Os direitos das crianças e os media. Lidia Marôpo Universidade Nova de Lisboa Centro de Investigação Media e Jornalismo

Documentos relacionados
Política de Proteção das Crianças e Jovens

INTERNET SEGURA (AB)USO, CRIME E DENÚNCIA

Metodologias de. Monitorização. Sessão de Formação Julho de Mário Caeiro. Com o apoio das publicações da APT

A Imagem da Escola nos Media Relatório referente aos meses de Abril a Junho de 2009

Parte I - Introdução. Capítulo 1 - Objectivos do Estudo. 1.1 Metodologia

Direitos das Crianças

Dicas sobre produção mediática: A produção de uma notícia para o média escolar

SITUAÇÕES DE PERIGO Ministério da Saúde Direcção-Geral da Saúde

Ética e sigilo na divulgação de. médicas. Jorge R. Ribas Timi

Protecção dos Utentes de Serviços Públicos Essenciais (Lei nº 23/96, de 23.7)

Proposta de Criação da Qualificação do Técnico/a de Apoio Psicossocial

Inês Albuquerque Amaral Instituto Superior Miguel Torga

Self-media, influência oculta e desafios aos direitos humanos

Os direitos da criança - No contexto internacional. Director do ILPI Njal Hostmaelingen MJDH, workshop interno, Luanda, 27 de Junho 2016

LEGISLAÇÃO IMPORTANTE

Política de Proteção à Criança Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infância Compromisso com as infâncias do mundo

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

A Imagem da Escola nos Media

Adoptada pela Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho na sua 67.ª sessão, em Genebra, a 23 de Junho de 1981.

Dicas sobre produção mediática: A produção de uma reportagem para o média escolar

POLITEIA EDIÇÃO MANUAL DE IMPRENSA

eis Comiss:ío para a Cidadania e Igualdade de Gênero Presidência do Conselho de Ministros

A comunicação com os media

Curso: Segurança digital: melhorar a segurança nas escolas. José Moura Carvalho Equipa de Recursos e Tecnologias Educativas

A comunicação com os media

SECÇÃO VI ACTIVIDADES DE SENSIBILIZAÇÃO E RELAÇÕES COMUNITÁRIAS

NORMAS DE CONDUTA DE TERCEIROS

ESCOLA SECUNDÁRIA DO MONTE DA CAPARICA Curso de Educação e Formação de Adultos NS

Criadas em LPP 147/99, de 1 de Setembro (alterações Lei 142/2015 de 8 de setembro ) Instituições oficiais não judiciárias

Ana Gonçalves. Curso: TSHT- Técnico de Segurança e Higiene no trabalho. CP: Cidadania e Profissionalidade. Formadora: Ana Gonçalves

Técnica Pedagógica e Intervenção Educativa

Política de Denúncia de Irregularidades

REGULAMENTO PASSATEMPO. Samsung ModaLisboa FW15/16 CURIOUSER

REGULAMENTO DO CONCURSO

Jovens Repórteres para o Ambiente A REPORTAGEM. O mais nobre dos géneros jornalísticos

Géneros textuais e tipos textuais Armando Jorge Lopes

IMSI16. Contributo para a Democracia. Adriano Neves José Fernandes Luis Silva Paulo Gama

NP Sistema de gestão da responsabilidade social: Parte I: Requisitos e linhas de orientação para a sua utilização

Representações e perceções da identidade profissional docente

Plano de Emergência Externo de Ílhavo

CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO Disciplina: Inglês

Acção n.º 41 Oficina de Escrita (Criativa) Modalidade: Oficina de Formação; Destinatários: Docentes dos grupos 110, 200, 210, 220 e 300

Código de Boa Conduta para a Prevenção e Combate ao Assédio no Trabalho

ESBOÇO PARA UM CÓDIGO DE NORMAS DE CONDUTA DOS TRABALHADORES

Francisco George Director Geral da Saúde

Concurso de Curtas STOP Sem Tabus, Opressões e Preconceitos - Regulamento

DECRETO N.º 210/IX REGULA A UTILIZAÇÃO DE CÂMARAS DE VÍDEO PELAS FORÇAS E SERVIÇOS DE SEGURANÇA EM LOCAIS PÚBLICOS DE UTILIZAÇÃO COMUM

