ENSINO MÉDIO INTEGRADO: Princípios, conceitos e relações com a pedagogia de multiletramentos Janete Teresinha Arnt 1 Resumo: O presente trabalho trata do Ensino Médio Integrado à Educação profissional, a fim de explicitar os conceitos e princípios que subjazem a proposta dessa modalidade de ensino, bem como apresentar os questionamentos, relações e sobreposições entre a proposta de Ensino Médio integrado e a pedagogia de multiletramentos. Em minha tese de doutorado pretendo investigar e descrever o processo de produção de uma proposta de ensino subsidiada pela pedagogia de multiletramentos que vise à formação civil, profissional e pessoal de alunos do Ensino Médio integrado à Educação Profissional. Como recorte, este trabalho objetiva apresentar o andamento dessa pesquisa. Nesta etapa, apresentaremos conceitos e princípios que subjazem a proposta de Ensino Médio integrado e os levantamentos feitos até o momento acerca das relações e sobreposições das duas propostas (a pedagogia de multiletramentos e a modalidade de Ensino Médio integrado à Educação Profissional), bem como, a metodologia a ser implementada para o desenvolvimento do estudo. Palavras-chave: Ensino Médio integrado; Educação Profissional; Pedagogia de Multiletramentos. Introdução O Ensino Médio Integrado à Educação Profissional é uma modalidade de ensino relativamente recente, instituída em 2004, por meio do Decreto nº 5.154/04, mas mais amplamente ofertada a partir da criação dos Institutos Federais, em 2008 (Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008). Portanto, ainda precisa ser discutida e estudada para que se entendam os princípios e conceitos que subjazem essa proposta. Também relativamente jovem, a pedagogia de multiletramentos inicialmente apresentada pelo Grupo de Nova Londres (1996; COPE; KALANTZIS, 2000) é a proposta vigente dos documentos oficiais para o ensino de línguas. Dessa forma, é pertinente um 1 Instituto Federal Farroupilha; e-mail janete.arnt@iffarroupilha.edu.br 1
estudo que proponha formas de integração dessas propostas, explicitando como a pedagogia de multiletramentos pode contribuir para a formação integral dos alunos dessa modalidade de ensino. O objetivo deste trabalho é apresentar as relações entre as duas propostas, a partir de análise dos documentos oficiais que regem o Ensino Médio Integrado à Educação Profissional e a literatura que versa sobre a pedagogia de multiletramentos. Desenvolvimento O Ensino Médio Integrado à Educação Profissional é uma modalidade de ensino relativamente recente, instituída em 2004, por meio do Decreto nº 5.154/04, mas mais amplamente ofertada a partir da criação dos Institutos Federais, em 2008 (Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008). Portanto, ainda precisa ser discutida e estudada para que se entendam os princípios e conceitos que subjazem essa proposta. Também relativamente jovem, a pedagogia de multiletramentos inicialmente apresentada pelo Grupo de Nova Londres (1996; COPE; KALANTZIS, 2000) é a proposta vigente dos documentos oficiais para o ensino de línguas. Dessa forma, é pertinente um estudo que proponha formas de integração dessas propostas, explicitando como a pedagogia de multiletramentos pode contribuir para a formação integral dos alunos dessa modalidade de ensino. A possibilidade de se ofertar a modalidade de ensino médio integrada à formação profissional surgiu a partir do Decreto nº 5.154/04, o qual assegura que a educação profissional técnica de nível médio deva cumprir as finalidades estabelecidas para a formação geral e as condições de preparação para o exercício de profissões técnicas (BRASIL, 2004). Considerando-se a criação dos Institutos Federais (principais instituições de promoção da modalidade de educação profissional técnica de nível médio) a partir de 2008 (BRASIL, 2008), pode-se dizer que esta é uma modalidade de ensino relativamente recente, e, que, portanto, é passível de estudos e adequações. 2
