças oportunistas; em 724 casos (45,3%) havia apenas infecções oportunistas. A prevalência de infecção pelo HIV no SNC foi de 54%, 32%, 18% e 15% nos 4 períodos, respectivamente, com redução progressiva do número de casos, provavelmente por apresentarem uma melhora no sistema imune. GRAY et al (2003), na França, avaliaram 343 encéfalos de necrópsias, entre 1985 e 2002, referindo que, apesar da mortalidade ter diminuído, o SNC continua sendo uma causa comum de óbito e que tornou-se, inclusive, o órgão mais freqüentemente

20 comprometido após a HAART. Destacam que nos países desenvolvidos a introdução da HAART mudou dramaticamente o curso e o prognóstico da infecção por HIV e por isso houve uma redução muito intensa na mortalidade e consequentemente no número de necropsias. Dos 243 casos de necropsias de SIDA entre 1985 e 2002, apenas 23 (6,7%) são do período entre 1997 e 2002, ou seja, após a introdução da HAART. Esses 23 casos receberam HAART no mínimo por 3 meses e somente este grupo é analisado em detalhe neste estudo, embora sejam feitas comparações com os períodos de 1985 a 1991 ( período epidêmico de SIDA ) e de 1992 a 1996 (início dos tratamentos anti-retrovirais), através de gráficos sem referência a análises estatísticas. No período da HAART observaram encefalite pelo HIV em 17,4%, com igual freqüência do vírus varicela-zoster e de leucoencefalopatia multifocal progressiva; toxoplasmose ocorreu em 13%, citomegalovirose em 8,7%, herpes simples vírus em 8,7% e linfomas em 13% dos 23 casos. Notaram uma diminuição dos casos de toxoplasmose, citomegalovirose e encefalite pelo HIV e permaneceram inalteradas as freqüências de leucoencefalopatia multifocal progressiva e linfomas não Hodgkin. Todavia, nos últimos três anos observaram aumento de toxoplasmose nos pacientes com imunodeficiência leve. Observação semelhante ocorreu com encefalite pelo HIV, que era alta no início da epidemia, diminuiu acentuadamente com a introdução da HAART; porém, sua incidência aumentou, também nos últimos 3 anos, provavelmente por resistência viral à HAART. Notaram ainda o aparecimento de lesões incomuns no SNC na época anterior ao tratamento anti-retroviral, como encefalite pelo vírus varicela-zoster, herpes simples vírus e lesões tipo burn out (alterações encefálicas mediante a restituição da resposta imune e inflamatória dos pacientes). GRAY, KEOHANE (2003) destacam que, embora a HAART, nos países desenvolvidos, tenha gerado modificações importantes nas lesões do SNC, no resto do

21 mundo, em mais de 90% dos casos de SIDA, os pacientes sobrevivem tão pouco que não apresentam algumas complicações neurológicas do HIV. WALSH et al (2004) revisaram 16 casos de necropsia de HIV, 13 dos quais portadores de SIDA, entre 1985 e 2002, no Canadá. Todos eram do sexo masculino e a idade média era 39 anos. Encontraram lesões no SNC em 75% dos casos; a manifestação neurológica mais freqüente foi encefalite pelo HIV, que ocorreu em 8 (50,0%) casos. Outros diagnósticos encontrados foram leucoencefalopatia multifocal progressiva (25%), toxoplasmose (18,7%), linfoma do SNC (12,5%) e aspergilose (6,2%). Lesões concomitantes estiveram presentes em 4 casos. Embora este estudo avalie poucos casos, detalha a medicação usada: 5 (31,2%) casos são do período pré-haart(até 1995); 11 (67,8%) seriam pós-haart; no entanto, 2 nunca utilizaram tal medicação e apenas 2 (12,5%) usaram HAART por mais de 6 meses, sem interromper o uso por mais de 2 meses antes do óbito. Este estudo evidencia como se basear apenas na época da necropsia, como foi feito na maioria dos estudos referidos, pode não refletir a realidade sobre o uso de medicação. Não encontramos estudos de séries brasileiras de necropsias avaliando as alterações encefálicas após a introdução da HAART, apesar do SNC ser ainda um dos principais órgãos afetados. Nosso grupo realizou anteriormente estudo (MICHELLETI, 2007) sobre a freqüência de neoplasias benignas e malignas em qualquer órgão, em 240 necrópsias na UFTM de pacientes HIV positivos, no período de 1989 a 2004; entretanto, sem verificar quais os pacientes que faziam ou não uso de HAART. Foram encontradas apenas 6 neoplasias no SNC, representadas por 4 casos de linfoma não Hodgkin difuso de grandes células, 1 caso de neoplasia meníngea maligna compatível com plasmocitoma