Governação Baseada em Direitos da Criança. tornando os direitos da criança numa realidade para as crianças. Glædelig Tillykke Jul

Transição para a Vida Independente de Jovens com Deficiência: Políticas Públicas e Práticas de Gestão Familiar

Apresentação do Mecanismo Multissectorial de Atendimento Integrado à Mulher Vítima de Violência Operacionalização do Atendimento Integrado

REGULAMENTO A. CONTEXTO. O Correio da Manhã (CM), assinala em 2019 os seus 40 anos.

CONVENÇÃO N.º 155 CONVENÇÃO SOBRE A SEGURANÇA, A SAÚDE DOS TRABALHADORES E O AMBIENTE DE TRABALHO

Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Deliberação 23/CONT-I/2011

Constelações Familiares. Parecer da OPP. # Categoria # Autoria # Documento. Lisboa. Pareceres Gabinete de Estudos OPP Junho 2019

FEDERATION INTERNATIONALE DES FEMMES DES CARRIERES JURIDIQUES

Introdução Página 2 A CPCJ de Boticas Página 3 Plano de Atividades Página 4

saúde mental NA DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

Carta dos Direitos e Deveres do Doente

Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Deliberação 22-Q/2006 que adopta a Recomendação 6/2006

X Congresso dos ROC. Ordem dos Revisores Oficiais de Contas

A PARTICIPAÇÃO DA CRIANÇA NAS AÇÕES DE FAMÍLIA (PATRÍCIA PANISA)

NORMA INTERNACIONAL DE AUDITORIA 510 TRABALHOS DE AUDITORIA INICIAIS SALDOS DE ABERTURA ÍNDICE

DIREITOS HUMANOS. Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos: Instrumentos Normativos

ACTOS PROFISSIONAIS GIPE. Gabinete de Inovação Pedagógica

Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Deliberação 2/DJ/2011

Conceito De Liberdade Pessoal Tânia Fernandes

DISCIPLINA DE LÍNGUA PORTUGUESA ANO LECTIVO 2007/2008

Registos e Notariado ª Edição. Atualização nº 4

(apenas os artigos mais relavantes para a regulação da actividade jornalística)

CÓDIGO DE BOA CONDUTA ADMINISTRATIVA

Convenção n.º 111 da OIT, sobre a Discriminação em matéria de Emprego e Profissão

TEMA: O Caso Arruda O escândalo de corrupção que ocorreu no Distrito Federal com o ex-governador José Roberto Arruda Analisou coberturas

PRÁCTICA PROCESSUAL CIVIL. Consulta Jurídica

PROJECTO DE LEI N.º 378/IX ALTERAÇÃO DA IMAGEM FEMININA NOS MANUAIS ESCOLARES

Ana Teresa Pinto Leal Procuradora da República

Projecto Jornalismo e Sociedade. Princípios e desafios do jornalismo na época dos media digitais em rede

Política de Privacidade

DOCUMENTO ORIENTADOR

O envelhecimento ativo e as Pessoas com Deficiência

A Lei /17 significa o cumprimento, pelo Brasil, de normas internacionais, como o artigo 12, da Convenção sobre os Direitos da Criança, na qual