Após a publicação do decreto, em 2004, somente em 2007 foi publicado um documento base (BRASIL, 2007) o qual explicita os princípios e diretrizes do ensino médio integrado à educação profissional. A partir da publicação desse documento base, é possível visualizar o perfil de alunos que se almeja formar em tal modalidade, pois neste documento afirma-se que esse ensino médio deve ser orientado (...) à formação de cidadãos capazes de compreender a realidade social, econômica, política, cultural e do mundo do trabalho para nela inserir-se e atuar de forma ética e competente, técnica e politicamente, visando contribuir para a transformação da sociedade em função dos interesses sociais e coletivos. (BRASIL, 2007, p. 25) Dessa forma, as instituições que ofertam a modalidade de ensino médio integrado à educação profissional buscam formas de integração entre as disciplinas básicas e as técnicas a fim de promover tal formação. Porém, em minha prática como professora da educação básica técnica e tecnológica desde março de 2012 no Instituto Federal de Educação Básica Técnica e Tecnológica, tenho observado uma falta de consenso acerca de como se dará essa integração de conhecimentos para a formação integral do educando. Mais especificamente, meu foco está em definir o papel da língua estrangeira nessa modalidade de ensino, a qual procura desenvolver nos alunos a formação básica, proporcionando condições de cidadania e, ao mesmo tempo, formação profissional e tecnológica de acordo com as demandas sociais e peculiaridades regionais (BRASIL, 2008). Em relação à língua estrangeira, esta falta de consenso pode ser observada tanto no discurso de alunos, como por parte dos professores, os quais muitas vezes optam por: 1. ignorar o fato de o ensino ser técnico e promover somente os letramentos requeridos para o ensino médio, a partir de gêneros discursivos como letras de música, anúncios publicitários cujo conteúdo ideacional não está relacionado à área técnica ou a partir de algum dos livros didáticos sugeridos pelo Programa Nacional do Livro Didático, voltado para o Ensino Médio; ou 2. ignorar o fato de ser Ensino Médio e não 3
somente técnico e ensinar listas de vocabulário da área técnica (informática, administração, agropecuária, etc.), ou utilizar livros didáticos produzidos para o ensino da língua inglesa para a área técnica, por exemplo, Basic English for Computing (Oxford University Press, 1993), os quais são muitas vezes voltados especificamente para aquisição de vocabulário da área. Em ambos os casos, parece haver uma falha em desenvolver as capacidades requeridas para a formação do aluno de forma integral, ou seja, formação para a vida civil, profissional e pessoal. Dessa forma, é urgente um estudo que proponha formas de integração dessas modalidades, explicitando quais letramentos devem ser promovidos e como a pedagogia de multiletramentos, a partir, por exemplo, dos conceitos de linguagens, cultura e multimodalidade e agência que a permeiam, pode contribuir para a formação integral dos alunos do ensino médio integrado à educação profissional. A partir de estudos acerca da proposta dos documentos oficiais para essa modalidade de ensino e acerca da pedagogia de multiletramentos, deverá ser possível desenvolver materiais didáticos com vistas a atender às diversas demandas apresentadas no perfil do egresso, ou seja, desenvolver cidadãos aptos ao trabalho e ao mesmo tempo críticos e capazes de intervir na realidade social em que estão inseridos. Ao analisarmos a pedagogia de multiletramentos e a ideologia/proposta do ensino médio integrado à educação profissional, percebe-se uma coerência entre os dois conjuntos de ideias, uma vez que ambos propõem a formação humana integral. Por um lado, o documento base da modalidade de educação profissional técnica de nível médio prevê uma: Concepção de formação humana, com base na integração de todas as dimensões da vida no processo educativo, visando à formação omnilateral dos sujeitos. Essas dimensões são o trabalho, a ciência e a cultura. O trabalho compreendido como realização humana inerente ao ser (sentido ontológico) e como prática econômica (sentido histórico associado ao modo de produção); a ciência compreendida como os conhecimentos produzidos pela humanidade que possibilita o contraditório avanço das forças produtivas; e a cultura, que corresponde aos valores éticos e estéticos que orientam as normas de conduta de uma sociedade. (BRASIL, 2007, p. 40-41) 4
