Os líderes emblemáticos são embalagem sem conteúdo César Souza, consultor e presidente da Empreenda POR GRAÇA TEÓFILO Fotos: Paulo Alexandre Coelho 8 Liderar é algo que todos ambicionam, mas que só alguns conseguem. Esta afirmação, escrita assim, até parece verdadeira. Mas à luz da gestão moderna, do mundo em constante mutação, liderar é algo que todos podemos fazer. Melhor: todos podemos ser líderes, independentemente de sermos presidentes de uma empresa, mecânicos, vendedores, coveiros, professores ou simplesmente filhos, pais. E mesmo assaltantes. Ao longo da entrevista com César Souza, descubra porque é que o líder, tal qual o conhecemos, tem os dias contados ou porque o líder carismático um saco vazio. Porque é que a busca do estilo ideal de liderança é uma perda de tempo e uma violência contra as pessoas. E porque deve o líder aprender a liderar-se antes de liderar. Um líder nasce ou constrói-se? Um líder desenvolve-se. Disso não tenho a menor dúvida! Se assim não fosse, eu não estaria nesta profissão de educador, de líder. Mas, temos de ter em conta que existem atributos de líder que estão presentes desde a fase muito inicial da pessoa. Na pesquisa que fiz, que envolveu 172 líderes nos cinco continentes, muitos dos protagonistas que encontrei e que são líderes em empresas de sucesso tiveram origem pobre ou uma infância com muitas dificuldades (pobreza, dificuldades físicas, trauma familiar ), o que por si só é um facto interessante. Tanto mais interessante se se tiver em conta que esse trauma inicial na criança ajudou a pessoa a desenvolver uma capacidade de superação muito grande. A lutar pela sua própria sobrevivência. O que está a dizer é que tem de haver sempre uma dificuldade para que o líder desponte? Tem de haver dificuldade. Acredito que existem outras circunstâncias como, por exemplo, dificuldades na fase intra-uterina ou na fase muito inicial, ou a forma como as pessoas são educadas por vezes encontro líderes que vêm de famílias muito bem sucedidas e onde, desde crianças, desde os cinco anos, que ouvem o pai, a mãe e visitantes a falarem de negócios, de situações políticas que ajudam ao seu desenvolvimento. No entanto, a liderança, respeitando estas circunstâncias, pode ser desenvolvida e treinada. Essa é uma constatação muito clara. É por isso que hoje muitas empresas buscam ensinamentos no desporto para lidar com os seus recursos humanos? Não acho que seja por isso, embora acredite que também contribui. Liderança não é só um cargo, não é uma posição social, não é uma actividade, não se quantifica; todos nós somos líderes em alguma circunstância da vida Por exemplo, no momento em que ocorre um assalto, são despontadas lideranças na forma como a pessoa reage para conduzir aquela situação. Ou seja, toda a pessoa é líder ou no trabalho, ou em casa, ou na escola, ou na comunidade, ou na vizinhança, ou no prédio onde mora. A analogia de que hoje as pessoas tentam aprender com o desporto, e tendo em conta que o desporto tem a ver com superação, é um facto que pode facilitar e acelerar a forma pela qual o líder exerce a sua liderança. No entanto, acredito mais em coisas como a capacidade de superar obstáculos, na disciplina (que é fundamental), no desejo, na determinação. Características que o desportista tem (treino, disciplina e determinação para fazer as coisas acontecerem) e às quais se deve juntar a criatividade. Quanto aos programas de treinamento de líderes, fico muito feliz que hoje usem desportistas como exemplos de transmissão de ensinamentos. Eu próprio já participei e organizei programas de treinamento com o campeão de basquetebol Oscar Schmidt, com uma ginasta olímpica, com Filipão. Isso significa que o líder tal como o conhecemos em Portugal (autoritário, cinzento) tem os dias contados? Esse líder faz parte do passado, não só em Portugal mas em todos os lugares do mundo. O filme O último rei da Escócia deixa bem claro que esse tipo de líder está com os dias contados. O líder carismático Carisma é uma característica que pode acelerar e tornar mais fácil a liderança, mas não é a característica mais importante. Saco vazio não fica em pé muito tempo! E, muitos dos líderes carismáticos que conhecemos são saco vazio. Têm embalagem mas não têm conteúdo, que hoje é um requisito fundamental da liderança. É imprescindível que o líder conheça as coisas que lidera. Mas isso leva-nos aos estilos de liderança E qual é o melhor estilo de liderança? Essa conversa sobre estilo também creio que está ultrapassada. Ao longo de mais 30 anos de experiência em vários lugares do mundo, não conheço nenhum líder que tenha mudado de estilo. É muito teórico dizer à pessoa: Você está neste quadrante e tem de mudar para este. Carisma é uma característica que pode acelerar e tornar mais fácil a liderança, mas não é a característica mais importante. Saco vazio não fica em pé muito tempo! E, muitos dos líderes carismáticos que conhecemos são saco vazio. Têm embalagem mas não têm conteúdo