22 plasmoblástico e um meningioma. Interessante destacar que as todas essas neoplasias ocorreram após 1996, quando foi iniciado o uso de HAART em nossa Instituição. OLIVEIRA et al (2006), em um hospital público de Belo Horizonte, realizaram um estudo clínico transversal, no período de fevereiro de 1999 a março de 2000, avaliando as alterações neurológicas em 417 pacientes HIV positivos. Diagnosticaram lesões em 194 casos (46,5%). Todo o detalhamento deste estudo, a seguir, foi feito apenas para os 194 pacientes que apresentavam doença neurológica, o que a nosso ver cria um viés porque não compara com todo o grupo HIV, por isso quando pertinente recalculamos os percentuais para o total que seria de 417 pacientes no período avaliado. Entre os pacientes com doença neurológica a idade média foi de 35,8 anos e 69,6% eram do sexo masculino. Em 80,9% desses 194 casos havia sintomas neurológicos e, em 19,1%, a doença neurológica era estável, assintomática. Através de exames complementares (tomografia, sorologia, PCR, cultura e avaliação liquórica) diagnosticaram infecção no SNC em 151 casos, que representariam 36,2% do total de 417 pacientes: toxoplasmose em 82 (19,7%) casos, criptococose em 25 (6%), tuberculose em 21 (5%), leucoencefalopatia multifocal progressiva em 7 (1,7%) e citomegalovirose em 3 (0,7) casos. Referem ainda 2 casos de sífilis e 2 de outras infecções bacterianas. Demência relacionada ao HIV ocorreu em 9 (2,2%) casos e linfoma do SNC apenas em 1 (0,2%) dos 417 casos. Em 3,8% dos 417 casos não conseguiram definir a doença neurológica e em 1,2% dos casos referem apenas que havia outras causas, não permitindo saber se ocorreram ou não alterações vasculares neste estudo. Em 38 (19,6%) dos 194 casos com doença neurológica, o diagnóstico de infecção por HIV foi feito durante a internação. Cento e onze dos 194 pacientes receberam tratamento anti-retroviral nos 6 meses anteriores ao período avaliado, representado por HAART em 88 (45,4%) casos, por duas drogas anti-retrovirais em 12 (6,2%) casos e não havia informes quanto ao esquema terapêutico utilizado em 11 (5,7%) casos. Não

23 encontraram diferenças ao compararem o esquema terapêutico com a carga viral, assim como em relação às infecções oportunistas, mas verificaram que havia um maior número de células CD4 e menor freqüência de doença neurológica no grupo em uso de HAART. Este estudo demonstrou que as lesões no SNC continuam sendo complicações freqüentes da infecção pelo HIV. 5 A importância da necropsia no estudo das alterações na SIDA e as diferenças entre as co-morbidades associadas em diferentes países e regiões geográficas A necropsia é um importante meio de compreender o curso natural das doenças; além disso, especificamente com relação à SIDA, muitos indivíduos não possuem esse diagnóstico em vida e menos frequentemente ainda o diagnóstico das co-morbidades associadas. Nesse caso, a necropsia contribui para o melhor entendimento do espectro de doenças (infecções e neoplasias) desencadeadas pelo HIV, assim como da causa da morte (SATYNARAYANA et al, 2003; CURY et al, 2003). A necropsia possibilita também a análise da frequência das doenças associadas à SIDA através dos anos (MASLIAH et al, 2000). Em síntese, a necropsia contribui não só para o entendimento da doença, como também para prevenção, diagnóstico clínico e manejo dos pacientes com SIDA (KAISER et al, 2000; MARKOWITZ et al, 1996; SEHONANDA et al, 1996). Como exemplo podemos lembrar um estudo desenvolvido por HUI et al (1984), no qual foram avaliadas 12 necrópsias de pacientes com SIDA e encontraram 15 diagnósticos (neoplasias e infecções) que não haviam sido suspeitados clinicamente. Outro exemplo é o estudo de BORGES et al (1997) que verificaram pelo menos uma doença relacionada à SIDA não diagnosticada clinicamente em 48% dos casos de necropsia. Nosso próprio estudo anterior em 92 necropsias no período pré-haart (SILVA, 2008), evidenciou que em apenas 15