Por sua vez, a pedagogia de multiletramentos prevê que o propósito fundamental da educação seja o de assegurar que todos os estudantes beneficiem-se da aprendizagem de modo encorajá-los a participarem ativamente da vida pública, comunitária e econômica (COPE; KALANTZIS, 2000, p. 9). A partir dessas afirmações, é possível perceber que ambas as propostas visualizam na educação a principal forma de inclusão social e emancipação. Quanto ao papel do professor, ambas as referências apontam para uma atitude de mediador consciente da sua responsabilidade social, para que não se forme somente técnicos, mas sim cidadãos aptos a agirem e transformarem sua realidade social. Isso pode ser observado nos documentos oficiais quando afirmam que: Nesse processo educativo de caráter crítico-reflexivo, o professor deve assumir uma atitude orientada pela e para a responsabilidade social. Nessa perspectiva, o docente deixa de ser um transmissor de conteúdos acríticos e definidos por especialistas externos, para assumir uma atitude de problematizador e mediador no processo ensino-aprendizagem (BRASIL, 2007, p. 34). Complementando a ideologia proposta nos documentos, a pedagogia de multiletramentos prevê que a contribuição da área de linguagens para a formação profissional seja a de que os alunos tenham a oportunidade de desenvolver habilidades para acessarem as novas formas de trabalho através da aprendizagem da nova linguagem do trabalho (COPE; KALANTZIS, 2000, p. 13). Consonante com o que é previsto nos documentos que regem a educação profissional de nível médio, a pedagogia de multiletramentos prevê que o papel dos professores não seja simplesmente de tecnocrata, nem a produção de trabalhadores dóceis e complacentes, mas sim formação de cidadãos capazes de se expressar, de negociar, de se engajar criticamente nas condições de sua vida profissional (idem: ibidem). De acordo com Cope e Kalantzis (2000), a literatura do novo capitalismo rápido enfatiza adaptação à constante mudança por meio de autonomia e proatividade, crítica e empoderamento, inovação e criatividade, pensamento 5
sistemático e técnico, e aprendizagem sobre o aprender. Todas essas maneiras de pensar e agir são permeadas por novos e emergentes discursos (p. 12), os quais devem ser estudados a fim de garantir uma formação profissional que possibilite aos sujeitos jovens e adultos se apropriarem de conhecimentos que estruturem sua inserção na vida produtiva dignamente (RAMOS, 2008, p. 11). Considerações finais Os resultados da pesquisa bibliográfica apontam para uma estreita relação entre a proposta do Ensino Médio integrado à Educação Profissional e a pedagogia de multiletramentos. As sobreposições entre as duas propostas se dão principalmente no sentido do papel transformador do educando em seu contexto de vida pessoal, civil e profissional. Nesse sentido, observa-se uma negação da formação de mão-de-obra não intelectualizada, mas sim a formação de cidadãos críticos e transformadores da sua realidade, os quais utilizam-se dos conhecimentos construídos na escola para melhorarem suas condições de vida e realizarem-se em todos os sentidos, ou seja, pessoal, civil profissionalmente, de forma a integrar todas as esferas de sua formação e conceber uma formação omnilateral. Referência BRASIL. Decreto nº 5.154, de 23 de julho de 2004. Regulamenta o 2º do art. 36 e os arts. 39 a 41 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF: 23 de julho de 2004.. Documento base da educação profissional integrada ao ensino médio. Brasília: Ministério da Educação/Secretaria de Educação Básica, 2007. Disponível em http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf/documento_base.pdf. Acesso em: 15 out. 2013. 6
. LEI Nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008. Institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Brasília, DF: 29 de dezembro de 2008.. Orientações curriculares para o ensino médio Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, v. 1. Brasília: Ministério da Educação/Secretaria de Educação Básica, 2006. Disponível em http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volume_01_internet.pdf. Acesso em: 10 out. 2013. COPE, B; KALANTZIS, M. (Orgs.). Multiliteracies: literacy learning and the design of social futures. London: Routledge, 2000. RAMOS, M. Concepção do Ensino Médio Integrado. Texto apresentado em seminário promovido pela Secretaria de Educação do Estado do Pará nos dias 8 e 9 de maio de 2008. Disponível em: http://www.iiep.org.br/curriculo_integrado.pdf. Acesso em: 02 out. 2013. 7