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É uma situação que cria desconforto, que propõe treinar pessoas para aquilo que elas não são, além de que ficam tipo clone. Hoje, por exemplo, está muito em moda o estilo de liderança de Jack Welch e grande parte das pessoas defendem que o líder ideal deve ser como ele; já ouvi pais comentarem que gostariam que os filhos fossem iguais a Jack Welch, a superiores hierárquicos dizendo aos subordinados que gostariam que eles fossem mais parecidos com Jack Welch! Ora isso não existe! Até porque corremos o risco de ter um mau líder ou um líder medíocre. Exactamente. Mas, infelizmente, em liderança busca-se um estilo ideal, quer-se que as pessoas deixem de ser o que são e partam em busca daquele estilo... A coisa mais importante do líder é o indivíduo conhecer-se e, a partir do seu auto-conhecimento, tentar aperfeiçoar aquilo que é. Quando um líder conhece com profundidade as suas características, os seus medos, as suas ansiedades, a forma como lida com situações diferentes no fundo os seus pontos forte e fracos, tem mais possibilidade de ter sucesso (ver caixas Três questões que deve colocar todos os dias e Líder integral ). É o desaprender para renascer? O primeiro passo para aprender é desaprender aquilo que é velho, que não serve para mais nada. Se fizer uma analogia com o computador, nota-se que, quando há lixo, o seu processamento é lento, pesado Do mesmo modo, todos nós aprendemos muitas coisas na infância, na juventude, como estudantes, como profissionais, muitas regras, valores, dogmas e conhecimentos que hoje estão totalmente obsoletos. Se não tivermos a capacidade de nos livrarmos daquilo a que chamo lixo cultural, não vamos ter capacidade para aprender. Quando faço consultoria, a minha primeira tarefa é ajudar as pessoas a listar aquilo que precisam de desaprender, de deitar fora para ter espaço para novas ideias, conceitos, posturas, atitudes. Acredito que isso está muito ligado ao papel do líder. César Souza tem 55 anos é casado e pai de dois filhos. Graduado em Administração de Empresas pela Universidade Federal da Bahia, Brasil, tem MBA pela Vanderbilt University e uma sólida experiência como executivo, onde, aliás, vai buscar muita da sua capacidade crítica e uma disciplina que o leva a questionar constantemente os factos, a não aceitar as verdades impostas. Portugal teve na sua rota de executivo expatriado, tendo mesmo vivido cá durante dois anos. Seguiu-se Angola, Argentina e tantos outros países. No currículo ostenta o cargo de vice-presidente da Odebrecht of América, Inc, uma empresa radicado em Washington e onde implementou uma visão de negócio que muito contribuiu para a internacionalização da organização. Até 2001 10 Se não tivermos a capacidade de nos livrarmos daquilo a que chamo lixo cultural, não vamos ter capacidade para aprender Isso significa que qualquer pessoa em qualquer momento da sua vida pode tornar-se um líder? As pessoas são líderes em qualquer coisa. A liderança é uma questão de momento. Uma recepcionista é líder; quando entrego o meu carro na oficina o mecânico é o líder; quando entro num táxi o líder é o taxista. É preciso desmistificar que liderança não é coisa de uns poucos privilegiados, que uma empresa só tem um líder. Isso já passou! Hoje, liderança não é coisa de elite e as empresas precisam de muitos líderes. Muitos! As organizações precisam de estar mais relacionadas com os clientes e, para viabilizar essa expansão, precisam de líderes, precisam de pessoas mais próximas da comunidade, dos seus stakeholders. Liderança é circunstância de vida. Contudo, continuamos a olhar para um estereótipo que diz: Quem é o líder desse país? e ficamos à procura desse grande herói. O mesmo acontece na empresa. Ou seja, basta que a pessoa se compreenda a si mesma para poder ser