INFUSÃO CONTINUA DE DIPIRONA EM UM CÃO SUBMETIDO À CISTOTOMIA E NEFROTOMIA - RELATO DE CASO Rochelle GORCZAK 1* ; Marilia Avila VALANDRO 1 ; Raimy Costa MARTINS 1 ; Marcelo ABATTI 2 ; Gabriela Ilha Jauriguiberry RODRIGUES 2 e André Vasconcelos SOARES 3 1 Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal, Universidade Federal do Pampa (Unipampa), Uruguaiana, RS, Brasil, *rochellegorczak@gmail.com. 2 Discente do curso de Medicina Veterinária Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). 3 Professor Doutor de Medicina Veterinária na UFSM. Resumo O manejo da dor é essencial, sendo que o uso de dipirona está comprovado no controle da dor pós-operatória em caninos, devido sua analgesia possibilitar controle da dor visceral suave a moderada sem efeitos colaterais quando administrada em bolus ou por infusão contínua. Objetivou-se relatar o uso da infusão contínua de dipirona como adjuvante analgésico em um canino, fêmea, da raça Shih-Tzu, seis anos de idade, pesando 4,5kg, submetido a cistotomia e nefrotomia no HVU-UFSM. O paciente apresentava sinais clínicos, e alterações laboratoriais e ultrassonográficas sugestivos de urólitos na vesícula urinária e pelve renal direita, sendo indicada a realização de cistotomia e nefrotomia. Na avaliação pré-anestésica, o animal foi classificado como ASA III, recebendo como medicação pré-anestésica metadona associada ao midazolam, ambos IM. A indução anestésica foi realizada com propofol e na manutenção foi utilizado isofluorano em oxigênio a 100%. Durante o procedimento, o paciente recebeu infusão continua de dipirona. No período trans-operatório avaliou-se FC, f, SpO 2, ETCO 2, PAM e TR que mantiveram-se estáveis durante esse período. Após o término do procedimento, o paciente teve um retorno tranquilo, mantido na infusão de dipirona por mais 30 minutos. Após cinco horas do término da cirurgia, administrou-se tramadol e dipirona. Assim, a infusão contínua de dipirona foi considerada efetiva como adjuvante no controle da dor para o referido procedimento Palavras-chave: analgesia, cão, cirurgia, metamizol. Key Words: analgesia, dog, surgery, metamizol. Revisão de literatura ANAIS 37ºANCLIVEPA p.0201
A urolitíase abrange cerca de 0,4 a 2% dos casos atendidos na clínica de pequenos animais (BOVEE e McGUIRE, 1984), considerado a terceira doença mais importante do sistema urinário em caninos domésticos (SOSNAR et al., 2005), onde a maioria (90%) dos cálculos urinários se localiza no aparelho urinário inferior (NELSON e COUTO, 2006) e os cálculos renais representam aproximadamente 4% destes casos de urolitíase. O tratamento clínico é menos traumático, mas pode ter recidiva, muitas vezes necessitando de intervenção cirúrgica com potencial de dor considerável (FOSSUM, 2008). A obstrução urinária é considerada uma situação emergencial, com efeitos sistêmicos (uremia), podendo levar à ruptura ureteral, vesical ou uretral (BEBCHUCK, 2004), resultando ainda em efusão e dor abdominal ou edema subcutâneo (NELSON e COUTO, 2006). A dor, sinal clínico observado em todas as fases dos procedimentos cirúrgicos, envolve reações fisiológicas complexas, não sendo apenas um incômodo (BASSANEZI e FILHO, 2006). A dor tratada incorretamente pode gerar efeitos negativos nos sistemas cardiovascular, respiratório, gastrintestinal, neuroendócrino e imune (BIEBUYCK, 1990). Nesse sentido, o fornecimento de analgesia adequada em um procedimento é de suma importância para o conforto do paciente. A administração de fármacos ou a utilização de técnicas analgésicas antes do paciente ser submetido à estímulos dolorosos, é conhecida como analgesia preemptiva, o que minimiza a hiperexcitabilidade, influenciando diretamente na qualidade e controle da dor pós-operatória (BASSANEZI e FILHO, 2006). A associação de analgésicos, como infusões de diferentes fármacos, no decorrer da anestesia inalatória é benéfica, potencializando a analgesia intra e pós-operatória (BEDNARSKI, 2014). O metamizol ou dipirona, utilizado no suporte analgésico quando pequenos animais apresentam dor aguda, também é indicado por sua ação antipirética (OTERO, 2005). Além disso, é classificada como uma pirazolona dentro dos AINES, sendo sua analgesia indicada para dor visceral suave a moderada, mas inadequada para dor pósoperatória moderada a grave (HANSON e MADDISON, 2010; SCH UTTER et al., 2015). O objetivo deste trabalho é relatar o uso da infusão contínua de dipirona como adjuvante analgésico em um canino submetido a cistotomia e nefrotomia. ANAIS 37ºANCLIVEPA p.0202
