CLASSES SOCIAIS, CAPITALISMO DEPENDENTE E EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL



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Transcrição:

CLASSES SOCIAIS, CAPITALISMO DEPENDENTE E EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL Viviane de Souza Rodrigues 1 José Renato Bez de Gregório 2 Resumo O presente trabalho apresenta alguns traços estruturais do desenvolvimento capitalista nos países latino-americanos analisados por Florestan Fernandes. Parte-se das particularidades deste desenvolvimento para buscar compreender a conformação da luta de classes e a modernização conservadora da educação superior no Brasil na atualidade Palavras-chave: Educação Superior; Classes sociais; Capitalismo Dependente. Abstract This paper presents some structural features of capitalist development in Latin American countries analyzed by Florestan Fernandes. Part of this is the particular development seeking to understand the conformation of class struggle and the conservative modernization of higher education in Brazil today. Keywords: Higher Education, Social classes; Dependent Capitalism. 1 Estudante de Pós-Graduação. Universidade Federal Fluminense (UFF). E-mail: vivi_srodrigues@yahoo.com.br 2 Mestre. Universidade Federal Fluminense (UFF). E-mail: ddpbezz@vm.uff.br

1 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como finalidade apresentar alguns traços estruturais do desenvolvimento capitalista no Brasil e da educação superior a partir da obra de Florestan Fernandes. Parte-se do pressuposto que o processo de modernização do Brasil apresenta uma configuração histórica e espacial com particularidades que se relacionam ao desenvolvimento do capitalismo nos países de economia periférica, conformando certa heteronomia econômica e sociocultural. Na primeira sessão, apresentamos sucintamente as contribuições de Fernandes (1972; 1981) sobre os conceitos de classe social, capitalismo dependente e padrão compósito de hegemonia burguesa, centrais em sua obra, que nos auxiliam a compreender a luta de classes no Brasil atualmente. Na segunda sessão, buscamos trazer à reflexão os aspectos que conformaram a modernização conservadora da educação superior no Brasil, exemplificando na atualidade a continuidade deste processo, através de dados sobre os investimentos mais recentes para a educação superior. 1 - CLASSES SOCIAIS E CAPITALISMO DEPENDENTE Em consonância com os estudos marxistas sobre o imperialismo, com destaque para Lênin e Trotsky, Florestan Fernandes entende o sistema mundial capitalista como uma totalidade composta por partes contrárias e assimétricas entre si as nações exploradoras e as exploradas. Além da dominação política e cultural, desenvolvem-se no sistema internacional mecanismos de exploração econômica, tais como o de produção e apropriação do excedente. Sob esse pressuposto, Fernandes buscou compreender as classes sociais na América Latina, particularmente no Brasil. Para tanto, partiu do conceito de classe social na particularidade da sociedade capitalista como uma estratificação social tipicamente pautada nas suas formas de dominação política e de concentração de riqueza.

Em suas análises, aponta a questão que o desenvolvimento do capitalismo não suprimiu todas as relações e estruturas sociais anteriores ao capitalismo, mas elas são constantemente subsumidas pelo sistema capitalista em atendimento aos seus interesses, fazendo com que estas percam o seu sentido societário historicamente (Fernandes, 1981). Outra questão que destaca é que a interpretação sociológica do desenvolvimento do capitalismo e a estrutura das classes sociais na América Latina não devem ser apreendidas a partir dos moldes clássicos europeu. Para ele, os países da América Latina não possuem condições estruturais de crescimento próprio que possibilitem as transformações necessárias para que alcance uma ordem societária do capitalismo tipicamente clássico. Isso não significa que não se desenvolveu na América Latina a estratificação de classe inerente ao capitalismo, mas que deve-se não incorrer no erro freqüente do uso dos conceitos clássicos de análise da sociedade capitalista. Nesse sentido, não cabe classificar as classes sociais nestes países a partir do regime de classes pré-capitalistas, mesmo que estas ainda sobrevivam em função da não supressão da antiga ordem pelo desenvolvimento do capitalismo. Desse modo, interessa-nos os dinamismos e as realidades particulares das relações de classes nestes países, já que o desenvolvimento capitalista se realiza sob a ressignificação do passado, ou seja, pela utilização dos mecanismos de manutenção de poder das classes dominantes em detrimento da instauração da democracia burguesa clássica. Constatamos assim que as classes sociais na América Latina não possuem o caráter desintegrador da antiga ordem pelo fato de sob o capitalismo compatibilizar antigas funções pré-capitalistas, o que tem aprofundado a concentração de riqueza e poder pela classe dominante na mesma medida em que aumenta as desigualdades sociais vividas pela classe trabalhadora. Para Fernandes (1981) a apreensão das contradições de classe não são tão evidentes enquanto um comportamento coletivo de oposição à ordem, isso em função do alto controle exercido nestes países para contenção dos conflitos. Contudo, mesmo sem expressão organizada coletivamente, os conflitos de classe podem trazer à cena o risco de maior potencial de deterioração da ordem pela falta de assimilação e direção do