líder, para construir a sua empresa? Se escutar o seu interior. O problema é que somos educados a pensar que líderes são uns poucos privilegiados e acabamos por não exercer. A primeira mensagem que passo em Você é o líder da sua vida é que todo o mundo já é líder na própria vida, a coisa mais importante de cada um! Outro mito que pretendo ajudar a superar tem a ver com o pronunciar da palavra liderança. Sempre que se diz liderança as pessoas pensam logo em liderar outros, em ter seguidores. Eu defendo que não. Que antes de pretender liderar os outros, deve aprender a liderar-se a si mesmo. Uma realidade que encontrei ao longo da minha pes- Perfil CÉSAR SOUZA foi sócio-director do Monitor Group, empresa fundada por Michael Porter. Hoje é presidente da Empreenda, uma empresa de consultoria em Estratégia, Marketing e Recursos Humanos e consultor de multinacionais. Conferencista com créditos firmados nos Estados Unidos da América, Japão, Portugal, Espanha, Angola, Argentina e Venezuela foi ainda indicado pelo Top of mind 2006, categoria palestrante do ano, como um dos cinco oradores mais lembrados do Brasil. Sem raízes portuguesas, César Souza é ainda autor de Você é do tamanho de seus sonhos, editado em 2003, O momento da sua virada, editado em 2004, e de Você é o líder da sua vida e assina artigos regulares em jornais como a Gazeta Mercantil ou o Financial Times. quisa está relacionada com pessoas que tentam ser líderes na empresa, que exigem que os subordinados se comportem de determinada maneira, mas que na vida pessoal não exercitam o que defendem na vida profissional. Ou seja, pode ser líder na vida profissional e liderado na vida pessoal? Pior. Por vezes é líder na vida profissional e defende determinado comportamento ético mas, na vida pessoal, pratica um comportamento contrário. Pergunto: esse senhor é líder da sua vida? É obvio que não! Ele é aquilo a que eu chamo líder do meio turno, quando está engravatado no escritório. Foi exactamente essa incoerência nos líderes que levou ao nome do livro: Você é o líder da sua vida, onde pretendo chamar a atenção sobre a necessidade de ser líder de si próprio antes de liderar. Mas essa sua percepção é o resultado da sua própria vida de executivo e só depois de consultor? Exacto. Fui director de recursos humanos, depois de planeamento estratégico e posteriormente comercial. Ou seja, transitei por três áreas e procurei uma abordagem integrada delas próprias, algo que só artificialmente se pode separar. Como assim? Hoje em dia as pessoas tendem a especializar-se, mesmo os líderes... Isso é um erro muito grande. Acho que o mundo unifuncional, do expert, está a acabar. A tendência é sermos cada vez mais multifuncionais, multiexperts, multicompetentes. As pessoas têm de ter competência técnico-profissional, competência como empreendedores, competência negocial, competência como ser humano e cidadão. O ideal é que uma pessoa da área do marketing passe pelos recursos humanos, pelas finanças, pela logística e vice-versa. O mercado busca cada vez mais profissionais que sejam multicompetentes, multifuncionais e até multi-carreiras. Todo o líder sabe ser educador. Por isso, para ser multifuncional pode, por exemplo, dar aulas numa universidade, montar um negócio próprio, mesmo que seja um pequeno restau-
Líder integral Sempre que se diz liderança as pessoas pensam logo em liderar outros, em ter seguidores. Eu defendo que não. Que antes de pretender liderar os outros, deve aprender a liderar-se a si mesmo rante, uma boutique, pode incentivar um parente a entrar num franchising. É uma oportunidade de encontrar ensinamentos numa ilha [negócio próprio] e depois passá-los ao arquipélago [empresa onde é assalariado]. O mercado já não valoriza as pessoas que têm 20 anos de experiência em determinada área. E essa multifuncionalidade deverá ser feita numa empresa ou deverá levar o líder por várias realidades? Por várias realidades. Hoje trabalho com vários presidentes de empresas e aconselho a que sejam membros do conselho de administração de outra empresa num ramo completamente diferente. Só assim podem ver as várias estratégias. Hoje, as pessoas são recrutadas para experiências diferentes e é a capacidade de liderar com coisas novas, com o inédito, que é importante. No Brasil, por exemplo, o presidente da Nokia acabou de ser contratado por uma cervejeira. A primeira pub. coisa que ele disse quando