CÓDIGO DE BOA CONDUTA PARA A PREVENÇÃO E COMBATE AO ASSÉDIO NO TRABALHO. Cláusula 1.ª

Introdução Página 2 A CPCJ de Boticas Página 3 Plano de Atividades Página 4

A DIMENSÃO ÉTICO-LEGAL DO VIH E SIDA NAS ESTRUTURAS DE APOIO SOCIAL

REGULAMENTO DO PASSATEMPO GANHE UNS ÓCULOS VR ODISSEIA

Nelson Mota Gaspar USF Dafundo ACES Lisboa Ocidental e Oeiras

sobre o papel do Ministério Público fora do sistema de justiça penal

Educação Especial Josefa d Óbidos 2008/98

- Coleção objethos de Códigos Deontológicos - CÓDIGO DEONTOLÓGICO DO JORNALISTA

Concurso Escola Alerta! 2015/2016

Manual de Procedimentos de Proteção de dados. índice

Anexo III Conclusão Reflexiva

PROTOCOLO ENTRE FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE CORFEBOL (FPC) E O CNID ASSOCIAÇÃO DOS JORNALISTAS DE DESPORTO

DIRETIVA N.º 01/CR-ARC/2018

UMA POLÍTICA DE LÍNGUA PARA O PORTUGUÊS * INTRODUÇÃO

Novas Medidas da CMVM de Prevenção e Combate ao Abuso de Mercado. Carlos Tavares 21 de Fevereiro de 2008

Referencial de Educação Ambiental para a Sustentabilidade Flexibilidade Curricular e Eco-Escolas. Lisboa, 24 de julho de 2018

01/ Adesão das Escolas. 1. Apresentação da AMB3E

Transcrição:

Os direitos das crianças e os media Lidia Marôpo Universidade Nova de Lisboa Centro de Investigação Media e Jornalismo

Direitos, media e crianças Democracia Interesse de todas as pessoas deve ser representado (Crianças). Media >> Jornalismo Debate público: qual o lugar das crianças na sociedade e na política? Reconhecimento dos direitos e problemas que afectam as crianças. Sujeitos a forças económicas, políticas, culturais e tecnológicas. Agendamento: influência das fontes, dos media e das limitações e imposições das rotinas da profissão. Enquadramento: poder de interpretar, de definir problemas, diagnosticar causas, fazer julgamentos morais e sugerir soluções.

Crianças e direitos Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU (1989) Crianças são indivíduos, sujeitos de direito : não pertencem às famílias ou ao Estado. Igualdade» membros da família humana. Não discriminação. Interesse superior da criança. Direito à vida, à sobrevivência e ao desenvolvimento. Respeito pelas opiniões da criança. Direitos à provisão, à protecção e à participação. Capacidades em desenvolvimento X dependência como estado fixo. Seres independentes e afirmativos. De objecto para pessoa. Princípio de uma revolução ético-cultural lenta e longa (Monteiro, 2002)

Convenção sobre os Direitos da Criança: direitos de comunicação Artigo 3: seu superior interesse deve sempre ser prioritário. Artigo 12: direito à participação, a expressar a sua opinião e a que essa seja levada em conta nos assuntos que lhes dizem respeito. Artigo 13: direito à liberdade de expressão, liberdade de procurar, receber e expandir informações e ideias. Artigo 16: protecção à privacidade e contra ataques à honra e à reputação. Artigo 17: direito à informação de fontes diversificadas; incentiva os media a divulgar informações que beneficiem social e culturalmente as crianças e a protegê-las de conteúdos prejudiciais ao seu desenvolvimento.

Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Risco (Art. 90.º) 1 - Os órgãos de comunicação social, sempre que divulguem situações de crianças ou jovens em perigo, não podem identificar, nem transmitir elementos, sons ou imagens que permitam a sua identificação. 2 -...Podem relatar o conteúdo dos actos públicos do processo judicial de promoção e protecção. 3 -... O presidente da comissão de protecção ou o juiz do processo informam os órgãos de comunicação social sobre os factos, decisão e circunstâncias necessárias para a sua correcta compreensão.

Lei Tutelar Educativa (Art. 176º - Protecção da intimidade) 1. Os menores internados em centro educativo têm o direito a não ser fotografados ou filmados, bem como a não prestar declarações ou a dar entrevistas, contra a sua vontade. 2.... Têm o direito a ser inequivocamente informados, por um responsável do centro educativo, do teor, sentido e objectivos do pedido de entrevista. 3. Independentemente do consentimento dos menores, são proibidas: a) Entrevistas que incidam sobre a factualidade que determinou a intervenção tutelar; b) A divulgação de imagens ou de registos fonográficos que permitam a identificação.