processo de transformação societário em curso. Este dilema coloca permanentemente em risco a ordem, por isso, torna-se necessário para a manutenção da dominação burguesa o uso preventivo constante de mecanismos de coerção e consenso para opressão e anulação das massas. Portanto, podemos considerar que a ordenação das classes sociais na América Latina possui uma dinâmica própria das condições de dependência e favorecimento dos interesses privados na medida em que neste jogo à classe trabalhadora destina-se a absorção ideológica da modernização pela difusão de novos padrões civilizatórios e, contraditoriamente, a manutenção/aprofundamento das desigualdades sociais e coerção política em torno instauração da igualdade burguesa. Ao analisar os períodos históricos Fernandes (1972) aponta que desde o período colonial na América Latina até o período de consolidação imperialista do tipo capitalista, nota-se uma questão norteadora que perpassa a história destes países: o padrão de dependência. O autor nos mostra como tal padrão se apresenta nos diferentes modos de produção da vida econômica e social dos países da América Latina e ainda como e quando este padrão configurou o Brasil como país capitalista dependente. Em sua obra o conceito de capitalismo dependente se apresenta como um sistema econômico que não se integra da mesma forma que sob o capitalismo avançado, visto que coordena e equilibra estruturas econômicas em diferentes estágios de evolução econômica, conferindo em diferentes níveis, aspectos arcaicos e modernos em distintos setores. Tal apreensão se relaciona diretamente com os conceitos de heteronomia cultural e padrão compósito de hegemonia burguesa também desenvolvidos por Fernandes em que a dependência se processa pela associação da classe dominante local com a internacional em diferentes esferas como a economia, a política e a cultura. Em termos concretos o que acontece é o estabelecimento de um tipo de dominação externa que aprofunda a dependência dos países latino-americanos. Tal dominação penetra não somente nas estruturas econômicas bem como nas demais instituições políticas e culturais enfraquecendo seu caráter nacional. Nesse sentido, identifica diferentes ações de aprofundamento da dependência econômica e da

heteronomia cultural sejam as aparentes de cunho econômico ou as mais dissimuladas na esfera política, educacional, etc. Fernandes (1972) aponta duas questões fundamentais que se complementam para compreender a heteronomia na América Latina, tanto em termos econômicos quanto sociocultural. Primeiro, a presença de estruturas internas que absorvem as mudanças capitalistas, porém sem a possibilidade de desenvolvimento nacional autônomo e, em segundo plano, a modernização por cima pela via da influência externa de modo a impossibilitar uma revolução de bases internas do tipo clássico capitalista. Ambos os processos ocorrem historicamente pela combinação de interesses internos das classes dominantes e dos externos das potências de economia avançada num movimento simultâneo de concentração de riqueza internamente e pelo escoamento da riqueza às potências dominantes externas. Este fenômeno Fernandes (ibidem) conceitua como padrão compósito de hegemonia burguesa em que os países que não experimentaram uma transição clássica para o capitalismo, ou seja, não realizaram uma revolução burguesa clássica, realizaram alterações e processaram o desenvolvimento através da associação/articulação entre o arcaico e o moderno com vínculos entre a oligarquia e o imperialismo. 2 - MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL Como aludido, em nosso país o capitalismo não se desenvolveu historicamente como nos países centrais, como na Europa e nos EUA. Portanto, o processo de mudança ideológica em que os (...) paradigmas filosóficos, como o iluminismo, o liberalismo, o laicismo, o positivismo (...) (Severino, 2006, p. 297-298) pudessem ganhar predominância na educação escolar ocorreu no Brasil marcadamente a partir da Revolução de 1930, consolidando-se a partir da ditadura militar após 1964 pelo viés tecnocrático. Em relação à educação superior, sob o período ditatorial, Florestan (1989) faz uma análise a partir do pressuposto que a universidade está(va) em crise (p. 82) e partir daí