tomou posse foi: Eu não bebo cerveja. Nem gosto. Mas a verdade é que ele acabou de tomar posse como presidente! E vai para lá porquê? Porque na empresa anterior soube lidar com o inédito e essa cervejeira quer reinventar-se, quer competir no seu ramo, quer inventar novas fórmulas para se relacionar com o consumidor. A diferenciação deste presidente é a forma como lida com o inédito. O novo presidente da Philips no Brasil trabalhava com cosmética. O motivo da contratação? A sua capacidade de lidar com o inédito, de saber lidar com redes de distribuidores. Quando eu fazia recrutamento recebia as pessoas e escutava-as a falarem sobre si, até que finalmente questionava: Na sua vida, você alguma vez fracassou?. Alguns ficavam assustados e diziam: Nunca tive fracasso. A esses respondia: Então vá para outro lado, não quero que venha aprender comi- Depois de Você é do tamanho de seus sonhos e de O momento da sua virada, César Souza editou recentemente Você é o líder da sua vida. Um livro que é fruto da sua experiência como gestor profissional e consultor (ver Perfil ) e que o levou a ler mais de duas centenas de livros sobre liderança dos últimos cinco anos. Li e percebi que não havia novidade, que havia uma reedição de conceitos antigos; que o mundo mudou muito mas que os conceitos sobre o que é ser líder, sobre o que é liderança, não mudaram. Percebi que ainda se fala no líder carismático. Servindo-se das aventuras de um jovem profissional que busca novos horizontes e desafios pelos cinco continentes, Você é o líder da sua vida, que será editado em Portugal pela Gestão Plus Edições (Pergaminho) e estará nas bancas a 20 de Junho, leva o leitor para junto de trajectórias de brasileiros bem sucedidos em diversas áreas e de líderes de empresas como a Nestlé, Gerdau, Sony ou Masa, além de contar histórias de vida com figuras como Dalai-Lama, Zilda Arns ou Nelson Mandela. Numa mescla de ficção e realidade, o autor procura explicar que a liderança, tal qual a conhecemos, está com os dias contados, que a história de carisma é um disparate, que a busca do estilo ideal é uma perda de tempo e uma violência contra as pessoas. Além de que não ajuda ninguém a desenvolver-se como líder. É que todos somos líderes, afirma César Souza que aproveita para lembrar que um líder desenvolve-se, que liderança não é só um cargo, não é posição social, não é uma actividade, não se quantifica. Todos nós somos líderes nalguma circunstância da vida. Para aqueles que se dizem lideres, o autor lembra que a maior de todas as conquistas é tornar-se líder da sua própria vida, conhecendo os seus limites e capacidades. É que embora não existam regras fixas para se atingir o sucesso, existem atitudes comuns que permeiam as histórias dos líderes vencedores. (ver O pentagrama da liderança ). 11
Hoje, as pessoas são recrutadas para experiências diferentes e é a capacidade de liderar com coisas novas, com o inédito, que é importante go. Outras admitiam que já tinham fracassado. A esses perguntava: E o que aprendeu com os seus fracassos? Colocou a culpa nos outros?. Se respondesse sim, não interessava. Se reconhecia que errou, falava como tinha lidado com a crise e identificava o que aprendeu esse estava contratado e não me importava se tinha experiência ou onde tinha estudado. O problema é que o mundo está a mudar e, infelizmente, as pessoas não percebem. Continuam apegadas a velhos conceitos sobre marketing, liderança, estratégia, quando deveriam olhar para tudo como uma única coisa. Temos de treinar as pessoas para o futuro. Afinal o mundo é mutável e nós temos de mudar todos os dias. Três questões......que deve colocar todos os dias A nível pessoal 1 O que preciso consolidar na minha vida? Ou seja, o que deu certo até agora que eu não quero abrir mão de modo nenhum? 2O que preciso adquirir que não tenho? Em termos de atitude, de postura, de conhecimento, preciso aprender a falar outro idioma, de mudar uma crença, um valor, um dogma. 3 O que preciso eliminar para ganhar espaço? Na empresa 1O que precisa adquirir? Maior velocidade? 2 O que precisa consolidar? Mais transparência? 3 O que precisa eliminar? Individualismo dentro da empresa? Falta de comunicação? O pentagrama da liderança Ofereça uma causa, não apenas tarefas. Forme outros líderes, não seguidores. Lidere em 360 0, não apenas a sua equipa. Faça acontecer. Inspire pelos valores, não apenas pelo carisma. 12