DIREITO COMERCIAL I TAN Exame Escrito 08/01/2018 Regência: Profª. Doutora Ana Perestrelo de Oliveira I Jacinto é um excêntrico milionário que vivia em Paris. Certo dia, para matar o tédio, regressa Portugal e, como sempre adorou fast food, decide vender pizzas. Para o efeito, celebrou um contrato com a conhecida sociedade Radiopizza, Lda., para abrir um restaurante da marca na sua terra, Tormes. O contrato foi celebrado por um período de três anos, com início em setembro de 2015, ficando Jacinto vinculado a realizar uma entrada inicial de 5.000 e ainda a pagar uma renda mensal de 15% dos lucros líquidos do negócio. De resto, para instalar o estabelecimento, Jacinto tinha já arrendado, em junho de 2015, um prédio à sua prima Joaninha. O restaurante, como todos os da marca, além de servir as pizzas nas suas instalações, tem um serviço de entrega ao domicílio que é efetuado através de motocicletas. A originalidade do estabelecimento de Jacinto, é que todas as motocicletas das entregas são usadas, e foram adquiridas a Zé Fernandes, Silvério e Vicência, funcionários administrativos numa repartição pública que se dedicam, nos tempos livres, a comprar e vender, conjuntamente, motocicletas, depois de devidamente reparadas. Para o efeito, estes celebraram, entre si, um contrato de consórcio, que habitualmente invocam nas suas relações com terceiros. Em dezembro de 2017, Jacinto, que se cansa rapidamente de tudo, decide transmitir o estabelecimento a Melchior contra o pagamento de 25.000, e regressa a Paris. O negócio, que ambos designam por trespasse, só é comunicado a Joaninha e à Radiopizza no início de janeiro de 2018. Ambos manifestam a sua oposição. Tendo em conta o exposto, responda às seguintes questões: 1. Uma das motocicletas vendidas a Jacinto, depois de reparada, foi comprada a Alípio por 500 euros, mas nunca foi paga. Pode Alípio exigir a totalidade do preço apenas a Zé Fernandes? 2. Admita que Vicência integra, sem que Zé Fernandes e Silvério saibam, um outro consórcio cujo objeto é a compra, reparação e revenda de carros. Ao descobrirem, Zé Fernandes e Silvério ficam indignados. Quid iuris? 3. Admita que a sociedade Radiopizza, continua a exigir de Jacinto o valor das rendas, mesmo depois de dezembro de 2017. Jacinto defende-se invocando, (i) que a responsabilidade pelo pagamento de tais dívidas passou a ser de Melchior e que, mesmo que assim não fosse, (ii) ao seu valor sempre se teria que abater uma compensação pelos clientes que angariou para a Radiopizza. Quid iuris?
4. Pode Joaninha, a partir do momento em que tomou conhecimento da transmissão do estabelecimento, exercer direito de preferência para fazer seu o negócio? Que outros direitos lhe assistem? II Comente as seguintes afirmações: 1. A carta de conforto é uma garantia bancária em que o emitente assume uma obrigação de meios. 2. O CIRE dá primazia ao desiderato de recuperação da empresa. Cotações: I 13 valores (3+2+4+4); II 5 valores (2,5+2,5); Ponderação Global 2 valores.