explicita, sobretudo a situação da universidade no Brasil e nos países em transição para o socialismo. Salienta assim que sob o capitalismo, destacando a fase monopolista que estava ainda em curso no Brasil, tal crise significava a perda em grande medida do papel histórico da universidade enquanto lócus do saber criador. No lugar da formação acadêmica do tipo scholar, como afirma, desenvolveu-se uma formação profissional para as demandas da esfera econômica e ideológica. No caso brasileiro, Fernandes (1975) aponta que o problema que a universidade enfrentou durante este período foi o combate ao possível processo de construção de sua autonomia conduzido pelos ditames externos e pelo controle ideológico. Nesse sentido, retoma o dilema entre a luta pela afirmação do padrão universitário independente e democrático ou a rendição à pressão pela retomada do molde elitista das escolas superiores. Fernandes (ibidem) destaca que a escolha nesta situação encontrava-se intrínseca a formação do cientista e do técnico já que caso a opção fosse pelo fluxo da modernização, esta implicaria no enfrentamento do controle ideológico estabelecido para possibilitar a autonomia requerida por esta formação. Ao apresentar os dados quantitativos da educação superior, sobretudo até 1965, mostra-nos que o seu crescimento oriundo da opção modernizante conservadora não teve grande impacto correlacionado ao quantitativo da população, visto que apenas uma pequena parte da mesma continuou a ter acesso a educação superior. Por outro lado, mesmo com a sua expansão e alcance do padrão universitário, o modelo pedagógico elitista e arcaico das escolas superiores permaneceu sob esta nova estrutura. Antes de chegar a estas conclusões, o autor (ibidem) narra as limitações da educação superior no país desde sua criação. Em primeiro lugar se refere à limitação estrutural em que trata sobre o padrão brasileiro de escola superior que se inicia na história da escola superior de ensino voltada para a formação de elites e, por conseguinte, para a transmissão dogmática de conhecimentos voltados para a formação de profissionais liberais. Desta forma, este padrão se configurou a partir da importação de conhecimentos externos esvaziados de qualquer iniciativa/processo criador de conhecimentos. No entanto, elucida que esta situação é oriunda não somente de aspectos externos, mas é limitada também pela própria estrutura da sociedade que

colocava a educação superior como um (...) subprocesso cultural de monopolização do poder pelos setores privilegiados das classes possuidoras (p. 53). Portanto, tais limitações somente poderiam se extinguir na medida em que houvesse profundas mudanças na própria estrutura social, sobretudo no que tange ao aspecto político de ligação com a estrutura de poder da sociedade oligárquica. Através destas ações conservadoras, o padrão brasileiro de escola superior se manteve com suas funções originárias sem qualquer propensão a uma inserção dinâmica de produção de conhecimentos e, portanto, de construção de ideias e saberes críticos de rompimento com a estrutura de poder e com a dependência cultural de nossa sociedade. Mesmo com algumas alterações entre 1930-1960, quando houve mudanças na educação superior com a criação das universidades, o modo hierárquico, isolado e de transmissão de conhecimentos da escola superior de ensino permaneceu sob a organização da universidade em virtude da reprodução deste modelo em seu interior em detrimento da construção de um ensino integrado capaz de pensar criticamente a sociedade e à elaboração de conhecimentos para atendimento de suas demandas. Na verdade, houve somente uma junção formal das escolas superiores de ensino até anteriormente isoladas na nova forma de universidade, porém com a manutenção do padrão arcaico das antigas escolas. E mais, o golpe de 1964 representou para a educação superior um levante ultraconservador que extirpou qualquer processo que possibilitasse a criação da universidade em detrimento das escolas superiores de ensino. A solução foi a manutenção de tais escolas travestidas de universidade, por meio de mudanças de cunho técnico que não alteraram o cerne da lógica estrutural das arcaicas escolas (1975). É interessante também pontuarmos que nas análises de Fernandes (ibidem) a reprodução do padrão brasileiro de escola superior está associado ao dilema das nações capitalistas dependentes que se configura pela absorção dos avanços modernizantes tanto nas esferas cultural e institucional sob relativo atraso e de forma passiva. Portanto, o dilema do desenvolvimento educacional dependente e atrasado está circunscrito à totalidade do modo como os fluxos modernizantes ocorrem no âmbito sócio-econômico destes países.

Por outro lado, o convívio entre nações hegemônicas e dependentes ocorre por um processo dialético em que aqueles usufruem do desenvolvimento avançado na medida em que imprimem aos demais um espaço de subordinação de maneira também a criar mecanismos internos nestes países de reciprocidade que lhes garanta espoliação econômica e atraso sociocultural destas nações. No tocante à educação superior, podemos dizer que mesmo as influências externas para a sua modernização visam tão somente adequar a educação às novas demandas dos países centrais. Porém, isso somente é possível porque existem também interesses das burguesias internas dos países dependentes que são de certa forma atendidos através desta relação. A partir dos traços estruturais que apreendemos na obra de Fernandes consideramos as reconfigurações em curso mais recentes na educação superior em nosso país estão inseridas no horizonte de aprofundamento do padrão dependente de educação superior, sobretudo as iniciadas pelo governo Fernando Collor de Mello, ampliada pelo governo Fernando Henrique Cardoso, e aprofundada pelos governos Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Em destaque, as políticas para a educação destes últimos dois governos têm se pautado na manutenção de uma visão fiscalista/reguladora notadamente em relação aos investimentos em educação. O que tem provocado restrições aos investimentos, mas, ao mesmo tempo, uma maior intervenção do Estado e especificamente da União no financiamento e na expansão da educação superior, ainda que com um enfoque gerencialista 3, nos termos do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), e sem dar conta das necessidades de tal expansão. É importante também ressaltar que a política de ajuste fiscal desde o governo Fernando Henrique Cardoso foi mantida e aprofundada por Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, sobretudo em relação aos gastos sociais. Dessa maneira, a política social voltou-se aos pobres e miseráveis através de ações para complementação de renda e não por uma cobertura social que lhes garantisse assistência social, saúde, educação, 3 Neste trabalho, gerencialismo é entendido como mecanismos de gestão privada introduzidos no setor público, com adoção de critérios, ações e controle nos moldes que o mercado busca o lucro. Tal preceito foi amplamente difundido por Bresser Pereira no governo Fernando Henrique Cardoso na Reforma do Aparelho do Estado (1995) através do conceito de administração gerencial para o setor público.