24 (27,8%) dos 54 casos com lesões no SNC relevantes para o óbito, houve suspeita clínica (premortem). A maior série de comparação entre achados pre e postmortem em SIDA foi feita em Milão, Itália, por ANTINORI et al (2009). Esses autores avaliaram apenas as infecções fúngicas invasivas em 1630 necropsias entre 1984 e 2002, dividindo-as em 4 períodos, segundo o uso de medicação anti-retroviral: 1984-1988 (sem terapia/início terapia antiretroviral; 1989-1993 (monoterapia consolidada); 1994-1997 (2 anti-retrovirais e início de 3 ou HAART) e 1998-2002 (HAART consolidada). Encontraram infecções fúngicas invasivas em 297 (18,2%) das 1630 autópsias; observaram que houve redução na freqüência dessas infecções de 25% para 15% comparando o 1º ao 4º período, principalmente de pneumocistose e criptococose, o inverso ocorrendo com candidíase. Em 67 (22,5%) dos 297 casos com infecção micótica invasiva (ou 4,11% de total de necropsias) havia envolvimento do SNC, sendo que em 52 casos tratava-se de infecção por criptococo, que representava 3,19% do total de 1630 necropsias. Em 54,2% dos casos com infecção micótica invasiva esse diagnóstico não havia sido suspeitado clinicamente e não houve variação ao longo dos períodos. Essas infecções contribuíram para o óbito em 103 (34,7%) dos 297 casos (6,3% do total de necropsias). Em 38 (36,9%) dos 103 casos em que a micose era a doença principal, o diagnóstico não foi suspeitado premortem, sendo que em 17 (45%) desses 38 casos, o erro seria tipo I de Goldman. Segundo os autores, este estudo confirma o valor da necropsia em pacientes com SIDA, mesmo na era HAART e de tecnologias avançadas. WILKES et al (1988) também destacam o valor da necropsia na SIDA. Avaliaram os achados postmortem em 101 casos de SIDA, em Nova York, encontrando em 74% dos casos doenças relacionadas à SIDA, que não haviam sido suspeitadas clinicamente, tais como CMV (49%), infecção fúngica sistêmica (20%), sarcoma de Kaposi (14%),

25 micobacteriose (11%), dentre outras. Em 4% dos casos havia linfoma no SNC, tratados clinicamente de modo empírico como toxoplasmose. Os trabalhos mais abrangentes de necropsia descrevem em geral achados globais, sem aprofundar o estudo de um órgão específico; evidenciam, no entanto, diferenças na frequência das doenças associadas à SIDA em diversos países. PARKOMENKO et al (2003), na Rússia, estudaram 321 necrópsias de pacientes HIV positivos, em um período de dez anos. Verificaram que as doenças infecciosas oportunistas prevaleciam, sendo mais freqüente citomegalovírus (19%), seguido por tuberculose (14%), sarcoma de Kaposi (10%), pneumonia bacteriana (8%) e Toxoplasma gondii (7%). Na África, ANSARI et al (2002) realizaram estudo semelhante em 128 casos de pacientes HIV positivos necropsiados, observando predomínio de infecções pelo bacilo da tuberculose (40%), seguido pelas pneumonias bacterianas (23%). Além desses processos, encontraram também infecções por Pneumocystis carinii em 11% dos casos, infecção esta não identificada nos casos de PARKOMENKO et al (2003). Esses dados são bem diferentes dos observados em países desenvolvidos. MOSKOWITZ et al (1984), em Miami EUA, encontraram tuberculose em somente 1,9% dos 54 casos de necropsias avaliados. Esses autores verificaram que 25,9% dos pacientes faleceram por lesões no SNC, sendo o segundo sítio mais comum de alterações, superado apenas pelas alterações pulmonares (55,5%). Dados similares foram obtidos por MASLIAH et al (2000), que avaliaram 390 casos de necropsias em pacientes com SIDA nos EUA e, HOFMAN et al (1999), em 395 casos na França. 6 A importância do estudo das necropsias de SIDA e do SNC em nossa região