Media e direitos das crianças: aspectos positivos Maior visibilidade das temáticas ligadas às crianças e jovens - Denúncia: maus-tratos, abuso sexual etc. - De assunto privado para alvo de debate público. - Maior debate sobre políticas públicas (acesso a creches, crianças em perigo, cuidados de saúde). - Mais atenção à privacidade das crianças.

Media e direitos das crianças: aspectos negativos Críticas à cobertura jornalística: académicos + jornalistas + activistas Escassez de notícias sobre crianças Identificação de crianças e jovens vítimas Raros enquadramentos na perspectiva dos direitos (leis pouco citadas) Emoção/sensacionalismo X compreensão (Problema público/político) Ausência de cobertura sobre o status e sobre o quotidiano das crianças. Foco privado/individual: casos singulares, dramáticos Seu filho ou podia ser seu filho X o filho dos outros Estereótipos: crianças vítimas inocentes X jovens como ameaças. Falta de monitorização das políticas e responsabilização do governo. Ausência de debate sobre causas e soluções para problemas. Ausência da voz das crianças: registo curioso, simpático, colorir.

Media e direitos: o que dizem as crianças e jovens Somos tratados de forma negativa e desvalorizados. Só falam da porcaria que os jovens fazem, nunca falam das coisas boas" (in Carvalho e Serrão, 2009). O que não gostam de ver nas notícias (Save the Children): Crianças engraçadinhas usadas de forma apelativa Fotos e descrições de crianças para provocar pena Adultos a falar pelas crianças quando elas sabem mais do tema Crianças exibidas como animais de circo Adultos a ridicularizar ou a desmerecer a opinião das crianças Adultos pondo palavras na boca das crianças/interrompendo-as Crianças retratadas como passivas, quando na verdade não são Jovens identificados como um só grupo problemático

Infância e saúde: a cobertura noticiosa Enquadramento político Políticas públicas de saúde são o foco. Limitações: frequentemente restrito ao anúncio de políticas a partir de fontes governamentais, sem contraponto de outras vozes, sem histórias de vida que humanizem o debate e sem monitorização destas políticas.

Infância e saúde: a cobertura noticiosa Enquadramento utilitário Informações de especialistas sobre como proteger as crianças. Limitações: tratamento privado, respostas governamentais são abordadas de forma superficial ou não são mencionadas.

Infância e saúde: a cobertura noticiosa Enquadramento Público Os desdobramentos do problema são acompanhados, actores sociais de vários campos são ouvidos. Político + utilitário. Tema com grande ausência das vozes das crianças e jovens: recipientes passivos de políticas públicas ou objectos de protecção

O papel das fontes de informação Matéria-prima do jornalismo. Entidade (instituição, organização, grupo ou indivíduo, seu porta-voz ou representante) que presta informações, fornece dados, planeia acções, avisa da ocorrência de factos, relata pormenores de um acontecimento. (Santos, 2006). Mesmo que estejam presentes, os jornalistas precisam das fontes para validar e interpretar as afirmações divulgadas na notícia. Fontes especialistas: credibilidade, experts desinteressados e objectivos, voz da ciência, intérpretes. Mais ouvidos: pediatras e psicólogos criança da família, a ser cuidada e protegida, predominância de uma visão individual e privada, porta-vozes das crianças.

Dicas para as fontes Disponibilidade, postura pró-activa, atitude pedagógica. Conhecer o processo de produção das notícias, profissionalizar a comunicação, planear acções noticiáveis, produzir dados consistentes. Estabelecer contactos mais próximos, individualizados e contínuos. Denunciar e tomar medidas em caso de desrespeito; elogiar os acertos. Construir em conjunto com os jornalistas orientações. Facilitar o acesso às crianças ou divulgar seu ponto de vista em relatórios. Criar prémios de jornalismo e títulos de jornalista amigo da criança, promover formações, diálogo com editores e directores.