etc. Isso nos indica que o eixo norteador da política governamental é a transferência possível de recursos para o capital financeiro. Isso porque os investimentos sociais dos governos em questão além de terem se voltado para ações sociais focalizadas mostram que os recursos destinados ainda foram muito pequenos quando comparados com os destinados ao pagamento dos juros da dívida pública. Os dados divulgados pela Auditoria Cidadã da Dívida (Fattorelli; Ávila, 2013) mostram que no ano de 2012 o Governo Federal gastou R$753 bilhões com juros e amortizações da dívida, sendo esse montante corresponde a 44% do orçamento geral da União em contraposição aos 13,16% direcionados às áreas sociais 4. Destes, somente 3,34% foi destinado à educação, particularmente na educação superior foram previstos investimentos na ordem de R$10,8 bilhões em oposição ao ano de 2011 que foi de R$22,7 bilhões (Agência Senado, 2011). É importante salientar que, mesmo o aumento de verba pública nas áreas sociais, não expressa propriamente a totalidade desta área, mas sim, ações focalizadas de alívio à pobreza nos moldes propalados pelo Banco Mundial. Desta forma, podemos atestar através desde dados que a política econômica dos dois últimos governos citados vem aprofundando a dependência econômica e cultural de nosso país na medida em que sua prioridade é o pagamento dos serviços da dívida em detrimento dos investimentos sociais. CONCLUSÃO A apreensão da especificidade da modernização através do desenvolvimento do capitalismo através das análises de Florestan Fernandes nos leva a compreensão dos elementos históricos que caracterizam o padrão de dependência de nosso país e sua articulação com a educação superior brasileira. Nesse sentido, podemos relacionar os elementos que caracterizam a condição de dependência de nosso país no contexto mundial com a reprodução do padrão brasileiro 4 As áreas sociais referidas são: Saúde, Educação, Assistência Social, Agricultura, Segurança Pública, Cultura, Urbanismo, Habitação, Saneamento, Gestão Ambiental, Ciência e Tecnologia, Organização Agrária, Energia e Transporte.

de escola superior (Fernandes, 1975) que, como apresentamos, atravessa a história do ensino superior no Brasil até sua organização universitária. Podemos verificar que este padrão se articula em grande parte pela relação entre as nações hegemônicas e as dependentes, que estabelecem um processo que garante avanços àqueles pela promoção da heteronomia sociocultural a estes. Acreditamos que a identificação de tal padrão nos leva a melhor compreensão dos aspectos macroestruturais orientadores da política governamental de nosso país, e que as alterações processadas sob o discurso de modernização do país, particularmente através da expansão da educação superior, visam à adequação às novas demandas dos países centrais de forma consentida e compartilhada pela burguesia. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FERNANDES, Florestan. Sociedade de classes e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1972.. Universidade brasileira: reforma ou revolução? São Paulo: Alfa- Omega, 1975.. Capitalismo dependente e as classes sociais na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981. SEVERINO, Antônio Joaquim. Fundamentos ético-políticos da educação no Brasil de hoje. In: LIMA, Júlio C. F.; NEVES, Lúcia M. W. (orgs.). Fundamentos da educação escolar do Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: EPSJV-FIOCRUZ, 2006. p. 289-320. FATTORELLI, Maria Lúcia; ÁVILA, Rodrigo. Os números da dívida. Disponível em: http://www.auditoriacidada.org.br/wp-content/uploads/2012/04/numerosdivida.pdf. Acesso em 08 de abril de 2013. AGÊNCIA SENADO. Orçamento para 2012. Disponível em: http://www.senado.gov.br/noticias/agencia/infos/info_orcamento_para_2012/orcament O_PARA_2012.html. Acesso em 10 de abril de 2013