DIREITO COMERCIAL I TAN Exame Escrito 08/01/2018 Regência: Profª. Doutora Ana Perestrelo de Oliveira Tópicos de Correção I 1. Contrato de consórcio, reconduzível à noção vazada no artigo 1.º do DL 231/81, de 28 de julho; consórcio externo nos termos do n.º 2 do artigo 5.º: consequentemente, as relações com terceiros são reguladas pelo disposto no artigo 19.º, de cujo n.º 1 resulta a não presunção da solidariedade ativa ou passiva entre os membros do consórcio. Essa solidariedade, terá, pois, que apurar-se nos termos gerais do artigo 100.º CCom, ante a existência de uma obrigação comercial. A obrigação é comercial se provier de um ato de comércio, em sentido objetivo ou subjetivo (cf. artigo 2.º CCom): in casu, a dívida emerge da compra das motocicletas, que é uma compra de coisa móvel destina a revenda, pelo que comercial ex vi artigo 463.º/1; não obstante, nem Zé Fernandes, nem Silvério ou Vicência são comerciantes (cf. artigos 2.º e 13.º CCom). Para que se aplique o disposto no artigo 100.º CCom é suficiente a comercialidade objetiva pelo que, por força deste preceito, a obrigação de pagamento do preço a Jacinto é solidária e, como tal, pode ser exigida na integralidade a Zé Fernandes, sem prejuízo de direito de regresso (cf. artigos 512.º/1, 518.º e 524.º CC). 2. Obrigação de não-concorrência dos membros do consórcio [artigo 8.º a)] DL 231/81, de 28 de julho, se bem que muito discutível visto estarem em causa bicicletas. A entender-se haver uma violação desta obrigação, tal circunstância é causa de resolução do contrato (cf. artigo 10.º) podendo ainda levar à cominação da obrigação de indemnizar os eventuais prejuízos, nos termos gerais da responsabilidade civil (cf. artigos 798.º ss.. CC). 3. Qualificação do contrato celebrado em Jacinto e a sociedade Radiopizza, Lda., como franquia e sua caracterização. Mais especificamente, quanto às questões suscitadas: (i) destino das posições contratuais no quadro da transmissão do estabelecimento; independentemente de se tratar ou não de trespasse, a cessão da posição contratual não dispensa o consentimento da contraparte (cf. artigo 424.º CC), o que, no caso, não se verificou. Assim, a cessão seria ineficaz e Jacinto mantinha o vínculo contratual com a Radiopizza, pelo que continuava a ser ele o responsável pelo pagamento das rendas;
(ii) eventual indemnização de clientela do franqueado. Discussão sobre a aplicação, ao contrato de franquia, do disposto no artigo 33.º do DL 178/86, de 3 de julho, a propósito do contrato de agência. Em todo o caso, sempre se teria que ter em conta que a figura se encontra aí prevista para a hipótese de cessação do contrato, sendo que o que aqui estava em causa era a mera transmissão de posição contratual. 4. Direito de preferência do senhorio no quadro do trespasse do estabelecimento, nos termos do artigo 1112.º/4 CC: requisitos e sua razão de ser. Não obstante esses requisitos pudessem estar preenchidos, deveria questionar-se se havia verdadeiro trespasse, tendo em conta que, por ausência de consentimento da Radiopizza (cf. artigo 424.º CC), a posição contratual emergente do contrato de franquia, não se transmitiu a Melchior. Ora, ainda que o disposto no artigo 1112.º/2 a) CC deva ser objeto de interpretação restritiva, no sentido de se entender que basta que o estabelecimento conserve o «aviamento» para haver trespasse proprio sensu, in casu, tal não se verifica pois que, não assumindo Melchior a posição de franqueado, o estabelecimento perde a sua aptidão funcional. Assim, deve concluir-se que não há verdadeiro trespasse, mas antes uma mera transmissão avulsa de elementos integrantes do estabelecimento incluindo, à partida, o direito de arrendamento sobre o prédio. Ora, para esse caso, não está previsto qualquer direito de preferência do senhorio (e, aliás, na transmissão do direito de arrendamento nem faria logicamente qualquer sentido). Já quanto a eventuais outros direitos que assistem a Joaninha, cabe dizer que, não havendo verdadeiro trespasse, mas transmissão do direito arrendamento, não se aplica o regime mais generoso do artigo 1112.º/1 CC, que dispensa a autorização do senhorio. Assim sendo, Joaninha tinha que consentir em tal operação (cf. artigos 1059 CC e 424.º CC) o que não aconteceu. Por isso, a esta assiste o direito de resolver o contrato [cf. artigo 1083.º/2 e)] e ainda, porque houve uma violação de deveres contratuais da contraparte, o direito a ser indemnizada pelos eventuais prejuízos que sofreu, nos termos gerais (cf. artigos 798.º ss..). II 1. Noção de carta de conforto e sua caracterização enquanto garantia bancária. Distinção entre cartas de conforto fraco, médio e forte, na esteira do proposto por MENEZES CORDEIRO, com explicitação da natureza do dever assumido pelo emitente nessas diversas situações. A afirmação só seria, pois, verdadeira mas apenas quanto às chamadas «cartas de conforto médio».
2. Coordenadas gerais da evolução do direito da insolvência; caracterização das opções jurídico-positivas do CIRE. No âmbito deste, podemos encontrar algumas medidas inovatórias, onde se pode contar, precisamente, a primazia do desiderato da satisfação dos credores em detrimento da recuperação da empresa (cf., designadamente, artigo 46.º/1 daquele Código). Explicitação das razões de ser desta opção politico-legislativa. Assim sendo, a afirmação seria falsa.