Descrição do caso Foi atendido, no Hospital Veterinário Universitário da UFSM, um canino da raça Shih- Tzu, fêmea, seis anos de idade e pesando 4,5 kg, com histórico de êmese há dois dias, dor abdominal, polidpsia e hematúria. O exame bioquímico sanguíneo apresentou elevação na creatinina (4,7mg/dL). A ecografia evidenciou estruturas hiperecoicas, compatíveis com urólitos, na vesícula urinária e pelve renal direita. Diante dos achados, optou-se pela nefrotomia direita e cistotomia, para retirada dos urólitos. Na avaliação pré-anestésica, o paciente foi classificado como ASA III, recebendo na medicaçãopré-anestésica, metadona (0,4 mg/kg) associada ao midazolam (0,3 mg/kg), ambos IM. A indução a anestesia geral foi realizada com propofol (4 mg/kg, IV) seguido da intubação orotraqueal com sonda Murphy de número 4. Após a indução, foi conectada a infusão contínua de dipirona (10 mg/kg/h, IV), visando potencialização da analgesia visceral. Na manutenção anestésica foi utilizado isofluorano (1 a 3 V%) em oxigênio a 100%. No período transoperatório, que durou 80 minutos, avaliou-se FC, f, SpO 2, ETCO 2, PAM e TR que mantiveram-se estáveis durante esse período. Ao término da cirurgia o paciente foi extubado em 3 minutos, apresentando retorno tranquilo e suave, mantido na infusão de dipirona por mais 30 minutos. Após cinco horas do término da cirurgia, administrou-se tramadol (5 mg/kg, SC) e dipirona (25 mg/kg, IV). O paciente não apresentou complicações pós-operatórias, mantendo-se estável, sem alterações nos parâmetros fisiológicos e sem presença de dor. Discussão Infusões de doses baixas de cetamina, lidocaína, opioides ou de associações, são indicadas para potencializar a analgesia já administrada. Quando associada à anestesia inalatória, se observa a diminuição significativa da concentração de anestésico inalatório necessária para a manutenção da anestesia (BEDNARSKI, 2014), como foi observada no decorrer do procedimento do paciente em questão. Otero (2005) realizou um estudo em pacientes caninos hospitalizados onde administrou dipirona (10 mg/kg/hora) por infusão contínua no controle da dor pós-operatória, registrando a diminuição dos valores nas escalas de dor e sem presença de efeitos ANAIS 37ºANCLIVEPA p.0203
colaterais. No entanto, o uso dessa infusão não foi relatado, até então, como tratamento no período trans-cirúrgico, como o utilizado no decorrer da cirurgia do caso relatado. Lamont e Mathews (2014) afirmam que a dipirona utilizada a curto prazo não causa úlcera gástrica ou nefrotoxicidade, mesmo em pacientes críticos, sinais não observados no paciente descrito. E afirmam que enquanto se utilizar uma infusão no paciente a concentração plasmática do fármaco se mantém adequada para manutenção analgésica, como foi no caso relatado que permaneceu por mais 30 minutos. Em outro estudo Sch utter e colaboradores (2015), administraram a dipirona no préoperatório de 17 caninos submetidos ovariohisterectomia e, com essa pesquisa, concluíram que o uso de tal fármaco como analgésico único não é recomendado. No entanto, o estudo indicou interligação entre o mecanismos de ação da dipirona e de opioides, indicando assim possíveis efeitos sinérgicos entre estes fármacos em cães, sendo indicado sua associação na medicação pré-anestésica, mesma associação utilizada no paciente. Conclusão Levando em conta a dor gerada pelo procedimento, o protocolo utilizado, com a infusão contínua de dipirona como adjuvante à anestesia, foi seguro e eficiente, e a analgesia referente à essa infusão foi adequada. REFERÊNCIAS BASSANEZI, B.S.B; FILHO, A.G.O. Analgesia pós-operatória. Colégio Brasileiro de Cirurgia. v. 33, n. 2, p. 116-122, 2006. BEBCHUCK, T. N. Cálculos e neoplasias na bexiga. In: HARARI, J. Segredos em cirurgia de pequenos animais. Porto Alegre: Artmed, 2004. p. 231-36. BEDNARSKI, R.M. Cães e Gatos. IN: TRANQUILLI, W.J.; THURMON, J.C; GRIMM, K.A. LUMB & JONES: Anestesiologia e Analgesia Veterinária. 4ª. Ed. São Paulo: Roca, 2014. p. 767-779. BIEBUYCK, J.F. The metabolic response to stress: an overview and update. Anesthesiology. v. 73, p. 308-327, 1990. ANAIS 37ºANCLIVEPA p.0204
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